JORGE TRABULO MARQUES - EM MEMÓRIAS DE UM REPÓRTER DA EXTINTA RÁDIO COMERCIAL-RDP - Privatizada em 1993- Imagens recolhidas da Web
Embaixador
do Brasil, Alberto da Costa e Silva - Lisboa 1990 "Um diplomata é
como um soldado! - Ele está ao serviço do seu pais onde o governo
considere adequado” - E o atual orador do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Prémio Camões de 2014 com quase 89
anos, africanista, poeta, memorialista, ensaísta e historiador, um dos
mais importantes intelectuais brasileiros e especialista na cultura e na
história de África, com mais de duas dezenas de obras, serviu o seu
pais 38 anos, em diversos cargos diplomáticos
-
Entrevista ao Embaixador Brasileiro, Alberto da Costa e Silva, que me concedeu, em 1990, em
Lisboa, na Embaixada do Brasil, em Lisboa, para a Rádio Comercial-RDP,
que hoje aqui recordo, com muito gosto, embora nalguns minutos finais, a
cassete, dada a sua antiguidade, denote alguns sinais de sobreposições anteriores, sim, em mais uma das várias centenas de registos sonoros, com várias figuras públicas portuguesas e dos PALOP, além de muitas outras a pessoas anónimas, bem como entrevistas a presidiários, assim como inumeros apontamentos de rua
“Alberto da Costa e Silva nasceu em São Paulo no dia 12 de maio de 1931, além
da sua carreira diplomática de 38 anos e da sua vasta obra literária,
representou o Brasil em numerosas reuniões internacionais, tendo sido
delegado do Brasil na reunião da Comissão Económica das Nações Unidas
para a África, em Adis Abeba, em 1961; representante pessoal do Ministro
das Relações Exteriores nos encontros ministeriais, realizados em São
Domingos, em 1984, pela Organização dos Estados Americanos, para a
preparação das comemorações do V Centenário do Descobrimento da América;
e representante pessoal do Ministro das Relações Exteriores na Reunião
dos Ministros das Relações Exteriores do Mecanismo Permanente de
Consulta e Concertação Política (Grupo do Rio), em 1991”.
Alberto
Costa e Silva – "Não é fácil conciliar a vocação de poeta a nada!..
Acho que o mais difícil que há é a gente ser poeta!.. Qualquer poeta
precisa de ócio! E, a vida profissional, o mundo
contemporâneo, pouco ócio nos dão! Por isso é que eu tenho uma
admiração, muito grande pelos poetas que conseguem escrever decentemente
- Declarou-me, entre outras confissões, numa honrosa e amável
entrevista, que me
concedeu, em 1990, no seu gabinete da Embaixada do Brasil, em Lisboa,
no termo da sua missão, em Portugal, antes de partir para a Bogotá,
Colômbia -
Questionado sobre se não receava ir para um pais de
conflitos, onde há problemas com os narcotraficantes, começou por me
declarar ter tido “uma grande alegria! Uma grande felicidade de passar
estes quatro anos e meio em Portugal! Está terminando este período: um
embaixador brasileiro, só pode ficar, por li, cinco anos
num determinado pais. De uma maneira geral, até ficam menos tempo, três
quatro anos: Eu tive a felicidade de ficar quatro anos e meio.
Eu estou indo para a Colômbia! E não é isso o que Sr. está dizendo: a Colômbia é um pais belíssimo!
É uma das paisagens mais belas do mundo! A sua capital de Bogotá,
sempre foi considerada, desde o século XIX, a capital mais culta do continente americano! É a cidade com mais livrarias, depois de Londres! É uma cidade com extraordinárias tradições culturais! A Bogotá é considerado Atenas das Américas!
É
um país extremamente culto com uma tradição artísticas, literária e
filosófica extremamente importante! É um país muito rico! É um país que
tem 80 relações com o Brasil! Relações que nós temos procurado, nos
últimos anos, ampliar, acrescentar! É um pais que faz fronteira com o Brasil, com o qual nós temos um importantíssimo programa densamente fronteiriço !Um país muito importante para o Brasil e, quero querer, também para o continente americano
Referindo-se depois às relações do Brasil com Portugal, disse que as relações entre os dois países cresceram
muito! Basta dizer que, nos últimos anos, o Brasil, se tornou um grande
investidor em Portugal: o ano passado, nós fomos o 4º país investidor
em Portugal! É possível que, no decorrer deste ano, alcancemos o terceiro lugar: nós estamos consolidando uma posição económica importante e Portugal também no Brasil!
Os investimentos em
Portugal, que, tradicionalmente já eram altos, já eram importantes,
têm também crescidos! E também o crescimento do comércio! Embora o nosso
comércio ainda seja modesto para a intensidade das nossa relações, na realidade, o ano passado experimentou um crescimento de quase 100%! O que é um crescimento muito considerável!
JTM – Como é que explica a vida de muitos brasileiros para a Europa,e especialmente para Portugal? A que é que se deve esse facto?
Costa e Silva - Na
realidade, o Brasil se está internacionalizando:o Brasil, até há uns
poucos anos, era um país fechado sobre si mesmo! Mas, de há uns cinco
seis anos para cá, objetivamente, as empresas brasileiras foram
conquistando espaço, no mundo internacional! Nos negócios, nos investimentos! Na indústria, em tudo isso! E também os brasileiros começaram a viajar e a instalar-se no estrangeiro.
O Brasil atravessa um processo de internacionalização, muito semelhante àqueles pelo qual passaram os Estados Unidos nos anos 10 e nos anos 20 deste século
JTM – Ainda em relação a esta situação, digamos,
à chamada crise económica com que se tem debatido o Brasil, eu
gostaria de me referir aqui a uma afirmação do Sr. Embaixador, que diz
– já o afirmou algum tempo – que a crise económica no Brasil é
perfeitamente explicável! Diz que é conjetural! Diz que o Brasil é a 7ª potência económica do mundo! E que, os números do envelhecimento são espantosos! – Concorda com isso?
O Brasil é o segundo país exportador de alimentos do mundo! Nós continuamos a ter o 3º super
habite comercial do mundo! E nós somos os primeiros produtores de uma
séria de artigos! E os segundos produtores de outra série de artigos! Os
terceiros produtores mundiais numa série de artigos! Nós hoje
produzimos aviões, desde os produtos tradicionais, como o café, o açúcar, o algodão Até aviões! Até computadores! Até produtos industriais da mais completa sofisticação!
JTM
– Sr. Embaixador! Tudo isso é muito bonito mas fala-se de uma grande
inflação, que afecta nomeadamente as classe s mais desfavorecidas! Como é
que explica isso? – E já agora gostaria também que me desse a sua
opinião do atual Presidente da República.
Costa e Silva – Acho que o Governo está fazendo todo o esforço para conter a inflação! A inflação é o grande problema brasileiro e
não é um problema novo! É um problema que já se arrasta há mais de 25
anos! E que, nestes últimos anos, tomou contornos de realmente
alarmante! O problema brasileiro é realmente o problema inflacionário! E
que nós estamos procurando fazer todos os esforços para conter! Mas
isso não quer dizer que, pelo facto do Brasil ter uma grande inflação, o
Brasil deixe de ter uma grande produção! Pelo contrário: a produção
brasileira continua muito grande! E o Brasil continua a ser um país, economicamente muito importante no mundo! E um pais com quem se tem, necessariamente, de contar.
Costa e Silva – Não. Meu pai não foi diplomata:
meu pai foi um grande poeta! Meu pai quis ser diplomata! Mas não foi
diplomata porque ele era muito feio! Ele era tão feio, que, o Barão do
Rio Brando, naquela época de declínio, não dava para representar os
diplomatas brasileiros em lugar algum! Nem dormindo!...
(...) Então
por causa dessa recusa do Barão do Rio Branco, acabei-me vingando,
duplamente, do Barão do Rio Branco: não sou apenas o filho do poeta e
diplomata, como também o meu filho é diplomata!
JTM – O Sr Embaixador já escreveu vários livros! Neste momento, disse-me que tem pronto a entregar um livro no prelo!
Costa e Silva - Eu entreguei, há dez dias, à “Nova Fronteira” do Rio de Janeiro, um longo livro meu que se chama “A Enxada e a Lança” e que tem por fim o título A África e os Portugueses – Foi um livro que eu comecei a escrever quando era Embaixador do Brasil , em Lagos na Nigéria e pude, nos meus sábados e domingos, quando me era permitido, e terminar de redigir aqui em Lisboa.
É
um livro no qual eu me demorei dez dez anos! Eu não tenho muito tempo
para escrever; sempre levei muito a sério as minhas atividades
diplomáticas! Procurei cumprir sempre o melhor que posso! De maneira
que, por causa disso, tive muito pouco tempo para ir escrevendo
lentamente este livro, que entreguei há dez dias à editora Nova
Fronteira, no Rio de Janeiro.
JTM – O Sr. Embaixador: então não uma tarefa muito fácil conciliar a escrita, a devoção de poeta às obrigações diplomáticas?
Costa e Silva – Olha não é fácil conciliar a vocação de poeta a nada!.. Acho que o mais difícil que há é a gente ser poeta!.. Qualquer poeta precisa de ócio! E, a vida profissional, o mundo contemporâneo, pouco ócio
nos dão! Por isso é que eu tenho uma admiração, muito grande pelos
poetas que conseguem escrever decentemente! Porque, realmente, são
pessoas extraordinárias! Que conseguem cumprir o seu dever, com uma
devoção, com um devotamento mesmo nos momentos de grande cansaço! E que,
às vezes, pessoas mais fracas, como é o meu caso, não conseguem.
JTM
– Uma última pergunta: E então é chegada altura do diplomata dar
tranquilidade ao poeta! Deixar de sofrer! E, depois de muitos anos de exílio fora do seu pais, continuar adiar o sonho? - Eu digo isto, porque li num poema seu”Aqui estou enterrado! Jamais sinto morrer longe de casa! Mas sofri muitos anos de exílio simultâneo! Gastei-me noutras terras! Fui de mim uma sombra emigrada! Rogo um sonho!" - Será que esse sonho vai continuar adiado?
Costa e Silva – Eu
creio que sim! Por mais uns três ou quatro anos!... Depois, quem
sabe!... Se ainda há tranquilidade, o poeta renasce com mais força ou,
então, simplesmente descubro que toda essa minha faina pelo trabalho,
meu gosto pelo trabalho, não era uma maneira natural, desde de passar
uma fraqueza natural do poeta! E não ficar tão triste comigo mesmo, por
causa disso!
JTM
– “Vida cigana! De embaixada em embaixada! “ – Disse Vergilio Ferreira a
seu respeito, receando, com isso, o risco de se perder o grande poeta!
– Será que, essa sua ida para a Colômbia, é o acumular de uma
experiência enriquecedora ou o fracasso do Poeta? Ou, enfim, será
também uma oportunidade do poeta de se enriquecer ou, realmente, a
altura do poeta ter o seu palco?
Costa e Silva – Não
sei se o poeta se vai enriquecer! Eu sei que o homem, tem ao longo da
sua vida de diplomata, enriquecido muito! Tem visto novas paisagens!
Novas maneiras de viver! E conhecido novas pessoas! E eu tenho a
impressão que nós vivemos para vivermos a experiência do homem!... E eu
acho que essa experiência do homem, que eu tenho vivido. Eu tenho
buscado viver intensamente! – Muito obrigado
BIOGRAFIA
Alberto Vasconcelos da Costa e Silva nasceu em São Paulo no dia 12 de maio de 1931, filho de António Francisco da Costa e Silva e Creusa Vasconcelos da Costa e Silva. É
poeta, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras. Um dos
mais importantes intelectuais brasileiros e especialista na cultura e na
história de África. Publicou diversos livros sobre o assunto, como A enxada e a lança (1992), A manilha e o libambo (2002), Um rio chamado Atlântico (2003) e Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (2004). Escreveu Castro Alves, um poeta sempre jovem (2006), para a coleção Perfis Brasileiros, da Companhia das Letras. Também é autor de livros infantojuvenis, como Um passeio pela África (2006) e A África explicada aos meus filhos (2008). Em 2009, publicou O quadrado amarelo,
que reúne textos sobre arte e literatura, cruzando referências
populares e eruditas, recorrendo à memória e às suas experiências de
viagem. Além dos Poemas reunidos (2000), publicou dois volumes de memórias, Espelho do Príncipe (1994) e Invenção do desenho (2007).
Entre os prémios e distinções que recebeu estão os títulos de doutor
honoris causa pela Universidade Obafemi Awolowo (ex-Universidade de Ifé,
Nigéria, 1986) e pela Universidade Federal Fluminense (2009) e o prémio
Juca Pato de Intelectual do Ano (2003) da União Brasileira de
Escritores. Ao lado de Lilia Moritz Schwarcz, desde 2008 dirige a
coleção das obras completas de Jorge Amado para a Companhia das Letras. Foi distinguido com o Prémio Camões de 2014https://www.wook.pt/autor/ alberto-da-costa-e-silva/11446
Carreira
diplomática -Secretário na Embaixada do Brasil em Lisboa (1960-63) e na
Embaixada de Caracas (1963-64); Cônsul em Caracas (1964-67);Auxiliar do
Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69); Secretário na
Embaixada em Washington (1969);Oficial de Gabinete e Assessor de
Coordenação do Ministro das Relações Exteriores
(1970-74);Ministro-Conselheiro na Embaixada em Madri (1974-76);
Ministro-Conselheiro na Embaixada em Roma (1977-79); Embaixador em
Lagos, Nigéria (1979-83) e cumulativamente em Cotonu, República do Benim
(1981-83); Chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações
Exteriores (1983-84); Subsecretário-Geral de Administração do Ministério
das Relações Exteriores (1984-86); Embaixador em Lisboa
(1986-90);Embaixador em Bogotá (1990-93); Embaixador em Assunção
(1993-95); Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores
(1995-98). https://www.fgv.br/ cpdoc/acervo/dicionarios/ verbete-biografico/alberto- vasconcelos-da-costa-e-silva
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