"Naquele berço encantado, que era a sede da Roça Saudade, nasceu José de Almada Negreiros, a 7 de Abril de 1893. Da terra da sua naturalidade foi arrancado, na tenra idade de 2 anos, e transplantado para Lisboa, em 23 de Abril de 1895, passando a viver em Cascais, em casa dos avós e tios maternos, da família Freire Sobral" - Padre. António Ambrósio.
"
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce." – E assim também renasceu das ruínas a casa onde nasceu Almada Negreiros, na Roça Saudade, em São Tomé, graças à corrida solitária de Joaquim Cabangala Victor, guia turístico, natural de São Tomé.
Certo de que a sua ideia podia transformar uns já irreconhecíveis caboucos numa Casa de Artes e Museu, em memória do genial pintor, poeta, romancista e dramaturgo e abraçar um apaixonante projeto de vida, foi o pensamento que norteou Joaquim Victor, mesmo partindo quase de mãos vazias, confiante na sua determinação e no alcance cultural e turístico da sua iniciativa -A edificação de uma casa de madeira, alpendrada, assente justamente sobre algumas colunas e rebocos do antigo solar, é já uma espantosa realidade
Situada na antiga Roça Saudade, a cerca de 800 metros de altitude, próxima da antiga Pousada Salazar, e também relativamente perto de uma das mais belas cascatas de São Tomé, a cascata de São Nicolau e do Jardim botânico.
Joaquim Victor, que recolheu vários apoios em Portugal, menos oficiais “por se tratar de uma iniciativa particular”, é, com certeza, agora um homem muito feliz. Teve a gentileza de nos dar a boa nova, há dois anos, através de um telefonema
Já nos havíamos apercebido dessa comovente surpresa, a que neste site fizemos referência, nomeadamente, na visita que ali fizemos em Outubro de 2014, numa fase em que ainda decorriam obras de acabamento, mas, finalmente, aí está a concretização de um projeto cultural e turístico, muito interessante. inaugurado, oficialmente, com a presença de familiares, amigos e admiradores da vida e obra do autor do autor do “Manifesto Anti-Dantas
Arquiteto José Afonso de Almada Negreiros - Filho de José de Almada Negreiros e de Sarah Afonso
Imagens registadas no ano de sua morte - em 2009
Imagens registadas no ano de sua morte - em 2009
COMO O TEMPO
PASSA...
- Sim, como o tempo passa!... Até parece que foi ontem, que
eu e o meu amigo, o pintor João Neves, tomávamos um café com ele na Calçada
do Combro, na Pastelaria Oreon, com vista a combinar a sua deslocação à
Roça Saudade - Era a terceira vez que falava com ele, depois que o conhecera
nos habituais convívios do Botequim de Natália Correia situado no Largo da Graça, em
Lisboa.
Na primeira
vez, procurei-o para lhe comunicar que ia ser leiloado um importante espólio de
seu pai e de sua mãe, Sarah Affonso, quadros inéditos que ele devia
desconhecer, dado terem sido pintados há muitos anos - Talvez, com ele, ainda
criança. Um amigo meu, havia-me pedido para tratar desse assunto - A esposa,
filha de um casal (português e espanhol) e que mantivera estreitas relações de
amizade com o artista, era herdeira de uma vivenda , em Belém, na zona das
vivendas dos embaixadores e queria vender a casa, o vitral de Almada e várias
obras. A segunda vez, foi para o avisar de que havia deparado com vários
desenhos(falsificados) à venda na Feira da Ladra, como se fossem obras
assinadas por seu pai. Pediram-me 120 contos por cada um. Por fim, já me
ofereciam vários por 5000$00. A imitação da assinatura era perfeita. Mas
vi logo que só podia ser falsificação. Não era o primeiro caso. Também outros
famosos artistas eram ali igualmente pirateados.
O último encontro foi casual e ocorreu na esquina da Calçada do Combro, com a Rua Marchal Saldanha, tendo-o convidado a tomar um café, sugerindo-lhe a possibilidade de o acompanhar numa visita à Ilha de São Tomé, para ali ir conhecer as instalações (já em ruinas) onde seu pai viera à luz do Equador, sugestão que ele aceitou com muito agrado, acrescentando que era um sonho que alimentava há muito tempo. Dia para a dia para nos voltarmos a encontrar e acertar essa viagem (pois deu-me um cartão com a sua morada e o contacto) agora é tarde de mais.
Almada, artista multidisciplinar que se dedicou fundamentalmente às
artes plásticas e à escrita, ocupando uma posição central na primeira geração
de modernistas portugueses.
Quem
gostaria de também ali estar era o seu filho Arquiteto José Afonso
Almada Negreiros, que, no mesmo ano em que falecera, nos chegara a
manifestar o seu grande desejo de ir conhecer a Roça onde seu pai
nascera
José de Almada
Negreiros nasceu em São Tomé na Roça Saudade, freguesia da Trindade, às 3
hora da manhã do dia 7 de Abril de 1893.
Da terra da sua
naturalidade foi arrancado, na tenra idade de 2 anos, e transportado para
Lisboa, em 23 de Abril de 1895, passando a viver em Cascais, em casa dos avós e
tios maternos, da família Freire Sobral.
«Aos vinte e quatro dias do mez de Junho do
anno mil oitocentos e noventa e três, nesta Egreja Parochial da Santíssima
Trindade, Concelho de S. Thomé, Diocese de S. Thomé e Príncipe, baptizei
solemnemente um indivíduo do sexo masculino, a quem dei o nome de - JOSÉ- e que
nasceu nesta freguesia, na Fazenda Saudade, às três horas da manhã do dia sete
do mês d' Abril do anno de mil oitocentos e noventa e tres, filho illegítimo de
digo legitimo de António Lobo d' Almada Negreiros, casado, natural de Portugal,
proprietário, agricultor e de Dona Elvira Sobral de Almada Negreiros, casada,
natural desta freguesia, proprietária, parochianos desta freguesia, moradores
na mencionada Fazenda, neto paterno de Pedro d' Almada Pereira e de Margarida
Francisca de Almada Lobo Branco de Negreiros. Foi padrinho José António Freire
Sobral, casado, proprietário e agricultor e madrinha Dona Marianna Emília de
Souza Sobral, casada, proprietária e agricultora, os quaes todos sei serem os
próprios. E para constar lavrei em duplicado este assento que depois de ser
lido e conferido perante os padrinhos comigo o assignaram”-In Almada Negreiros Africano - António Ambrósio
Este o poema que, seu pai, lhe dedicaria, no livro
Equatoriaes, escrito no dia 7-4-1894 -
Ou seja, um ano depois do seu nascimento:
Um anno! Um beijo de luz
Na tua fáce, criança!
Suavíssima esperança
Que desabrócha e seduz!
Nunca se acábe a bonança
Que a tua frônte tradúz,
Como um beijo de Jesus
Da Mãe na virginea trança
António Lobo de Almada Negreiros
Os meus olhos não são meus, são os olhos do nosso
século", palavras recordadas na exposição dedicada a um dos artistas mais
ativos e completos do modernismo português, que "tentou fixar uma
linguagem universal".
– A Fundação Gulbenkian, há dois anos,
dedicou-lhe uma exposição especial,
"José de Almada Negreiros: uma maneira de ser moderno",
constituída pelo roteiro artístico
de 400 obras do trabalhos, acompanhada pela edição de um livro,
"cujos olhos mostraram o século XX". O próprio Almada Negreiros
(1893-1970) admitia que os seus olhos eram grandes, "e que se tornaram uma
metáfora para a condição do artista que tem de olhar para o mundo",
recordou, no ato inaugural, Mariana Pinto dos Santos, a organizadora da
historiadora de arte e investigadora.
São 400 obras distribuídas por duas grandes galerias, muitas delas
inéditas. Pintura, desenho, vitral, cerâmica, cinema, novela gráfica, teatro,
dança... Almada Negreiros, “o omnívoro”, numa exposição que quer mostrar que o
modernismo pode ter várias caras, é plural
Atravessa-se
a exposição com uma sensação de familiaridade – Almada Negreiros faz parte de
um certo imaginário colectivo quando se fala da arte do século XX em Portugal –
e de descoberta. Os inéditos são muitos e surpreendentes: uns, como o retrato
de Tareca, uma das meninas da alta burguesia lisboeta com quem o artista cria
os seus bailados, não parecem sequer feitos por ele; outros, como o que terá
pertencido a Gonçalo de Mello Breyner, tio de Sophia e amigo de Almada, mostram
corpos de género indefinido cobertos por linhas finas e são como um mistério. https://www.publico.pt/2017/02/03/culturaipsilon/noticia/o-homem-que-quis-comer-todas-as-artes-1760305
A ROÇA SAUDADE: UM SONHO E UM BERÇO
Sim, foi um sonho e um berço para
quem lá nasceu e viveu. Mas a vida das pessoas não é eterna, tal como também
não são as construções humanas. E a sua longevidade é curta, sobretudo quando
desabitada e deixada ao abandono. Foi o que sucedeu ao principal edifício da
Roça Saudade, que, muito antes de se falar da independência de S. Tomé e
Príncipe, acabara por ficar reduzida a meras ruínas. irreconhecível -
Mas eis a descrição do que chegara a ser
"A casa onde Almada
nasceu, na sede da Roça Saudade – diz ainda António Ambrósio – “estava suspensa
sobre uma profunda grota, e aberta a nascente, por uma varanda corrida, ao
estilo tropical, para um mar de verdura, que, depois da primeira quebra, se
espraiava, numa ondulação aparentemente suave, por vários quilómetros de
extensão, em forma de leque rendilhado, até ao mar-oceano.
(…)Por fora, a Saudade era um mimo. O
comendador José António Freire Sobral fizera da sede uma estância modelar: além
das instalações para habitação e trabalho, das sanzalas e dos secadores,
e do hospital de boa construção, a Roça tinha um amplo terreiro, onde, como uma
bandeira hasteada, se erguia uma elegante palmeira de 54 metros de altura
(Veja-se: Almada Negreiros, História Ethnographica da Ilha de S. Tomé, p.272).
Na parte superior do terreiro, em zona mais elevada, situavam-se os jardins,
dispostos em socalcos. No meio, sobressaía um artístico
caramanchão, todo coberto de buganvílias e trepadeiras. Junto, uma
nascente de água puríssima foi aproveitada para construir uma pequena
fonte, bem adornada de azulejos pintados e com dois grandes
jarrões de porcelana envidraçada, aos lados” Im Almada Negreiros Africano”
Órfão desde tenra idade, viajou para Lisboa com sete anos para casa de uma tia materna. Frequentou os estudos primários e liceais em Lisboa, no Colégio Jesuítico de Campolide, Liceu de Coimbra e Escola Nacional de Lisboa. Entre 1919 e 1920, seguiu estudos de pintura em Paris, aí trabalhando como bailarino de cabaré e empregado numa fábrica de velas, redigindo na capital francesa muitos dos textos e grafismos que viriam a ser célebres, como o "autorretrato". Viveu entre 1927 e 1932 em Espanha, onde realizou várias encomendas para particulares e públicos – Excerto de Almada-Negreiros -
A ALMADA NEGREIROS
Voltaste enfim ao regaço das palmeiras
onde serpentes volteiam
e navegam na claridade. Voltaste
porque os teus olhos mitigavam
palavras entontecidas cheias de água fresca
da Cascata. Voltaste trazendo cânticos
de outras terras
cânticos de trovadores desconhecidos
teceste roupas diferentes mas sempre
com as cores das buganvílias da Saudade
apagaste pegadas antigas no luchan
da tua meninice. Mas voltaste!
esperaste que o ranger da porta
da casa onde nasceste se prolongasse
no júbilo do teu regresso
hoje
sentado no presídio da marginal
onde ninguém nota o teu vulto altivo e belo
só eu sei que voltaste
e por que voltaste
Olinda BEJA in "Água Crioula" Pé-de-Página
"Almada, todas as peças da mesma
coisa"
"Olhar para Almada Negreiros, O
menino d'olhos de gigante, é ver muitos: o Almada das Belas-Artes, o Almada das
Letras, o Almada da Geometria, o Almada dos palcos e das performances ... E,
dentro destes, tantos outros. Tantos que se torna fácil imaginá-lo dentro do
tudo com que ele próprio assinou o Manifesto Anti-Dantas e por extenso (1916):
«José de Almada-Negreiros Poeta d'Orpheu Futurista e Tudo». - Por Sílvia
Laureano Costa"
(...) "Pela sua obra plástica, que o classifica entre os primeiros valores da pintura
moderna; pela sua obra literária, que vibra de uma igual e poderosa
originalidade; pela sua ação pessoal através de artigos e conferências -
Almada-Negreiros, pintor, desenhador, vitralista, poeta, romancista, ensaísta,
crítico de arte, conferencista, dramaturgo, foi, pode dizer-se que desde 1910,
uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa e uma das que mais
decisivamente contribuíram para a criação, prestígio e triunfo de uma
mentalidade moderna entre nós". Assim apresenta Jorge de Sena, no primeiro
volume das Líricas Portuguesas, o homem que, com Fernando Pessoa e Mário
de Sá-Carneiro, mais marcou plástica e literáriamente a evolução da cultura
contemporânea portuguesa
Órfão desde tenra idade, viajou para Lisboa com sete anos para casa de uma tia materna. Frequentou os estudos primários e liceais em Lisboa, no Colégio Jesuítico de Campolide, Liceu de Coimbra e Escola Nacional de Lisboa. Entre 1919 e 1920, seguiu estudos de pintura em Paris, aí trabalhando como bailarino de cabaré e empregado numa fábrica de velas, redigindo na capital francesa muitos dos textos e grafismos que viriam a ser célebres, como o "autorretrato". Viveu entre 1927 e 1932 em Espanha, onde realizou várias encomendas para particulares e públicos – Excerto de Almada-Negreiros -
A ALMADA NEGREIROS
Voltaste enfim ao regaço das palmeiras
onde serpentes volteiam
e navegam na claridade. Voltaste
porque os teus olhos mitigavam
palavras entontecidas cheias de água fresca
da Cascata. Voltaste trazendo cânticos
de outras terras
cânticos de trovadores desconhecidos
teceste roupas diferentes mas sempre
com as cores das buganvílias da Saudade
apagaste pegadas antigas no luchan
da tua meninice. Mas voltaste!
esperaste que o ranger da porta
da casa onde nasceste se prolongasse
no júbilo do teu regresso
hoje
sentado no presídio da marginal
onde ninguém nota o teu vulto altivo e belo
só eu sei que voltaste
e por que voltaste
Olinda BEJA in "Água Crioula" Pé-de-Página
Nenhum comentário:
Postar um comentário