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sábado, 26 de março de 2016

Histórias das noite no Bairro Alto - Confissões de uma lésbica e o crime da Travessa das Mercês: capela onde foi batizado o Marquês de Pombal, transformada em Esquadra da Polícia, entretanto transferida


Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista - UM BAIRRO COM 500 ANOS DE HISTÓRIA




NO FIM-DE-SEMANA A SEGURANÇA DO BAIRRO  É SEMPRE IMPREVISÍVEL -  NAS OUTRAS NOITES É MAIS TRANQUILO – O POLICIAMENTO REFORÇADO, PODE ATENUAR, MAS NÃO RESOLVE COMPLETAMENTE O PROBLEMA

A  bem dizer, já deixamos de frequentar o Bairro Alto  - Na vida, há um tempo para tudo e entendemos que o nosso tempo, agora é outro. Mas conhecemos lá muitos episódios, sobretudo na nossa vida de repórter e quando ali trabalhámos, em criança, aos 11 anos, como marçano, numa das antigas mercearias, pelo que não nos falta matéria ou histórias para recordarmos - Além disso, temos  muitas imagens - embora a maior  parte delas tiradas com o telemóvel, pois é um risco andar ali com máquina fotográfica na mão ou ao tiracolo

UM BAIRRO ONDE SE CONVIVE A MEIAS COM O LIXO DA RUA, OS COPOS, O ENGATE, O BARULHO DAS VOZES E DA MÚSICA, A DROGA.


O Bairro Alto é a mais popular área de vida noturna, em Lisboa - Sim, o Bairro Alto, nos seus bons e maus aspectos - Único em todo o mundo no seu género - Sinónimo de libertinagem e engate - Onde, os traficantes de droga, que residem nos subúrbios e que  escolhiam o Bairro Alto  para vender a sua “merda”, sentindo-se mais vigiados, já têm que descer para o Largo Camões, Rua Garrett, ao Chiado ou manterem-se pelo Rossio, Praça da Figueira, Restauradores e Portas de Santo Antão, outros dos seus pousos preferidos 


E onde, surpreendentemente, tudo - mesmo tudo ! e até o lixo! - assume uma imagem surreal - Desde os copos às garrafas que se colocam vazias sobre as caixas de EDP ou sobre o capô de um carro (mesmo que seja um Mercedes em folha) os murais nas paredes (entretanto, já apagados) que espelhavam algo de fantasmagórico e fazendo esquecer certos vandalismos, até ao lixo que se aglomera e amontoa ao longo dos passeios 


RAPARIGAS DA “MOVIDA” DO BAIRRO ALTO VÃO CURTIR O RESTO DA BEBEZANA NA SOLEIRA DA PORTA DA ESQUADRA – DESCONHECENDO, PORÉM, QUE SE TRATA DE UM ESTABELECIMENTO POLICIAL.

São perto das três da madrugada – Os bares já encerram às duas mas – como a noite está quente - há quem não se tenha esquecido de ir bem aviado com umas cervejolas pela mão para continuar a saciar a sua sede. São portuguesas e ainda moçoilas. As ruas da diversão, àquela hora, vão ficando desertas. É a debandada geral, que deixa atrás de si o rasto do caos habitual: garrafas partidas pelo chão, sacos de lixo rebentados ou amontoados. É, pois, o ambiente da diversão, os sons da música dos bares à mistura com a vozearia que vão dando lugar a um certo silêncio, meio iluminado, meio ensonado e sombrio, em suma, a imagem de um cenário urbano, característico, mas já algo entristecido e desolado! – Passeios , esquinas e calçadas, pejadas de detritos, ficam como que irreconhecíveis, transfigurados. Ali o asseio e a higiene, nas noites de Quinta a Sábado, é muito difícil de se impor; mas no termo da invasão nocturna, os sinais e os amontoados da sujidade, tornam-se ainda mais desordenados e visíveis! 


"Não era ele que me interessava, era ela!... Aquela situação para mim era extremamente excitante, até porque eu sempre gostei muito dela; acho-a muito bonita e ela sempre teve um certo ascendente sobre mim"

Quando as pessoas se acotovelam naquelas estreitas vielas, verifica-se que há algo simultaneamente de promíscuo, de íntimo e de interessante, como se estivessem em confronto dois movimentos opostos: o de atração e fascínio e do repúdio ou de repulsão  - No entanto, há muito quem goste deste ambiente! De viver na corda bamba: as ruas enxameiam-se ao fim-de-semana , por alguma razão é – Do que talvez nem toda a agente se lembre é que, de um momento para o outro, pode ser o próximo alvo dos carteiristas ou dos larápios

Nas noites, mais movimentadas, não há ruas tranquilas. A diversão é enganadora. Estilhaçam-se montras para se fazer a limpeza do que lá está. Há agressões, assaltos a lojas e  a pessoas,.   

Não há policiamento nem segurança-privada ( a dos comerciantes) que possa resolver os problemas de instabilidade no Bairro Alto. É demasiada “movida” e  confusão para ali se impor plenamente a lei e a ordem. 


 Como é sabido, no Bairro Alto, pára lá todo o tipo de gente     muitos turistas,  vão lá uma noite, uma vez, mas já não voltam  lá na noite seguinte, nem sequer pensam lá voltar – Cuspir numa rua, em Londres, dá multa. Atirar uma garrafa ao chão, no Bairro Alto, é um acto banal! Pára lá muita gente, cujo pecado venial  é apenas querer divertir-se (beber uns copos, fumar uns charritos, conviver) engatar uma namorada ou um namorado;  é um facto, mas também vai lá gente muito perigosa: desde o carteirista, ao traficante e ao homicida, que acabou de sair numa precária ou cumpriu a sua pena. Vêem-se caras mas não se conhecem os corações

Aparentemente, há um ambiente de diversão, de convívio e  de festa: que corre e se solta  do interior dos bares até ao exterior; fixa-se por ali ou desliza pelas estreitas ruas e travessas em magotes de uma mole densa, multirracial, multicolorida e  etariamente e socialmente, muito variada. Porém, o  risco de se ser assalto é permanente. As megaoperações mais não servem senão para deixar o bairro em estado de sítio, em alvoroço e num aparato, quase prussiano, por todo o lado. Fazem-se detenções, Apanham-se alguns infractores , exercendo actividades sem  licença, larápios em flagrante; detenções a emigrantes indocumentados, surpreendem-se foragidos  e recapturam-se alguns criminosos.  Mas na noite seguinte volta tudo ao mesmo. Ninguém ali vai dar por nada. Nem todos lá estarão. Não  serão as mesmas pessoas. Mas as ruas voltam a estar cheias.



OS COSTUMES MUDARAM! O MAU E O BOM DO BAIRRO ALTO JÁ NÃO É O MESMO DESDE HÁ ANOS A ESTA PARTE. A DEGRADAÇÃO E A TRANSFIGURAÇÃO DA VIDA URBANA APRESENTA-SE, ALI, NOS SEUS TRAÇOS MAIS GALOPANTES!



Agora  são mais os ciganos de que os africanos a traficar. Estes optam mais pela droga dura mas também criam mais problemas. Os ciganos são mais pacíficos mas vem a  maior parte da droga que vendem é falsificada – ou antes, é uma mistela qualquer.

Há noites que, são de tal maneira escaldantes, sobretudo quando toca à debandada, que vai tudo pela frente! Nem os contentores do lixo escapam! É rolado aos pontapés – Distraído, que por ali fique, não tarda que lhe aliviem os bolsos de tudo! – E terá ainda muita sorte se depois  não o despacharem com um par de socos e pontapés. 

Além da barulheira infernal (aliada à insegurança), os desordeiros lançam garrafas para o chão com o à-vontade de um escarro. Despejam e rolam os caixotes do lixo com o maior desplante! - Obrigando a que, os seus utilizadores, todas as manhãs os andem a procurar - Se é que os encontram ou que estão ainda utilizáveis! - Mas agora a solução, parece ser a dos sacos em vez dos contentores.

Há quem lhe chame o bairro da moda - Mas o nome mais apropriado, talvez seja o Bairro da Grande Babilónia Marciana. Então, de Quinta a Sábado até às duas da madrugada, são das tais noites desaconselháveis. Nos restantes dias, é tolerável. E há noites ali até tranquilas.

Mas o velhinho Bairro Alto já não é o típico bairro de outros tempos – O casario mantém-se e o traçado das ruas também mas as lojas são outras e os restaurantes, que ocuparam, com as cadeiras uma grande fatia da vida pública, também são outros: mais vocacionados ao turista de que para fazer o gosto dos caprichos dos alfacinhas  

O COMANDO METROPOLITANOS DA PSP, DIZ QUE, COM O POLICIAMENTO DE PROXIMIDADE,  ANDAR NO BAIRRO É MAIS SEGURO EXISTE UM REFORÇO DE SEGURANÇA E UMA ALTERAÇÃO SIGNIFICATIVA DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES NA ÁREA.



Um dos antigos agentes da PSP, vive em pleno coração do Bairro Alto –  há mais de 30 anos e gosta de ali viver. Sentems-se perfeitamente integrado e familiarizado com as outras pessoas que lá vivem. Mesmo depois de passar à situação de reformado,  não quis regressar à Madeira nem outro local para morar, senão aquele. Sente-se ali feliz. Dá-se bem com os vizinhos, com os quais estabelecem laços recíprocos de amizade e confiança.

Numa das visitas que ali fizemos ao bairro, à noite, e querendo auscultar alguns moradores, chamou-nos atenção um homem, já na casa dos sessenta e tais, robusto, entroncado, altura media, vestindo uma camisolita branca, sem mangas, que , do lado interior do modesto rés-do-chão, apoiando os  braços sobre um pequeno janelo a meio da sua porta, discreto, mas atento, ali, dava ares de querer aproveitar-se daquela noite quente de Verão, para ali espairecer por alguns momentos.. Pese o facto das ruas (e a sua) ressoarem de vozes e andarem cheias  de bulício,  não se mostrava incomodado. – Depois de lhe darmos, as boas noites, vimos logo que era simpático. “Então o Senhor, não se incomoda com este ambiente, e com este barulho?!... - Ah! Eu não tenho problema! Gosto disto!.” E sente-se seguro?!... Nunca tive problemas!.. mas  vi muita coisa!..Já foi pior!… 

Depois de fecharem os bares, isto  acalma! Sou polícia! Estou aqui há mais de 30 anos! - confessou-nos. Lembrando-nos que, no tempo em que  havia por ali a prostituição, “era bem pior”. E justificava as razões:  “vinham para aí os embarcadiços, o pessoal da marinha ( portugueses e estrangeiros), e também muitos militares. Havia noites terríveis! Embebedavam-se e envolvia-se em zaragatas. Ou eram com os chulos ou uns os outros. Não havia noite que não houvesse desacatos e cenas de pancadaria”. 

Agora vê-se  mais gente . Há  muito barulho, é verdade. Mas,  naquela altura, embora não havendo  tanta gente como agora, nem por isso deixava de ser mais truculento e até mais perigoso.” O pessoal que  vem para aqui a divertir-se, o que quer é copos e convivo. Mas também é só de Quinta a Sábado. Nas noutras noites o Bairro é muito tranquilo! O maior problema do bairro, são os traficantes de droga. “ – E então e a polícia? – perguntamos não os reprime. “A policia anda por aí. É o que vai valendo. Mas é pouca. A esquadra já chegou a ter mais de uma centena de homens. E hoje está muito menos. Claro que o patrulhamento em viaturas, é bom, veio reduzir essa necessidade, e, como vê (naquele momento via-se um carro-patrulha a passar) eles andam por aí  e vão evitando os problemas.  Mas a esquadra devia ter mais efectivos! Eu conheço as dificuldades, com que o chefe se debate“ Dissemos-lhe que tínhamos conhecimento

Perguntamos-lhes  se a policia de intervenção (que costumámos ver com viaturas estacionadas na Praça de Camões) não vinha ali reforçar o patrulhamento. A sua resposta , surpreendeu-nos: "A policia de intervenção não gosta de vir fazer o patrulhamento ao Bairro Alto - Só ali vai em casos especiais

Fotografadas com telemóvel - Antes da mudança da 3ª Esquadra, na Rua das Mercês, para a Rua da Atalaia.




BAIRRO ALTO DE AGORA É CADA VEZ MAIS UM BAZAR ARTIFICIAL DE RESTAURANTES PARA TURISTA CÓMODO SE PLANTAR A UMA MESA  - INCAPAZ DE SE ENCOSTAR A UMA ESQUINA OU SENTAR O CU NO CHÃO.


Passou-se de zero a 80 Antes era um bico de obra conceder licenças para ocupação da via pública. Agora, pelos vistos, cada um faz o que quer. De um lado e de outro, bradem-se argumentos mas não impede que o caos se estabeleça. Depois de se abrirem os braços à rebaldaria,  a   CM de Lisboa vem dizer  quer impor ordem “às esplanadas anárquicas que ainda ocupam as ruas de Lisboa”: Por sua vez, os comerciantes acham que tudo se justifica em nome do “ consumidor que está disposto a pagar mais para se sentar numa esplanada exige conforto”, Lisboa aperta o cerco às esplanadas "feias e caóticas ...

A NOVA LEI DO ARRENDAMENTO URBANO FACILITOU OS DESPEJOS DOS IDOSOS DO BAIRRO E FEZ  DESAPARECER ALGUNS DOS MAIS POPULARES BARES - EM SEU LUGAR, REABRIRAM RESTAURANTES DE  LUXO - QUE OCUPAM AS RUAS COM ESPLANADAS, COMO SE FOSSE TUDO DELES.

MAIS LIMPINHO, AS RUAS MAIS ASSEADAS – MAS TIRARAM-LHE A ALMA – A NOVA LEI DO ARRENDAMENTO FOI A ESTOCADA FINAL 



Os bares mais populares e emblemáticos, encerraram as portas, outros estão condenados a fechá-las – Antes, atribuia-se a culpa  aos novos horários, que passaram a fechar mais cedo.. 
Bares do Bairro Alto passam a fechar às 02.00 - dn -



O BAIRRO ALTO DE HOJE É CADA VEZ MAIS UM BAZAR ARTIFICIAL DE RESTAURANTES PARA TURISTA CÓMODO SE SENTAR E MENOS O TÍPICO BAIRRO ALTO PARA VERANEAR -Sim, antes sujo e livre como estava de que agora aprisionado às etiquetas do colarinho engomado e engravatado.

 

ONDE O ORIENTE OPORTUNISTA E MERCADOR JÁ COMEÇOU TAMBÉM A OCUPAR E A PERVERTER - Compreende-se que assim seja: até porque,  a bem dizer, portugueses de origem, é uma espécie em vias de extinção – Onde está o crédito da banca para fazer face aos poderosos lóbis orientais ou a outros sobas  africanos?!...



                      



ATÉ O SÉTIMO CÉU  FECHOU AS PORTAS MAS JÁ POR LÁ ABRIRAM MUITOS CÉUS ORIENTAIS…



Lamenta-se um frequentador-“ó meu deus - o Sétimo Céu já fechou, já se chamou Bardot e já se voltou a chamar Sétimo Céu. Na original esquina gay do bairro, é um bar simpático e maiorzinho que os daquela zona, tendo o balcão numa primeira sala e uma segunda sala no caminho para a casa de banho. É decorado a divas e a linhas modernas, e uma boa aposta para sentar um bocado com os amigos. Sétimo Céu - Bairro Alto - Lisboa

E também lá se foram as populares noites das “Catacumbas

“Era "um sítio muito aberto a todo o tipo de músicos", mesmo os menos experientes, diz Petra Pais, com Catman uma das vozes de Nobody"s Bizness, banda que nasceu no Catacumbas. Muitos deram os primeiros passos naquele bar

(…)"As pessoas perguntam porquê, porquê", diz-nos Manuel Pais. Por tudo, responde: "A crise, uma certa insatisfação com aquilo que é o público do Bairro Alto, também algum cansaço da minha parte, querer parar um pouco."Acabaram-se as noites de música nas Catacumbas






As prostitutas de rua (anos 70 e 80), já estão reformadas. A profissão não acabou mas confunde-se agora com as legiões dos drogados e das drogadas. A velha alma bairrista foi profundamente agredida e afectada e é claramente já outra. Quem ali vive terá, hoje, certamente, mais a sensação de que a sua tranquilidade é um dado bem menor do que a confusão que prolifera por baixo das suas janelas e varandas – E que dizer de quem tem o azar de viver no rés-do-chão? – Só com as janelas muito trancadas. Mas o barulho que vai lá para o interior, deve ser insuportável.


500 anos do Bairro Alto  Primeiro, chegou a gente ligada ao mar, depois, os jesuítas e, atrás deles, a nobreza, nos seus coches. O Bairro Alto escapou ao terramoto e o fado encheu-lhe as ruas. Com os jornais, a boémia intelectualizou-se. O salazarismo levou o bairro a fechar-se e, só em finais dos anos 70, as novas gerações o descobriram como lugar de transgressão e fuga. Entrou na moda e dela nunca mais saiu". Bairro Alto, uma história concentrada

OS COSTUMES MUDARAM! O MAU E O BOM DO BAIRRO ALTO JÁ NÃO É O MESMO DESDE HÁ ANOS A ESTA PARTE. A DEGRADAÇÃO E A TRANSFIGURAÇÃO DA VIDA URBANA APRESENTA-SE, ALI, NOS SEUS TRAÇOS MAIS GALOPANTES!



LISBOA HISTÓRICA E RELIGIOSA PROFANADAS


“Todo o século XIX, acompanhou a ermida a sorte da família Pombal”(…) Na capela vazia, se encontrava o caixão com os restos mortais de Sebastião José de Carvalho e Melo, morto na Casa de Pombal, em 1782”





O TRIBUNAL CRIMINAL DA BOA HORA PASSOU A FUNCIONAR NUM ANTIGO CONVENTO - E, MESMO QUANDO, FOI DESATIVADO, em vez do acontecimento merecer o aplauso geral, pelo contrário: a iniciativa foi marcada pela desaprovação e o desagrado por parte de vários juízes e magistrados.



A CAPELA ONDE BAPTIZARAM POMBAL( E, TAMBÉM, ONDE MAIS TARDE O SEU CORPO FOI VELADO E SEPULTADO ATÉ À TRASLADAÇÃO), BEM COMO A CASA SETECENTISTA QUE A INTEGRAVAM. – CONSTITUEM OUTRO EXEMPLO DE INSENSIBILIDADE E INSENSATEZ CULTURAL.

Todo esse singular conjunto arquitectónico, acabou por ser atraiçoado e profanado na sua essência - num verdadeiro crime de lesa património), culminando por ter os usos mais estranhos àqueles para os quais foram concebidos – designadamente, esquadra de repressão policial – Quais os culpados?! – Quem somos nós para o julgarmos?!.. As mentalidades. Os egoísmos. Os interesses pessoais a sobreporem-se aos valores intemporais ou espirituais.Toda a parte interior do edifício, foi demolida e transformada. Houve obras clandestinas e foram acrescentados pisos para habitação. A esquadra ocupa o rés-do-chão.
O piso inferior (sobreloja) com entrada e face voltada para a Rua de “O Século”, já serviu de armazém industrial e também de depósito das sobras do jornal“A Capital”; actualmente é loja de um comerciante holandês. O 1º andar(onde chegou a estar instalada a sapataria da esquadra) é área de residência e de uma tipografia. Os restantes pisos, todos eles foram destinados a habitação.

Dessa antiga ermida, restam as paredes e uma lápide, inscrita num dos muros, que passa praticamente despercebida; e, lá no alto, ainda a estrutura da antiga torre sineira, onde as badaladas dos sinos chamavam pelos fiéis – Agora, o que soa, por ali, nalgumas noites silenciosas, mais do que as vozes soltas e agrestes, por vezes, são gritos que parecem denunciar alguma violência ou a quererem associar-se a algum coro de protestos (vindo do além) contra tanta ímpia tirania...Isto para já não falar do espírito dos mortos que foram sepultados no Cemitério das Mercês (sobre o qual se edificaram outros imóveis), que dava com as traseiras da antiga igreja, apenas separado pela Travessa dos Fiéis de Deus.
“O Marquês de Pombal morreu pacificamente na sua propriedade em 15 de Maio de 1782. Os seus últimos dias de vida foram vividos em Pombal e na Quinta da Gramela, propriedade que herdara de seu tio, o arcipreste Paulo de Carvalho e Ataíde, em 1713."

"Os restos mortais do Marquês de Pombal foram trasladados para Lisboa, onde chegaram a 1 de Junho de 1856, em honroso préstito. Celebraram-se solenes exéquias, sendo o cadáver depositado na capela das Mercês, pertencente aos marqueses de Pombal. Num mausoléu de mármore figurando um modesto caixão colocado sobre dois desengraçados elefantes, que se vê na capela-mor e no lado direito do altar, se encerra o que resta do grande e notável estadista. Em Maio de 1882 celebraram-se pomposas festas em comemoração do centenário da morte do marquês, tanto em Lisboa, como no Porto e na Universidade do Coimbra." 

OS ANTIGOS BAIRROS ALFACINHAS RESCENDEM DE MISTÉRIOS E ESTÃO CHEIOS DE HISTÓRIAS.

Se as calçadas das suas ruas ou as pedras dos seus edifícios, pudessem falar, oh quantas memórias não teriam para nos contar?! – Porém, mesmo não tendo a certeza que a sua voz não se faça ouvir, avance-se ao seu encontro - de dia ou de noite! Ouçam-se os seus moradores (o que mais ali os prende, fascina ou perturba); atente-se no seu dia-a-dia; nos ruídos que lhes roubam horas de sono ou perscrute-se o silêncio nas horas mais mortas – talvez por isso as mais sedutoras e poéticas! Se o fizer, creia, não se arrependerá: muitas serão as surpresas, com que se deparará, não lhe dando por perdido o seu tempo.

E cada vez mais nos apercebemos desse sentimento: à medida que nos debruçamos sobre as ruas velhinhas do Bairro Alto – nomeadamente, sobre a Travessa das Mercês -, não somos nós que vamos em demanda de um certo passado mas é ele que avança como que, inexoravelmente, ao nosso encontro – Como que clamando ainda por socorro pela ímpia destruição de um antigo templo religioso. 


DIÁRIO DE LISBOA – O EXTINTO VESPERTINO QUE, POR DUAS VEZES, PUBLICAMENTE, OUSOU AS PRIMEIRAS DENÚNCIAS – JÁ LÁ VÃO MAIS DE DUAS DÉCADAS. O ALARME PARECE JÁ TER CAÍDO NO ESQUECIMENTO - MAS NÃO DEVE SER IGNORADO


Não se compreende como toda essa profanação terá ocorrido, mas a verdade é que ocorreu. Mas damos voz a um dos mais prestigiados e combativos vespertinos - o Diário de Lisboa - que se publicou entre 1921 e 1990 - a cuja ignomínia se referiu em dois extensos artigos. O primeiro é de autoria de Raul Rego - Foi publicado em 19 de Julho de 1966. O segundo (não assinado e com alguns excertos daquele), em 17 de Fevereiro de 1971. E a que deu o seguinte título: - Uma casa setecentista destruída clandestinamente

"Ainda que pareça incrível, em Lisboa, continua a construir-se clandestinamente. E não apenas simples abarracamentos, mas construções de maior fundo: andares inteiros. Sem respeito pelo traçado conjunto arquitectónico, aumentam-se casas, abrem-se janelas, tapam-se frestas, desfazem-se documentos de pedra.

Até aqui, porém, a Câmara multava, é certo, mas pouco mais além disso ia. E, dono que se julgava ser só seu, o proprietário de verdadeiros patrimónios da cidade desfazia-lhe a história, o jeito, o gosto, a harmonia ao sabor dos seus privadíssimos interesses: a renda. Todavia, agora, o município, na medida do que pode fazer, ainda com extremas limitações, não se limita a multar: impõe um procedimento de reposição estabelecido na lei. E embora seja difícil refazer o que se desfez, no caso das obras clandestinas, a coisa passa a ser obrigatória, imposta, por aplicação da mesma lei, até aqui considerada pouco mais do que letra morta.

É o caso que nos foi confirmado por um porta-voz da C.M.L. – do proprietário do imóvel existente na Rua de “O Século”, esquina para a Travessa das Mercês (onde em tempos estava situada uma ermida que durante anos esteve aberta ao culto) ter sido intimado a repor tudo como estava primitivamente, em virtude de ter procedido a obras clandestinas.

O imóvel foi vendido em 1940 pela Casa Pombal ao Sr. Alberto Lourenço Lopes. Nele está instalada a 3ª esquadra da PSP, que igualmente recebeu obras de beneficiação. Tudo se fez sem que a C.M.L. tenha tido conhecimento do facto.

É curioso que já em tempos – mais concretamente em 19 de Julho de 1966 – o nosso jornal se referiu ao facto de andarem a fazer obras na capela fidalga da ermida das Mercês, onde foi baptizado o Marquês de Pombal. Sobre o perfil da edificação, Raul Rego, escreveu nessa altura: (ver texto integral de Raul Rego) (…) Pois foi esta casa do “museu da cidade” que as obras destruíram.

O mais curioso é que , clandestinamente, tudo se faz ali mesmo nas barbas da Polícia e exactamente por cima da esquadra das Mercês ( que ainda lá mora)ou se se quiser, 3ª esquadra da Polícia, na linguagem oficial."


MAS, JÁ ANTES, EM 19 DE JULHO DE 1966, O DIÁRIO DE LISBOA, SE PREOCUPAVA COM A SORTE DO REFERIDO EDIFÍCIO, ATRAVÉS DA PENA DE UM DOS SEUS MAIS PRESTIGIADOS JORNALISTAS – RAUL REGO, - , CUJO TEXTO AQUI TRANSCREVEMOS NA ÍNTEGRA, COM A DEVIDA VÉNIA:


CAPELA FIDALGA A ESQUADRA DE POLÍCIA OBRAS NA ERMIDA DAS MERCÊS ONDE POMBAL FOI BAPTIZADO 

Na Rua do “Século”, esquinando a frente para a travessa das Mercês e as traseiras viradas à Travessa dos Fiéis de Deus, ergue-se uma construção que foi ermida aberta ao culto e, de memória do homem, não é senão prédio de habitações, de comércio, de indústrias, onde se instalou, há muitos anos já, a esquadra das Mercês, a 3ª esquadra de Polícia, na linguagem oficial.


Está em obras o prédio, ainda com o seu ar de igreja, apesar de profanada há muito. É como se o santo tivesse virado ímpio, mas sempre por detrás de carinha seráfica. E o facto é que se continua a falar da ermida das Mercês, mas devoção onde vais tu!
Foi erguida no século XXVII, tendo passado por diversas transformações e aguentado muitas ondas e movimentos de terra, das ruas e das gentes. Revoltaram-se as terras de Lisboa em 1755 e a casa e a ermida permaneceram intactas, não lhes mexeu também o caramatelo municipal que andou por ali muitas vezes, e, desde que a esquadra lá está, serena nas suas paredes.

Calada, toda sossego, muito metida consigo mesmo essa casa virada a três ruas, muito teria que contar se um dia alguém se resolvesse a escrever suas memórias, indo arrancá-las aos arquivos municipais e à lembrança das gerações e gerações de moradores ou passantes desde que os Carvalhos enfatuados da Rua Formosa a ergueram. Quantas carruagens ali viraram para ir impetrar, mais adiante, os favores ou a misericórdia dum senhor omnipotente e que tinha pêlos no coração. O silêncio recatado da ermida até parecia encapuchá-la, de forma que ninguém soubesse que o vira menino de dias, a chorar magoado quando o sacerdote lhe derramou a água lustral e lhe meteu na boca o salda fortaleza cristã. Que ninguém o soubesse!

Bem perto, um pouco mais abaixo, nessa Travessa André Valente, em cotovelo, morou um poeta valdevinos e lá morreu.

Chamava-se Manuel Maria Barbosa du Bocage e foi sepultado em cemitério bem próximo onde apodreceu também outro vate chamado Nicolau Tolentino. Há setenta anos os ossos foram removidos a monte para os campos santos de então e sobre as covas de cultores das musas cresceram prédios

Distinguir mais vizinhos ilustres? Onde está hoje o “Século” era o palácio dos viscondes de Lançada, com o salão famoso de D. Maria Krus por onde passou tudo quanto tinha nome na política, nas letras e na sociedade de há cem anos: Garrett; José Estêvão, que morava mais acima, Rodrigo da Fonseca, Fontes e tantos outros. Em frente da porta clássica da capela, na Travessa das Mercês, foi a redacção da “Revolução de Setembro” de António Rodrigo Sampaio, o homem temível do “Espectro”.Dão para essa frente as traseiras do enorme palácio dos Castro Marim e Olhão, de formosa arquitectura e grande pesporrência mas deixado em meio por a vaidade e os olhos dos edificadores serem maiores do que as suas bolsas. É um dos formigueiros de Lisboa com dezenas e dezenas de inquilinos e entre os mais célebres, além da “Revolução de Setembro” já citada, lembremos o Correio Geral, durante muitos anos, a Confederação Geral do Trabalho, o jornal “Batalha” e, paredes meias, as Juventudes Monárquicas.

A Rua do “Século”, a Calçada do Combro, a Travessa das Mercês, essas permaneceram durante séculos quase tão imóveis nas suas vestimentas como a ermida dos Carvalhos. Mas para Norte houve transformações de tomo, como a daquele convento dos Teatinos onde viveram Rafael Bluteau, D. José Barbosa, Tomás Caetano do Bem e D. António Caetano de Sousa que ali escreveu os monumentais 22 volumes da “História Genealógica”.Acha-se transformado em Conservatório Nacional. Todos esses investigadores, nos seus hábitos negros, de olhos no chão, foram gente familiar à ermida e ali terão celebrado ofícios divinos ou por ali terão passado a caminho de algum tríduo, de um arquivo ou a acorrer a moribundo nas vacas da agonia.

A capela dos Carvalhos

Há três séculos que foi construída essa capelinha pequena, anexa a um prédio simples e os dois se interpenetrando e ocupando a parte poente do quarteirão que começava na Rua do Carvalho, hoje de luz Soriano, com o cemitério das Mercês. Edificação simples, sem adornos supérfluos, com uma torre sineira à esquerda do frontão que tem simplicidade e elegância. As costuras, todas em boa cantaria , corriam o pano do lado do Evangelho pela Rua do “Século” fora até à Travessa dos Fiéis de Deus, a cornija lavrada aguentando, na parte traseira, na excrescência posterior, quadrangular, espécie de nova e larga torre. O cunhal que vira à Travessa dos Fiéis de Deus foi cavado, na parte fundeira, torneado, para dar passagem cabonde a essa via.

O que terá levado os Carvalhos e Ataídes, moradores no seu palácio vasto, onde se encontra desde há anos, a Casa da Madeira, a levantar a ermida, não se sabe. Ela servira de culto e era mostra na sua grandeza. Nos panejamentos e paramentos , como nas pedras de armas, dominava sempre a estrela de oito pontas. Amos e criados, vizinhos e relações assistiam aos ofícios nessa capela.

Lá foi baptizado o futuro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, em 6 de Junho de 1699. Nascera em 13 de Maio desse ano no Palácio da Rua Formosa, filho de Manuel de Carvalho e Ataíde, capitão de cavalaria e fidalgo da Casa Real e de sua mulher . D. Teresa Luísa de Mendonça e Melo

Na capela terão oficiado muitas vezes o irmão do marquês, beneficiado da Sé, Paulo de Carvalho e Mendonça, e seu tio Paulo de Carvalho, lente da Universidade e arcipreste da patriarcal. O primeiro foi inquisidor-geral.

Todo o século XIX, acompanhou a ermida a sorte da família Pombal, que alugou a diversas famílias o prédio da Travessa das Mercês. Na capela vazia, se encontrava o caixão com os restos mortais de Sebastião José de Carvalho e Melo, morto na Casa de Pombal, em 1782.

Esteve lá dezenas e dezenas de anos, esquecido. Da porta ao lado, resvés do cunhal poente da capela, se entrava e entra ainda hoje para a esquadra de Polícia que era um dos inquilinos, e cujas instalações tomavam o segundo piso da capela já profanada. Só o caixão, a meio do piso térreo, e a solidão pesada, enchiam o ambiente em que outrora houvera esplendores, orgulho, luzes de velas e cânticos religiosos.

Em 1923, os ossos dos marquês saíram finalmente da capela onde fora baptizado para a igreja da Memória, em Belém, no sítio onde em noite tenebrosa o Rei D. José escapara por milagre a uma espera de pistolas e bacamartes. Foi o atentado que deu azo ao marquês para aniquilar a nobreza e lhe britar os ossos e o orgulho.

Saiu o caixão do marquês e a casa Pombal alugou o piso térreo da capela á Companhia Aciática, com ferros e aços, e que depois se consagrou também a produtos químicos. Ainda agora o recinto se acha completamente cheio de bidões e ferros. Quando lá entrámos sobre um acervo de caixotes, um galaroz entoou hino de guerra, a chamar o gerente que se achava fora, junto das obras .

Outros inquilinos vieram e se substituíram no resto das instalações. Sobre a esquadra encontra-se ainda a sapataria da Polícia e, ao lado, instalaram-se a fotogravura União e mais quatro inquilinos além do actual proprietário sr. Alberto Lourenço Lopes que comprou o prédio, em 1940, à Casa Pombal.

A esquadra vai ter entrada pela Rua do “Século”

Vai grande a movimentação no pequeno mundo que os Carvalhos da Rua Formosa ergueram há três séculos. A construção é estalada a todo o comprimento e a meia altura da Rua do “Século” para lhe meterem forte viga de cimento. Outras vigas e pilares vão sendo incrustadas e erguidos para sustentarem a esquadra, o armazém de produtos químicos e os demais inquilinos.
O armazém de piso rebaixado irá até mais de meio do prédio. Muitas terras têm sido levadas para descer a construção dando altura para, no conjunto, ser introduzido mais uma sobreloja para a esquadra, cuja entrada ficará a fazer-se pela Rua do “Século”. Presentemente, só vemos vigas e pilares, paredes ancoradas, novas portas que se abrem no pano de muro virado a poente e janelas que se rasgam a meia altura. Mais de quinhentas sacas de cimento foram atiradas para lá. A estrutura do edifício ficará , todavia, a ser a mesma que lhe deram os arquitectos da família Carvalho, e a frontaria da ermida das Mercês permanecerá a mesma, naquele seu ar calmo, sonso, todo religião, quando nem réstias de lausperene ou de missa cantada, nem um altar, nem uma simples vela de cera, por lá passam há mais de meio século. Onde se afundou já o tempo do grande Marquês, dos frades, dos inquisidores dos poetas! Por detrás da face da igreja estão o armazém do comerciante e as instalações da Polícia" - A entrada para a esquadra continuou a fazer-se pela Travessa das Mercês.






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