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sábado, 6 de setembro de 2014

Vindimas do Douro -2014 - Acabam na Ervamoira as vindimas quando outras começam - Em Muxagata e Chãs, as primeiras vindimas do país - É arrancada do Douro Generoso e Sublime!

A antiga Quinta de Santa Maria, que, depois de vendida, foi batizada  de Ervamoira,  nome de uma planta daninha existente  nesta  área  –  e  que  no Brasil é conhecida por mata-cavalos. – pois, mas, por cá, só noutro tempo, quando as suas encostas eram lavradas com o arado. Agora, só existem vinhas e é tudo mecanizado – Sim, mas mesmo  a sorrir, de cara alegre,  debruçada ou levantada, veja bem o trabalho que dá...


Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista


As imagens, aqui publicadas, foram registadas em meados de Agosto, na Ervamoira e documentam as primeiras vindimas do Douro - Lamento não as valorizar com outra dimensão mas correria o risco de tornar  demasiado denso este post

Encontrava-me a passar uns dias pela  minha aldeia e não quis perder a oportunidade de peregrinar até à quinta, a que me ligam laços paternos muito  profundos- Inicialmente com o objetivo de uma reportagem para o quinzenário OFOZCOENSE,  publicada na sua última edição. Agora, com novas fotos e  texto mais extenso para vida-e-tempos.

 


Na verdade, a  partir de meados de Agosto, e muito antes de se falarem em vindimas no Douro e noutras regiões vinícolas, já se colhem uvas na Quinta da Ervamoira (Muxagata) e nalgumas ladeiras de Chãs, dirigidas pela Casa Ramos Pinto  – É o culminar de um longo rosário de trabalhos e canseiras, de entrega, amor e de muitos sacrifícios. 

Todas as manhãs, de segunda a Sábado, ainda os raios solares mal despontam pelas ladeiras, já uma extensa fila de  carrinhas da empresa (e outras alugadas), que partiram  de vários pontos dos concelhos vizinhos, Meda, Trancoso e Penedono, serpenteiam estradas e caminhos, dirigindo-se numa autêntica caravana em direção à mais famosa quinta do Vale do Côa. - Para, depois das quatro da tarde, a abandonarem deixando atrás das rodeiras uma onda de poeira branca

                                
CONCELHO DE FOZ CÔA – NA LINHA DA FRENTE DAS VINDIMAS E DOS VINHOS MAIS FAMOSOS DO MUNDO

Foz Côa faz parte da sub-região do Douro Superior, concelho onde se produzem os vinhos mas afamados de Portugal, e, porventura, do mundo: desde o emblemático Barca Velha e Duas Quintas, a outras marcas, que já conquistaram o mercado e prestígio nacional e internacional. Além disso, é aqui que se iniciam as primeiras vindimas.

    A DEPENDÊNCIA DA ETERNA METEREOLOGIA

Os calores dos dois primeiros dias de Setembro foram de rachar, quando era suposto serem mais amenos mas o Outono aproxima-se e o tempo tenderá, inevitavelmente, a refrescar 

- Por isso,  aí estão as chuvas, em força. Se bem que já custe a compreender quando acaba uma estação e termina a outra – Esteja o tempo que estiver, chegou o tempo da vindima – Nas zonas vinícolas, mais frescas, é  lá mais para o fim do mês ou mesmo em Outubro, porém, em certas zonas da chamada terra quente, a vindima começa mais cedo.  

Se, entretanto,  são Pedro não nos pregar nenhuma partida, a nossa maior riqueza natural, até nem é tão pouca quanto isso,  e de boa qualidade – Vamos, pois, confiar que os agricultores não continuem ser as eternas vítimas das inconstâncias ou calamidades meteorológicas. 
 
Apesar do ano,  ser mais fresco e chuvoso que nos anos anteriores, pois os calores tardaram a vir, e, ao que parece, as maiores temperaturas, só agora se registaram nos primeiros dias de Setembro, observam-se  boas uvas e, certamente, que também deverá haver bom vinho. Pelo menos, a maturação não foi retardada nesta zona. Não obstou que a tradição deixasse de se cumprir, com um rancho que, nalguns dias,  chegou a aproximar-se de quase uma centena de  pessoas, liderado pelos encarregados, o Sr. Cândido, de Freixo de Numão e o Sr. José Manuel, de Chãs.  

 NA ERVAMOIRA MANTEVE-SE A TRADIÇÃO


A Quinta da Ervamoira,  propriedade administrada pela Casa Ramos Pinto, fica situada na margem esquerda do Côa,  com perto de 200 hetares de vinha, distribuídos por suaves colinas, que variam entre os 110 m e os 340 m de altitude por terrenos de Chãs e Muxagata, concelho de Vila Nova de Foz Côa

A VINDIMA É UMA FESTA  AO SOL  DOURADO DO DOURO - MESMO COM CALORES ACIMA DOS 30 GRAUS

A vindima é uma festa, nas vozes  vivas e alegres que se ouvem por entre o verde fresco  das videiras, no colorido das vestes dos vindimeiros e vindimeiras, e, sobretudo,   no dourado das uvas brancas ou no regro retinto de outras castas mais nobres que vão dar  o inconfundível vinho generoso ou de consumo  Sem dúvida, uma autêntica  aventura dos sentidos. Ainda a uva não foi exprimida, mantendo intactos o seu brilho, a sua cor  e os seus néctares, mas já embriaga os olhos, o coração e o paladar.  Cortar o cacho para o cesto (que já não é de vime mas de plástico) e transportá-lo para as tinas ou caixas, é como que um ritual ao mesmo tempo sacrílego, religioso e pagão. – Termina-se um valado e logo outro se recomeça. Quase não há paragens ou tempo de se erguerem as costas, senão para mudar de videira ou de valado  ou para o saciar da sede  das gargantas ressequidas. O esforço é enorme e galvanizante mas ninguém o exprime verbalmente, senão quando chega o momento de matar a sede  – E, todavia, não há voz que emudeça ou que se cale. Correm ditos, namoriscos  e graças pelos ares.

Sim, a  bem dizer, nas vindimas não há tristeza mas há muito sacrifício, o trabalho é duro. Embora, o esforço exigido seja constante pois vindimar, é isso mesmo: uma azáfama permanente, porém, numa tal amálgama ou cavalgada  de quase entontecer ou de embriagar os sentidos, pois, em cada videira, há sempre uma renovada surpresa, cachos e mais cachos, que são uma tentação, aos olhos, ao paladar,  aos dedos que desunham de tesoura em riste, como dádiva sagrada que espera uma mão generosa que os colha e lhe dê o merecido destino.

Já não é a vindima de outro tempo: das cestas e dos cestos. E também dos cantares, que se ouviam  por entre a folhagem ou depois da jeira terminada. 



Trabalhava-se de sol a sol  e não sob o cronómetro apressado das oito horas. Mais esforço de que agora?!... Nem por isso. Agora, e sobretudo nas grandes quintas, quem não der o litro é dispensado: o rancho está sempre sob o olhar atento do capataz ou do encarregado.

Todavia, a  vindima é bonita de se ver – Para quem está de fora e também  para  quem a faz: mesmo  à custa de muito suor, acaba por gostar de a fazer ou, pelo menos, de adiar o sofrimento para o fim de cada jornada, ao regressar a casa derreado e, depois da ceia, cair na cama como um prego, a fim de recompor energias para a manhã  seguinte. 

AGUADEIRO DE SERVIÇO – O HOMEM MAIS PROCURADO DE MANHÃ E DE TARDE –

Sem cerimónia, poucos se importam de beber pela mesma caneca: mesmo pondo à disposição, três ou quatro para dezenas de bocas, é muito pouco; há olhares e rostos impacientes; gargantas ressequidas que quase desesperam pelo momento de levarem a água aos lábios.

Presumo que não seria difícil distribuir um pequeno copo de plástico, tal como se distribuiu  a tesoura de poda para cortar as uvas, sim, porque a higiene no trabalho,  é fundamental, é sempre um aspeto a não descurar. Já lá vai o tempo das uvas serem pisadas e dos pés se lavarem no próprio mosto.  Todavia, se a iniciativa não é patronal, há, no entanto, quem seja mais cauteloso e jogue pelo seguro – não vá apanhar algum herpes labial – e leve a sua garrafita de plástico, colocando-a, destramente, por baixo do garrafão do aguadeiro. Contudo, a maioria não olha a cerimónias.

Há dias mais quentes e outros um pouco mais frescos. Mas o que não falta é suor escorrendo da testa, inundando os olhos de cada rosto, escorrendo pela face de  homens e mulheres que se debruçam sobre as videiras para cortarem as belas uvas do tinto ou do branco – E, pelo que me foi dado constatar, numas tardes embraseadas de Agosto, não há água que mate a sede, por mais que o aguadeiro de serviço a faça verter para os copos dos braços que se estendem em seu redor, quase com a mesma avidez do suplicio de Tântalo – Oh mas que martírio despendido para se obter o tão apetecido vinho, que é também conhecido pela lágrima de Cristo!

EMPREITEIROS VINHATEIROS – A NOVA ESCRAVATURA NO DOURO –SERVIDA POR DESEMPREGADOS(AS), ESTUDANTES  E DOMÉSTICAS – MAS TAMBÉM A ROMENOS E OUTROS ESTRANGEIROS – QUE DIRIA, AGORA, MIGUEL TORGA?

“O que é bonito neste mundo, e anima,/É ver que na vindima/De cada sonho/
Fica a cepa a sonhar outra aventura…/E que a doçura/Que se não prova/Se transfigura/Numa doçura/Muito mais pura/E muito mais nova…”
Mas o que diria, agora, Miguel Torga, face ao egoísmo desmesurado e à persistente desumanização dos novos tempos?

As vindimas no Douro, que, com a entrada de Setembro,  também já   começaram noutras zonas,  oferecem-se como oportunidade de trabalho para desempregados, estudantes ou domésticas  - e até estrangeiros -  que se dirigem às  quintas na expetativa de ganharem uns trocados. No entanto, é também uma ocasião para empreiteiros agrícolas, sem escrúpulos – e até por parte de alguns gananciosos agrários – exploraram a mão-de-obra barata – Referem as noticias que, este ano, “nas vinhas de Lamego, o salário médio diário é de 25 euros para os que cortam as uvas, mas atinge os 50 euros para quem carrega os cestos” “Um pouco mais acima, no concelho de Murça, a diária está a ser paga a 30 euros para as mulheres, 35 homens e 45 para os que transportam os cestos de uvas."

Os explorados, são, sobretudo, os romenos e de outros países do leste –Mas também há muita gente  que, por não ter outra solução, seja presa fácil dos tais empreiteiros agrícolas, que, tal como também já foi referido pela imprensa, “lhes ficam com uma percentagem do salário mas sem nunca assinarem qualquer contrato. anteciparam-se aos inspectores e retiraram os romenos ilegais das vindimas, para evitar as consequentes multas.


"Vêm com a roupa do corpo e entregam-se aos empreiteiros"

Desde 2007, que “as estatísticas do INE  mostram que os romenos constituem a segunda maior comunidade de imigrantes em Portugal, logo a seguir aos brasileiros. Num artigo, publicado pelo jornal  PÚBLICO,  em 2008, já então se dizia que, muitos desses emigrantes, “chegam apenas com a roupa do corpo. Quase sempre "chamados" por familiares ou por promessas vagas de emprego. Agrupam-se em apartamentos cuja renda é inflacionada pela procura e que pagam por cabeça. Não dominam a língua. E são postos a trabalhar nas vindimas, à mercê de "empreiteiros agrícolas" que lhes ficam com uma percentagem elevada do salário.

Atualmente, são eles a maior força de mão-de-obra da lavoura, nomeadamente no distrito de Vila Real – Como alguém, já advertiu “não faz sentido que ganhem menos que os de cá", desabafa, desalentado, Francisco Ribeiro, no seu gabinete. "Andam sem contratos, não fazem descontos nem nada, estão à mercê desses empreiteiros que lhes pagam vinte euros ao dia e os vendem a trinta"

RAMOS PINTO – PAGA 35 EUROS E NÃO RECORRE A EMPREITEIROS OPORTUNISTAS

 A “Ramos Pinto” é  uma das poucas empresas que tem a sua frota própria, e, a que lhe falta, aluga-a, e, nalguns casos, com  os motoristas donos das carrinhas ou camionetas, enquanto, noutras quintas do Douro, o recrutamento é feito por empreiteiros parasitas,  que ficam com uma parte do soldo da jeira do trabalhador, sistema já classificado como a escravatura dos novos tempos

      "O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza”

      Falar do Douro é também lembrar a poesia, os contos e os romances de Miguel Torga. Não houve outro poeta que, como ele, exprimisse o seu o seu amor à terra, à sua rudeza, à sua grandeza, onde “o povo que dela vive e aluga os braços em ocasiões difíceis, para sobreviver”.

Miguel Torga, no prefácio que fez numa das posteriores edições do romance As Vindimas, disse: "Querido leitor: -Vais ler um livro que eu hoje teria escrito doutra maneira. Cingido à realidade humana do momento, romanceei um Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse Doiro, felizmente, está em vias de mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar certas más consciências, num, enfim, em muitos aspectos, e sensivelmente diferente do que descrevi. Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas degradantes, os salários de fome. As rogas descem da Montanha de camioneta, a alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões, afogados em albufeiras de calmaria.” – Pois, mas o presente, em muitos aspetos, é já pior que noutro tempos.


É verdade, não há os “patrões tirânicos”, como antigamente, porque, muitos deles delegaram noutros as suas responsabilidades, mas há empreiteiros que fazem quase pior que os contratados que iam de Cabo Verde para S. Tomé – Por sinal, no Douro, há mão-de-obra africana e  de alguns países do leste, explorados até à medula. Fomos encontrar uma jovem mãe cabo-verdiana, natural de Santiago, que reside há quatro anos, em Trancoso, mas feliz por trabalhar no rancho da Ramos Pinto. Pediu-nos para mandar um beijinho ao seu amado filhinho, através de um vídeo que gravámos. Todavia, esse panorama parece  ser bem diferente, noutras quintas ou explorações agrícolas

ERVAMOIRA, A QUINTA QUE JÁ FOI DE SANTA MARIA E PERTENCEU A DUAS FREGUESIAS – Chãs e Muxagata

Assim o explicam os termos históricos, que não oferecem dúvidas a quem queira interessar-se pelo passado rural e geográfico de ambas as aldeias – Estando, contudo, a maior área incluída no termo de Chás, que passou a freguesia, por alturas de 1888, numa das áreas do termo de Longroiva. Houve quem dissesse que o marco existente era a cruz incrustada na casa da Quinta, nada disso:

De acordo com os documentos existentes na Torre do Tombo,  a ribeira da Fonte do Junco, serve de divisão e vai sempre meia água por entre duas fragas que faz a divisão perpétua e daí deixando a ribeira da Fonte do Junco onde se ajunta com o Côa. Saindo dela contra o Poente com uma volta e marco contra sudoeste começando a partir com o termo de Muxagata que fica para Norte do lado direito indo águas vertentes até um cabeço e daí pela Eira dos Barreiros, indo em volta dessa parte até à estrada onde se chama a Quinta do Mayo até ao cimo do vale"  - . E a descrição da linha limite do termo de Muxagata, também coincidente com a do termo de Longroiva, vem ainda tomar mais clara essa mesma definição, ao referir que a dita linha divisória segue pelas vertentes e Eiras até em estar na foz da Ribeira da Fonte do Junco.

Eu, próprio, Jorge Trabulo Marques, e meu primo, Joaquim Manuel Trabulo, em Outubro de 2000, apresentamos uma exposição acerca dos limites territoriais da Freguesia de Chãs, ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento, que nos deu parecer favorável, só que, depois não houve vontade política por parte da câmara municipal. 
Porém, depois que foi vendida, não se sabe bem por que razões, optou-se por beneficiar apenas uma delas, Muxagata, sendo certo que o escoamento é feito praticamente pelos seus caminhos e calçadas de Chãs – E bastaria só este fato para que, face à nova lei do ordenamento do território, passasse a pertencer à freguesia para a qual  tem a principal serventia. Contudo, por uma questão de bom senso, bom era, que se retomasse a tradição: contentaria ambas as freguesias e nenhuma delas ficaria prejudicada

QUINTAS DO CONCELHO, ARRECADAM MILHÕES MAS IGNORAM A IMPRENSA LOCAL E OS EVENTOS CULTURAIS – CONTUDO, GASTAM MILHARES EM ANÚNCIOS LÁ FORA

No concelho de Vila Nova de Foz Côa, situam-se várias quintas e empresas de produção de vinho e de azeite, mas  são escassos os apoios a eventos culturais – Nas festas religiosas e outras atividades festivas. Nem ao menos  um anúncio ou a publicação do seu relatório de contas no jornal local.  Além de poderem contribuir para a sua manutenção, dariam a conhecer a sua atividade. Não lhe concedem o menor apoio e importância.

Por altura da polémica das gravuras-barragens, a firma Ramos Pinto, ainda chegou a conceder alguma publicidade no extinto jornal “ECOA”, que então tomou a defesa do Vale do Côa.

DE QUINTA DE SANTA MARIA A ERVAMOIRA ENCANTADA

Este é o vale na sua  mais vasta e surpreendente beleza e abertura. Agora, ali, aos meus pés, ante meus olhos, de novo maravilhados, com aquele belíssimo vinhedo a estender-se, como hino de vida e de verdura, distribuindo-se como que em numerosos quadros,  tais são as muitas parcelas em que, com impressionante alinhamento, e dividas por caminhos, se encontram as ramadas ou talhões dos cerca de 200 hectares de videiras, prefigurando um autêntico oásis, enquanto, nas encostas em frente, despontam  escassas oliveiras ou amendoeiras e o solo se mostra como que torrado de secura.


Natural de Chãs, não podia ficar indiferente ao início das vindimas numa das mais belas quintas do Douro -   Além disso,  a  Ervamoira, que, noutro tempo, dava pelo nome de Quinta de Santa Maria, num tempo em que  apenas  era aproveitada para cultivo de cereais – de centeio, trigo e cevada  e pastorícia  - mas que, depois de vendida à Ramos Pinto (que já se desfizera e passara  à condição  de administradora, sendo pertença de franceses), sim, tais íngremes encostas, situadas naquela espécie de concha sagrada, que se abre na margem esquerda do Vale Sagrado, na verdade, dizem- me muito; prendem-me a ela  laços  afetivos, muito profundos, desde o meu bisavô paterno, vindo do Colmeal, o primeiro caseiro da  família.  Pois foi também ali que  nasceu o seu filho, meu avô, e também o meu pai e os seus irmãos, meus tios, que ali mourejaram, fazendo daquele espaço a sua vida e o seu mundo.

    Todos os anos, por altura de Agosto, vou até lá   numa espécie de romagem de saudade, aproveitando para dar um mergulho nas águas quentes do  Côa,  como que a recordar os recuados tempos da minha adolescência, onde cheguei a pernoitar algumas vezes ou acompanhar  o mau pai, quando ali  ia tirar o mel das suas colmeias – A paisagem é diferente mas não mudou a memória.

VINDIMAS NAS TRECADAS - CHÃS

      Naturalmente que, ao deslocar-me numa manhã de Agosto à Ervamoira, ia também na intenção de observar a vindima e fazer mais uns registos  fotográficos. Porém, aconteceu que, nesse dia, tinham ido vindimar para a Vinha do Silvério Droga – e foi também o que fizeram no dia seguinte, na vinha do José Sobral, nas Trecadas, (a que já pude assistir) uma vez que a Ervamoira, também faz as colheitas de alguns agricultores. Todavia,  mesmo vindimando noutras propriedades, é lá que  o rancho vai almoçar. 

 MUSEU DE SÍTIO

     O piso térreo da antiga quinta, foi transformado num fantástico Museu de Sítio (concebido, graças às escavações e ao trabalho laborioso do arqueológico, Gonçalves Guimarães), permitindo visitas guiadas, mediante marcação prévia

"Pretende retratar todos os aspectos culturais da região. Assim, na primeira sala, podemos encontrar o Património Natural, desde a Geologia à Biologia; na segunda sala é apresentada a estação arqueológica da Quinta descoberta em 1985 e com ocupação romana e medieval; a terceira sala apresenta os aspectos antropológicos e etnográficos da região, desde os antigos meios de transporte e a olaria até à tradicional produção de amêndoa, azeitona, figos e, naturalmente a vinha, para além de outras actividades ancestrais corno a pastorícia, a mineração e a construção"

Ao lado da antiga casa da Quinta foram construídas novas  instalações para serviço doméstico. E foi ali que tive o primeiro contato com muitos dos rostos do rancho, reunidos em pequenos grupos, com o seu farnel, num agradável convívio, retemperando forças  de quem pega às sete da manhã e termina a jorna às quatro da tarde, com uma hora de intervalo da uma às duas para ganhar 35 euros. Gente simpática e comunicativa, jovem e mais velha. Até estudantes, um dos quais de engenharia ambiental, natural de Meda, que estava ali para ganhar uns cobres a fim de custear as despesas dos estudos.
  
     Houve quem nos dissesse (na vindima da vinha do José Sobral, o último caseiro histórico da Quinta), quando lhe perguntámos se “vindimar era uma festa” e se “estava ali por gosto”, sim, respondeu-nos  que estava ali por necessidade: sobretudo para as pessoas desempregadas, que perderam o seu emprego:  a vindima não é uma festa mas uma oportunidade de trabalho. Poderá ser para quem está mais habituado às lides da lavoura. Comparada com a rudeza de outros trabalhos,  há sempre um bago a dois palmos da boca – Sim, e quão dulcíssimos e gostosos, não são estes bagos do Douro Maravilhoso! Ou não fosse do seu mosto que se produz o  famoso vinho do Porto!

     De  frisar que, a vindima na Ervamoira,  inicia-se com a colheita do moscatel branco, e, segundo os seus técnicos,  lentamente com as castas brancas à espera da maturação. Além disso referem que , a“Ervamoira foi a primeira Quinta do Douro a ser plantada totalmente ao alto e por talhões, correspondendo  a cada talhão uma casta diferente, que  permite um melhor controle sobre a maturação das uvas, colhendo-as na altura ideal de acordo com a altitude, a exposição solar e a casta, propiciando aos vinhos o equilíbrio entre acidez e grande expressão aromática”


ERVA-MOIRA – NOME DE  PLANTA MATA CAVALOS

Ambas são plantas tóxicas mas os bagos da moira são os   da direita - A Quinta de Santa Maria, como em toda  a vida, lhe chamaram  quatro  gerações, ao ser vendida a José António Ramos Pinto Rosa, mudou de donos e de nome  pelo facto de existir na região do Douro outra quinta chamada Santa Maria.

O nome escolhido adveio do titulo de um  romance escrito pela  escritora francesa, Chantal, que se havia lembrado desta quinta e de a associar  ao nome de Erva-moura – ou seja, de uma planta herbácea da família das solanaceaes, originária da Eurásia, disseminada em várias parte do mundo, existente nesta quinta mas com muito má fama para quem verdadeiramente a conhece, visto ser considerada potencialmente tóxica, sendo popularmente conhecida nalgumas regiões do Brasil como "mata-cavalo" ou arrebenta cavalo

Curiosa coincidência, porque, pelo menos teve o condão de contribuir para a salvaguarda dos auroques rupestres, dado o empenhamento por esta quinta em defesa do património natural e arqueológico da quinta e do vale.


POR ESTA QUINTA PASSARAM  A avaliar pelas escavações, ali efetuadas (para já não falar dos homens do paleolítico, de há mais de 20 mil anos), nomeadamente “Ao longo de dois mil anos:  soldados, carreteiros, mercadores, funcionários, almocreves, sacerdotes ... romanos, visigodos, berberes, leoneses, portugueses ... Os que iam permanecendo lavravam os campos, acendiam a forja, teciam a lã, semeavam centeio, plantavam a vinha e a oliveira, vivendo dependentes das grandes mudanças lá longe, mas cm convivência pacífica com a Natureza."

NOMES DOS ANTIGOS DONOS DA QUINTA DE SANTA MARIA – ATUAL ERVAMOIRA

 Albano Chaves, autor de dois interessantes ensaios (a que já me referi neste site), sobre origem medieval dos Dona-Boto, faz a cronologia dos nomes dos antigos proprietários aos quais pertenceu a Quinta de Santa Maria, atual Ervamoira


"O advogado Francisco António de Almeida e Sousa Donas-Boto (Valongo dos Azeites, São João da Pesqueira, 1851 – 1920), formado em Direito na Universidade de Coimbra e casado em Valongo dos Azeites, em 1880, com sua prima Jerónima Benedita de Almeida e Sousa Melo, senhora da Casa de Valongo dos Azeites, onde nasceu em Outubro de 1859, herdou, por morte de sua mãe, entre outras propriedades, a Quinta de Santa Maria, junto ao Rio Côa, que hoje se chama Quinta da Ervamoira e pertence à firma Ramos Pinto. A escritura de partilhas foi lavrada na Casa do Cruzeiro a 5.10.1891 pelo tabelião José Ribeiro da Cruz da Comarca de Foz Côa. Era filho de Francisco António Monteiro de Sousa Donas-Boto, Bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, nascido na Muxagata em 1819, e de sua mulher Ana de Jesus Maria de Almeida e Sousa, nascida em 1819 em Valongo dos Azeites, e falecida na Muxagata em 1890, filha do Cap. Francisco António de Almeida e de sua mulher Maria Vitória de Sousa; neta paterna de Alexandre José de Carvalho, de Chosendo (filho de Francisco Rodrigues e sua mulher Maria Teresa de Carvalho, ambos de Chosendo), e de sua mulher Catarina Maria de Almeida (viúva de Manuel Cabral, de Caria), de Valongo (filha de Jorge António de Almeida, de Valongo, e de Rosa Maria de Sousa Pinto, da Quinta das Seixas, freguesia de Valongo); neta materna de Francisco José de Sousa, de Sebadelhe, e de sua mulher Maria Ramos, da Quinta de Vale Cheinho, freguesia de Chãs de Longroiva, se bem que também apareça como Quinta de Vale Cerdeira, freguesia de Muxagata

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