Por Jorge Trabulo Marques - António Ramos Rosa - Faro, 17 de Outubro de
1924 – Lisboa, 23 de Setembro de 2013
Penso que devo ter sido, dos jornalistas, que mais de perto conviveu com o poeta António Ramos Rosa – O primeiro contato com ele, foi na enfermaria de um hospital, em 1982, há, portanto, 34 anos – Havia tomado conhecimento, não sei já porque fonte, de que, o poeta algarvio, havia dado entrada num hospital, devido a um profunda depressão, depois de uma quase tentativa desesperada de pôr cobro à vida, junto à janela de seu quarto – Dirigir-me, primeiramente, a sua casa, afim de se saber, na Rua Barbosa do Bocage, em Lisboa, junto de sua esposa, Agripina Costa Marques, se era possível visitá-lo: ela respondeu-me que, por seu lado, não se importaria mas não tinha era a certeza se o poeta estaria disponível para receber-me – Depois de me dizer em que hospital se encontrava, fui ver se realmente o podia visitar e se ele me atendia.
À entrada,
identifiquei-me, como jornalista, e disse que gostaria de visitar António Ramos
Rosa – Não me colocaram dificuldades. E para lá me dirigi, sem perda de tempo,
de modo, ainda a poder visitá-lo nesse mesmo dia. E o que então observei, foi um homem deitado numa cama, cabeleira enorme
(como, de resto, foi sempre imagem que emoldurou o seu rosto), olhando-me, introspetiva
e fixamente, de olhos um tanto espantados mas ao mesmo tempo com olhar amável: cumprimentei-o,
perguntando-lhe se estava melhor. Ele preferiu continuar olhar-me, como que a estudar a minha presença
inesperada – E, eu, por meu lado, em vez de ir diretamente, à entrevista, optei
por dialogar, procurando cativar a sua confiança e simpatia, pondo de lado o
gravador.
Pouco depois, aparece
uma senhora, de pijama, que também estava acamada naquele mesmo hospital e me confessa ser
uma grande admiradora do seus versos, referindo, que, por vezes, até tem
aproveitado para conversar com ele – E, sempre que o faz, que ele lhe oferece
um ou mais desenhos de rostos femininos mas que nem lhe põe a data nem os assina
- Mostrou-me alguns e ofereceu-me um deles, que edito neste post. Mais tarde, seria
o poeta, sem sua casa, a ter a gentileza de mos oferecer mas assinados. De resto, era assim que ele gostava de presentear as pessoas amigas.
Várias vezes, lhe
perguntei das razões por que fazia aqueles rostos femininos, sempre muito
parecidos, a sua resposta era invariavelmente sempre a mesma: que não sabia
explicar – de resto, foi a resposta que me deu logo no hospital.
Era então repórter da
Rádio Comercial, no programa, Ora Hora!,
apresentado, de segunda a sexta, entre as 07.00 e as 09.00 da manhã, por Luis Pereira de Sousa, num horário de
grande audiência.
Naturalmente, que, depois
de algum tempo de diálogo, sem pretensões de o entrevistar, confesso que, vendo o poeta, tão fragilizado,
me custou puxar pelo gravador. No entanto, lembrei-me de que, mesmo que não
divulgasse a entrevista, podia ficar com o registo para memória futura. E foi
realmente o que fiz , limitando-me apenas a editar a leitura de um poema – A conversa, tal como a registei, estava um tanto ou
quanto inconsequente – Não porque o poeta mostrasse enfado, cansaço ou sinais
de falta de lucidez mas por me parecer que o silêncio era o seu mundo, o seu
refúgio predileto, dele lhe custando sair.
Sim, gravei alguns minutos com o gravador na mão, porém, desse registo
apenas aqui reproduzo um excerto, que termina com a leitura de um belo poema
extraído do livro As Marcas do Deserto.
Se puder, não deixe de
ouvir a gravação.
Em todo o caso, aqui fica a transcrição de algumas das suas palavras.
Em todo o caso, aqui fica a transcrição de algumas das suas palavras.
Tal como já tive
oportunidade de referir noutras
postagens, que dediquei, neste meu site ao poeta, António Ramos, além da homenagem, com a leitura de poemas (que,
sabe-se se lá por algum sinal premonitório, lhe prestei na celebração do Equinócio
do Outono, num dos Templos do Sol, em Chãs, de Foz Côa, nos arredores da minha
aldeia, justamente na véspera da sua morte), sim, depois daquela visita no
hospital, muitas outras se seguiriam – Pois ficaria também a admirar o poeta e a sua
personalidade
Conforme referi noutro post, “Recebeu-nos,
muitas vezes, em sua casa, a título pessoal ou por razões profissionais para a
Rádio Comercial - Deu-nos o prazer de convivermos com ele em sua casa e até no
café onde costumava ir. Tornámo-nos seu amigo e visita praticamente familiar.
Datilografamos-lhes e passámos-lhe alguns dos seus poemas para o nosso
computador - ele não o usava, nem gostava dessa palavra mas havia outras que,
ouvindo-as pronunciar, podiam ser o ponto de partida para um poema - sim,
confiou-nos alguns manuscritos (com uma letra quase indecifrável) para os
transcrevermos, numa altura em que, por razões de saúde, ele tinha alguma
dificuldade em escrever ou em batê-los à máquina - Outros vertidos diretamente
para o papel, que íamos escrevendo, à medida que brotando da sua mente
“INCÊNDIO DOS ASPECTOS” - LIVRO ESCRITO NO HOSPITAL
Este livro foi publicado, em 1980, frutos da sua inspiração de outra altura em que poeta, também dora internado – Não sei se ele o chegou a declarar publicamente mas disse-mo a mim . E a verdade é que. com que este mesmo “Incêndio dos Absectos”, é que , António Ramos Rosa, conquistaria o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia – Um dos muitos prémios que acabaria por receber ao longo da sua carreira literária, entr os quais o Prémio Pessoa
Não foi este o começo do diálogo mas é
assim que ficou gravado no vídeo.
JTM - Considera que este ambiente, aqui no
hospital, o inspira , o motiva, ou, talvez, se vivesse lá fora, a sua vida
normal, se sentiria ainda mais motivado
para a poesia, para a criatividade
ARR - Não. O hospital não tem sido um
obstáculo à criação… de maneira positiva… Por exemplo, o meu livro, Os
Incêndios dos Aspectos, foi escrito num hospital, há dois anos….
JTM - Por isso, acha que, o hospital, de
certa maneira, também lhe favorece a criatividade?
ARR - Acho que, alguns fatores, serão independentes
do hospital outros. em parte do ambiente de
trabalho…
JTM - É claro que, o Sr. está dentro de um
hospital. Aqui dentro tem uma pequena telefonia; ali, na sala, tem a televisão: o Sr. interessa-se pelo que
se passa, lá fora, pela vida social e política ou procura abstrair-se de tudo
isso?
ARR - Agora, efetivamente, eu estou um
bocado distanciado, mas não estou de todo desinteressado, nem nunca estive desinteressado
da vida pública, da vida política…
CONTENTE PELA VITÓRIA DE EANES, EM
PORTUGAL E DE MITERRAND, EM FRANÇA
Fiz-lhe a pergunta seguinte, por saber que
ele exteriorizara esse contentamento à senhora, que ali nos fazia companhia:
JTM - Como é que o Sr. Interpretou as
eleições francesas? Acho que o Sr. ficou muito contente!...
ARR - Assim, como o Eanes, foi a vitória
da democracia, podemos dizer também, que, em França, a vitória de Mitterrand, é
a vitória da democracia! A vitória da esquerda!
JTM - O Sr, vê, portanto, esta vitória,
com muito agrado?
ARR - Sim. Vejo com bastante alegria
JTM - Tanto mais que, o Sr. Esteve já em
França!... A França, também lhe diz
alguma coisa si?!...
ARR - Sim. Diz-me muito!... A minha cultura está
muito ligada à cultura francesa! À literatura francesa!
JTM - Ramos Rosa: tem algum livro em
preparação?
ARR - Tenho vários livros, que já estão
organizados… São três livros… Pretendo entregá-los a um editor… mas ainda não o
fiz: são dois de poesia e um de ensaio.
JTM - Mas, não o fez, porquê?...
ARR - Não fiz, porque, entretanto, adoeci…
e não tive condições…
JTM - Até agora, qual foi o livro que mais
gostou de publicar?
ARR - Eu diria que gostei de todos… Agora,
respetivamente, posso assinalar. A ocupação do Espaço! E os últimos livros:
Boca Completa; o Ciclo do Cavalo! E, agora, O Incêndio dos Aspectos!
Temos aqui o livro, As Marcas no Deserto:
neste livro, o Sr. já me disse que gosta mais do poema. Para o Incêndio da
Festa. Pode ler um bocadinho
E , deu-me então o prazer de gravar, pela
primeira vez, e pela sua voz, um dos seus maravilhosos poemas. - Não o tendo aqui à mão, vou, no entanto, aqui reproduzir outros dos seus belos poemas
As Palavras
Adiro a uma nova terra, adiro a um novo corpo
É um corpo que se tornou palavra
Segue-se a narrativa das transcrições:
as palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
As palavras saem de uma ferida exangue
de teclas de metal fressco
de caminhos de sombras
de vertigens de ser só um deserto
de armas de gume branco
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas
Matizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta esse silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até à oblíqua exactidão?
António Victor Ramos
Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Frequentou em Faro os estudos
secundários, que não concluiu por motivos de saúde. Trabalhou como empregado de
escritório, desenvolvendo simultaneamente o gosto pela leitura dos principais escritores
portugueses e estrangeiros, com especial preferência pelos poetas. Em 1945 vai
para Lisboa e dois anos depois volta a Faro, tendo integrado as fileiras do
M.U.D. Juvenil, onde militou activamente. Regressado a Lisboa, foi professor de
Português, Francês e Inglês, ao mesmo tempo que estava empregado numa firma
comercial, e começou a fazer traduções para a Europa-América, trabalho que
nunca mais abandonaria e no qual veio a atingir notável qualidade - Excerto
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