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terça-feira, 22 de março de 2016

Poeta António Ramos – 1982 – “O hospital não tem sido um obstáculo à criação” – declarou-me na breve entrevista, aquando do seu internamento naquela data

Por Jorge Trabulo Marques  -   António Ramos Rosa  - Faro, 17 de Outubro de 1924 – Lisboa, 23 de Setembro de 2013


Penso que devo ter sido, dos jornalistas, que mais de perto conviveu com o poeta António Ramos Rosa – O primeiro contato com ele, foi na enfermaria de um hospital, em 1982, há, portanto, 34 anos – Havia tomado conhecimento, não sei já porque fonte, de que, o poeta algarvio, havia dado entrada num hospital, devido a um profunda depressão, depois de uma quase tentativa desesperada de pôr cobro à vida, junto à janela de seu quarto  – Dirigir-me, primeiramente, a sua casa, afim de se saber, na Rua Barbosa do Bocage, em Lisboa, junto de sua esposa, Agripina Costa Marques, se era possível visitá-lo: ela respondeu-me que, por seu lado, não se importaria mas não tinha era a certeza se o poeta estaria disponível para receber-me – Depois de me dizer em que hospital se encontrava, fui  ver se realmente o podia visitar e se ele me atendia.

À entrada, identifiquei-me, como jornalista, e disse que gostaria de visitar António Ramos Rosa – Não me colocaram dificuldades. E para lá me dirigi, sem perda de tempo, de modo, ainda a poder visitá-lo nesse mesmo dia. E o que   então observei,  foi um homem deitado numa cama, cabeleira enorme (como, de resto, foi sempre imagem que emoldurou o seu rosto), olhando-me, introspetiva e fixamente, de olhos um tanto espantados  mas ao mesmo tempo com olhar amável: cumprimentei-o, perguntando-lhe se estava melhor. Ele preferiu continuar  olhar-me, como que a estudar a minha presença inesperada – E, eu, por meu lado, em vez de ir diretamente, à entrevista, optei por dialogar, procurando cativar a sua confiança e simpatia, pondo de lado o gravador.

Pouco depois, aparece uma senhora, de pijama, que também estava acamada naquele mesmo hospital e me confessa ser uma grande admiradora do seus versos, referindo, que, por vezes, até tem aproveitado para conversar com ele – E, sempre que o faz, que ele lhe oferece um ou mais desenhos de rostos femininos mas que nem lhe põe a data nem os assina - Mostrou-me alguns e ofereceu-me um deles, que edito neste post. Mais tarde, seria o poeta, sem sua casa, a ter a gentileza de mos oferecer mas assinados. De resto, era assim que ele gostava de presentear as pessoas amigas.

Várias vezes, lhe perguntei das razões por que fazia aqueles rostos femininos, sempre muito parecidos, a sua resposta era invariavelmente sempre a mesma: que não sabia explicar – de resto, foi a resposta que me deu logo no hospital.

Era então repórter da Rádio Comercial,  no programa, Ora Hora!, apresentado, de segunda a sexta, entre as 07.00 e as 09.00 da manhã,  por Luis Pereira de Sousa, num horário de grande audiência.

Naturalmente, que, depois de algum tempo de diálogo, sem pretensões de o entrevistar,  confesso que, vendo o poeta, tão fragilizado, me custou puxar pelo gravador. No entanto, lembrei-me de que, mesmo que não divulgasse a entrevista, podia ficar com o registo para memória futura. E foi realmente o que fiz , limitando-me apenas a editar a leitura de um poema – A conversa, tal como a registei, estava um tanto ou quanto inconsequente – Não porque o poeta mostrasse enfado, cansaço ou sinais de falta de lucidez mas por me parecer que o silêncio era o seu mundo, o seu refúgio predileto,  dele lhe custando sair.  Sim, gravei alguns minutos com o gravador na mão, porém, desse registo apenas aqui reproduzo um excerto, que termina com a leitura de um belo poema extraído  do livro  As Marcas do Deserto.




Se puder, não deixe de ouvir a gravação. 

Em todo o caso, aqui fica a transcrição de algumas das suas palavras.

Tal como já tive oportunidade  de referir noutras postagens, que dediquei, neste meu site ao poeta, António Ramos, além da  homenagem, com a leitura de poemas (que, sabe-se se lá por algum sinal premonitório, lhe prestei na celebração do Equinócio do Outono, num dos Templos do Sol, em Chãs, de Foz Côa, nos arredores da minha aldeia, justamente na véspera da sua morte), sim, depois daquela visita no hospital, muitas outras se seguiriam – Pois ficaria também a admirar o poeta e a sua personalidade

Conforme referi noutro post, “Recebeu-nos, muitas vezes, em sua casa, a título pessoal ou por razões profissionais para a Rádio Comercial - Deu-nos o prazer de convivermos com ele em sua casa e até no café onde costumava ir. Tornámo-nos seu amigo e visita praticamente familiar. Datilografamos-lhes e passámos-lhe alguns dos seus poemas para o nosso computador - ele não o usava, nem gostava dessa palavra mas havia outras que, ouvindo-as pronunciar, podiam ser o ponto de partida para um poema -  sim, confiou-nos alguns manuscritos (com uma letra quase indecifrável) para os transcrevermos, numa altura em que, por razões de saúde, ele tinha alguma dificuldade em escrever ou em batê-los à máquina - Outros vertidos diretamente para o papel, que íamos escrevendo, à medida que  brotando da sua mente

“INCÊNDIO DOS ASPECTOS”  - LIVRO ESCRITO NO HOSPITAL 


Este livro foi publicado, em 1980, frutos da sua inspiração de outra altura em que poeta, também dora internado  – Não sei se ele o chegou a declarar publicamente mas disse-mo a mim . E a verdade é que. com que este mesmo “Incêndio dos Absectos”, é que , António Ramos Rosa, conquistaria o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia – Um dos muitos prémios que acabaria por receber ao longo da sua carreira literária, entr os quais o Prémio Pessoa

Não foi este o começo do diálogo mas é assim que ficou gravado no vídeo.

JTM - Considera que este ambiente, aqui no hospital, o inspira , o motiva, ou, talvez, se vivesse lá fora, a sua vida normal,  se sentiria ainda mais motivado para a poesia, para a criatividade
ARR - Não. O hospital não tem sido um obstáculo à criação… de maneira positiva… Por exemplo, o meu livro, Os Incêndios dos Aspectos, foi escrito num hospital, há dois anos….

JTM - Por isso, acha que, o hospital, de certa maneira, também lhe favorece a criatividade?
ARR - Acho que, alguns fatores, serão independentes do hospital  outros.  em parte do ambiente de trabalho…

JTM - É claro que, o Sr. está dentro de um hospital. Aqui dentro tem uma pequena telefonia; ali, na sala,  tem a televisão: o Sr. interessa-se pelo que se passa, lá fora, pela vida social e política ou procura abstrair-se de tudo isso?
ARR - Agora, efetivamente, eu estou um bocado distanciado, mas não estou de todo desinteressado, nem nunca estive desinteressado da vida pública, da vida política…

CONTENTE PELA VITÓRIA DE EANES, EM PORTUGAL E  DE MITERRAND, EM FRANÇA

Fiz-lhe a pergunta seguinte, por saber que ele exteriorizara esse contentamento à senhora, que ali nos fazia companhia:

JTM - Como é que o Sr. Interpretou as eleições francesas? Acho que o Sr. ficou muito contente!...
ARR - Assim, como o Eanes, foi a vitória da democracia, podemos dizer também, que, em França, a vitória de Mitterrand, é a vitória da democracia! A vitória da esquerda!

JTM - O Sr, vê, portanto, esta vitória, com muito agrado?
ARR - Sim. Vejo com bastante alegria
JTM - Tanto mais que, o Sr. Esteve já em França!... A França, também lhe diz  alguma coisa  si?!...
ARR  - Sim. Diz-me muito!... A minha cultura está muito ligada à cultura francesa! À literatura francesa!

JTM - Ramos Rosa: tem algum livro em preparação?
ARR - Tenho vários livros, que já estão organizados… São três livros… Pretendo entregá-los a um editor… mas ainda não o fiz: são dois de poesia e um de ensaio.
JTM - Mas, não o fez, porquê?...

ARR - Não fiz, porque, entretanto, adoeci… e não tive condições…
JTM - Até agora, qual foi o livro que mais gostou de publicar?
ARR - Eu diria que gostei de todos… Agora, respetivamente, posso assinalar. A ocupação do Espaço! E os últimos livros: Boca Completa; o Ciclo do Cavalo! E, agora, O Incêndio dos Aspectos!
Temos aqui o livro, As Marcas no Deserto: neste livro, o Sr. já me disse que gosta mais do poema. Para o Incêndio da Festa. Pode ler um bocadinho

E , deu-me então o prazer de gravar, pela primeira vez, e pela sua voz, um dos seus maravilhosos poemas. - Não o tendo aqui à mão, vou, no entanto, aqui reproduzir outros dos seus belos poemas
As Palavras

Adiro a uma nova terra, adiro a um novo corpo
É um corpo que se tornou palavra
Segue-se a narrativa das transcrições:
as palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde

As palavras saem de uma ferida exangue 
de teclas de metal fressco
de caminhos de sombras
de vertigens de ser só um deserto
de armas de gume branco

Há palavras carregadas de noite  e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas

Matizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta esse silêncio  senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até à oblíqua exactidão?



António Victor Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Frequentou em Faro os estudos secundários, que não concluiu por motivos de saúde. Trabalhou como empregado de escritório, desenvolvendo simultaneamente o gosto pela leitura dos principais escritores portugueses e estrangeiros, com especial preferência pelos poetas. Em 1945 vai para Lisboa e dois anos depois volta a Faro, tendo integrado as fileiras do M.U.D. Juvenil, onde militou activamente. Regressado a Lisboa, foi professor de Português, Francês e Inglês, ao mesmo tempo que estava empregado numa firma comercial, e começou a fazer traduções para a Europa-América, trabalho que nunca mais abandonaria e no qual veio a atingir notável qualidade - Excerto 

António Ramos Rosa: Biografia 

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