Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador -
VERGÍLIO FERREIRA – "O QUE ESTÁ MAIS PERTO DOS OLHOS É O QUE MENOS SE VÊ " - MEIA HORA COM UM DOS MAIS NOTÁVEIS ESCRITORES PORTUGUESES, EM SUA CASA E NO DIA EM QUE COMPLETAVA 73 ANOS E AINDA OUTRA QUANDO NOS FALOU DE QUE "depois da morte não há nada"
VERGÍLIO FERREIRA – "O QUE ESTÁ MAIS PERTO DOS OLHOS É O QUE MENOS SE VÊ " - MEIA HORA COM UM DOS MAIS NOTÁVEIS ESCRITORES PORTUGUESES, EM SUA CASA E NO DIA EM QUE COMPLETAVA 73 ANOS E AINDA OUTRA QUANDO NOS FALOU DE QUE "depois da morte não há nada"
"Este homem reuniu em si diversas facetas,
a de filósofo e a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e a de professor.
Contudo, foi na escrita que mais se destacou, sendo dos intelectuais
contemporâneos mais representativos. Toda a sua obra está impregnada de uma
profunda preocupação ensaística!".
Tive o grato prazer de me receber várias vezes em sua casa, de ser seu amigo e de o entrevistar. Se fosse vivo, completaria hoje 103 anos. Mas deixou-nos aos 80. A sua estrelinha chamou-o mais cedo. A mesma que o guiou, o inspirou e tornou num dos autores portugueses mais singulares do existencialismo, o homem que através da interrogação do seu próprio eu, questiona o mundo que o cerca, o sentido da vida e da condição humana.
"O que está perto dos olhos é o que menos
se vê -
"O que mais me recordo da minha infância, não tem a ver com factos mas com atmosferas! – Começou por nos revelar na interessantíssima entrevista, de mais de meia hora, que nos concedeu – Durante a qual nos falou da sua obra, tendo-nos dito que, os contos é onde menos se pode repetir, considerando, porém, que é o romance que mais o fascina, que é de uma magnitude incomparável!
"O que mais me recordo da minha infância, não tem a ver com factos mas com atmosferas! – Começou por nos revelar na interessantíssima entrevista, de mais de meia hora, que nos concedeu – Durante a qual nos falou da sua obra, tendo-nos dito que, os contos é onde menos se pode repetir, considerando, porém, que é o romance que mais o fascina, que é de uma magnitude incomparável!
Questionado se
a literatura portuguesa merecia um Prémio Nobel, que, naquela altura, ainda não tinha sido atribuído a José Saramago, respondeu-nos:
“Sem dúvida!...E
digo mais: um prémio que fosse dado agora! Quer dizer, nos anos mais próximos a
Portugal, era absolutamente justo!!... Até pelo seguinte: É que esse prémio não
consagraria apenas o autor que fosse consagrado com esse prémio mas consagraria oito séculos de literatura portuguesa!
Que é uma das melhores literaturas europeias.
Nós estivemos na vanguarda
cultura europeia – Nós não somos um pais de segunda, nós temos 8 séculos de vida
e de cultura; se o Prémio Nobel for dado a Portugal, de modo algum deve constituir
um facto extraordinário.
Se os académicos de Estocolmo reparem em nos é perfeitamente possível.
Se os académicos de Estocolmo reparem em nos é perfeitamente possível.
Nasceu em Melo, no dia 28 de Janeiro, tendo como fundo a Serra da Estrela, ambiente e paisagem que iria moldar a sua personalidade e influenciar a sua vasta obra
Faleceu na sua casa de campo, em Fontanelas, no dia 1 de Março de 1966,
pouco depois da hora do lanche. Quando a sua esposa (Regina Kasprzykowski)
entrou na sala para ir buscar a chávena e bule, encontrou-o estendido de costas
sobre o tapete no chão e com rosto voltado para a janela. Ele, que tanto
interrogara a morte, pelos vistos, respondeu ao seu apelo da forma mais
pacífica e tranquila
«Vergílio ferreira, autor de cerca de meia centena livros (romance, contos, ensaio e diários) Nasceu em Melo, no concelho de Gouveia, em Janeiro de 1916, filho de António Augusto Ferreira e de Josefa Ferreira. A ausência dos pais, emigrados nos Estados Unidos, marcou toda a sua infância e juventude. Após uma peregrinação a Lourdes, e por sugestão dos familiares, frequenta o Seminário do Fundão durante seis anos. Daí sai para completar o Curso Liceal na cidade da Guarda. Ingressa em 1935 na Faculdade de Letras a Universidade de Coimbra, onde concluirá o Curso de Filologia Clássica em 1940. Dois anos depois, terminado o estágio no liceu D. João III, nesta mesma cidade, parte para Faro onde iniciará uma prolongada carreira como docente, que o levará a pontos tão distantes como Bragança, Évora ou Lisboa.
Excerto de Vergílio Ferreira: Biografia
Foi dos autores portugueses - através da leitura do livro Manhã Submersa - que mais cedo despertou a minha curiosidade e com o qual viria a manter um relacionamento amistoso, desde o principio da década de 80, até a escassos dias antes da sua morte - Já que, nessa mesma semana, lhe havia telefonado para o ir visitar a Fontanelas, onde acabaria por falecer.
Vergílio Ferreira, nasceu no interior da Beira Alta, bem longe do litoral. Talvez talvez por esse facto é que o mar se lhe revelava como o grande mistério a contemplar - Razão pela qual não terá sido por obra do acaso que escolheu, como seu retiro predileto, uma casa de campo em Fontanelas, para os lados da Praia das Maças, quando passou a lecionar em Lisboa,
E terá sido, justamente, essa sua paixão pelo mar que
fez com que, entre o escritor e o jornalista - nascido até ainda mais afastado - e do qual lhe ouvira também falar das suas aventuras marítimas, nos mares do Golfo da Guiné, que, entre ambos, viria a estabelecer-se o elo de um
amistoso e respeitável relacionamento, desde meados dos anos 80 até
escassos dias da sua morte -
Do seu livro – PENSAR
“Hoje fui ver o mar. Na realidade não ia vê-lo mas aproveitei. E à primeira impressão eu via-o mas não o via, porque via dele apenas a realidade imediata em ondas e espuma. Foi preciso que depois deixasse vir ao de cima o que oculto se me queria revelar. Abandonei-me a ele e deixei.
Mas o que então se me revelou foi uma nebulosa confusa de emoções, memórias, associações indistintas, qualquer coisa que se anuncia como numa casa desabitada. O indizível. O flagrantemente presente e que se não acaba de esclarecer. O estranho que nos perturba e não sabemos donde vem.
A praia estava deserta e o mar convulsionava-se num mundo ainda por nascer. Mas havia sol e a alegria dele era gratuita, sem finalidade nenhuma, e isso agravava-lhe o absurdo de ser. As águas brilhavam até ao indeciso do seu limite. Um homem ocasional, eu, olhava o seu mistério inquietante, tentava entender a estranheza de tudo isso. Sentia a presença de uma realidade inexistente, porque ela não existia senão no que estava vendo e, no entanto, eu sabia, na minha inquietação, que estava lá. Eu podia enumerar todos os elementos do que presenciava, mas havia outra realidade que ficava intacta à minha enumeração. Essa, essa - dizê-la. Não é aí precisamente que começa o «escrever bem»? Por isso a escrita não tem que ver com o real mas com o outro real dele. Assim ela constrói outro mundo que aponta apenas para o primeiro mas se não parece nada com ele, mesmo quando se parece e todos os elementos se lhe ajustam. Porque aquilo com que se parece é o invisível dele, a outra coisa das coisas, o mistério que lá mora e se reconhece, depois, que lá mora e o reconstrói na sua invisibilidade para ser enfim o real como tal reconhecido. Há no homem o insondável da sua interrogação. Mas só o artista a conhece e a pode revelar aos outros para ela ser desses outros e a verdade do ser se lhes iluminar. Escrever bem. Ser sensível ao que se quer revelar e ser só a sua revelação. E o mundo existir, porque ele o revelou. E é tudo.
"Conta-Corrente - 1982 - 26 - Março (sexta). E aqui estamos em Fontanelas. A Primavera já cá estava instalada em flores domésticas e bravias. Os caminhos bordam-se de florinhas brancas e amarelas, o portão do quintal tem uma coroa de glicínias. Queria colaborar com a festa, ir pelos campos, olhar a Natureza, ir talvez até à praia olhar o mar que já deve estar a acomodar-se para a época estival. Mas encafuei-me logo no escritório porque tenho o Beldemónio a esgalhar para uma palestra. Não conhecem Beldemónio? Não conhecem. Conheço eu, porque é da minha terra. Ou melhor: ele é de Gouveia, que é a cabeça do meu concelho, e eu sou de Melo, que fica a uns sete quilómetros. Terra produtiva em letras o meu concelho, como vêem. Ora corno há festa do concelho lá para Maio e me pediram oratória, lembrei-me de restaurar a glória deste esquecido. Viveu nos fins do século XIX, durou trinta e seis anos, e foi desgraçado. Com o talento que lhe coube, escreveu coisas. Mas como tenho de contar como isso foi, não me vou antecipar. Vou é acender o fogão da sala, porque ainda está frio. Fui buscar lenha, armei os paus por cima das pinhas e jornais, agora é só chegar um fósforo. Estou cansado, é bom repousar e olhar o lume. Talvez que olhando as chamas eu tenha boas ideias sobre o Beldernónio que é um nome infernal. Portanto, a condizer.
"Das janelas abertas, a aragem passa leve pela casa toda, traz ainda dos recantos o odor das eras mortas. O silêncio pesa sobre a terra como um augúrio, a luz é intensa como uma treva. Olho-a deslumbrado até à cegueira, quase esquecido de mim. A morte alastra à minha volta no silêncio, sob pelo meu corpo até aos meus olhos parados. Que é que quer dizer a vida e a vertigem do seu milagre? Onde se gera o espanto e o arrepio do seu alarme? Estou só, esvaziado de tudo. Ideias, projectos, e as súbitas revelações, e o mundo, e a visão original das coisas, a recuperação do ser de início mesmo depois de já sabidas, e o encantamento da beleza primordial onde estão? Só, na nulidade de mim, na frieza linear e vegetativa. E todavia , por vezes: que é que vai morrer de mim depois da morte?" -In "Para Sempre"
NÃO É PRECISO QUE OS OUTROS NOS DÊEM O AVISO PARA FAZERMOS O OBSÉQUIO DE NOS CHEGARMOS PARA LÁ. A GENTE SABE…
“Depois da morte não há nada. Eu já pensei que a morte era uma a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc - Recordando um dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o prazer de me receber, várias vezes em sua casa e de me conceder várias entrevistas - A que aqui, hoje recordo, teve como tema principal a questão da morte – Há vida para além da morte? – Entre outras perguntas
“Depois da morte não há nada. Eu já pensei que a morte era uma a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc - Recordando um dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o prazer de me receber, várias vezes em sua casa e de me conceder várias entrevistas - A que aqui, hoje recordo, teve como tema principal a questão da morte – Há vida para além da morte? – Entre outras perguntas
“Morte, podes vir. Está a porta aberta, podes. Deixa-me só arrumar uns problemas ainda em aberto mas em que não está o de existir. Realizado o possível do que, em retórica se chama o “sonho”, o impossível dele, que também lá está, valerá a pena que seja o de um paralítico? De um taralhoco? Morte, não faças cerimónia. Esgotei tudo, pode avançar. A energia de ser vivente, as relações viáveis com os outros, as ideias aproveitáveis que me bateram no sítio de serem e ficaram , e o mais, e o mais – tudo se cumpriu. Há um momento em que o invisível e o repentino nos toca ao de leve no ombro. É quando entre nós e a vida se impõe o inesperado da estranheza, de um falar de línguas diferentes, um ver-se que a senha de passe de nós para a nossa circunstância não nos dá um trânsito fácil e normal. Cada idade traz consigo um todo em que se integra e com ele avança pela vida. A nossa procura e o estar bem com os da nossa idade é a procura de uma pátria comum com um sistema integrado de relações. Não é preciso que os outros nos dêem o aviso para fazermos o obséquio de nos chegarmos para lá. A gente sabe. Mesmo no olhar de distanciação que há no olhar respeitoso. É já o respeito que se tem pelo morto, para afastar o mau agoiro.
Que distância enorme. Nos interesses imediatos, livros, formas de arte, ideias políticas, o modo de se ser em banalidade quotidiana. Nem já ninguém nos dá luta, dá-nos quanto muito o ridículo, quando não sabemos ocupar o nosso lugar. Ou quando sabemos e se é compreensivo, dão-nos apenas a boa educação. O ar que se respira, a ocupação do nosso espaço para o nosso trânsito intervalar ao dos outros, o nosso hábito maníaco de existirmos, é um benefício a que já não temos direito nenhum. O ser que somos e o que nele acumulámos são as nossas reservas para irmos gastando. Mas a estranheza com que nos olham reflui-nos a nós, à nossa solidão, ao impraticável de nós. Que se imagine um medievo reposto a viver. Mas o velho é isso em ameaça ou começo. A morte não é assim um flagelo, mas a retificação do que já foi decidido. A morte apenas subscreve o que já somos como excedentários. E há só que deixá-la rubricar à pressa o nosso destino, que tem mais que fazer. Morte, podes vir. Não faças cerimónia. Mas sê educada e não me maces muito.” – In Vergílio Ferreira – Pensar
Que distância enorme. Nos interesses imediatos, livros, formas de arte, ideias políticas, o modo de se ser em banalidade quotidiana. Nem já ninguém nos dá luta, dá-nos quanto muito o ridículo, quando não sabemos ocupar o nosso lugar. Ou quando sabemos e se é compreensivo, dão-nos apenas a boa educação. O ar que se respira, a ocupação do nosso espaço para o nosso trânsito intervalar ao dos outros, o nosso hábito maníaco de existirmos, é um benefício a que já não temos direito nenhum. O ser que somos e o que nele acumulámos são as nossas reservas para irmos gastando. Mas a estranheza com que nos olham reflui-nos a nós, à nossa solidão, ao impraticável de nós. Que se imagine um medievo reposto a viver. Mas o velho é isso em ameaça ou começo. A morte não é assim um flagelo, mas a retificação do que já foi decidido. A morte apenas subscreve o que já somos como excedentários. E há só que deixá-la rubricar à pressa o nosso destino, que tem mais que fazer. Morte, podes vir. Não faças cerimónia. Mas sê educada e não me maces muito.” – In Vergílio Ferreira – Pensar
“Morre em confiança, escriba meu irmão. Se triunfaste e te exaltaram, não há razão para pensares que o não serás pelos séculos. Se te diminuíram e foste incompreendido, não há razão para o seres amanhã”
307 «Espírito da Terra» - que é que isto quer dizer? Porque não quer dizer nada. E todavia quer. Há o absurdo de se querer saber o que quer dizer, e o de dizer-se que quer. Que é que quer dizer uma pedra? Não falemos já de um animal, de um cão com o seu olhar terrível, sobretudo de uma pessoa, ou mesmo de uma flor. Uma pedra. Nós partimo-la para construir um muro, calcetar uma rua. Mas que tu a interrogues a sós, e um certo excesso dela vem ao de cima, estremece no seu volume, vibra no seu indizível. Está ali, obtusa, condensada em si, casmurra na sua obstinação. Mas olha-a intensamente e deixa-a manifestar-se. E qualquer coisa estranha começa a vibrar na sua obtusidade. Porque está aí. Que é que quer dizer o estares? Que é que passou por ti e te fez existir e te deixou com a sua maia ao passar? Donde vens? Que trazes para me dizer? Que há em ti a mais do que és? Há um diálogo obscuro entre mim e ti, que é que de ti responde ao que vai de mim para ti?
O «espírito da Terra» é todavia mais vasto e envolve tudo quanto nela existe e fala muito mais baixo no espaço de um céu noctumo, na inquietação de um mar, numa qualquer coisa bela sem finalidade nenhuma, no olhar angustiado de um cão, no maravilhamento de uma criança a querer saber, na vertigem de um homem até à loucura. Mas tudo isto transmite à Terra o que nisso vibra e estremece e se agita. E as próprias pedras vivem essa agitação. Fita bem o que te rodeia e atende. Cala em ti todas as vozes estranhas e escuta. O espírito da Terra é o que então vibra ao teu escutar. Não é nada, porque és tu apenas. Mas é tudo, porque o ouves e está lá. O espírito da Terra é a tua interrogação. Mas a tua interrogação não existiria se não houvesse o que interrogar. O espírito da Terra é o silêncio futuro de um astro morto. Mas é o que ouves, porque atendes e escutas. O espírito da Terra não se entende, porque existe apenas no nada que é seu. Mas o nada existe, porque o pensas e te fala nesse pensar. Mas que é que existiria de tudo o que existe, se tu não existisses para isso existir' O espírito da Terra é o mistério de todo o existente e que não existe como o do escuro de um quarto que se iluminou. Mas que volta necessariamente, se de novo apagares a luz. Não é uma ilusão, porque existe. Que é que fica à tua espera quando deixa de existir? Mas é alguma coisa para existir de novo. O mistério é o intervalo vertiginoso entre nós e o que existe e que um deus não pode preencher ...
38 DIAS À DERIVA NUMA PIROGA NOS MARES DO GOLFO DA GUINÉ - AVENTURA QUE IMPRESSIONARIA O AUTOR DE "A MANHÃ SUBMERSA" E SERIA O PRINCIPIO DE UM AMISTOSO, RESPEITÁVEL E DURADOURO DIÁLOGO -
158 A enorme desproporção entre aquilo que fazemos e o que escolhemos ou alguém em nós escolheu ter sido. O destino da vida é o esquecimento. Mas nós lutamos desesperadamente por ser o lembrar. O sol atravessa a janela da sala, ilumina os cortinados suspensos. É um instante fugidio que em breve desaparecerá. Vivo-o ainda, agora que contemplo a janela iluminada, mas em breve virá a noite e tudo findará. Lembrá-lo-ei amanhã? Não o lembrarei dentro em breve, o seu milagre será inútil. Tento, todavia, segurá-lo, fazê-lo perdurar contra a morte que é sua. Mas quantos estratagemas de que nos servimos para ter razão contra a morte. (…) – In Pensar
307 «Espírito da Terra» - que é que isto quer dizer? Porque não quer dizer nada. E todavia quer. Há o absurdo de se querer saber o que quer dizer, e o de dizer-se que quer. Que é que quer dizer uma pedra? Não falemos já de um animal, de um cão com o seu olhar terrível, sobretudo de uma pessoa, ou mesmo de uma flor. Uma pedra. Nós partimo-la para construir um muro, calcetar uma rua. Mas que tu a interrogues a sós, e um certo excesso dela vem ao de cima, estremece no seu volume, vibra no seu indizível. Está ali, obtusa, condensada em si, casmurra na sua obstinação. Mas olha-a intensamente e deixa-a manifestar-se. E qualquer coisa estranha começa a vibrar na sua obtusidade. Porque está aí. Que é que quer dizer o estares? Que é que passou por ti e te fez existir e te deixou com a sua maia ao passar? Donde vens? Que trazes para me dizer? Que há em ti a mais do que és? Há um diálogo obscuro entre mim e ti, que é que de ti responde ao que vai de mim para ti?
O «espírito da Terra» é todavia mais vasto e envolve tudo quanto nela existe e fala muito mais baixo no espaço de um céu noctumo, na inquietação de um mar, numa qualquer coisa bela sem finalidade nenhuma, no olhar angustiado de um cão, no maravilhamento de uma criança a querer saber, na vertigem de um homem até à loucura. Mas tudo isto transmite à Terra o que nisso vibra e estremece e se agita. E as próprias pedras vivem essa agitação. Fita bem o que te rodeia e atende. Cala em ti todas as vozes estranhas e escuta. O espírito da Terra é o que então vibra ao teu escutar. Não é nada, porque és tu apenas. Mas é tudo, porque o ouves e está lá. O espírito da Terra é a tua interrogação. Mas a tua interrogação não existiria se não houvesse o que interrogar. O espírito da Terra é o silêncio futuro de um astro morto. Mas é o que ouves, porque atendes e escutas. O espírito da Terra não se entende, porque existe apenas no nada que é seu. Mas o nada existe, porque o pensas e te fala nesse pensar. Mas que é que existiria de tudo o que existe, se tu não existisses para isso existir' O espírito da Terra é o mistério de todo o existente e que não existe como o do escuro de um quarto que se iluminou. Mas que volta necessariamente, se de novo apagares a luz. Não é uma ilusão, porque existe. Que é que fica à tua espera quando deixa de existir? Mas é alguma coisa para existir de novo. O mistério é o intervalo vertiginoso entre nós e o que existe e que um deus não pode preencher ...
315 Nenhuma geração
sobra, se não houver quem a faça sobrar. A História demarca o tempo, porque só
há tempo com a História. Por isso J10S parecem mais distantes os factos que
~.0- regista, do que os dos milénios que~~aram rasto. A contagem destes faz-se
em números vazios e os da História com o preenchimento do homem. E se aos
milénios vazios nós lhe sentimos a extensão, é porque transpomos para eles a
duração dos nossos. Mas o tempo, que é do homem, se se conta pela duração, não
é por ela que se conta mas pelo que a !_imita. Assim em tudo o que se conta, o
referencial e o seu fim, ou seja a morte. Assim não há História sem ela, porque
é ela que a contabiliza. - In Pensar
38 DIAS À DERIVA NUMA PIROGA NOS MARES DO GOLFO DA GUINÉ - AVENTURA QUE IMPRESSIONARIA O AUTOR DE "A MANHÃ SUBMERSA" E SERIA O PRINCIPIO DE UM AMISTOSO, RESPEITÁVEL E DURADOURO DIÁLOGO -
Diário de Bordo "Passei uma tarde calma. Agora a minha preocupação começa a estar precisamente no local onde irei aportar...Não sei...Será um local habitado?!...Pode ser desabitado...Enfim, o que me interessa é que seja terra, fundamentalmente, é que seja terra! Local seguro..."
Ainda não fiz referência à noite passada: passei uma noite todo encharcado! Envolvido num plástico mas por fim até adormeci e sonhei..Sonhei e tive uns sonhos muito esquisitos, acordei a falar!...Supondo que tinha chegado realmente a terra. Tive assim sonhos muito esquisitos."- Excertos do diário do 29º dia - Excerto do meu diário - 38 dias à deriva numa acanoa 29ª dia - são tomé - odisseias nos mares dos tornados
Nenhum comentário:
Postar um comentário