O António, meu estimado conterrâneo, já
não o voltarei a ver sentado no café do José ou no banco de pedra da Rua do
Meio, no sítio do cabeço, lendo ou estando atento a quem por ele se cruzasse,
justamente na área urbana mais central da minha aldeia, quase junto ao portão
de ferro que dá acesso ao quinteiro da sua térrea e modesta casa coberta por um
antigo telhado: pois seu o corpo foi a sepultar num dia de Novembro, aos
oitenta e tais, e, a sua alma, depreendo eu, quando as pálpebras dos olhos se
lhes cerraram, num hospital da Guarda, imediatamente terá voado para o mais
alto dos etéreos espaços para lá de cima nos espreitar por algum rasgo ou nesga
de nuvens escuras ou brancas no despertar de algum dos sonhos profundos, se
algo misterioso ou estranho da vigília dos vivos, o perturbar e acordar da
serena quietude do eterno sono do seu limbo
Em todas as terras, há sempre uma figura que, por esta ou por aquela razão,
comportamental ou aspeto físico, se distingue
da normalidade, o António Leal era uma dessas invulgares personagens.
Passou
grande parte da sua vida, calcorreando as terras dos arredores e até as mais
distantes, comprando e vendendo velharias e antiguidades: - à
insaciável curiosidade dos seus olhos, tudo perscrutava com minuciosa atenção,
assumia significado especial e se
aproveitava: - a bem dizer, nos modestos
espaços de sua casa rasteira, existia um manancial de velharias, mais delas já
bastante degradadas, amontando-se por
todos os espaços da casa, mesmo no quarto onde dormia,
Estive com ele, em Setembro passado, por
altura da celebração do Equinócio do Outono no quinteiro de sua casa e até
mesmo dentro desta para lhe comprar umas velharias: voltou a contar-me
histórias da sua vida, e, na verdade, eram infindáveis, muitas tinha
para contar:
Tendo a máquina fotográfica comigo, e,
sendo o seu rosto, tão carismático, fiz-lhe mais umas quantas fotografias, que neste momento não encontro, pelo que tive de procurar outras, e, querendo até gravar um vídeo com as suas histórias, mas, quando lhe fiz esta
proposta, ele respondeu-me que isso tinha de ficar para o outro dia, visto ter
que ter uns afazeres - Mas fiquei logo com o pressentimento que não iria ter mais essa oportunidade.
Soube da noticia da sua morte, através do jornal O FOZCOENSE - Não me surpreendeu mas deixou muito triste,
porque é mais um sinal da continuada desertificação da minha aldeia e um amável vizinho que se finda e deixa a rua
mais silenciosa e vazia.
Tinha o seu feitio, que por vezes raiava ao linguarejar afiado, próprio dos
meios pequenos, mas era uma sensibilidade generosa e desprendida.
Sim, parece que ainda foi ontem que estive a conversar com ele, mas já não
está entre os vivos, certo de que o seu corpo desceu à terra e a sua alma subiu
em paz ao reino dos céus.
15-16 de Agosto 2018 - Recordação de um dia de
alegria, a contrastar com os dias de luto e lágrimas, em que parte, mais um rosto para eternidade
Chãs, freguesia do
Concelho de Vila Nova de Foz Côa, festeja a padroeira de Nª Srª de Assunção, em 15 e 16 de Agosto – É a principal festividade, altura em
que os emigrantes regressam à sua terra
natal para passarem uns dias de merecidas férias, conviverem com os familiares
e amigos, com os seus conterrâneos, já que, cada ano, vão sendo menos,
Havendo mais óbitos de
que nascimentos, e sendo estes muito escassos, o despovoamento, a
desertificação, é galopante, cada maior,
pelo que, no dobrar dos finados, é um
dia triste para toda a agente da aldeia, para os que partem e os que ficam, com
a inevitável certeza de que, longe vão
os dias em que as escolas, regurgitavam
de vida e alegria: - Hoje, já não existem nenhumas abertas, senão um dos edifícios,
mas usado para outras funções: - As escassas crianças, partem e regressam, num
autocarro fornecido pela CM para se juntarem a outras crianças nas escolas da
sede do Concelho, para onde confluem, também, as de outras aldeias.
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