Jorge Trabulo Marques - No papel de Luíz Raziel
(..)"O homem
profana o ritmo da vida… Nas nossas modernas cidades tudo se transformou num
gesticular desordenado, perda de ritmo, velocidade histérica, trepidação louca,
numa doida correia de “robosts”, em direcção à monotonia da sua existência
grisalha, ou de mundanos, em direcção à inutilidade dos seus prazeres
enganadores. O homem moderno profana o silêncio: já não pode mais estar só,
face a si e a Deus, e entontece, numa atmosfera barulhenta de arraial. O homem
perdeu o sentido do mistério, da grandiosidade, da importância do seu papel
humano na criação. Perdeu o sentido do sagrado." Ernest Gengenbach
O ambiente nas ruas enlameadas era verdadeiramente medieval!... Não havia eletricidade nem água canalizada... A água era tirada dos poços e transportada em aguadeiras ou à cabeça. Jantava-se ou fazia-se serão à luz da candeia de azeite ou de petróleo. O pão era amassado em casa e cozido nos fornos comunitários.
Algures no golfo da gUiné - carta a meu pai |
Gosto da imagem
de Cristo, natural e humana, vestido com as suas lindas túnicas e até de
imitá-lo em alguns dos seus gestos quando envergo roupagens mais ou menos
semelhantes; porém, desagrada-me e deprime-me vê-lo crucificado e coroado de
espinhos, como um penoso castigo para toda a vida. Porém, desde que, ainda
rapaz, me iniciei no culto aos deuses mais antigos da humanidade e das suas
simbologias - o Sol, a Lua, os Astros, o Mar e as Pedras - sim, no fundo, nos
símbolos que mais identificam o homem - o seu lado humano mas também
animal(cabeça de bode ou de touro e corpo com a forma vertebral erecta), sinto
que sou, por vocação natural e intrínseca, tendencialmente pagão. Outras vezes,
no entanto, nem sei bem o que sou: vacilo até à descrença e ao agnosticismo.
Gosto de música sagra e de coros religiosos, seja qual for a religião.
Respeito, porém, todo os credos e cultos - e tenho, em todos, bons amigos - o
que não significa que cerceei a minha liberdade de expressão.
.EM ÁFRICA, CONVIVI E FUI
AMIGO DE EXCELENTES CURADEIROS NEGROS E DE SUAS MULHERES - TROCÁMOS
CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS,
... .............................. TAMBÉM EU FIZ A MINHA ESCOLHA
Sou daqueles que, cedo desiludidos dos templos e dos sacrários construídos por mãos profanas, decidiriam voltar-se para a Mãe-Natureza, ao coração da Terra, à luz que emana da abóbada celeste no coração do dia ou no coração das trevas, contemplar a Lua, as estrelas, os mares que são o azul reflectido dos céus e a origem de todas as espécies , admirar os astros longínquos que irradiam claridade e nos iluminam, são a razão e o sentido da vida, e, por conseguinte, sou dos que aprenderam, desde criança, a ver na beleza dessas imagens a verdadeira presença divina, tornando-se nos seus legítimos apóstolos ou na genuína representação desses deuses, em si próprios.
.Recebi educação católica, foram esses os meus primeiros passos. E até andei dois meses no seminário, em Mogofores, até que fui expulso, devido a uma bebedeira de medronhos e quando, em confissão, revelei os rituais que praticara em criança.
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Gosto da sua imagem, natural e humana, vestido com as suas lindas túnicas e até de imitá-lo em alguns dos seus gestos quando envergo roupagens mais ou menos semelhantes; porém, desagrada-me e deprime-me vê-lo crucificado e coroado de espinhos, como um penoso castigo para toda a vida. Porém, desde que, ainda rapaz, me iniciei no culto aos deuses mais antigos da humanidade e das suas simbologias - o Sol, a Lua, os Astros, o Mar e as Pedras - sim, no fundo, nos símbolos que mais identificam o homem - o seu lado humano mas também animal(cabeça de bode ou de touro e corpo com a forma vertebral erecta), sinto que sou, por vocação natural e intrínseca, tendencialmente pagão.Outras vezes, no entanto, nem sei bem o que sou: vacilo até à descrença e ao agnosticismo. Gosto de música sagra e de coros religiosos, seja qual for a religião. Respeito, porém, todo os credos e cultos - e tenho, em todos, bons amigos - o que não significa que cerceei a minha liberdade de expressão.
.EM ÁFRICA, CONVIVI E FUI AMIGO DE EXCELENTES CURADEIROS NEGROS E DE SUAS MULHERES - TROCÁMOS CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS,
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Não pude estar no Vale Cheiroso, com muita pena minha. Vivo em Lisboa e as condições meteorológicas não eram propícias. Mas também vim de lá há poucos dias: estive lá pela última Lua Cheia - Vesti a minha túnica negra. Andei lá pelo terreiro: fiz o meu ritual habitual, ouvindo, até, bem de perto, o piar de um mocho, o restolhar de javalis e, por fim, subi pelo caminho velho que vai dar ao Cabeço Douro. Mas que beleza!.. Ainda não veio o Janeiro mas as raposas, parece que já começam a andar com o cio, ouviam-se latidos que ecoavam até ao Vale da Ribeira.
.Que noite mais luminosa e magnífica!... Nem me dava conta do arrefecimento e da geada que caía. Estava eu a chegar à aldeia quando ouço, por ali, naquele santo silêncio e suave amanhecer, um cão a ladrar e um galo no poleiro. Nem de propósito...Senti-me, uma vez mais, transposto àqueles tão risonhos tempos da minha adolescência... Claro, não deixei de me lembrar dos meus companheiros - hoje homens, outros que já morreram - e das chamadas filhas do Anjo da Luz, tão venerado pelas nossas queridas irmãs, já falecidas.
O ambiente nas ruas enlameadas era verdadeiramente medieval!... Não havia electricidade nem água canalizada... A água era tirada dos poços e transportada em águadeiras ou à cabeça. Jantava-se ou fazia-se serão à luz da candeia de azeite ou de petróleo. O pão era amassado em casa e cozido nos fornos comunitários. A minha mãe, coitada, além de trabalhar no campo ajudar o meu pai na nossa lavoura, de ter que ir à ribeira lavar a roupa, ir buscar a água à fonte de cântaro à cabeça, ainda tinha que cozer as batatas e o caldo e ir amassar o pão... Matava-se a trabalhar: morreu nova... E o meu pai, na casa do sessenta. Também nunca lhe faltaram trabalhos... De uma família de seis, só somos dois; eu agora sou o filho mais velho. No Inverno a garotada andava de tamancos e no Verão descalços. Até aos sete anos, calça ou calção rachado atrás para facilmente se aliviar num canto menos movimentado ou por detrás de um paredeiro. A missa ao domingo era longa e muito chata... Aliás, pouco ou nada mudou... Eu ia... era mais uma. Mas esta, por enquanto, ainda a tomava mais a sério que a das irmãs feiticeiras. A do Solar dos Ventos Uivantes - dizem que é assombrada - e eu ia lá mais em jeito de aventura e para me divertir. Foi um começo, quase a brincar...
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Ninguém dizia nada a ninguém... O culto era secretíssimo. Nem as moscas podiam saber.... Cada irmã levava o seu rapaz, o seu menino: eram as nossas madrinhas. A do baptismo era para esquecer... Diziam-nos que era uma barbaridade deitar água gelada da pia baptismal na cabeça dos bebés... Eram contrárias a essas práticas cristãs.... E também não se casavam nem iam à missa... O seu noivo era o Senhor Deus Luz Belo: o Anjo da Luz! Deus Cornudo.. E a melhor missa era ao ar livre, repetiam-nos... A nossa!... Era tudo muito em segredo... Quando bebíamos o sangue de galo era precisamente também para nos lembrarmos de que a morte do galo significava calar o pio e que a vida de cada um era a vida de todos... Tinha que haver muitas cautelas!... Não se faziam confissões a quem quer que fosse.... E muito menos aos padres... Pela quadra da Páscoa.
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Uma vez o meu pai (que madrugou mais cedo para ir vender uns machos e umas vacas a uma feira) , apanhou-me à entrada de casa... Foi numa noite gélida de Inverno. Era quando mais saímos, visto as noites serem mais longas... Perguntou-me donde é que eu vinha àquelas horas... Eu disse que tinha andado a jogar o tiroliro com os outros rapazes no adro... Ele achou que era muito tarde e deu-me uma valente sova com a cilha da albarda.. Sim, foram tempos difíceis mas trazem-me saudades quando ali vou... A recordar o nosso ritual no vetusto solar... Por isso, vale a pena lá voltar e dar uns toques de búzio e de jambé, agitar umas sinetas, uns guizos ou uns chocalhos....Não há passeio mais agradável e espiritual que descer e subir aquela calçada romana pela calada da noite e respirar os alvores e os perfumes de uma fresca e orvalhada madrugada.Aliás, é um forte apelo a que não resisto, sinto essa intrínseca necessidade. Está-me no sangue...
Que me perdoem os meus amigos católicos... Se os melindro com esse meu duplo carácter... Sobretudo se algum dos que me conhece me vier a reconhecer neste blogue. Mas é um fado que me ficou de criança e de que me sinto incapaz de abandonar...Até já o fiz no mar... Preciso desse isolamento e desse recolhimento, tal como o pão para a boca ...
É uma espécie de alimento purificador do meu corpo e da minha alma... Faço essas peregrinações desde há vários anos. E então, agora, à medida que os anos passam... Mais tentadora é a atracção por aqueles tão belos rituais da minha adolescência.... Em recuar aos joviais tempos do pé descalço pelos carreiros e caminhos das fragas... nos penhascos e quebradas do maciço planáltico, onde termina o granito e começa o xisto, noutra área diferente dos arredores da minha aldeia. E onde faço um misto de investigação, devaneio e peregrinação espiritual mas também artística: registos nas pedras (esculpo) e fotografo (fotografo-me) na sítios onde me sinto melhor e mais identificado com o meu passado e as minhas ancestrais raízes.
Halloween é um termo importado dos países anglo-saxônicos, É uma festa pagã que pretende relembrar e festejar antigos cultos pagãos. Só que, lá tal como cá, é praticamente mero folclore, uma espécie de diversão carnavalesca. E poucos se lembrarão de que, embora seja uma festa associada a momentos de prazer e de misticismo, traz atrás de si memórias de tenebrosos tempos, em que milhares de vidas foram torturadas, enforcadas ou queimadas, por não seguirem os ditames do ocultismo católico, acusadas de práticas hereges.
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No antigo solar do Vale Cheínho ou Vale Cheiroso, também ainda por lá perpassa o espírito de algumas dessas vítimas. Pois a igreja nunca compreendeu, nem perdoou que, uma tal quinta, centenária, onde não faltava nada - desde o forno, ao lagar de vinho e de azeite, cabanal para gado, fonte e caminho romano -, não existisse uma capela. E a razão era simples: é porque, ali, quem vivia naquele tão frondoso e fértil vale ou canada, não queria saber do Cristo crucificado; festejava o espírito da Terra, a Mãe-Natureza e as suas divindades. Tal tradição - mesmo depois da quinta cair no esquecimento e em ruínas - persistiu até aos anos 60. Passou a ser um local de culto e de peregrinação por membros das várias irmandades existentes nas freguesias vizinhas.
“O pequeno planeta terra, minúsculo na imensidade dos astros, perdidos nos espaços infinitos, prossegue o seu trajecto para o abismo. Os seus habitantes, os humanos, orgulhosos das suas descobertas, comportam-se como pequenos deuses e quebram as asas. Monstros aéreos violam o silêncio das noites e vão espalhar bombas incendiárias, torpedos mortíferos, sobre as cidades. As populações, despertadas pelo sinistro bramido dos alarmes, precipitam-se, alarmadas, para os abrigos, que são frequentemente covas provisórias, e os abutres metálicos de asas gigantescas tudo arrasam, deixando apenas ruínas e cadáveres. Monstros marítimos, violam o misterioso segredo dos oceanos, e esses tubarões metálicos, vampiros submarinos, engolem e devoram o fruto do trabalho dos homens, o pão dos homens. Tudo isso se cifra por hecatombes, fome, miséria e loucura propagadas. Que restará da humanidade, se o coração do homem só for animado por motivos de vingança e despique, e que esperança podemos ainda ter neste último?"
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"O Homem, no mundo, profana a criação.
Profana os gestos, os sons, as cores, profana sobretudo as palavras que usa, levianamente, na tagarelice ou com perversidade, na mentira, no ódio ou na calúnia. Profana os números, os sinais matemáticos, ao utilizá-los em operações diabólicas de magia negra científica (fabrico de instrumentos de morte, de engenhos de destruição, de explosão). Profana o trabalho ao transformar o que fazia participar o homem, com entusiasmo e alegria, na actividade criadora de Deus, numa tarefa de escravo condenado aos gestos mecânicos do trabalho, à sujeição, na sinistra atmosfera das nossas fábricas. O homem profana os meios de expressão, a palavra, a literatura, a arte, a música, a pintura, as ciências, já não servem para dignificar o ser interior, para elevar o pensamento, para conservar a alma numa atmosfera idealizada de beleza e sabedoria, mas para procurar prazeres vulgares, para alimentar polémicas cheias de rancor"
(..)"O homem profana o ritmo da vida… Nas nossas modernas cidades tudo se transformou num gesticular desordenado, perda de ritmo, velocidade histérica, trepidação louca, numa doida correia de “robosts”, em direcção à monotonia da sua existência grisalha, ou de mundanos, em direcção à inutilidade dos seus prazeres enganadores. O homem moderno profana o silêncio: já não pode mais estar só, face a si e a Deus, e entontece, numa atmosfera barulhenta de arraial. O homem perdeu o sentido do mistério, da grandiosidade, da importância do seu papel humano na criação. Perdeu o sentido do sagrado." Ernest Gengenbach
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