Vou indo
à deriva, sereno e grave, sem precisar de ninguém Pois, mesmo que
precisasse, ninguém me estenderia a mão! Atento e indiferente - Vestido
com as vestes da nocturna solidão
Jorge Trabulo Marques
Não a receies a solidão!...Bem-vinda sejais!.. Recordando minha odisseia 38 dias à deriva numa canoa no Golfo da Guiné
Escura
é a noite, escuros os caminhos dos mares e dos céus
que
se me abrem em todas as direcções....E também escuros
serão
certamente os caminhos que me conduzirão a Deus...
Vou
indo à deriva, sereno e grave, sem precisar de ninguém
Pois,
mesmo que precisasse, ninguém me estenderia a mão!
Atento
e indiferente - Vestido com as vestes da nocturna solidão.
Absorto
com a crua verdade transfigurada do assombro!
As
trevas adensam-se na atmosfera e, por tão habituais,
quase
já não me impressionam, não me comovem.
Fazem
o seu percurso. Eu vou no seu seio mas não sei bem qual é o meu...
Sim,
as sombras estão por todo o lado e também invadem o meu coração!
-
Vagueio sem destino com a coragem e o medo que ainda não sei vencer.
Não
recuo a nada....Porque, enquanto tiver algum medo é sinal de que vivo....
Vou
indo com o soooar do mar! Com o mar que soa! Com o mar que brâaame!..
Sou o cavaleiro andante sonhando acordado!... Sonhando cavalgando
este
vasto largo, neste imenso mar!... Sonhando e cavalgando o mar..
porque,
ao sonho, não há limites nem barreiras
e
a noite acompanha-me nos meus sonhos,
os
astros estão ocultos, longínquos e escondidos,
o
silêncio foi submerso pelo rugido do vento e do mar,
só
a roupagens da noite, as tenho por únicas companheiras!..
Mas,
ó piedade impiedosa dos céus!..
Nenhum
sinal de vida! Ninguém...Vivalma!
Só
as vagas.... e atrás das vagas, outras vagas ainda!
O
vento soluça e geme. Perpassa-me pelos ouvidos
como
um fino acorde - Estou envolto nele.
Sonâmbulo
abandono o meu, estranha vida!...
Onde
irei numa noite de breu assim?!.. A que distância
haverá
um porto de abrigo?!... As nuvens correm
sobre
a minha cabeça, galopam enroladas e escuras!..
Quase
me esmagam e sufocam!.. Em que ponto
do
mar ou do céu poderei pousar o meu olhar?!..
Bravio
deserto! espectral cenário! - Estranha e cruel beleza!
Quem
se compadece de mim?!... Tão prolongado já vai
o
sofrimento, a angústia que me aplaca e não se esvai,
que,
de tanto penar neste deserto varrido e sombrio
e,
dos céus cerrados, vir somente a indiferença e a frieza,
sim,
tamanha já é a minha dor, a amargura intensa que não se me apaga,
que,
esta contínua incerteza, este permanente amargo sofrer,
este
resignado sentimento que me fustiga e perturba,
se
transforma, simultaneamente, não só em persistente dor
mas
também num misto de sereno e doce contentamento!
Como
se eu fosse - mesmo diluído e errante como as sombras-
O
Deus de mim próprio e das escuras névoas, o meu próprio Criador!
Há um marulho que
tumultua, se levanta e uiva.
Soergo-me ajoelhado,
tímido levanto o húmido oleado
com que cubro a piroga, envergando
ainda a capa com que durmo, debruço-me sobre a frágil borda,
espreito por uma nesga o
que vai lá fora,
olho a noite de olhar
turvo e arregalado
para descortinar o que vai
ao largo....
É o fuzilar de relâmpagos
e mais relâmpagos
a rasgar negridão. Fico
preocupado…
Além dos sinistros raios a
incendiar o mar, além de mim,
nada mais ouço que o
uivar do vento e, nos confins, agora o trovão!
Nada mais enxergo que
manchas difusas!
Vultos disformes! …Vultos
montanhosos!
E, atrás desses vultos, alterosos
e escuros, outros maiores se enrolam!
Ameaças fugidias sobre a
imensa e negra vastidão!....
Em vão perscruto o denso
horizonte,
a ondulante massa
que meus olhos cega e turva...
Em vão, neste longo
tormento, nem a lua
nem as estrelas, dão
sinais da sua existência.
Só farrapos de
penumbra!... Espessas névoas
que pairam à
superfície lívida e líquida!
Novelos fantasmagóricos,
baixos e fugidios
que se movem como se
fossem navios fantasmas!..
Nenhum raio de luz vem do
alto!.. E, no entanto,
as águas enrolam-se e refletem
um brilho baço!
Não há uma aberta, um assomo de
claridade!..
Por isso, sinto-me agora
mais triste, sozinho e abandonado!
Imerso numa paz podre e
angustiante, tendo por cenário,
um quadro que tem
tanto de sombrio, como de horrível e belo!
Traz nas pastosas vagas
que se revolvem e quebram ao meu lado,
ameaça iminente de mais
umas longas e atribuladas horas de vigília!
De sono perdido, enfrentando
as sucessivas investidas!
Que nunca se sabe donde
vêm e donde partem!
O que eu sei é que o
ambiente do mar
e da noite se altera, as
vagas encrespam-se!
Quando é de dia, vê-se
donde vêm as ameaças!
Porém, quando à escura noite, sobrevém o tornado
ou a tempestade, tudo é
medonho!...- Não há palavras!..
Excerto de SÓ O MAR A BRAMAR
Jorge Trabulo Marques
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