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segunda-feira, 9 de março de 2020

Carlos Mendes – “Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada”. – Ás sacrificadas mulheres antigas da minha aldia




Ontem, dia 8 de Março,  passou  o dia Internacional da mulher, com que se pretende  lembrar a luta  das mulheres que trabalhavam em fábricas nos Estados Unidos e em alguns países da Europa  e que ainda hoje é aproveitada para .reivindicar a igualdade do género e dos direitos sociais, que  não são respeitados em muitos países do mundo.  Mas, independentemente das mulheres operárias, existiram outras que trabalhavam nos campos de sol a sol, sem quaisquer direitos, auferindo metade do que ganhava o homem, também ele mal pago. Isso sucedia na minha adolescência e, a bem dizer, só depois da revolução de Abril é que as mentalidades começaram a mudar

Aproveito para aqui editar algumas fotos dessas sacrificadas mulheres da minha aldeia, com a voz de Carlos Mendes e  a letra de  António Geadão, Calçada da Carriche – E um texto que extrai do  blog da nossa rádio RDP





Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
 Excerto




"Mulheres que além das lides domésticas exerciam actividades manuais remuneradas para proverem ao seu sustento e ao da família sempre existiram. Refira-se, a título de exemplo, as trabalhadoras rurais (nos trabalhos de sementeiras, mondas, ceifas, colheitas, vindimas, apanha da azeitona), as tecedeiras, as costureiras, as lavadeiras, as varinas, as carvoeiras. O fenómeno do operariado fabril feminino, porém, e exceptuando as duas conflagrações bélicas mundiais pois os maridos estavam a combater e as fábricas não podiam parar, só se incrementou após a Segunda Grande Guerra. Aconteceu sobretudo no chamado primeiro mundo – Europa, América do Norte e Japão –, e Portugal não foi excepção, porque havia que aproveitar os dinheiros do Plano Marshall, apesar de Salazar ser avesso à industrialização do país. Assim, e principalmente nos subúrbios de Lisboa, Porto e Setúbal, surgiu um novo tipo de mulher trabalhadora: a que labora nas fábricas ou em trabalhos indiferenciados do sector terciário, mas que continua a arcar com todo o serviço doméstico e as obrigações próprias de uma esposa e mãe. Dessa lufa-lufa quotidiana, rotineira, mecânica e desgastante, que não deixa tempo para o ócio indispensável ao equilíbrio emocional e à fruição cultural, trata o poema "Calçada de Carriche" saído do punho de António Gedeão, pseudónimo literário do professor de Ciências Físico-Químicas Rómulo de Carvalho, e publicado primeiramente em 1958, no livro "Teatro do Mundo", e republicado nas posteriores edições da poesia reunida que dão pelos títulos de "Poesias Completas" (Portugália Editora), "Poesia Completa" (Edições João Sá da Costa) e "Obra Completa" (Relógio d'Água), bem como no volume "Poemas Escolhidos: Antologia Organizada pelo Autor" (Edições João Sá da Costa, 1997). Foi de uma edição das "Poesias Completas", com chancela da Portugália Editora, que José Niza retirou aquele e os demais dez poemas que achou por bem musicar para serem cantados por Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha, com orquestração de José Calvário, e constituírem o álbum "Fala do Homem Nascido", publicado em 1972.

É pois com o poema musicado "Calçada de Carriche", magnificamente interpretado por Carlos Mendes, que neste Dia Internacional da Mulher homenageamos essas mulheres sobrecarregadas de trabalho, quase escravas, que são autênticas heroínas anónimas, pois, quais robustas cariátides, suportam na cabeça a arquitrave económica familiar e, por extensão, a nacional.

E o que fez a rádio pública neste dia dedicado à mulher? Nada nos constou, andando a fazer 'zapping' entre aqueles dois canais (mau grado o incómodo e fugindo logo para Antena 2 ou para a nossa fonoteca). E não se está a pedir algo dispendioso nem que requeira muito trabalho: bastaria que a oferta musical ao longo do dia fosse ora interpretada por artistas femininas ora de homenagem à mulher, independentemente do sexo do intérprete. Nada fazer é puro desleixo e só serve para dar argumentos àqueles que contestam o financiamento público de canais de rádio que se comportam como os privados (e até pior, nalguns aspectos).
https://nossaradio.blogspot.com/2020/03/carlos-mendes-calcada-de-carriche.html

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