Sábado Aleluia ou Sábado Negro, Véspera da Páscoa, tempo em que a igreja católica celebra a morte e a ressurreição de Jesus
Cristo, depois da sua descida ao Inferno e ao Reino dos Mortos, é também o dia escolhido pela dinâmica associação Foz Côa Friends para realizar o passeio anual dos seus associados e amigos, a partir de uma concentração no adro da igreja matriz, às 9 horas da manhã, desta vez através de um roteiro de paisagens e a um ,local a que chama de “DESCIDA AO INFERNO” , que, no fim de contas, mais não é que um passeio pedestre à famosa
Canada do Inferno, também conhecida pela Canada dos Tesouros Paleolíticos, justamente numa das margens onde estava a ser construída uma barragem, que, por força de um mediático movimento científico, cívico e estudantil, acabaria por ser suspensa para salvaguarda de centenas de gravuras e pinturas rupestres, que a dita albufeira, e ao longo de 17 km, iria submergir, legado cultural esse que a UNESCO, viria a classificar como Património da Humanidade.
“AS GRAVURAS
NÃO SABEM NADAR” –QUEM JÁ SE ESQUECEU?
Oportunidade para voltar a um dos campos de luta e, porque não, de reflexão e meditação – Valeu a pena ou não a defesa do Vale Sagrado, sem o enorme pântano a provocar nevoeiros e grandes alterações climáticas locais ou era preferível este? – Nada melhor que fazer a reflexão num dos primeiros campos de batalha.
Sim, a
bem dizer, as centenas de figuras zoomórficas e antropomórficas, tão magnífica
e caprichosamente gravadas nas placas do xisto, com o recurso a pedras
lascadas, ou mais a montante, as pinturas, quase com as mesmas
cenas pictóricas, na rocha granítica, com pigmentos cujos segredos só os homens
primitivos sabiam fazer, sim, não podiam nem deviam ficar submersas. "Não sabiam nada e não podiam ficar no fundo de um rio. Assim
o entenderam os estudantes da Escola Secundária Adão Carrapatoso, de Vila Nova
de Foz Côa, expressão que viria a tornar-se no mais emblemático slogan dos
protestos em defesa de tão valioso património, mal fora lançado o
alerta da imperiosa necessidade da salvaguarda dessa longínqua herança.
Já lá
vão duas décadas. Muita água já correu, tanto debaixo da ponte do Côa, a
escassos metros da foz, como acima da pequena represa do regolfo da
albufeira, construída para permitir as obras e desviar o caudal do rio – Valeu
a pena o esforço, a luta em prol desse importante património ou teriam razão os
defensores da Barragem, que se contentavam como replicas num museu? – Muita
coisa também se passou: construiu-se um museu, criou-se uma fundação para o gerir,
bem como os trabalhos do PARVC. As visitas aos sítios perderam
algum entusiasmo e até a sua vigilância. Muita coisa mudou na mente das
pessoas que estiveram envolvidas na acalorada polémica Barragem-gravuras
– E, como a memória humana é curta, bom era que um tal passeio servisse também
para alguma reflexão. Relembrar esses tempos heroicos dos que se
esforçaram, abnegadamente, sem nada esperarem.
"A ARTE DO CÔA AINDA É MAIS
ANTIGA DO QUE SE PENSAVA"
Foi deste modo que intitulávamos
uma das nossas muitas reportagens no jornal ÊCOA, acerca das escavações nas faldas do Monte do Fariseu, num
jornal, que, desde a primeira hora se bateu pela salvaguarda das gravuras do Côa - Muitas
horas e muito esforço, dedicamos nas suas páginas, de forma voluntariosa e desinteressada.
Como é já do domínio
público, a descida do nível da albufeira ao Pocinho, devido a obras com a
construção da nova ponte internacional, na foz do Águeda, em Barca O' Alva,
permitiu a uma equipa de arqueólogos, dirigida por Martinho Baptista e por
Thiery Aubry, trazer à luz do dia uma das mais espantosas descobertas até agora
.feitas no domínio da arte rupestre no nosso país, e porventura em todo o
mundo. Isto porque, pela primeira vez foram encontradas, em sedimentos de mais
de duas dezenas de milhares de anos, não apenas gravuras subterradas, mas também
as famosas plaquetas de arte móvel e uma série de utensílios líticos que o
homem usou. para imprimir os desenhos dos seus ídolos ou perpetuar os símbolos
e figuras dos seus cultos, entre outros vestígios, em seixo e em quartzite, que
testemunham, além da sua arte, inclusivamente o próprio habitat."
Referíamos: Enquanto, até agora, os
arqueólogos tinham que cingir os seus estudos apenas ao chamado método
estilístico, comparando as gravuras ao ar livre com as pinturas descobertas nas
grutas, onde a pigmentação permitia o recurso a uma rigorosa datação
científica, ora bem, havendo subsolo da época, é perfeitamente possível
calcular geologicamente a sua idade – através da estratigrafia .Esta é uma das
possibilidades. Outra, é a análise química desses mesmos estratos. Mas, pelo
que ali apurei, este processo talvez não seja dos melhores devido à acidez do
terreno, que terá praticamente eliminado toda a matéria orgânica. Antes, sim,
curiosamente, a investigação sobre os pedacitos de materiais
líticos encontrados nas escavações, alguns deles submetidos a altas
temperaturas na época (locais com lareiras), que, pelo método de
termoluminescência, podem ser datados. Daí que, perante esta mão cheia de
informações, o Director do Centro Nacional de Arte Rupestre, Martinho Baptista,
uma das autoridades mais cotadas em estilística neste domínio, não caiba
de contente ao admitir que a idade das gravuras do Côa, pode ser muito mais
antiga do que inicialmente se pensava. Pois considera que grande parte destes
achados se situe em patamares bastante mais recuados da civilização
paleolítica. No denominado período Grafetense ou Solutrense, que se estende aos
25000 a 20000 a.C (…)
Noutro passo -
"UM ENTERRO SEM LUTO MAS COM ALGUNS SORRISOS
"O local onde toram feitas
as mais recentes descobertas rupestres, situa-se ao fundo da encosta do
Fariseu, 11ª margem esquerda do Côa, talvez num dos pontos mais belos e
silenciosos do rio. Do outro lado de lá, e a quase meia encosta da íngreme
ladeira, que ali se ergue, como urna muralha natural, está a casa, em ruína da
velha Quinta do Bravio; já desabitada e com o terreno por cultivar: Por isso, o
que agora ali existe, além da imagem inóspita e dura de outros, tempos, é o
abandono. Mas, talvez, nem por isso; penso que o que agora mais sobressai é uma
grande quietude:- um rio calmo, porque a albufeira, que entra por ele acima,
faz com que as suas águas nos pareçam iradas; depois, aquelas duas ladeiras,
que quase se tocam se unem em canhão, o que nelas verdadeiramente se descobre é
urna imensa paz, um enorme silêncio.
Assim, não me custa pois a crer que, há milénios: os seus acampamentos e se agasalhavam de peles de
animais e se alimentavam de frutos silvestres, da caça e da pesca,
elegessem este sítio como dos mais prediletos das migrações do litoral
para o interior
De facto, a prova
está à vista; tão encantados terão ficado com o lugar que, além de nele se
acantonarem, por lá invocaram os seus deuses e, uma das formas escolhidas, terá
sido justamente através das suas magníficas criações artísticas. Algumas das
quais agora desencantadas da profundidade dos aluviões depositados ao longo das
eras. Graças, uma vez mais, a um fortuito mas feliz acaso, que permitiu, que
uns homens do nosso tempo -talvez com olhos e sentidos tão apurados como os das
águias do rio quando se atiram em voo certeiro sobre as suas presas:- , ali
corressem, logo que as águas deixaram a descoberto, alguns xistros das suas
margens, e esgravatassem, cautelosa mas porfiadamente, lama ,e aterros em busca
do tesouro perdido. Sim, ao que parece, apenas orientados por aquele dom que
cultivam os magos ou mercê de refinada perceção extrassensorial que uma longa
experiência ajuda a adquirir e cimentar. E que, afinal, tão útil se revela, especialmente,
quando se não olha a sacrifícios e se trabalha com entusiasmo e amor.
Foi realmente o que
fizeram as equipas técnicas do PAVC durante os quinze dias que ali andaram -
arqueólogos, arqueólogas e auxiliares. Não olhando às inclemências do tempo, dia
e noite, ao frio, aos nevoeiros, à chuva, enfim, ante as condições mais
adversas da estação.
Valeu a pena, pelos
vistos. Pois, a euforia e o prazer da descoberta, terão sido o bastante
para esquecer longas horas de dedicação.
O que, talvez, mais
lhes tenha custado terá sido o facto daquela sua maravilha, posta que fora à
luz ao dia, ter de voltar ao fundo da terra. Como se de repente, uma
magnífica revelação, se transformasse em trevas, ou, pior, numa sepultura
coberta por um pesado entulho e um silêncio de pedra. Mas, até um dia. Pois,
frise-se, contrariamente aos enterros habituais, ali tudo se passou sem luto,
sem dor é sem lágrimas; antes' sim, segundo me pareceu, com um misto de algum
júbilo ou contida alegria de um dever cumprido. Já que todas as esperanças
apontam para que, aquele tesouro que ora ali jaz oculto, não tarde
a que se resgate e volte a ser admirado como talvez o mais belo vitral de um
museu vivo.
OUTRO DOS NOSSOS ARTIGOS -
Arqueólogos Europeus Maravilhados com as Gravuras do Côa
Uma delegação da Rede Europeia de Arqueologia, composta por arqueólogos de Portugal, Espanha, França, Itália e Irlanda, deslocou-se no passado dia 10, à Canada do Inferno, para uma visita guiada ao núcleo de gravuras rupestres, ali existentes, e que é apontado como pertencentes ao Paleolítico Superior, ou seja, a um passado que remonta a cerca de trinta mil anos.
A referida
delegação, na qual se incluem, além de arqueólogos, outros estudiosos e
investigadores, mas cuja causa comum é o amor ao património natural e cultural,
deslocou-se expressamente, ao nosso concelho, no final dê um congresso que
decorreu em Lisboa e noutros pontos do país, para "in loco" se
inteirarem da beleza e da importância da arte rupestre do Côa, assunto que,
como é do conhecimento geral, na sequência da polémica que se gerou com o nome
de Foz Côa, a ser "badalado" por tudo quanto é grande
informação nacional e estrangeira, tem suscitado uma atenção muito
especial por ·parte da comunidade científica internacional.
A visita, que se seguiu
depôs de uma receção oferecida pela Adega Cooperativa de Vila Nova de Foz Côa,
para um primeiro contacto com uma das nossas maiores riquezas - o vinho -
, ou não fosse este produto o mais genuíno cartão de visita e aquela
Adega a grande sala do Douro para as receber -'teve lugar quase no fim da
manhã, tendo tido como cicerones os próprios arqueólogos, que, no Vale do Côa,
têm vindo a fazer o estudo da área e entre os quais se contava o Prof. João
Zilhão, recentemente nomeado Diretor do futuro Parque Arqueológico.
Nós, que pudemos ter
o prazer de sermos incluídos naquela· agradável visita, já que o sol fazia jus
a um Domingo divinal, podemos, d~ facto, constatar, quer os desabafos, pedidos
de explicação ou quer ainda pelas perguntas que· nós próprios fizemos: quanto
não era o pasmo pela beleza "que lhes era revelada naquela variedade de
figuras zoomórficas: umas finíssimas (as chamadas filiformes), quase
impercetíveis nos seus traços, como querendo ocultar algum acto mágico; outras,
porém, muito mais visíveis, com um traço ou picotado bem rasgado ou entrado no
xisto, de todo expostas ao brilho da água do rio, à luminosa incidência do
astro-rei e possivelmente 'ao misterioso encanto dos deuses. - culpados,
afinal, por as terem conservado à perenidade dos tempos, desde o longínquo
passado, até aos nossos dias, poupando-as, assim, não somente da ação
degastadora dos elementos, destruição de algum fenómeno natural ou mesmo da mão
do homem, nas suas deambulações ou activldades por aquelas canadas e montes,
mas, sobretudo, salvando-as do pior que lhes poderia acontecer: a profanação de
serem removidas dos seus Templos Naturais ou afundadas nos abismos e lodos das
águas, triste fim para aquelas pedras que que, embora vizinhas dos rios e
de outros leitos, mais se afiguram herdeiras dos grandes espaços e da
luz.
Na verdade, quando
jipe em que seguíamos se preparava para parar, depois de termos ali
andando aos zig zag por entre aquelas vertentes escalvadas, que é
no fundo o cenário vertiginoso e desolador que se depara quando se deixa a
estrada alcatroada e se entra nos acessos da barragem, e, abrandando a sua
marcha, se anunciava o percurso de um pequeno carreiro - este sim, por
entre uma paisagem selvagem e não descaracterizada - que nos" levaria ao lugar
sagrado, com efeito, ante tanta ansiedade, houve quem, na viatura que, nos
transportava, desse sinais de alguma descrença - ou antes, mostras de um misto
de ceticismo e impaciência, pelo facto de começarem a surgir dúvidas
quanto à qualidade estética do que ia ver, denotando preocupação por
ainda não estar bem segura (pois era uma senhora, vinda de
Lisboa) se as gravuras poderiam ter a mesma visibilidade e
realce como a televisão as mostrava Ela sabias que, as câmaras, mercê dos seus
prodígios técnicos, tanto podem ofuscar uma realidade como a fantasiar ou fazer
dela seja o que for, para melhor ou pior. Daí, imagine-se a sua incredulidade,
antes de, com os seus próprios olhos, (pois eles nunca lhe poderiam
mentir) desvendar o enigma, quem no fim de contas, o deslumbramento lhe
suscitara, porventura desde o instante em que o milagre da televisão lhas
revelou, em sua casa.
Seguimo-la,
atentamente, esperando ver, em cada pedra, as suas reacções, e, na verdade, o
que lemos no seu rosto, nos seus olhos, nas expressões com que se detinha a
observar os mais minuciosos traços, foi a da emoção bem
evidenciada de alguém que não oculta o seu espanto ante o
maravilhoso.
“Meu Deus! Que loucura se
a barragem alguma vez for construída Que o diabo os leve para o Inferno,
e não para uma canada destas” - outro desabafo que ouvimos de um português, que
não se cansava de disparar fotografia atrás de fotografia ,no que era
praticamente imitado por todos quantos all se deslocavam pela' primeira vez, e
com que máquinas! Pois, pelos vistos," ninguém queria perder tão excelente
oportunidade -, e para mais com um sol tão fulguroso – de juntar às suas
agradáveis impressões , o testemunho, para a posteridade, das belas
imagens que lhe eram dadas admirar. - Excerto
RELEMBRANDO ALGUNS ECOS DA
IMPRENSA
"AS GRAVURAS NÃO SABEM NADAR"
“E, de súbito, Vila
Nova de Foz Côa salou para as primeiras páginas dos jornais e para as
manchetes" de rádios e televisões. Não é todos 0s dias que um prestigiado
jornal internacional, como é “The Taimes"', de Londres, dedica o seu
editorial ao nosso país. Pois as gravuras e, sobretudo, a atitude dos
poderes perante elas, conseguiram-no.
Em Vila Nova de Foz Côa
desenrola-se um dilema que é típico da nossa civilização: preservar a memória
do nosso peregrinar comum ou construir novos futuros sobre as ruínas do
passado? É evidente que a disjuntiva só faz sentido, no caso em apreço, porque
uma solução lesa gravemente a outra e porque, quando foi dada pública notícia
do achado das gravuras rupestres, já uma barragem se erguia a todo o
vapor, a jusante.
As gravuras rupestres de
Vila Nova de Foi Côa são assunto da actualidade. Aconteça o
que lhes acontecer - e não é ainda certo o destino que vão conhecer no
futuro e-, passarão a ter certamente estudadas pelos alunos de História e
pelos que se interessam pelo conhecimento do nosso passado. Mas, neste momento,
os manuais escolares não lhes raiem referência, evidentemente. É aos
meios de comunicação social que podemos recorrer, para colmatar, pelo menos
provisoriamente, essa lacuna que a descoberta veio abrir. Foi por isso
que achamos útil colocar, desde já, ao dispor de alunos, professores e outros
interessados e estudiosos do nosso património um dossier" que reúne alguns
materiais editados pelo PÚBLICO e por outros órgãos de imprensa, desde
que a "boa nova" de Foi Côa eclodiu.
Os destinatários primeiros
destes materiais são, obviamente, as escolas, 0s alunos e os professores.
Dadas, porém, as implicações deste caso, é natural que 0s mesmos artigos venham
a interessar a oulr08 interlocutores.
Diário de Notícias – 19 de
Julho de 1997 -Por Francisco Magas . -
Côa o último olhar no Sabor
Há duzentos séculos,
alguém gravou os primeiros símbolos no Côa. Essa enigmática arte sem nome, que
fixou animais no xisto, chegou até aos nossos dias . E pode ser vista ,
dispersa ma surpreendente paisagem. Se pretender visitar o “vale sagtrado” nas
férias, reserva a ida junto do Parque Arqueológico. É como no cinema.
Esgota.
É uma viagem ao
reino maravilhoso dos anónimos artistas do Paleolítico. No dorso escuro do
xisto, legaram aos vindouros pacientes obras de arte, até há pouco tempo
desconhecidas. Em Foz Côa. a arqueologia despediu-se de velhas teorias: também
a céu aberto, os homens da pré-história deixaram símbolos.
Não foi fácil, todos
sabemos, preservar o vale do Rio Côa, Altos interesses económicos colidiam com
os frágeis, mas elegantes, traços - alguns quase impercetíveis - das gravuras
rupestres. Esgrimiram-se argumentos extremos. De um lado, falava-se em milhões
de contos de prejuízo caso a barragem não avançasse; da outra parte,
alertava-se para irreversível perda de um património da humanidade.
Venceu a cultura, coisa
inusitada num país como o nosso. Mas para a tomada da decisão, muito contribuiu
o empenhamento da opinião pública, com uma inesperada participação dos jovens,
e a forte campanha nos media.
Feito o breve
balanço de uma longa polémica, pode o leitor anotar na agenda os dias em que
pretende descer ao «vale sagrado». Em primeiro lugar, faça uma marcação de
reserva. No vale - defendem os responsáveis do Parque Arqueológico (PAC) - as
preocupações de preservação restringem o número de visitantes. É como vai ao
cinema, sustenta o arqueólogo João Zilhão, “a lotação pode esgotar2 – Excerto
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