Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Desenho do pintor João Neves |
Aqui lhe dedico este poema de Fernando Pessoa
Pastor do Monte, Tão Longe de Mim
Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas
Que felicidade é essa que pareces ter — a tua ou a minha?
A paz que sinto quando te vejo, pertence-me, ou pertence-te?
Não, nem a ti nem a mim, pastor.
Pertence só à felicidade e à paz.
Nem tu a tens, porque não sabes que a tens.
Nem eu a tenho, porque sei que a tenho.
Ela é ela só, e cai sobre nós como o sol,
Que te bate nas costas e te aquece, e tu pensas
noutra cousa indiferentemente,
E me bate na cara e me ofusca. e eu só penso no sol.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
EU NUNCA GUARDEI REBANHOS
Heterónimo de Fernando Pessoa
FERNANDO PESSOA - "Um dos maiores génios poéticos de toda a nossa
Literatura e um dos poucos escritores portugueses mundialmente conhecidos. A
sua poesia acabou por ser decisiva na evolução de toda a produção poética
portuguesa do século XX. Se nele é ainda notória a herança simbolista, Pessoa
foi mais longe, não só quanto à criação (e invenção) de novas tentativas
artísticas e literárias, mas também no que respeita ao esforço de teorização e
de crítica literária. É um poeta universal, na medida em que nos foi dando,
mesmo com contradições, uma visão simultaneamente múltipla e unitária da Vida.
É precisamente nesta tentativa de olhar o mundo duma forma múltipla (com um
forte substrato de filosofia racionalista e mesmo de influência oriental) que
reside uma explicação plausível para ter criado os célebres heterónimos -
Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, sem contarmos ainda com o
semi-heterónimo Bernardo Soares.
Que felicidade é essa que pareces ter — a tua ou a minha?
A paz que sinto quando te vejo, pertence-me, ou pertence-te?
Não, nem a ti nem a mim, pastor.
Pertence só à felicidade e à paz.
Nem tu a tens, porque não sabes que a tens.
Nem eu a tenho, porque sei que a tenho.
Ela é ela só, e cai sobre nós como o sol,
Que te bate nas costas e te aquece, e tu pensas
noutra cousa indiferentemente,
E me bate na cara e me ofusca. e eu só penso no sol.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é
sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Com um ruído de
chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Desenho de João Neves |
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 1888 (onde
virá a falecer) e aos 7 anos partiu para a África do Sul com a sua mãe e o
padrasto, que foi cônsul em Durban. Aqui fez os estudos secundários, obtendo
resultados brilhantes. Em fins de 1903 faz o exame de admissão à Universidade
do Cabo. Com esta idade (15 anos) é já surpreendente a variedade das suas
leituras literárias e filosóficas. Em 1905 regressa definitivamente a Portugal;
no ano seguinte matricula-se, em Lisboa, no Curso Superior de Letras, mas
abandona-o em 1907. Decide depois trabalhar como "correspondente
estrangeiro". Em 1912 estreia-se na revista A Águia com artigos de
natureza ensaística. 1914 é o ano da criação dos três conhecidos heterónimos e
em 1915 lança, com Mário de Sá-Carneiro, José de Almada-Negreiros e outros, a
revista "Orpheu", que dá origem ao Modernismo. Entre a fundação de
algumas revistas, a colaboração poética noutras, a publicação de alguns
opúsculos e o discreto convívio com amigos, divide-se a vida pública e
literária deste poeta.
Pessoa marcou profundamente o movimento modernista português, quer pela produção teórica em torno do sensacionismo, quer pelo arrojo vanguardista de algumas das suas poesias, quer ainda pela animação que imprimiu à revista "Orpheu" (1915). No entanto, quase toda a sua vida decorreu no anonimato. Quando morreu, em 1935, publicara apenas um livro em português, "Mensagem" (no qual exprime poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de Portugal), e deixou a sua famosa arca recheada de milhares de textos inéditos. A editora Ática começou a publicar a sua obra poética em 1942. No entanto, já o grupo da "Presença" tinha iniciado a sua reabilitação (poética e filosófica) face ao público e à crítica. © 2003 Porto Editora, Lda.https://www.wook.pt/autor/fernando-pessoa/2103
Pessoa marcou profundamente o movimento modernista português, quer pela produção teórica em torno do sensacionismo, quer pelo arrojo vanguardista de algumas das suas poesias, quer ainda pela animação que imprimiu à revista "Orpheu" (1915). No entanto, quase toda a sua vida decorreu no anonimato. Quando morreu, em 1935, publicara apenas um livro em português, "Mensagem" (no qual exprime poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de Portugal), e deixou a sua famosa arca recheada de milhares de textos inéditos. A editora Ática começou a publicar a sua obra poética em 1942. No entanto, já o grupo da "Presença" tinha iniciado a sua reabilitação (poética e filosófica) face ao público e à crítica. © 2003 Porto Editora, Lda.https://www.wook.pt/autor/fernando-pessoa/2103
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