CIRCO –A MÃE DE TODAS AS ARTES
Em homenagem aos valorosos artistas circenses - Antes do cinema, havia o circo
– uma mistura de várias artes de expressão artística: teatro, malabarismo, ilusionismo, ginástica,
pantomina. O circo é conhecido como a
mãe de todas as artes – Hoje, os grandes circos, que são instalados nas feiras,
nas maiores vilas e cidades, sobretudo na
época natalícia, nada têm a ver com o pequeno círculo familiar, ambulante, quer
de antigamente quer de hoje, mas é de admitir que, alguns dos seus empresários
ou artistas, tenham antecedentes com um passado circense, mais recuado. Aliás,
era dos tais talentos, que, apanhados pelo bichinho do circo, se ia formando
gerações de artistas circenses: passando de pais para filhos, netos e por aí
adiante. Um género de sina artística, que, desde que instalada no seu familiar,
jamais se divorciava de um certo fadário errante.
Hoje, há quem, por amor ao
teatro de rua, ao humor brejeiro ou saloio, à piada politica e social, à
cantiga comediante, mesmo não trazendo consigo, qualquer tipo de herança
consanguínea, mas achando-se com talento, sentindo brotar dentro de si a veia
artística, bote mãos à obra e forme o seu grupo, indiferente a ventos e as
marés.

Para além dos sketches e vídeos humorísticos apresentados regularmente em várias actividades ao longo do ano, Os Pantomineiros desenvolvem desde 2010 o espectáculo "Minoeiras", integrado no programa das Festas das Amendoeiras em Flor e dos Patrimónios Mundiais, em Vila Nova de Foz Côa. Associação Juvenil Gustavo Filipe
Como disse, nenhum grupo circense ambulante assume o nome de
potriqueiros, todavia, muitas das suas performances artísticas, quase não
mudaram, vão buscar os truques,
charadas, pantomimas, fazes-tudo, à moda antiga – Foi justamente o pequeno espetáculo,
a que, em Agosto do ano passado, pude
assistir no adro da igreja da minha aldeia – Uma sessão apresentada às 10 da
noite, quão hilariante, como comovente, feita apenas com a prata da casa: pai,
mãe e filho, que nasceu e cresceu de aldeia em aldeia. Todos eles inteiramente
dedicados ao circo e já com antecedentes familiares
.

Noutro tempo, à falta de instalação sonora, a forma de anunciarem
a sua presença, era através do megafone simples: depois de instalarem a pequena
tenda, que era transportada em machos ou burros, percorriam as ruas, anunciando
as suas variedades. Hoje, transportam-se em roulottes-viaturas e, logo que
montad0s os alto-falantes, estes fazem
soar música popular aos quatro ventos –
E toda a aldeia sabe que há espetáculo no adro. É que, enquanto o carro do padeiro, da fruta,
da mercearia ou do peixe, vai espalhando os sons pelas ruas por onde passam,
neste caso, o som vem sempre do mesmo ponto, do adro ou da praça mais centrada
e popular
.
Em Agosto, as aldeias perdem a sua pacatez – E retomam, graças
ao regresso dos emigrantes. - se não a vida de outros tempos – porque a desertificação é já por demais acentuada – pelo menos outro movimento e alegria. A freguesia de Chãs, é um desses exemplos – O
ano passado, uns dias depois da festa de Nossa Senhora de Assunção, o adro
voltou de novo animar-se. Agora de uma forma mais simples e menos concorrida. Houve
já quem já tivesse gozado as férias e voltado para França. E também quem já sentisse
cansado de festas e preferisse ficar em casa. Mas há sempre quem não resista à curiosidade.
Foi o meu caso, entre um punhado de pessoas – Mais a criançada..
PRIMEIRO DÁ-SE MÚSICA
Uma ou duas horas antes, vai de se ouvir disco atrás de disco
– Ouvem-se as músicas e canções mais populares, não há palavras, ninguém sabe o
porquê do “aparente” espetáculo.– Mas, as pessoas, levadas pela curiosidade,
vão aparecendo, pouco a pouco. E, em vez de irem sentar-se nas cadeiras, vão-se
acomodando em redor. Pensam que é
preciso pagar e acham que é preferível ver o espetáculo de borla.

Pelo que pude observar, toda a gente gostou e não deu o seu
tempo por perdido – Desde a miudagem aos mais crescidos. Estou em crer,
que aos mais adultos, tal como eu, quanta memória não terão ido
buscar ao baú da sua adolescência! – Pois o circo é isso mesmo: quem o vê, pela
primeira vez, em criança, jamais o esquecerá para o resto da vida. Tem, de
facto, o condão ou a magia de tornar os
adultos crianças e destas rirem tal qual riem e se divertem os mais velhos.
Aliás, no circo ambulante, não falta o convite à participação de crianças. Por natureza,
só elas dão graça a qualquer pantomina
Sim, nunca mais me esqueço, numa das sessões dos potriqueiros
no adro e à luz do petromax, quando eu tinha aí uns seis anitos. Um dos artistas
palhaço, ao chamar alguns garotos para
junto dele, eu fui deles a experimentar
o olhar curioso à minha volta - E então o que é que ele fez?... Pôs um funil à frente da breguilha das
minhas calças, e, voltando o bico para fora, toca de verter água: “É pá! Estás
com medo! Eu não te faço mal nenhum!... Estás-te a mijar?!...” –Obviamente que
a risada foi geral. Presumo que o truque
consistia em espremer algodão em rama molhado. Justamente, foi um dos velhinhos
truques que ali vi.

O VELHO SALTIMBANCO - Por Charles Baudelaire

Nesses dias creio que o povo tudo esquece, a dor como o trabalho, torna-se
igual às crianças. Para os pequeninos é um dia sem aula, é o horror da escola
esquecido durante vinte e quatro horas. Para os grandes é um armistício
concluído com as potências maldosas da vida, uma trégua e luta universais.
O próprio homem do mundo e o homem ocupado em trabalhos espirituais
dificilmente escapam á influência deste jubileu popular, sorvendo, mesmo sem
querer, o seu quinhão desta atmosfera de alegria. Por mim, nunca lá falto, como
verdadeiro parisiense, passando revista a todas as barracas que se ostentam por
essas épocas solenes
Faziam, na verdade, uma concorrência formidável umas às outras;
esganiçavam-se, berravam, uivavam. Era uma mistura de gritos, de detonações de
cobre, e de explosões de foguetes. Os palhaços e os faz-tudos arrepanhavam as
feições das caras trigueiras, encarquilhadas pelo vento, pela chuva e pelo sol;
lançava-se com o à-vontade de comediantes seguros dos seus efeitos, bons ditos
e piadas, dum cómico sólido e pesado como Molière.
(…) Não havia senão luz, poeira, gritos, alegria, tumulto; uns gastavam,
outros ganhavam, uns e outros igualmente joviais. As crianças penduravam-se nas
saias das mãe para obterem caramelos, ou subirem aos ombros dos pais para
melhor ver um ilusionista deslumbrante como um deus. E por toda a parte
circulava, dominando todos os perfumes, um cheiro a frituras que era como que o
incenso da festa.
No fundo, na última extremidade da fileira das barracas, como se, cheio de
vergonha, ele se tivesse exilado a si próprio de todos estes esplendores, vi um
pobre saltimbanco, arqueado, caduco, decrépito, uma ruina de homem apoiado a um dos barrotes da sua barraca; uma barraca
mais miserável que a do selvagem bestializado, e onde dois cotos de velas, a derreter-se e a
fumegar, ainda alumiavam demasiado bem a miséria.
Por toda a parte a alegria, o ganho, o deboche; por toda a parte a certeza
do pão para os amanhãs, por toda a parte a explosão frenética da vitalidade.
Aqui a miséria absoluta, a miséria embuçada, para cúmulo de horror, em andrajos
cómicos, onde a necessidade, bem mais do que a arte, tinha inserido o
contraste. Ele não ria, o desgraçado! Não chorava, não dançava, não
gesticulava, não gritava; não cantava qualquer canção, nem alegre nem
lamentável, não implorava. O seu destino estava traçado.
Mas que olhar profundo, inolvidável, ele passeava por sobre a multidão e as luzes, cuja onda
movediça se detinha alguns passos da sua repulsiva miséria! Senti a garganta
apertada pela mão terrível da histeria e pareceu-me que o olhar se me velava
com essas lágrimas rebeldes que não querem cair.
Que fazer? De que serviria perguntar ao infortunado que espécie de
curiosidade, de maravilha, ele tinha para mostrar nas suas trevas pestilentas,
por detrás da sua cortina esfarrapada?
Mas na verdade não me atrevia; e, embora a razão da minha timidez vos possa
fazer rir, direi que temia humilha-lo. Enfim, acabava de resolver-me depor, à passagem, algum dinheiro sobre
aquelas tábuas, espetando que ele adivinhasse a minha intenção quando um grande
refluxo de gente, causado não sei porque alvoroço, me levou para longe dele.
E, ao regressar, obsediado por essa visão, eu procurava analisar a minha
dor súbita, e disse comigo: “Acabo de ver a imagem do velho homem de letras que
sobreviveu à geração de que foi vibrante animador; do velho poeta sem amigos, sem família, sem filhos, abatido
pela miséria e pela ingratidão pública,
e em cuja barraca o mundo ingrato não mais quer entrar!”
OS POTRIQUEIROS - OUTRAS MEMÓRIAS DE QUEM OS CONHECEU

Onde iam eles, os potriqueiros!
Nos tempos esganados que se seguiram à Segunda
Grande Guerra, não era fácil para um pobre acudir todos os dias aos ladridos da
barriga atormentada pela fome e havia que recorrer a almudes de criatividade
para rapar o magro pão de cada dia, dia sim dia não. Dentre esses imaginativos
salientavam-se os potriqueiros. Potriqueiros lhes chamava o povo do norte,
fazendo uso de uma simpática corruptela de pelotiqueiros, significando uma
espécie de artistas mais ou menos circenses que faziam jogos malabares com
pequenas pelas, cujo diminutivo seria pelotas.
O povo até que gostava deles, dos potriqueiros,
seus irmãos na miséria e descendentes de uma longa linhagem de artistas saídos
do povo, cujos ascendentes mais remotos se situavam entre aqueles velhos
jograis que, no tempo dos afonsinos, percorriam feiras e vilares com seus momos
e mistérios, seus cantares e poemas, numa Idade Média que, nas serras do
interior, teimou em prolongar-se pelo século XX, tanto no imaginário religioso
e profano, como na maneira de lidar com a terra. Com o tempo a palavra foi
alargando a sua dimensão semântica e passou a significar também aqueles que
mostram capacidade de sobreviver à custa de simpáticas artes e manhas de
carácter mais ou menos histriónico.
Esses potriqueiros arribavam à aldeia pelo
Outono, quando partiam as andorinhas e o lavrador dava por findas as canseiras
das malhas, da arranca das batatas, pois que os ouriços dos castanheiros, ainda
não tinham começado de arreganhar.
(…)Desapareceram os potriqueiros. Desapareceram
levados pela correnteza do imparável tempo que tudo consigo arrebata. E, com
eles varreu-se a palavra mágica, potriqueiros, que nem sequer o Houaïss nem o
Dicionário da Academia registam. - Excerto de Destaques « Notícias de Trás-os-Montes e Alto Douro
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