Jorge Trabulo
Marques - Jornalista - Investigador e navegador solitário - Esta minha
experiência marítima tenho estado a editá-la noutro meu site, em Odisseias Nos
Mares, porém, para os leitores de Templos do Sol, que a desconheçam, aproveito par aqui editar
algumas postagens - Ocorreu há 44 anos - Hoje completaria 25 dias a bordo de uma piroga de S. Tomé, mas ainda tinha pela frente mais 13 longos e tormentosos dias,
até aportar numa remota baía da Ilha de Bioko, ex-Fernando Pó, onde começaria
outro tormento numa sinistra prisão por ter sido tomado como espião.
Diário
de Bordo - 1 Diário
de Bordo - É manhã do dia 25 que viajo na minha canoa...De noite não dormi
muito. Pois estive quase sempre acordado...O mar esteve bastante agitado,
aliás, continua com uma ondulação muito forte e um vento dominante de sul-norte..
Eu
acredito que agora vá ter a terra, uma vez que voltei a sentir os ventos
dominantes... Aquela fase das trovoadas, dá-me a impressão que já deve estar
ultrapassada...Não sei, mas deve de ter sido a fase de lua-cheia; o quarto-crescente
é que me deu esses trabalhos todos. Por isso, vou pôr já imediatamente a vela a
ver se adianto mais um bocado. Porque, realmente, a canoa assim já se desloca
muito bem. Ela durante a noite deve ter sido muito arrastada...Vê-se que há
muita calema!... Esta calema arrasta-a também . Arrasta-a, exatamente, com as
correntes.
Diário de Bordo 1 - Olhando para
o horizonte, não descortino ainda a terra, nem vejo a Ilha de Fernando Pó. Não
vejo absolutamente quaisquer vestígios de terra. Mas tenho um pressentimento de
que não devo estar muito longe, até porque, o andamento que tem estado a
ter, devido à força das vagas, é possível que não esteja muito longe de
terra... Estou preocupado um bocadinho, porque a canoa continua a meter água
pela carlinga, pois os pregos (onde encaixava a vara do mastro) atingiram o
fundo. Por outro lado, notam-se algumas fraturas e podem realmente de um
momento para o outro provocar roturas maiores...oxalá que não. Que isso não me
aconteça...
Diário de Bordo - 2 Já é quase meio-dia. Estou já a
velejar com a vela grande. O mar tem estado ligeiramente ondulado. Corre uma
certa brisa mas ainda é bastante fraca...Sinto-me muito cansado, cheio de sede,
tenho pouca água e pouca comida!... A água que tenho, a maior parte é água salgada, (misturada com a das chuvas) pois entretanto não
choveu... e eu estou sem água.
Está um calor de morrer !.. Transpiro por todos os
poros.... Está realmente bastante calor. Bastante!... Apetecia-me agora um
banho de água fresca , mas tal não é possível neste mar.
-
Na imagem ao lado, o meu baú (um caixote do lixo onde guardava
o gravador, com que registava o meu diário de bordo) e o remo
improvisado, com um pau e alguns pedaços arrancados à pequena cobertura dos
bordos, que tivera de construir devido à perda do remo da canoa, que o
tornado da primeira noite me havia levado
Diário de Bordo - 3 São neste momento, cerca das duas da tarde do 25º dia. Estou cheio de sede e de fome. Não tenho praticamente água. A água que disponho, aí meio litro, é quase toda do mar. Os recursos alimentares estão reduzidos a 50 gramas de farinha, se tanto!... Enfim... Quanto às perspetivas da terra, não sei!... Vejo agora a água do mar mais clarinha...Está uma brisa agradável. O céu está praticamente descoberto, é o que posso adiantar neste momento.
Aliás, posso
dizer que de manhã velejei algumas horas, depois surgiu muito calor.
Entretanto, tirei a vela, porque o vento desandou. Deitei-me um bocado na canoa
a descansar para evitar o calor.... Agora voltou a fazer um
bocadinho de fresco e voltei a colocar a vela. E, realmente, a canoa está
a dar um andamento bastante agradável.
Diário de Bordo - 4 São neste momento, aí uma duas e meia ou
três da tarde. Tenho cá um pressentimento que a cor da água , um azul muito
clarinho! já demonstra eu não estar num mar de muitas profundidades. Dá a
impressão que não devo estar muito afastado de terra. Só vejo nuvens no
horizonte, mas a água está realmente de um azul muito claro. Pode dar a
entender que esteja próximo...Veremos...
Diário de Bordo - 5 Devem ser quatro horas da tarde.
Continuo a velejar com uma certa dificuldade, pois o remo (improvisado) não me
ajuda nada. Um pormenor curioso! é que as correntes se alteraram. Agora
apresentam-se para noroeste e não para norte.
Visto estar cheio de sede, tomei há pouco uns comprimidos,
umas vitaminas, por isso tenho o estômago a saber a comprimidos...É bastante
chato... Enfim, vai-se aguentando... Pode ser que não seja por muito tempo...
Tenho aqui ainda o tubarão...O outro já o deitei fora. E se não
prestar vou pescar, com certeza, pois é a única solução que tenho.
Diário de Bordo - 6 Há pouco disse que as
correntes corriam para noroeste, mas não; é para nordeste. Portanto, têm um
sentido completamente diferente. Antes, corriam para Norte, agora correm
nitidamente para nordeste, o que dificulta, não só o domínio da canoa, como
também porque vou levar mais tempo - (Sim, porque a canoa ia
adernada num dos bordos)
Diário de Bordo - 7 É já noite do 25º dia. A
tarde manteve-se com bastante sol! O mar com alguma calema e com vento
relativamente forte mas permitiu a colocação da vela. Velejei um bocado. É claro,
com muitas dificuldades, visto não ter o leme (que lhe havia adaptado), mas sim
um remo improvisado.
Já
se me acabou a comida. Tenho dois nacos de chouriço que guardo
religiosamente para as iscas, para pescar. Água não disponho senão de
água do mar, pois hoje não choveu. Acabo agora de comer um bocado de tubarão
que consegui cozer com muita ginástica à custa de uma vela. O tubarão que tenho
vou guardá-lo e vou ver se pesco outro.
O
mar neste momento está bastante agitado, está com uma ondulação bastante forte.
O vento não é muito mas o mar está bastante forte. O céu não se apresenta
totalmente encoberto mas há formações de nuvens a norte, formações de
trovoada...Espero que não venham ao meu encontro, visto, nesta altura, o vento
ser preponderante do sul para norte...Há outras formações para outro
lado, mas espero no entanto que
não me atinjam... De qualquer maneira, já desejo um bocado de água das chuvas,
visto já não a possuir.
O
luar!... Temos quase a lua-cheia!... Mas tenuemente, pois está encoberta
por algumas nuvens...Mais uma noite que passo, com dificuldades, mas,
enfim...Quanto à costa de África, não consegui vislumbrar nada. Tenho tido
apenas ilusões, ilusões!... Ilusões de terra!... A água, vejo-a mais
transparente mas isso é da claridade do luar... Apenas ilusões e mais nada!...
Não devo estar longe, com certeza!...Estou a demorar mas tempo de Fernando Pó
para a Nigéria - e aqui tão perto da costa africana - que do Príncipe
para Fernando Pó - sim, quando avistei estas ilhas
.
Sinto
neste momento necessidade de beber água do mar; embora seja muito desagradável
e não mata totalmente a sede... Verifica-se agora uma certa fraqueza em mim...
Espero fazer face a estas dificuldades.
Bebendo água do mar
Ó MAR ALTO SEM TER FUNDO - VIVER BEM PERTO DO CÉU E ANDAR BEM LONGE DO MUNDO - Zeca Afonso
Ó MAR ALTO SEM TER FUNDO - VIVER BEM PERTO DO CÉU E ANDAR BEM LONGE DO MUNDO - Zeca Afonso
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