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domingo, 6 de abril de 2014

Histórico - Oliveira Salazar “acalma” rebelião popular ao passar por Foz Côa, em 13 de Set 1941, com o envio de um pelotão da GNR, na véspera da festa da Nª Srª da Veiga, – “Vossa Excelência é o Sr. Dr Oliveira Salazar?!...” – pergunta o pároco: “sou eu mesmo; faça favor de dizer”: “Nesta terra deflagrou um motim popular, a ordem foi alterada e eu pedia a V. Exa. as providências necessárias” (…) “A ordem vai ser mantida; pagareis cara a rebelião” - Responde: - Tudo por causa do povo querer música e foguetes na festa!

Jorge Trabulo Marques - Jornalista 

"Quero pedir-lhe um favor, não um favor pessoal, é uma coisa muito simples e muito legítima” “Faça favor de dizer” acudiu o Sr. Presidente do Conselho em tom acolhedor.
 “Nesta terra deflagrou  há pouco um motim popular , a ordem está alterada  e eu pedia a V.Exa.  as providências necessárias  para a manutenção da ordem” Pormenores mais à frente  

Jorge Trabulo Marques - Jornalista - 




A pequena ermida fica lá no altinho - Sítio de culto e de peregrinação  há muitos anos, donde se avista uma panorâmica sobre o Douro e a várzea do Pocinho, verdadeiramente soberba e invulgar, que só por esse facto vale a caminhada - O vínculo à natureza é indissociável da Humanidade, independentemente da crença que se tiver e o local, só por si,   maravilha o olhar, abre-se quase como auspiciosa e reconfortante oferenda divinal!  - Quem sabe se, só por isso, muitos dos que ali vão imbuídos da sua fé, não sejam prendados com o bastante alimento espiritual e físico para se sentirem curados ou libertos das suas mazelas psicológicas ou depressões!... - O que explica que quem ali mandou erguer a capelinha, é porque se sentiu ali bem e terá olhado o mundo à sua volta como uma magnífica dádiva que era necessário celebrar e partilhar.

Seja como for, a crença no sobrenatural é tão antiga como o próprio Homem e deve ser respeitada, o que não é  natural  é, entre outra falta de virtudes,  chegar-se ao ponto de ir pedir "providências" ao chefe do Governo para atirar as forças repressivas contra o seu próprio rebanho pelo simples facto de, na véspera da festa, alguém aparecer "triunfante pelas ruas da vila, ao som da música e a estoirar uns foguetes" - O que devia ser de bom anúncio era encarado como de blasfémio.  Ainda bem que tais exageros vão caindo em desuso e a devoção não é considerada  inimiga da diversão.
Festas de Nossa Senhora da Veiga  - colaboração especial de algumas  imagens  de Adriano Ferreira


Eram dez horas da manhã, pouco mais ou menos, estava desencadeada a rebelião que se desencadeava triunfante pelas ruas da vila, ao som da música e estoirar dos foguetes. Bem se importaram eles com os editais do Governo Civil afixados nas paredes do Tabelado e noutros locais públicos; julgavam-se vencedores, triunfantes. Os acontecimentos vieram dar razão às nossas apreensões. É nesta altura que entra o chefe do Governo, Sr. Dr. Oliveira Salazar, em Foz Côa. Não foi um acaso fortuito, embora lhe queiram chamar uma circunstância providencial. É que nossa Senhora da Veiga resolveu intervir na hora em que a autoridade era desrespeitada e o Pároco injustamente humilhado. Ela bem sabia  a razão  que a este assistia e que aquilo não se devia fazer. Era um desacato às autoridades legitimamente constituídas e Nossa Senhora não gostou disso e interveio

Não cruzámos os braços perante os acontecimentos. Fomos para o nosso escritório escrever  telegramas de protesto contra o que se estava passando, para enviá-los  à Guarda e a Lisboa, pedindo providências”  (…)A meio do caminho encontrámos o carcereiro  José Pires , e, na ânsia de boas notícias, perguntámos-lhes, quase sem parar: “O que há lá por cima?” Resposta: “Não sei, mas dizem por baixinho  e a meia-voz  que está cá o Sr. Dr. Oliveira Salazar. Anda a ver a nossa igreja.” Sentimos-nos sacudidos por uma repentina força eléctrica.

(…) Erguemos a voz para que todos  nos ouvissem , até dentro dos Passos do Concelho e repartições públicas que estavam um pouco distantes, gritámos bem alto: “Viva o Sr. Dr. Oliveira Salazar, viva o chefe do Governo, viva o Salvador da Pátria. Viva o Governo da Ordem  e da Restauração pacífica  do Exército Português, etc, etc”

A certa altura S. Exa. interrompeu dizendo: “Já basta Sr. Abade” 

- Pormenores mais à frente

SALAZAR INTERVEIO  E ACALMANDO O POVO

Não sou Salazarista (e até fui preso e espancado pelos PIDEs em S. Tomé) mas história é história.  E é isso que também se pretende fazer em vida-e-tempos. Antes de aqui transcrever  o episódio em epigrafo, linha a linha (que muito trabalho me vai dar) relatado, como fidedigno,  em “História do Culto da de Nª Srª da Veiga”, em Vila Nova de Foz Côa, livro de autoria do pároco, Cónego José António Marrano, publicado em 1959, acerca de uma tal "rebelião"  que  ocorrera alguns anos antes de eu ter nascido, talvez valha a pena antecipar a sua descrição, com algumas notas.

 E é justamente por onde vou começar, antes de encetar tão meticulosa tarefa – É meu intuito apenas transcrever algumas páginas, porventura excessivas para uma única postagem neste site, mas ficam à leitura de quem o puder fazer, pois não desejaria pegar no assunto apenas superficialmente e correr o risco de o descontextualizar. Nada me move contra ou favor, senão levado pelo espírito jornalístico e de investigação, trazendo  à luz do dia factos que o tempo ameaça esquecer, pese até estarem escritos – Mas quem é que, em Foz Côa – para já não falar do país – se lembra ou ouvir falar desta “intervenção miraculosa” de Salazar?



A QUINTA DOS AREAIS,  ONDE  SALAZAR IA ALMOÇAR QUANDO VIAJAVA PARA TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO.





Quinta dos Areais - Ah! aquelas doces uvas moscatéis que havia numa latada à volta da casa e cujos frutos eram os primeiros a amadurecer! - E que dulcíssimo vinho do Porto, ali não era servido em antigas garrafas de cristal!... Salazar não era dado a bebidas alcoólicas mas, no final da refeição, não recusava uns bem apaladados brindes:  bebia e repetia aquele xarope generoso, velhíssimo mas de elevado grau, até  limpar a boca com a costa da mão ou a  ficar ainda mais descontraído e afável, quase grogue.  Sem perder o distanciamento,  que lhe era conhecido,  vim a saber que "não era de cerimónias!  Comia com o mesmo à-vontade como se estivesse no Vimieiro!"-. A sala de jantar era ao lado da cozinha: -Esta era pequenina mas a comida era simples mas da mais gostosa hortaliça que havia na horta, ali a uns passos das escadas de granito voltadas a sul e regada por uma nora, puxada por um burro ou por uma mula!... Claro que tudo produzido do fertilíssimo húmus do vale e bem acompanhado - . - Naturalmente com uma ementa mais rica e variada que o nosso habitual caldo e as batatas ou simplesmente que a malga de soro das ovelhas (quantas vezes  à noite era o que se comia!) que a minha mãe fazia na Quinta do Muro, situada um pouco mais acima e à luz da candeia de azeite e do petróleo, enquanto os meus tios, já tinham água eletricidade produzida por um dínamo, graças ao engenho do meu primo , seu filho, que foi cursar engenharia a Londres. Além de água à porta e nós tínhamos de a ir buscar em cântaros.




Meus pais eram caseiros da Quinta do Muro, propriedade de José Joaquim Marques (maçónico) hoje em ruínas, sobranceira do Vale da Ribeira Centeeira. Na curva da estrada, um pouco mais abaixo, situava-se a Quinta dos Areais – Vivia lá a minha Tia Deolinda e o meu Tio Joaquim Trabulo – Mas eles eram caseiros de um casal muito amigo de Oliveira Salazar:  a Sra Maria Adelaide Virgínia de Castro Coutinho de Quevedo Pessanha (natural de Viseu) e o Dr Armindo Crespo, natural de Trancoso, que chegoou a ser Presidente da Comissão Distrital da União Nacional.


Citado no diário de Salazar numa das suas visitas em . São Bento - A véspera e o dia de Natal   - “Sexta-feira, 24 de Dezembro de 1954 - 17h30 -Dr. Armindo Crespo – Esposa e Filhos – (vindos de Viseu) – varia – chá – sobre obras de Viseu e do Vimieiro – Chegou o carro novo Cadillac para se ver”

Diz, quem conheceu de perto os solares dos pais de Maria Adelaide Virgínia (descendente  de El-Rei D. João II)que teria sido a menina linda dos olhos de Salazar, que conhecera desde o tempo em que os pais de Salazar, António de Oliveira e Maria do Resgate Salazar, foram caseiros da sua quinta, nas terras de Viriato. Por via desse laço amistoso, Salazar era ali recebido, não só pelos meus tios, e por vezes também na companhia da D. Virgínia, em ambiente de grande intimidade e familiaridade. Sempre que, Salazar, ia de passeio ao Norte ou nalguma visita oficial, era seu costume ir lá almoçar. Apreciava muito o caldo verde que a minha tia fazia e a fruta que a quinta produzia. E, quando o não o podia fazer, era sempre obsequiado por uns cabazes dos primores do vale, chegando mesmo a  esperá-lo no cruzamento da estrada. 


Apontam--se muitas as paixões amorosas a Salazar mas, pelos vistos, a maior de sua vida, essa, a que me refiro,  tem sido a menos falada –Desde a Carolina Asseca, Glória Castanheira, Maria Luísa Sobral, Alda Pais, Palmira, Alice, Maria Helena, Maria Laura, Christine Garnier, “a jornalista que o levou, num acto pouco usual, a abrir os cordões à bolsa para enviar garrafas do melhor vinho para França". 

Não há ninguém que não tenha os seus defeitos e as suas qualidades e esconda o que não deseja mostrar. Não há santos. Aquele rosto fingidamente sacerdotal ou jesuíta escondiam-se muitas frustrações e uma enorme sofreguidão sexual –Quando, em Fevereiro, último, entrevistei um dos médicos que assistiu Salazar, após a sua queda da cadeira, e lhe perguntei: "Diz-se que Salazar era abstémio", imediatamente soltou ma sonora gargalhada. Não estou agora bem certo que ficou registada no vídeo. 

Leia-se, por exemplo,  o que se diz em  O Diário de Salazar, António Trabulo , onde se relata que até a PIDE colaborava nos seus próprios engates) ou o que lhe ouviu nas confidências o Monsenhor Moreira das Neves, que me deu a honra de me receber em sua casa e de o entrevistar. -  As histórias que me contou o antigo director do Jornal Novidades(estas não gravadas) o sacerdote (seu confessor) que mandava os textos diretamente a Salazar, quando o bisturi dos censores, lhos censuravam,  são pois de arrepiar! -  Mesmo assim, o cultíssimo queirosiano, não se importou de lhe fazer o discurso fúnebre, depois de ter sido supervisionado pelo Cardeal Cerejeira.

Mas atenção, embora parente afastado da nossa origem judaica, não confundir o distinto autor do diário de Salazar com o nome do meu primo-padrinho, José Trabulo, também já falecido. Que eu saiba, nunca  ali esteve naquela quinta. O apelido  Trabulo, sendo oriundo da mesma raiz ancestral,  é mera coincidência - Pois sabemos que não há Trabulos em Portugal que não entronquem em laços familiares comuns.

 

Oh adorável Quinta do Muro! -Das subidas e descidas ao maciço dos Tambores atrás do gado, com a marmita pela mão, que o José Rebaldo guardava. Foram os anos mais belos da minha adolescência!....-Como era encantador o chilrerar da passarada  ao amanhecer na  ramagem dos choupos que ladeavam a ribeira!...  E que dizer dos meus pequenos cemitérios de lagartixas?!.... Que enterrava em pequenos caixõezinhos de cana para mais tarde as desenterrar e começar a compreender o que sucedia ao corpo depois de morto e ir à terra.


MEU PRIMO (DA QUINTA DOS AREAIS) SAFOU CARLOS PAREDES POR DUAS VEZES DAS GARRAS DA PIDE -https://templosdosol-chas-fozcoa.blogspot.com/2020/07/carlos-paredes-recordando-entrevista-um.html

O PAI TIROU PARTIDO POLÍTICO DO REGIME PARA MANDAR CONSTRUIR O EDIFÍCIO DOS CORREIOS - É habitável e maior de que muitos postos das freguesias das cidades.  O meu avô Trabulo, alcunha  o "Perdido" era de Foz Côa e foi quem plantou a primeira  vinha em Chãs, onde casou. Meu tio, seu filho, era um barra nas podas e enxertias e, por várias vezes, chegou a ir podar umas macieiras que Salazar tinha na casa onde nasceu. Era também um salazarista dos quadros custados – Deus lhe perdoe. Não foi por razões políticas mas por desespero, diz-se que chegou a denunciar, em carta anónima, à GNR uns emigrantes que tentavam dar o salto para França, receando ficar sem trabalhadores na quinta. Sim, era o princípio  da desertificação dos campos e das aldeias e os agricultores não encontravam quem fosse à jeira.   Informado o Posto,  da hora e do itinerário, não foi difícil apareceram-lhe pelo caminho as autoridades e irem  todos de cana.  Libertados, uns dias depois, lá tentaram com êxito o "salto" com novo passador mais cauteloso.

Por outro lado, o seu filho, o José Pires. Trabulo, meu  padrinho de batismo, exímio guitarrista,  tendo sido colega e grande amigo de Carlos  Paredes, esse teve uma ação bem diferente do pai: disse-me (mas esta versão, só a conheci bastante mais tarde, contada pelo próprio) que chegou a deslocar-se, por duas vezes, à Rua António Maria Cardoso, intercedendo  pelo libertação do seu amigo Carlos Paredes, que constantemente era alvo das perseguições da policia política do regime.  Ele conhecia, um dos chefes da PIDE, que acompanhava Oliveira Salazar, quando ia almoçar a casa de seus pais e ousou ir fazer-lhe esse pedido, no que chegou a ser atendido.

Mas foi, também, graças à  dedicação ao regime salazarista, que meu Tio Joaquim Trabulo, logrou, enquanto Presidente da Junta de Freguesia, a construção de um dos mais eficientes e  belos edifícios dos CTT do concelho, digno de ser visto  - Sim, no adro, é o único monumento construído, depois da desastrada demolição da centenária igreja, por um pároco que queria ficar na história da aldeia, demolindo a  antiga e construindo uma nova, que mais parece um enorme armazém ou ginásio que um local de culto, ladeada por uma torre, ainda por cima, torta  - Se ao menos fosse como a de Pisa! Assim, o que pode acontecer é que, naqueles dias em que o sino, não se sabe bem porquê, em vez de assinalar as horas, começa a tocar a rebate, desalmadamente,  e,  devido ao efeito sonoro, se for de noite, como já tem acontecido, acabe é por acordar os vizinhos com o estrondo da queda da própria torre

O DIA EM QUE VI SALAZAR A DOIS PALMOS DO NARIZ – TINHA SETE ANOS QUANDO O VI NO INTERIOR DO CARRO À ESPERA DE DOIS CABAZES DE PÊSSEGOS DA MINHA TIA-MADRINHA

Foi por esse tempo, ainda garoto, que eu conheci, pela primeira vez, Oliveira Salazar – Além de vivermos naquela quinta, a escassa distância da estrada, meus pais tinham ali uma pequena courela no vale  - Era verão,  e eu e o meu irmão mais novo, andávamos por ali às correrias pela estrada, numas breves escapulidelas  da cabana do meloal -  Há, sim, os bons melões que ali havia, era uma tentação… Hoje o que lá vemos são vinhas, um extenso pomar com fundos da CEE ao abandono e nem uma horta; pois vem tudo de fora. 
Nisto,  algo vem interromper as nossas brincadeiras: quando nos aproximámos do ramalde, uns metros à frente do cruzamento da  EN 103 que dá para a aldeia de Chãs, então chamada estrada real,  que naquele tempo ainda era servida por  um sinuoso caminho romano, deparamos com um enorme automóvel preto.


Eu e o meu irmão, Fernando, crianças cheias de curiosidade, não resistimos à tentação de nos  acercarmos  do dito carrão negro, até porque, poucos eram ainda os carros que se viam circular e, daquele porte, muito menos. Ele era ainda muito inocente, quase não chegava à  altura do vidro da janela.  Mas eu, ao espreitar pelo vidro, reconheci logo que era Salazar – Estava sentado no banco de detrás,. Associei-o justamente  com a figura do retrato que, ao longo do ano letivo,  me habituei a ver pendurado num quadro da minha escola primária, ao lado de outro de  Craveiro Lopes. Daí ter espevitado ainda mais a minha curiosidade. A seu lado, uma mulher e outro homem . À frente um motorista e apenas outro individuo à civil.  Enquanto o meu irmão se detinha a olhar mais para o carro, eu não parava de girar de janela em janela, de um lado para o outro. Mas o  que mais me intrigava, eram aqueles perfis austeros, dos quais não se ouvia uma palavra (um vidro estava aberto); ninguém falava ou mostrava qualquer reparo em nós. Era como se não existíssemos – Mas o mais inesperado estava ainda por vir.


Nisto vejo então chegar a minha Tia Deolinda, passo apressado, com dois cabazes de lindos pêssegos, que trazia em cada mão. Ao aproximar-se, sem mais nem menos, grita sobre nós, de forma desaforida e autoritária (se não usasse o lenço negro atado pela cabeça, dir-se-ia que fazia o papel de polícia) deixando-nos, mais assustados de que intrigados: “o que estais aqui a fazer?!..Vá, ide dar uma volta! “Olha a cambada pró que se havia de lembrar!!...” – E nós toca a correr dali a sete pés, pensando que aquelas figuras de rostos impessoais e tão sérios, ante tamanho alarido, de um momento para o  outro, despissem as suas máscaras e saíssem do carro para nos esbofetear, dado o atrevimento da nossa infantil mas persistente curiosidade,


De tal maneira, fiquei chocado com aquela atitude prepotente da minha tia-madrinha (ela que até consumava dar-me umas guloseimas quando lhe ia levar pequenos  ramos de flores campestre), que resolvi pregar-lhe uma partida:  como vingança e também pelo facto de me andar a chamar "melado": -  uns dias depois, em vez de a presentear com flores,   levei-lhe um monte de merda de galinha embrulhado já nem sei em quê: “toma lá! isto é para ti!”… A que ela responde, ainda sem saber: “Então que me trazes, Jorge?!” Vê, sua nega! É para ti!!” – Bom, tendo ido fazer queixa aos meus pais pela “falta de educação”, escusado será dizer que nesse dia à noite levei uma tareia das valentes!... Daí a razão pela qual nunca mais me tenha esquecido do malfadado dia em que vi pela primeira vez Oliveira Salazar; é que não consigo divorciar um episódio sem o complemento dramático do outro. Mas o que vou contar de seguida, esse, sim, é   digno de antologia do regime ditatorial e todo poderoso nativo de Santa Comba Dão – Que, porventura,  iria desenrolar-se depois de ter reconfortado o estômago na Quinta dos Areais.

Escusado será dizer que ninguém da casa fazia gala da visita. .Havia recomendações da dona da quinta e da  restrita comitiva nesse sentido. A visita era breve e sempre muito sigilosa - O carro ficava estacionado do lado oposto à estrada, junto à entrada da garagem, sensivelmente encoberto pelas ramadas e algumas árvores. A exposição da quinta era magnífica mas propícia a franco atiradores e ninguém ali os desejava.Na minha aldeia ninguém imaginava ou sequer suspeitava, destas  passagens fugazes, da figura mais alta do regime. Pessoalmente, só já adulto é que soube de todos os pormenores destas hospitalidades de Salazar no gracioso casebre branco - Através do meu padrinho, anos após o falecimento dos meus tios.

HISTÓRICA REBELIÃO POPULAR NA VÉSPERA DE FESTA DA NOSSA SENHORA DA VEIGA , TUDO PORQUE O POVO TAMBÉM SE QUERIA DIVERTIR SALAZAR, DE PASSAGEM POR FOZ CÔA PARA IR AO ENCONTRO DE CARMONA, EM TRÁS-OS-MONTES, INTERVÉM ORDENANDO O ENVIO DE UM PELOTÃO DE SOLDADOS DA GUARDA REPUBLICANA

No dia 13 de Setembro de 1941, “véspera da festa de Nossa Senhora da Veiga apareceu de surpresa na vila uma filarmónica  com fogueteiro à frente, promovendo uma festa civil, contrariando a festa religiosa e tradicional, aprovada pela autoridade eclesiástica”. 


“Quero pedir-lhe um favor, não um favor pessoal, é uma coisa muito simples e muito legítima” “Faça favor de dizer” acudiu o Sr. Presidente do Conselho em tom acolhedor.
 “Nesta terra deflagrou  há pouco um motim popular , a ordem está alterada  e eu pedia a V.Exa.  as providências necessárias  para a manutenção da ordem”
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Como os tempos mudam! Hoje há sacerdotes que fazem das missas, quase autênticos concertos musicais, os fiéis gostam e acodem. E também há festas religiosas que são mais diversão de que devoção! - Uma coisa não invalida a outra. Mas noutros tempos não era assim – Ou antes, até era no tempo do paganismo, antes da Igreja se transformar na religião oficial do Império de Roma.  Mas a igreja, que fundamenta a sua doutrina no sacrifício, de que esta vida é apenas para expiação,  quis sempre insistir mais no lado da  "salvação das almas", além da vida, de que no gozo da sua existência temporal. . Mas  haverá aos olhos dos seres humanos, maior maravilha de que a constatação, concreta e definida desta extraordinária evidência, do milagre da própria vida?! 

Quando era criança, por altura da Páscoa, praticamente, quase nem se trabalhava: era uma semana completa de confissões, de bulas e de sermões  – O povo era mais feliz?!... Em parte pela santa ignorância e de estar de costas voltadas à enxurrada de noticias que agora lhe  entram em casa pelas televisões. Em parte também porque, apesar de tudo, o egoísmo não tinha atingido os níveis da crueldade e do egoísmo do atual liberalismo selvagem, sob a capa do chamado pluralismo social, cristão, republicano  e democrata. Porque, guerras e conflitos, continuam a existir, em vários pontos da terra e com armas ainda mais devastadoras e sofisticadas.

A IGREJA QUERIA TRANSFORMAR A CAPELA DE NOSSA SENHORA DA VEIGA, NA JÁ ENTÃO MITIFICADA LURDES, EM FRANÇA

Claro que não se compreende o que é que uma tourada – ontem como hoje – tenha de fervor lúdico e religioso para se incorporar numa festa de cunho espiritual. Bem pelo contrário. Esse costume chegou a existir nas festas de Nª Srª da Veiga e ainda não foi erradicado em muitas festividades, sobretudo em Espanha, porventura  reminiscências da crueldade do Coliseu de Roma.  Onde também muitos cristãos foram atirados às feras.

Se fosse esta a  razão, dir-se-ia que havia razões para  não se misturar a barbárie com o culto.  Mas, simplesmente, pelo facto do povo querer música e foguetes na véspera,  hoje tão usuais no programa de qualquer festividade religiosa.  Neste ponto, o autor do “histórias do Culto de Nª Srª da Veiga em Vila Nova de Foz Côa, teria razão – Só que ele começa por alegar um comportamento mais antigo, dizendo que “a Capela de Nossa senhora da Veiga era a Lurdes desta região, e podia continuar a ser o grande centro de devoção mariana destes sítios, se não tivessem subtraído  às suas festas o cunho primitivo que as formou e engrandeceu. Desvirtuaram-se e banalizaram-nas com o arraial que lhe introduziram em 1880, pouco mais ou menos.

Sabemos que que Nossa Senhora da Veiga era invocada em todo o concelho  de Figueira de Castelo Rodrigo, Moncorvo, Meda, Vila Flor, Mogadouro, etc.
Ainda em 1943 encontrámos um homem  de Mogadouro que havia 40 anos ali vinha cumprir uma promessa anual.


Faziam-se em sua honra  festas soleníssimas,  muito concorridas, em que se incorporavam oficialmente a Câmara Municipal, o povo e todas as classes sociais. Ali se juntavam em grande número com as freguesias vizinhas. As primitivas festas  a Nossa Senhora da Veiga eram profundamente religiosas. Constavam de peregrinação, Missa, pregação, oração do rosário, penitências de joelhos, etc. Disto ainda restam alguns vestígios . Depois, com o andar dos tempos, desnivelamento dos costumes, foram-se introduzindo divertimentos  que a princípio nada tinham de censurável : as grades merendas, os banquetes da Câmara Municipal na estalagem do Morgado, as rodas das raparigas e rapazes na estrada de S. Sebastião e as touradas no largo de São Miguel.

Contavam-nos os velhos  com quem convivemos , que antigamente as festas  da Nossa Senhora da Veiga eram celebradas com grandes touradas. Iam buscar os touros a Espanha, sustentava-se no Monte Meão e no dia próprio, por ocasião das festas construía-se o curro, na Praça do Tabulado ou à Cancela, hoje chamada Av. Gago Coutinho.

(…) Eram os lavradores que espicaçam o touro  com aguilhadas compridas. O Fontenova ou São-São morreu nesses célebres festejos, estripado pelas pontas dum touro.

Costumes bárbaros e sanguinários que os fozcoenses copiaram dos nossos vizinhos espanhóis que  nos ficam a pouca distância, 3 horas a pé, mais ou menos.

Mais tarde puseram-se de parte as touradas, ficando outros folguedos populares  (… ) Aí por volta de 1860,, a nosso ver, acabaram-se estas diversões e ficou apenas a peregrinação ou visita à Senhora da Veiga com procissão, Missa cantada e sermão (…) No Largo e olivais contíguos juntava-se o povo, comiam-se as merendas , realizavam-se grandes rodas, e outros alegres folguedos. Vinham depois juntar-se de novo nas imediações  do adro de S. Sebastião, nas proximidades da vila onde havia novas diversões  às quais se associavam os que não puderam ir à Veiga.

As festas eram sempre anunciadas por toques ou repiques de sinos, durante oiro dias  e nas noites desses dias, um grupo de lavradores percorria as ruas de Foz Côa, tocando bombo e pratos. Paravam de vez em quando para erguerem a voz neste viva solene e estridente.

Vitória à Senhora da Veiga!
A multidão que se juntava respondia no mesmo tom: Vitória à Senhora da Veiga!

Em 1918 ainda se notavam vestígios desta tradição.(….) Como se vê, o arraial é recente e muito recente. Ainda me recordo de ouvir dizer ao meu primeiro sacristão . Luis Zeferino Caleiro, que se fez um grande reclame em volta do primeiro arraial.
Preparou-se um teatro,  para ser exibido ao ar livre, no adro da Senhora da Veiga. Não contaram com o zurrar dos asininos (as montadas mais frequentes dos  forasteiros), que atroavam constantemente os ares e junto ao vozear das turbas, impediu a representação
JÁ NÃO ERA SÓ A COMPARAÇÃO COM LURDES, EM FRANÇA, QUE NÃO SE LOGRAVA ATINGIR MAS O FACTO DE AS FESTA DE Nª Srª DE NOSSA SENHORA DA VEIGA DESCAÍREM “ COM PROVEITO DAS FESTAS  DE Nª SRª DE ASSUNÇÃO DE VILAS BOAS”, ONDE ERA “ACATADA A  PROIBIÇÃO DO ARRAIAL

(….) “E assim foram decorrendo as festas de Nossa Senhora da Veiga em alternativas de paz e de guerra, de harmonia e de atritos entre a autoridade eclesiástica  e as comissões  e mordomias, que, apesar de tudo, nunca esqueceram o velho arraial  constituía o pomo da discórdia. No meio de tudo sito estava o pároco que era afinal a bigorna onde os descontentes descarregavam as suas marteladas sem dó nem piedade. Não reparavam que ele devia obedecer  aos ditames da sua consciência  e, além disso,  tinha estrita obrigação de zelar  pela defesa da moral pública que quase só tinha  a ele como paladino dedicado.
Ainda mais que , o Pároco que não podia afastar-se das normas traçadas  pelo seu Bispo, empenhado na campanha moralizadora  dos arraiais, tinha de cumprir o seu dever.

 

SALAZAR NO DIA DA FESTA DE NOSSA SENHORA DA VEIGA   E O CHAMADO 
“ENCONTRO PROVIDENCIAL” COM O PÁROCO DE FOZ CÔA – QUE ORDENA O ENVIO DE FORÇAS DE REPRESSÃO PARA “ACALMAR” A REBELIÃO POPULAR QUE  QUERIA  FESTA COM FOGO DE ARTIFÍCIO

No ano de 1941, o pároco de Foz Côa preparava as festas de Nossa Senhora da Veiga, de harmonia com as instruções que recebera do seu Prelado, o Sr. D. Agostinho de  Jesus e Sousa, saudoso Bispo que foi de Lamego, o qual, nesta altura procurava morigerar as festividades religiosas  da sua Diocese, para  que vinha publicando diversas pastorais. Constatou, e com fundamento, que alguns populares, arvorados em mordomos e apoiados por elementos que não simpatizavam com o pároco, nem com as instruções do seu Bispo, procuravam criar-lhes dificuldades contrariando o programa o programa das festas por eles traçado e aprovado.



Conhecedores deste manejos, tirámo-nos dos nossos cuidados e fomos ter com o Sr. Governador Civil da Guarda. O titular desse lugar não estava na ocasião  e por isso avistámo-nos com o seu substituto, Sr. Dr. Alberto Dinis da Fonseca, distinto advogado e notário naquela cidade. Depois de ponderado o assunto, Sua Exª disse-me: “Vou mandar editais para Foz Côa, anunciando que a Festa da Senhora da Veiga só será permitida  de harmonia com o programa  religioso, elaborado pelo pároco da mesma freguesia  e aprovado pelo Bispo de Lamego, ficando proibidas todas as manifestações públicas na véspera da festa, incluindo o arraial.”

“Vá descansado”, continuou o Sr. Dr. Dinis  da Fonseca, “os editais seguem por esteias dias, serão afixados  e as determinações  da autoridade eclesiástica serão respeitadas” 

“É ser muito pessimista, “ observou Sua Exª. Lá regressámos a Foz Côa, depois de uma viagem bastante penosa à Guarda, dando pouco pela diligência efectuada.

Viu-se que tínhamos razão e não nos enganávamos. Os adversários do Bispo e do pároco foram trabalhando em segredo, preparando tudo em silêncio para a desobediência e para a rebelião. No dia 13 de Setembro desse ano, véspera da festa de Nossa Senhora da Veiga apareceu de surpresa na vila uma filarmónica  com fogueteiro à frente, promovendo uma festa civil, contrariando a festa religiosa e tradicional, aprovada pela autoridade eclesiástica.

Eram dez horas da manhã, pouco mais ou menos, estava desencadeada a rebelião que se desencadeava triunfante pelas ruas da vila, ao som da música  e estoirar dos foguetes. Bem se importaram eles com os editais do Governo Civil afixados  nas paredes do Tabelado e noutros locais públicos; julgavam-se vencedores, triunfantes. Os acontecimentos vieram dar razão às nossas apreensões. É nesta altura que entra o chefe do Governo, Sr. Dr. Oliveira Salazar , em Foz Côa. Não foi um acaso fortuito, embora lhe queiram chamar uma circunstância providencial. É que nossa Senhora da Veiga resolveu intervir na hora em que a autoridade era desrespeitada e o Pároco injustamente humilhado. Ela bem sabia  a razão  que a este assistia e que aquilo não se devia fazer. Era um desacato às autoridades legitimamente constituídas e Nossa Senhora não gostou disso e interveio.”

QUEM NÃO CANSA, SEMPRE ALCANÇA –  E OS DOIS AUTOMÓVEIS DA CARAVANA DE SALAZAR, (HOJE, SERIAM DEZENAS) TAMBÉM NÃO SE ENGANARAM NO DESTINO QUE DEVIAM TOMAR

O cónego Marrana, alega que não chegou a enviar os telegramas – Pois está-se mesmo a ver que nem era preciso: Salazar, além de ditador era adivinho e os  motoristas da sua caravana, até deviam conhecer, muito  bem, onde ficava a Igreja  (polo das discórdias) , pelo que,  sem mais perda de tempo, mal entraram em Foz Côa,  não se enganaram na direção que deviam tomar – Afinal, ninguém se enganou nas suas missões: nem quem as solicitara, nem quem as ia por em prática no terreno.

“Não cruzámos os braços perante os acontecimentos. Fomos para o nosso escritório escrever telegramas de protesto contra o que se estava passando, para enviá-los  à Guarda e a Lisboa, pedindo providências. Os telegramas não chegaram a sair, mas as providências não se fizeram esperar . O nosso irmão, Joaquim Marrana, morador na Rua Dr. Júlio de Moura, viu passar à sua porta  e em direcção aos Passos do Concelho dois automóveis que lhe fizeram impressão. Pareceram-me dois carros do Estado, pelos sinais que ostentavam, e não se enganou.

Foi ter connosco ao escritório, onde redigíamos os telegramas a que aludimos, e avisou-nos da passagem dos referidos carros e das suas suspeitas. Nós, perante um luz que se erguia  e um remédio que se nos oferecia, deixámos tudo  e corremos para os lugares indicados , na esperança de encontrar  um ponto de apoio  e descobrir uma força que dominasse a desordem. A meio do caminho encontrámos o carcereiro  José Pires , e, na ânsia de boas notícias, perguntámos-lhes, quase sem parar: “O que há lá por cima?” Resposta: “Não sei, mas dizem por baixinho  e a meia-voz  que está cá o Sr. Dr. Oliveira Salazar. Anda a ver a nossa igreja.” Sentimo-nos sacudidos por uma repentina força eléctrica.

Continuámos a nossa marcha cada vez mais apressada , não fôssemos perder  esta oportunidade salvadora que a Providência nos proporcionou (…) Não havia tempo a perder, era uma ocasião única. Num golpe de vista rápido assim o compreendemos. Aproximámo-nos do primeiro carro e olhámos para dentro. Nunca tínhamos visto pessoalmente o Sr. Dr. Oliveira Salazar , mas pelas gravuras dos jornais pareceu-nos que estava ali.

Imediatamente e sem tempo para mais , esquecendo, na verdade, as regras do protocolo, porque a necessidade urgia , fizemos esta pergunta: “Vossa Excelência  é o Sr. Dr. Oliveira Salazar?”  Este respondeu: “Sou eu mesmo”. Ao ouvirmos esta palavra confessamos  que perdemos um pouco a serenidade e rompemos  aos vivas. Até saltávamos- disse alguém que presenciou o caso.

Erguemos a voz para que todos  nos ouvissem , até dentro dos Passos do Concelho e repartições públicas que estavam um pouco distantes, gritámos bem alto: “Viva o Sr. Dr. Oliveira Salazar, viva o chefe do Governo, viva o Salvador da Pátria. Viva o Governo da Ordem  e da Restauração pacífica  do Exército Português, etc, etc”

MAIS SALAZARISTA DE QUE O PRÓPRIO SALAZAR

A certa altura S. Exa. interrompeu dizendo: “Já basta Sr. Abade”

E, voltando-se para o motorista, manda avançar o carro. Sem perda de tempo continuámos: tem razão: “Tem razão V.Exa. Permita-me, no entanto, apenas mais uma palavra:

Quero pedir-lhe um favor, não um favor pessoal, é uma coisa muito simples e muito legítima” “Faça favor de dizer” acudiu o Sr. Presidente do Conselho em tom acolhedor.

 “Nesta terra deflagrou  há pouco um motim popular , a ordem está alterada  e eu pedia a V.Exa.  as providências necessárias  para a manutenção da ordem. O Sr. Governador Civil  e o Senhor Bispo da Diocese proibiram uma festa civil  no dia de hoje em que devia fazer-se a festa religiosa de Nossa Senhora da Veiga e a festa civil está  a estadiar-se pelas ruas desta vila com música e foguetes.” Sua Exª surpreendido  com as minhas afirmações  mandou tomar notas do que tínhamos  dito e os carros partiram  levando o Sr. Dr. Oliveira Salazar  e sua comitiva , onde ia, supomos, o Sr. Dr. Jerónimo Lacerda e outras pessoas. Para amedrontar  os rebeldes seguimos atrás dos carros, continuando a soltar os mesmos vivas, insistindo:

“A ordem vai ser mantida ; o Sr. Dr. Oliveira Salazar  seguiu em direcção a Trás-os-Montes, onde ia encontrar-se com o Sr. Presidente da República, Sr. General Carmona, que fora ao concelho de Alijó assistir à inauguração  duma ponte sobre o rio Tua.


Passou por Moncorvo, Alfândega da Fé  e de qualquer destas vilas  teria telefonado  para a Guarda para dar as providências prometidas. Os homens de bem honram sempre a sua palavra. À noite desse dia de Sábado, Sua Exª regressou a Lisboa pelo mesmo caminho que tinha trazido . Depois de atravessar a ponte do Pocinho, que une o concelho de Moncorvo com o de Foz Côa, teve ocasião de ouvir estoirar  os foguetes, o toque da música, e porventura, ver a iluminação da festa civil , quando o seu carro pisava a estrada Nacional que fica de  fronte da capela de Nossa Senhora da Veiga e fosse informar-se , se a festa da Senhora da Veiga, se tinha realizado contra a vontade do Pároco. Foi um funcionário da Fazenda  Pública da Meda, que por acaso se encontrava naquele local , que deu a informação pedida.

Agora um episódio inédito e muito interessante. Na estrada que surge de Foz Côa  para Celorico  e Lisboa, a alguns quilómetros de Trancoso. Às 9 horas da noite, pouco mais ou menos, encontrava-se parado e avariado um camião que conduzia  diversos soldados da Guarda Republicana, dos concelhos limítrofes. Eram soldados que vinham manter a ordem a Vila Nova de Foz Côa, decerto em cumprimento das providências  tomadas pelo  Sr. Dr. Oliveira Salazar.

O comandante da força, vendo que se aproximavam dois carros, deu ordem para fazerem alto aos motoristas. Estes pararam de facto e, surpreendidos, perguntaram o que havia. Resposta do comandante: “Estes dois carros ficaram imobilizados para nos conduzirem a Foz Côa, onde temos que ir em cumprimento de uma diligência urgente. Não podemos ir no nosso carro porque, como vêem, está avariado.

O motorista sorriu e respondeu : “Se soubessem quem aqui vai … “seja quem for, temos ordens urgentes  de autoridade superior e é preciso cumprirem-se”. “Olhem que está aqui o Sr. Presidente do Conselho”, acrescentou o motorista. Sua Exa. vendo o embaraço do comandante   e sabendo já do que se passava em Foz Côa, acudiu logo: “Consertem lá o seu carro como puderem  e deixem-me ir para Lisboa, onde tenho muito para fazer.” E partiu. O camião lá pôde ser consertado e aí pelas 11 horas  da noite, mais ou menos, o comandante da força batia à porta do pároco de Foz Côa para lhe dizer: “Estão aqui comigo alguns soldados  da Guarda Republicana. Temos instruções superiores para manter a ordem e proibir uma festa civil  que se está realizando na ermida da  Senhora da Veiga, próximo do Pocinho com manifesta desobediência  à autoridade civil e eclesiástica; mas o Sr. Abade  compreende, há lá muita gente e é de noite.

Poderíamos lá aparecer de surpresa  e de qualquer maneira  destroçar e fazer retirar  a multidão. Mas é difícil consegui-lo sem derramamento de sangue, pois pode acontecer  que alguns tomados  da pinga, não obedeçam e rebelem contra nós. Se V. Reverência achar bem , nós vamos lá a manter a ordem publica  se for alterada, guardamos a capela para que não seja aberta ou desrespeitada”. Ponderando bem o caso , concordámos absolutamente  com o alvitre  e os soldados lá seguiram  para o adro da Senhora da Veiga e não houve mais nada digno de registo.

Todavia não estava tudo terminado; houve um desacato à autoridade  e este devia ser reparado. Assim o compreendeu e exigiu o Sr. Presidente do Conselho como homem de Governo que se revela nas coisas mais pequenas, como nas de maior importância. Passados alguns dias telefonava para a Guarda a pedir ao Governo civil que o informasse do que se tinha passado sobre a desobediência à autoridade  por ocasião de um festa  no dia 13 de Setembro. O Sr. Governador Civil  tinha-se ausentado para Viana do Castelo, em gozo de licença, mas passados poucos dias apareceu em Foz Côa a fazer um inquérito  aos acontecimentos. Passou primeiro pela Meda, onde teve uma reunião  com diversos elementos  afectos à situação. Ali nos encontrámos com S. Exª o Sr. Dr. Cirne de Castro , porque estando nós em Longróiva, o Sr.Dr. Silvério Andrade, de saudosa memória, que passássemos pela meda e acompanhássemos o Sr. Governador Civil a Foz Côa.

UM ABUNDANTE E BEM SERVIDO PORTO DE HONRA  E TROCA DE BRINDES À SITUAÇÃO NACIONAL

O Sr. Governador propôs uma reunião de elementos  preponderantes  na vila e acertou-se  que tal reunião se realizaria no solar do Sr. Dr. José Silvério Campos Henriques de Andrade , na rua que tem o nome dos seus avós, os Viscondes de Foz Côa.

Foi ali oferecido a todos os presentes um abundante e bem servido Porto de Honra. Durante eles trocaram-se alguns brindes  e fizeram-se afirmações  de lealdade à Situação Nacional e ao Governo do País.

Terminada a reunião o Sr. Governador Civil teve uma conversa particular com o Sr. Dr. Silvério  e deu-lhe conhecimento  das sanções  que iam sem aplicadas por causa do incidente  da Festa de Nossa Senhora da Veiga.

O Sr. Dr. Oliveira Salazar não se esqueceu . Bem-haja ele. Foi dada uma reparação  pelo desacato feito às leis civis e religiosas. (… ) Nossa Senhora da Veiga , no entanto, não quis deixar-nos partir , sem vermos o trunfo final  da sua e da nossa causa que era absolutamente justa e no dia 13 de Setembro de 1944 aproveitou a ida a Foz Côa  do Sr. Dr. Oliveira Salazar  para pôr fim a este prolongado conflito, para que os párocos  que nos sucedessem  não encontrassem dificuldades na realização da sua festa. A nós destinou-nos a missão as asperezas dos caminhos



Edital – AO POVO DE FOZ CÔA

Todos os anos se queimam, na festa de Nossa Senhora da Veiga, em fogo e música exclusivamente, cinco contos de réis, para divertir um púbico na sua maioria  sem sentimentos religiosos  e muitos de um nível bem inferior.

E é dinheiro sagrado de promessas e esmolas a Nossa Senhora da Veiga, porque para esta festa não há subscrição púbica. É só dinheiro das esmolas, é só dinheiro das promessas! Dinheiro sagrado, dinheiro religioso!”

Nota - Se por acaso quiser aproveitar de alguns excertos desta postagem, não se esqueça de citar a fonte Pois sempre é mais fácil copiá-lo com o rato, de uma assentada,  de que escrevê-lo palavra a palava. - Foram largas horas de muito trabalho.



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