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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Momento poético - António Ramos Rosa :“A Sombra de uma Face/ A Face de uma Sombra” – E de Victor Hugo com Moonlight Sonata by Beethoven, lido numa tarde quente de Agosto, nas águas sagradas do Côa


Peregrinando pelos amáveis caminhos que me viram nascer, em demanda de um raio de luz: “celebro o solar aroma da vida”


Em demanda de um astro com asas de silêncio e de luz  


“Sobrevivo para além dos despojos
e adormeço na luz alvoreço na luz
no interior de uma sombra
de intima pobreza
de onde quero partir
para um oásis de sossego e de cálidas alamedas

Vacilo sem saber pousar
na palma solar do dia
porque estou sempre na raiz do tremor
o corpo desatado
em fragmentos indecisos
sem saber de que palavra poderei nascer
perante o bafo absoluto da noite

Sou um filho do sol e do mar
mas também escuto a maresia do silêncio
desta casa de sílex materno
entre as espáduas de água do olvido
Às vezes sinto a pulsação do peito de um arroio
e a extrema doçura de uma ilha de veias
E então vejo as anémonas dos olhos
a quietude azul dos tesouros domésticos
a graciosa leveza dos pequenos instrumentos
sobre um fundo de carícias anónimas
Não imagino nada recebo apenas a carícia de um hálito
de  uma ânfora quebrada
pela turbulência do obscuro
mas tranquilamente sedenta
na sua dádiva mineral"






Neste momento estou silenciosamente nu
e dir-se-ia que vejo as  pupilas do mundo
as coisas limpas e novas no seu alvor de espuma
De súbito ouço-te cantar ou rir
como quem liberta o sangue prisioneiro
nos cristais de uma voz primaveril
e através da luz e das sombras da argila
celebro o solar aroma da vida"

António Ramos Rosa – Do Teu Rosto

Eis-me num sossego transparente e azul perante um Deus que nos ensina o caminho e a luz


A SOMBRA DE UMA FACE
A FACE DE UMA SOMBRA

Há uma face que não sei,
que não sou.
E o que sou é a face de uma sombra.
Escrever para essa sombra sem face

Sou uma sombra sem face
na sombra da rua.
Escrevo nesse intervalo,
nessa sombra onde ninguém suspira,
onde ninguém passa,
onde ninguém me vê passar,
onde não passo
onde vou passar.

António Ramos Rosa
Do Livro  “Respirar a sombra viva”
l

Qual é o fim de tudo? a vida ou a tumba?
A onda que nos sustém? ou a que nos afunda?
Qual a longínqua meta de tanto passo cruzado?
É o berço que embala o homem ou é o seu fado?
Seremos aqui na terra, nas alegrias, nos ais,
Reis predestinados ou simples presas fatais?
Ó Senhor, responde, responde-nos, ó Deus forte,
Se condenaste o homem apenas à sua sorte, 
Se já no presépio o calvário se anuncia
E se os ninhos sedosos, dourados pela manhã fria,
Onde as crias vêm ao mundo por entre flores,
São feitos para as aves ou para os seus predadores.
Victor Hugo
Versão de Manuela Parreira da Silva


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