Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Encontrava-me a passar uns dias pela minha aldeia e não quis perder a oportunidade
de peregrinar até à quinta, a que me ligam laços paternos muito profundos- Inicialmente com o objetivo de uma
reportagem para o quinzenário OFOZCOENSE,
publicada na sua última edição. Agora,
com novas fotos e texto mais extenso
para vida-e-tempos.

CONCELHO DE FOZ CÔA – NA
LINHA DA FRENTE DAS VINDIMAS E DOS VINHOS MAIS FAMOSOS DO MUNDO
A DEPENDÊNCIA DA ETERNA METEREOLOGIA
- Por isso, aí estão as chuvas, em força. Se bem que já custe a compreender quando acaba uma estação e termina a outra – Esteja o tempo que estiver, chegou o tempo da vindima – Nas zonas vinícolas, mais frescas, é lá mais para o fim do mês ou mesmo em Outubro, porém, em certas zonas da chamada terra quente, a vindima começa mais cedo.
Se, entretanto, são Pedro não nos pregar nenhuma partida, a nossa maior riqueza natural, até nem é tão pouca quanto isso, e de boa qualidade – Vamos, pois, confiar que
os agricultores não continuem ser as eternas vítimas das inconstâncias ou
calamidades meteorológicas.

Apesar do ano, ser mais fresco e chuvoso que
nos anos anteriores, pois os calores tardaram a vir, e, ao que parece, as
maiores temperaturas, só agora se registaram nos primeiros dias de Setembro,
observam-se boas uvas e,
certamente, que também deverá haver bom vinho. Pelo menos, a maturação não foi
retardada nesta zona. Não obstou que a tradição deixasse de se cumprir, com um
rancho que, nalguns dias, chegou a
aproximar-se de quase uma centena de pessoas,
liderado pelos encarregados, o Sr. Cândido, de Freixo de Numão e o Sr. José
Manuel, de Chãs.
NA ERVAMOIRA MANTEVE-SE A TRADIÇÃO
A Quinta da Ervamoira, propriedade administrada pela Casa Ramos
Pinto, fica situada na margem esquerda do Côa,
com perto de 200 hetares de vinha, distribuídos por suaves colinas, que
variam entre os 110 m e os
340 m de altitude por terrenos de Chãs e Muxagata, concelho de Vila Nova de Foz
Côa
A VINDIMA É UMA FESTA AO SOL DOURADO DO DOURO - MESMO COM
CALORES ACIMA DOS 30 GRAUS
Sim, a bem dizer, nas vindimas não há
tristeza mas há muito sacrifício, o trabalho é duro. Embora, o esforço exigido
seja constante pois vindimar, é isso mesmo: uma azáfama permanente, porém, numa
tal amálgama ou cavalgada de
quase entontecer ou de embriagar os sentidos, pois, em cada videira, há sempre
uma renovada surpresa, cachos e mais cachos, que são uma tentação, aos olhos,
ao paladar, aos dedos que
desunham de tesoura em riste, como dádiva sagrada que espera uma mão generosa
que os colha e lhe dê o merecido destino.
Todavia, a vindima é bonita
de se ver – Para quem está de fora e também para quem a faz: mesmo à custa de muito suor, acaba por
gostar de a fazer ou, pelo menos, de adiar o sofrimento para o fim de cada
jornada, ao regressar a casa derreado e, depois da ceia, cair na cama como um
prego, a fim de recompor energias para a manhã seguinte.
AGUADEIRO DE SERVIÇO – O
HOMEM MAIS PROCURADO DE MANHÃ E DE TARDE –
EMPREITEIROS VINHATEIROS – A
NOVA ESCRAVATURA NO DOURO –SERVIDA POR DESEMPREGADOS(AS), ESTUDANTES E DOMÉSTICAS – MAS TAMBÉM A ROMENOS E OUTROS ESTRANGEIROS – QUE DIRIA, AGORA, MIGUEL TORGA?
Fica a cepa a sonhar outra aventura…/E que a doçura/Que se não prova/Se transfigura/Numa doçura/Muito mais pura/E muito mais nova…” Mas o que diria, agora, Miguel Torga, face ao egoísmo desmesurado e à persistente desumanização dos novos tempos?
As vindimas no Douro, que, com a entrada
de Setembro, também já começaram noutras zonas, oferecem-se como oportunidade de trabalho
para desempregados, estudantes ou domésticas
- e até estrangeiros - que se
dirigem às quintas na expetativa de
ganharem uns trocados. No entanto, é também uma ocasião para empreiteiros
agrícolas, sem escrúpulos – e até por parte de alguns gananciosos agrários – exploraram
a mão-de-obra barata – Referem as noticias que, este ano, “nas vinhas de
Lamego, o salário médio diário é de 25 euros para os que cortam as uvas, mas
atinge os 50 euros para quem carrega os cestos” “Um pouco mais acima, no
concelho de Murça, a diária está a ser paga a 30 euros para as mulheres, 35
homens e 45 para os que transportam os cestos de uvas."
"Vêm com a roupa do
corpo e entregam-se aos empreiteiros"
RAMOS PINTO – PAGA 35 EUROS E NÃO RECORRE
A EMPREITEIROS OPORTUNISTAS
A “Ramos Pinto” é uma das poucas empresas que tem a sua frota
própria, e, a que lhe falta, aluga-a, e, nalguns casos, com os motoristas donos das carrinhas ou
camionetas, enquanto, noutras quintas do Douro, o recrutamento é feito por
empreiteiros parasitas, que
ficam com uma parte do soldo da jeira do trabalhador, sistema já classificado
como a escravatura dos novos tempos
Falar do
Douro é também lembrar a poesia, os contos e os romances de Miguel Torga. Não
houve outro poeta que, como ele, exprimisse o seu o seu amor à terra, à sua
rudeza, à sua grandeza, onde “o povo que dela vive e aluga os braços em
ocasiões difíceis, para sobreviver”.
ERVAMOIRA, A QUINTA QUE JÁ
FOI DE SANTA MARIA E PERTENCEU A DUAS FREGUESIAS – Chãs e Muxagata
Eu, próprio, Jorge Trabulo Marques, e meu primo, Joaquim
Manuel Trabulo, em Outubro de 2000, apresentamos uma exposição acerca dos
limites territoriais da Freguesia de Chãs, ao Ministério do Ambiente e do
Ordenamento, que nos deu parecer favorável, só que, depois não houve vontade
política por parte da câmara municipal.
Porém, depois que foi
vendida, não se sabe bem por que razões, optou-se por beneficiar apenas uma
delas, Muxagata, sendo certo que o escoamento é feito praticamente pelos seus
caminhos e calçadas de Chãs – E bastaria só este fato para que, face à nova lei
do ordenamento do território, passasse a pertencer à freguesia para a qual tem a principal serventia. Contudo, por uma
questão de bom senso, bom era, que se retomasse a tradição: contentaria ambas
as freguesias e nenhuma delas ficaria prejudicada
QUINTAS DO CONCELHO, ARRECADAM
MILHÕES MAS IGNORAM A IMPRENSA LOCAL E OS EVENTOS CULTURAIS – CONTUDO, GASTAM
MILHARES EM ANÚNCIOS LÁ FORA
Por altura da polémica das
gravuras-barragens, a firma Ramos Pinto, ainda chegou a conceder alguma
publicidade no extinto jornal “ECOA”, que então tomou a defesa do Vale do Côa.
DE QUINTA DE SANTA MARIA A
ERVAMOIRA ENCANTADA
Este é o vale na sua mais vasta e surpreendente beleza e abertura. Agora,
ali, aos meus pés, ante meus olhos, de novo maravilhados, com aquele belíssimo
vinhedo a estender-se, como hino de vida e de verdura, distribuindo-se como que
em numerosos quadros, tais são as muitas
parcelas em que, com impressionante alinhamento, e dividas por caminhos, se
encontram as ramadas ou talhões dos cerca de 200 hectares de videiras,
prefigurando um autêntico oásis, enquanto, nas encostas em frente, despontam escassas oliveiras ou amendoeiras e o solo se mostra como que torrado de secura.
Natural de Chãs, não podia
ficar indiferente ao início das vindimas numa das mais belas quintas do Douro - Além disso, a Ervamoira,
que, noutro tempo, dava pelo nome de Quinta de Santa Maria, num tempo em que apenas era aproveitada para cultivo de
cereais – de centeio, trigo e cevada e
pastorícia - mas que,
depois de vendida à Ramos Pinto (que já se desfizera e passara à condição de administradora, sendo
pertença de franceses), sim, tais íngremes encostas, situadas naquela espécie
de concha sagrada, que se abre na margem esquerda do Vale Sagrado, na verdade,
dizem- me muito; prendem-me a ela laços afetivos, muito profundos, desde
o meu bisavô paterno, vindo do Colmeal, o primeiro caseiro da família. Pois foi também ali que nasceu o seu filho, meu avô, e
também o meu pai e os seus irmãos, meus tios, que ali mourejaram, fazendo
daquele espaço a sua vida e o seu mundo.
VINDIMAS NAS TRECADAS - CHÃS
MUSEU DE SÍTIO
"Pretende retratar todos os aspectos
culturais da região. Assim, na primeira sala, podemos encontrar o Património
Natural, desde a Geologia à Biologia; na segunda sala é apresentada a estação
arqueológica da Quinta descoberta em 1985 e com ocupação romana e medieval; a
terceira sala apresenta os aspectos antropológicos e etnográficos da região,
desde os antigos meios de transporte e a olaria até à tradicional produção de
amêndoa, azeitona, figos e, naturalmente a vinha, para além de outras
actividades ancestrais corno a pastorícia, a mineração e a construção"
Ao lado da antiga casa da Quinta foram construídas novas instalações para serviço doméstico. E foi ali que tive o primeiro contato com muitos dos rostos do rancho, reunidos em pequenos grupos, com o seu farnel, num agradável convívio, retemperando forças de quem pega às sete da manhã e termina a jorna às quatro da tarde, com uma hora de intervalo da uma às duas para ganhar 35 euros. Gente simpática e comunicativa, jovem e mais velha. Até estudantes, um dos quais de engenharia ambiental, natural de Meda, que estava ali para ganhar uns cobres a fim de custear as despesas dos estudos.
ERVA-MOIRA
– NOME DE PLANTA MATA CAVALOS

O nome escolhido
adveio do titulo de um romance escrito pela
escritora francesa, Chantal, que se havia
lembrado desta quinta e de a associar ao
nome de Erva-moura – ou seja, de uma planta herbácea da família das
solanaceaes, originária da Eurásia, disseminada em várias parte do mundo, existente
nesta quinta mas com muito má fama para quem verdadeiramente a conhece, visto ser
considerada potencialmente tóxica, sendo popularmente conhecida nalgumas
regiões do Brasil como
"mata-cavalo" ou arrebenta cavalo
Curiosa coincidência, porque, pelo menos teve o condão de contribuir para a salvaguarda dos auroques rupestres, dado o empenhamento por esta quinta em defesa do património natural e arqueológico da quinta e do vale.
Curiosa coincidência, porque, pelo menos teve o condão de contribuir para a salvaguarda dos auroques rupestres, dado o empenhamento por esta quinta em defesa do património natural e arqueológico da quinta e do vale.
POR ESTA QUINTA PASSARAM – A avaliar pelas escavações, ali efetuadas (para já não falar dos homens do paleolítico, de há mais de 20 mil anos), nomeadamente “Ao longo de dois mil anos: soldados, carreteiros, mercadores, funcionários, almocreves,
sacerdotes ... romanos, visigodos, berberes, leoneses, portugueses ... Os que
iam permanecendo lavravam os campos, acendiam a forja, teciam a lã, semeavam
centeio, plantavam a vinha e a oliveira, vivendo dependentes das grandes
mudanças lá longe, mas cm convivência pacífica com a Natureza."
NOMES DOS ANTIGOS
DONOS DA QUINTA DE SANTA MARIA – ATUAL ERVAMOIRA
Albano Chaves, autor de dois interessantes ensaios (a que já me referi neste site), sobre origem medieval dos Dona-Boto, faz a cronologia dos nomes dos antigos proprietários aos quais pertenceu a Quinta de Santa Maria, atual Ervamoira
"O advogado Francisco António de Almeida e Sousa
Donas-Boto (Valongo dos Azeites,
São João da Pesqueira, 1851 – 1920), formado em Direito na Universidade de
Coimbra e casado em Valongo dos Azeites, em 1880, com sua prima Jerónima
Benedita de Almeida e Sousa Melo, senhora da Casa de Valongo dos Azeites, onde
nasceu em Outubro de 1859, herdou, por morte
de sua mãe, entre outras propriedades, a Quinta de Santa Maria, junto ao Rio
Côa, que hoje se chama Quinta da Ervamoira e pertence à firma Ramos
Pinto. A escritura de partilhas foi lavrada na Casa do Cruzeiro a 5.10.1891
pelo tabelião José Ribeiro da Cruz da Comarca de Foz Côa. Era filho de Francisco António Monteiro de
Sousa Donas-Boto, Bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra,
nascido na Muxagata em 1819, e de sua mulher Ana
de Jesus Maria de Almeida e Sousa, nascida em 1819 em Valongo dos
Azeites, e falecida na Muxagata em 1890, filha do Cap. Francisco António de
Almeida e de sua mulher Maria Vitória de Sousa; neta paterna de Alexandre José
de Carvalho, de Chosendo (filho de Francisco Rodrigues e sua mulher Maria
Teresa de Carvalho, ambos de Chosendo), e de sua mulher Catarina Maria de
Almeida (viúva de Manuel Cabral, de Caria), de Valongo (filha de Jorge António
de Almeida, de Valongo, e de Rosa Maria de Sousa Pinto, da Quinta das Seixas,
freguesia de Valongo); neta materna de Francisco José de Sousa, de Sebadelhe, e
de sua mulher Maria Ramos, da Quinta de Vale Cheinho, freguesia de Chãs de
Longroiva, se bem que também apareça como Quinta de Vale Cerdeira, freguesia de
Muxagata
Albano Chaves, autor de dois interessantes ensaios (a que já me referi neste site), sobre origem medieval dos Dona-Boto, faz a cronologia dos nomes dos antigos proprietários aos quais pertenceu a Quinta de Santa Maria, atual Ervamoira

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