Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Figura celebrizada no
espaço mediático televisivo sobretudo como o comentador benfiquista que usava
uma luva de cabedal preta na mão direita,
“O seu último filme foi
"O Querido Lilás". Obteve com esta obra, em que participou Herman
José, o Grande Prémio do Cinema Português atribuído, em 1991, pelo ex-Instituto
Português do Cinema. Foi uma espécie de troféu simbólico para coroar uma vasta
carreira multifacetada de realizador, argumentista, actor, cronista, com um pé
no teatro e no cinema e outro na rádio e na televisão.https://www.publico.pt/2001/02/09/jornal/morreu-o-gala-da-luva-preta-154532
Artur Francisco da Cunha Semedo foi Actor, Realizador de Cinema, Produtor de Televisão e Empresário Teatral, “Descendente de uma família de tradições militares, mal acabou o ensino primário e o exame de admissão aos liceus, foi obrigado a deixar a sua terra natal (Arronches, Portalegre) para frequentar o Colégio Militar, em Lisboa. Mas seis anos depois foi expulso devido à irreverência da sua personalidade pouco dada a preceitos disciplinares demasiado rígidos. Regressou então ao seu Alentejo para concluir o curso dos liceus em Évora, partindo depois para Coimbra como calouro da Faculdade de Ciências. Mas cedo percebeu que o seu futuro passaria pelas atividades artísticas, como havia, aliás, antecipado o seu professor primário, o escritor José Régio, que, ao constatar a vocação do jovem aluno para a arte dramática, escrevera “Sonho em Véspera de Exame”, uma peça em três atos, para ele representar enquanto aluno do liceu. . Excerto de No palco da saudade: Carlos César - Jornal Audiência
TENHO UMA CARREIRA DE OITENTA E TAL FILMES - EU NASCI PARA O MUNDO DO ESPECTÁCULO
Fui educado no Colégio Militar; tive uma educação bastante disciplinada para uma pessoa indisciplinada mas ao mesmo tempo foi para mim muito útil a forma como me conduziram durante esses set anos. Mas eu nasci, seja bom ou mau autor, sejam bom ou mau realizador ou homem de cinema ou de televisão – não sou eu próprio - que me devo classificar a mim –mas eu nasci, realmente, para o mundo do espetáculo,
Fiz bastante filmes… Até como ator, tenho na minha carreira oitenta e tal filmes, já!
Filmei na Suécia! Filmei na Hungria! Filmei no Brasil! Filmei em Espanha! Filmei em Portugal Em Angola, em Moçambique!.. Quer dizer: filmei nas sete partidas do mundo!
E fui sempre um apaixonado!... Mais do que, como actor de cinema foi mais ainda como diretor! Como realizador!... Senti sempre uma grande paixão por estar atrás da câmara de filmar; foi o que mais me seduziu em toda a minha vida artística!
JTM - Mas também fez teatro!... Aliás, foi no teatro que começou?
AS – Não!... O que é curioso é que eu estreei-me no cinema!... Fiz O Sol e Touros, e até com uma certa importância, no Vendaval Maravilhoso, do Leitão de Barros!.... Estava eu a frequentar o Conservatório, e, nessa altura, era proibido, aos alunos do Conservatório, começarem a trabalhar em Teatro!
Eu já tinha para assinar, vários contratos, com a Companhia Maria Matos e com os Comediantes de Lisboa, mas não me deixavam trabalhar, porque era ainda aluno do Conservatório.
Terminado, o curso, então entrei logo para o teatro, e, numa grande companhia: os comediantes de Lisboa, com João Vilaré, Alves da Cunha, Maria Lalande!.... Logo, por cima…
JTM – Foi uma entrada, apoteótica!
AS – (rindo) Exato!...
JTM – E agradou-lhe fazer teatro?
AS – Agradou-me muito!... Sentia-me muitíssimo bem a fazer teatro!... E, como subi muito depressa em teatro, para mim a carreira teatral, foi fácil!
Depois trabalhei, onze anos, com a Laura Alves!... Com ela fiz poucas peças, porque as peças eram um grande êxito!... E uma das últimas, que fiz com ela, foi o Amor é Traiçoeiro!... Que nós fizemos, aqui em Lisboa, durante um ano e tal!... Foi um êxito extraordinário!...
Fomos fazê-lo a Espanha! Ao Brasil!
..JTM – E a África, também?
AS – Sim, também a África!... Foi um grande êxito, que me marcou muito!... Ainda hoje, eu passo na rua, e me dizem: “ali vai o Artur Semedo! O homem do amor é traiçoeiro! …
JTM – Olhe, mas já agora que falou do amor é traiçoeiro: é uma expressão, que se usa de vez em quando…. Acha que o amor é uma traição?!...
AS – O amor, geralmente, é uma traição até a nós próprios!.. Que nos rouba… da outra parte (…) Há sempre uma traiçãozinha!... Não no lugar comum de trair – o amor é traiçoeiro – ou que atraiçoa... Não!... O amor atraiçoa-nos a nós próprios!... Tira-nos, até, uma certa personalidade!... Começamos, a viver com uma presença emocional noutro mundo!... E dizem que é o perigo do amor, que se torna em paixão!
JTM – É uma espécie de subversão no próprio amor!
AS – Ah, sim!...
JTM – E se eu lhe fizesse esta pergunta: se já alguma vez foi traído em termos de amor?
AS – (rindo) Não!... Nunca!... Houve aí um escritor, que foi o Lobo Antunes, que escreveu: “ - esse homem nasceu para trair e nunca para ser traído!”
JTM – Sim, mas já traiu?!...
AS – Agora, não!... Sim, trai!... Traí!... São coisas que se pagam!... Porque, era um homem que gostava de estar na moda!... Nos anos 50!... Estive muito na moda!
JTM – Era galâ!...
AS - Sim, ainda haviam os galãs… e tal!
JTM – Olhe, isso refletia-se também no cinema, porque, enfim, uma imagem, bem apresentável!... Acha que isso se deve também à sua figura, à sua imagem?...
AS – Sim, refletia-se, junto do público, e até por causa da televisão… Eu fiz um programa na televisão, que era o Carlinhos e a Lena, que teve grande êxito!... Outro também, nos anos 50! Com a Maria Dulce!... E outro, com Eva Todor!... Uma brasileira, em que eu fazia o Doutor Bórel!... E tudo isso tinha uma influência, junto das mulheres!...
JTM – Recebeu muitas cartas?....
AS – Recebi cartas!... Telefonemas!... Encontros marcados!...
JTM – Quer dizer, muitas apaixonadas!...
AS (rindo) Muitas apaixonadas!...Ao mesmo tempo, tinha a sua graça!... Hoje os tempos mudaram!... Hoje a situação é diferente.
"O QUERIDO LILÁS" - Estreado numa sexta-feira, dia 13
JTM – Estamos em véspera da estreia de um novo filme: do Querido Lilás!
AS - Do Querido Lilás!!... (rindo) A escrever no computador, sai sempre Lilas!... Mas é o Querido Lilás!...
JTM – Fale-me desse filme.
AS – Eu criei o filme na frase que dei no próprio cartaz, e, no próprio trailer que corre nos cinemas… Que é o amor impossível de um fim de todo o tamanho!
JTM – Onde foi buscar isso?
AS - Fui buscar à trama, digamos, ao enredo, ao entrecho do próprio filme!... Porque, o Herman José. Faz dois papéis autónomos!... Faz o da mãe e faz o filho!... Cujo filho, desapareceu!... Disseram que o filho tinha morrido, quando nasceu, com seis minutos de vida!... Tiraram-no de casa… E, mais tarde, por uma casualidade superior, o destino vai reuni-los!...
As - Sim… vai reuni-los numa casa de fados!... Eles encontram-se e apaixonam-se!... Foi o amor à primeira vista!... No fundo, seria a voz do sangue… que os estava a chamar!...
E então eles apaixonam-se um pelo outro!... E aí é um pouco a Tragédia da Rua das Flores”… É o Caso do Édipo!... O que eu acho aqui extraordinário, além da história ser profunda, é uma história séria mas tratada com dignidade… E o filme tem realmente muita graça!
E o Herman José, representa as duas personagens… o que é extraordinário!... Não é que ele vá para lá partir coisas…. Que não parte absolutamente nada no filme!... Parte só o coração da mãe!... Que é uma grande partida que ele faz!... E acompanham o Herman José, que é sensacional no filmem acores de grande categoria: o Henrique Viana! O Couto Viana! A Fernanda Borsatti!... O Rui Luís!... Eu próprio, também entro como ator!... E, das mulheres, também podemos destacar a Rita Ribeiro!... Que tem realmente uma grande criação e que canta extraordinariamente bem o fado!... E a Natalina José… Tem realmente um naipe de atores de luxo!.. Que rodeiam o Herman José! (…)
JTM – Portanto, vai ser um filme que vai naturalmente agradar ao grande público!
AS – Estou convencido que sim… Porque é um filme popular… que tem uma leitura rápida e de perceção fácil. E vai estrear num dos cinemas populares, que é o Éden – que é um cinema de uma grande lotação - aqui em Lisboa e no Estúdio 444. E, no Porto, no Cinema Lumier.
Que dizer, é uma ideia simultânea. E então estreá-lo, numa data que me agrada, sobremodo… Que é Sexta-Feira,13!... Todas as pessoas dizem “Há!... Sexta-feira,13!... Eu adoro, as sextas-feiras, 13!..
..
Não, no seu supersticioso!...
JTM – Então vê algum significado nesse dia?!...
AS – Não!... Acho graça!... Acho graça ser numa sexta-feira 23, em que, as pessoas, por norma, em que as pessoas… Por exemplo, em Espanha, as Sextas-feiras, 13, é um dia de sorte… As pessoas dizem que é um dia de sorte!...
JTM – Então é um pouco a contrariar!...
AS – A brincar!... Nós não devemos tomar muito a sério a vida!... Nós devemos brincar!... E brincar até com a própria vida!... Inventar a vida e brincar com ela!...
JTM - Não quer dizer…
AS - Sim, não quer dizer que não trabalhemos e sejamos pessoas dignas e sérias!...
JTM – Digamos, para afastar uns certos fantasmas!...
AS – Exato! … O nosso imaginário, sempre a funcionar…
JTM – A vida real, tal como se apresenta é já um bocado chata!...
AS - É muito chata! E temos por obrigação, nós, atores, as pessoas do espetáculo, temos por obrigação, ajudar as outras pessoas, a tirar os grandes problemas que têm em cima deles.
Paulo Cunha Professor
na Universidade da Beira Interior e dirigente do Cineclube de Guimarães. http://www.apaladewalsh.com/2015/07/artur-semedo-o-louco-da-luva-preta/
O GALÃ DE LUVA PRETA - TINHA EM EUSÉBIO O SEU MAIOR ADMIRADOR - QUE NÃO DEIXOU DE O ACOMPANAHAR À ÚLTIMA MORADA
Artur Semedo foi essencialmente um homem do
teatro, mas também um caso excepcional na história do cinema português. Galã de
fitas nos anos 50, com um percurso internacional na década seguinte, e primeiro
“actor neo-realista” do cinema português, Semedo também passaria pela
realização e produção de projectos sui generis que, de certa forma, procuraram outras
direcções para o cinema português. Sobretudo na comédia, Semedo dirigiu um
punhado de filmes que constituíram, por assim dizer, uma espécie de terceira
via no cinema português dos anos 70 e 80, tentando arrepiar caminho entre os
filmes de sentido popularucho e o cinema de autor mais intransigente: Malteses, Burgueses e às vezes (1974), O Rei das Berlengas (1978)
e O Barão de Altamira (1986).
Mas, apesar das tentativas, os filmes ficaram bastante aquém das expectativas.– Excerto
Nenhum comentário:
Postar um comentário