O livro é de autoria de Mel de
Carvalho (Maria Amélia de Carvalho). Desconhecia
o seu nome e a sua poesia mas ainda bem que o caso me proporcionou uma bonita
surpresa - Não escreve poemas como quem
fabrica versos mas escreve versos como quem cultiva diamantes ou pérolas. Não
consta na internet que a imprensa lhe dedicasse algumas linhas, senão apenas as
da sua editora (CORPOS) e as referências que a própria autora faz no
seu blogue. Mas creio que devia ser um nome a promover e a reter. Sim,
seguramente, neste seu pequeno livro de 91 páginas, não há poesia hermética ou
que precise da muleta do calão para só intelectual perceber ou se impressionar, mas
poemas da mais belíssima verve, intensamente sentidos e vividos. Pena que, à semelhança
de tantas obras literárias, acabem numa banca (aliás, na banca daquelas centenas livros baratos, também só lá descobri um
único exemplar - o desta autora) pelo módico preço de 1 euro, conquanto o preço inscrito continuasse a
cinco euros.
De vez em quando dou um giro pela
feira do livro dos alfarrabistas do chiado, ali uns metros abaixo da
Brasileira, numa transversal da Rua Garrett, com a esquina da livraria Bertrand, mais propriamente na Rua
Anchieta, onde é possível encontrar livros (os mais variados), bons e baratos, aos sábados. Cheguei ao local, já quase ao fim da tarde. Mesmo assim ainda tive tempo de visitar todas as bancas e descer ao Cais Sódre para esprairar o olhar pelo Tejo, que já não via a algum tempo, seguindo pela marginal até ao Terreiro do Paço, onde pude assistir a um magnifico pôr-do-sol, com alguns casais de namorados rendidos à doce magia do momento.
Desta vez trouxe seis livros por 7,5 euros, incluindo o que me
custou 2,5 euros, na banca de outro alfarrabista. Ou seja: Sibilam Pedras na
Encosta, de Mel de Carvalho; Últimos Sonetos, de Sidónio Miguel (1942);
Antologia da Poesia Brasileira, por José Vale de Figueiredo; O Livro Negro, de
Giovanni Papini; Sexta-Feira ou a Vida Selvagem, de Michel Tournier; Enigmas do Passado, de Kurt Benesch
Se fosse no tempo do escudo, dir-se-ia que não
era nenhuma anormalidade, nenhuma pechincha, visto os livros serem bem mais baratos. A bem dizer, foi justamente no sector livreiro,
que, com a introdução do euro, houve maiores índices de inflação – Não creio
que a favor do autor - e até mesmo do
editor – mas sobretudo no circuito da distribuição, onde ficam com a fatia de
leão. Daí haver editoras que deixam essa tarefa ao autor.
Bom, mas do que eu venho falar,
especialmente, é do livro de poemas de Mel de Carvalho, “Sibilam Pedras na
Ecosta” – Poesia que me fala das pedras, que tanto amo, do sol, que contemplo,
em rituais solsticionais e equinociais, do amor, do tempo do céu e do mar, das
noite estreladas ou de luar, do infinito cósmico, deuses e constelações – Sim, quem é que
não sente a força destes elementos no dia a dia da sua vida?!.
Na pesquisa que fiz, na Web,
fiquei a saber que “a primeira apresentação decorreu no dia 15 de Dezembro de
2007 (Sábado) no "Santiago Alquimista"(situado na Rua de Santiago
nº19 1100-493 Lisboa), pelas 22h30m. A segunda no dia 22 de Dezembro de 2007
(Sábado), Grémio Lisbonense (situado na Rua dos Sapateiros Nº 226 1º 1100-581
Lisboa) pelas 16.30H. - Também pude saber que já editou um segundo livro e que paassou a constar de algumas antologias.
O QUE A AUTORA COMEÇA DIZER NO
SEU LIVRO
“Nunca percebi esta compulsão que
me faz escrever. Nunca entendi a necessidade de me metamorfosear, de me recrear
em múltiplas personagens, na maior parte das vezes "sombrias". Existe
um "Eu" em mim que me é alheio e que me dita as linhas que vos deixo
neste trabalho. A esse "Eu", companheiro de todos os dias, o meu
obrigado.
A todos, familiares e amigos que
tornaram possível este livro, um enorme e profundo agradecimento.''
Não fazemos parte desse restrito
grupo, que tornou possível o sonho de Mel de Carvalho, contudo, depois de
lermos gostosamente os seus maravilhosos versos, obviamente que nos sentimos
como que irmanados na constelação dos seu núcleo de amizades e admiradores.
“Sibilam Pedras na Encosta” - Deu o título ao livro mas foi remetido para a última página. Que aqui tomamos a
liberdade de o transcrevermos como o primeiro:
Sibilam pedras na encosta quando a noite vermelha
se anuncia desnuda de sentido.
Quando a alma insana vareja entre a plana planície
e a árida bainha marítima.
E as vozes dos gestos detonados nos rumorejam
a força intempestiva do desejo.
Num jogo de espelhos envelhecidos - a ponto sombra
e
a ponto luz-, a cidade adormecida antes de nós,
reabilita-se no oiro bruxuleante de candeeiros
antigos.
No cais de onde não partem ou chegam barcos,
elevam-se nos mudos bicos das Gaivotas, dores, gritos
...
Ondulam-se na Planície os Sobreiros e aqui na
orla,
seculares Palmeiras. Corvos coreógrafos encenam
novas
coreografias em madrugadas infinitas,
para além do que a vista alcança. Voláteis dançam.
Sibilam pedras, rolam destemidas na encosta,
afundam-se em quedas abissais.
Rebolam bojudas em prantos ausentes de
fragrâncias
.
Sons
do Sol
Não
sei que és, de onde surges.
Escuto-te
nos vibrados, nos sons ... nos meios-tons.
No clangor.
Fluis
ardência
dentro
do verde efervescente dos meus olhos.
Clarões,
lamparinas em ondas de calor. Luminárias.
Tal
Hélios ou Magec (1) avanças,
(és
tango, és valsa), ... danças
em
mil cores acres de broteantes matizes sobre
sobre
Teide [21, o Vulcão.
Emerges
conduzindo
uma quadriga em fogo
pela
anilada, condensada atmosfera.
Vislumbro-te
num plano para além da vida.
Sei-te
sequestrado (3), algemado.
Em
prece, suplico ao Deus supremo do céus,
Achamán,
que te liberte
e
que, sobre esta ilha que eu sou,
se
faça de novo doutrina, vidência, claridade.
Busco-te,
na essência e na disparidade
busco-te
intensamente
na
autoridade e na dominação que tu imanas.
Busco-te,
para que me reveles do Cosmos feição,
incandescente
regulação
do
meu próprio
relógio
biológico.
Busco-te,
tal planta, para que sobre o teu capuz
(manto
de Luz) desabroche e cresça - floresça fêmea.
Busco-te,
faúlha de incessante inspiração.
Não
sei quem és, de que sono acordas.
Vindo
do escuro, desembocas no traçado dum caminho.
Invades
a retina, tocando um a um
todos
os seus bastonetes.
Atravessas
a córnea e o cristalino.
És
um Deus menino. Hélios, Deus do meu destino!
Abro-me
crisálida e tombo simplesmente no seio do teu regaço
e
menina, te abraço.
Escuto-te
nos vibrados, sons felinos, e nos meios-tons.
[1) Deus do Sol dos povos aborígenes
[2]Teide na língua dos aborígenes canários
significa "morada do diabo". [3]Segundo a tradição o diabo sequestrou
o Deus do Sol, Magec, e levou-o com ele interior do Teide. Então as trevas
cobriram a ilha até que o povo pediu ajuda ao D: supremo do Céu, Achamán, que
fechou o diabo para sempre na montanha e libertou o Sol.
"Mel de Carvalho, poeta, escritora e socióloga, é
o pseudónimo literário de Maria Amélia de Carvalho, nascida em Lisboa a 23 de
Janeiro de 1961.
Licenciada pela Universidade Técnica de Lisboa,
encontra-se neste momento a realizar doutoran1ento em Ciências da Educação, na
Universidade Nova de Lisboa.
- A par com as diferentes actividades
profissionais, quer como Socióloga (Técnica Superior de Emprego), quer como
Formadora, a escrita surge desde cedo na sua vida. Inicialmente em forma de prosa.
A admiração pelos poetas levou-a, no entanto, a aventurar-se na escrita
poética, tendo dedicado, nos últimos anos, a sua inspiração à poesia Escreve· frequentemente em alguns blogs pessoais e
sites colectivos. Nos seus blogs, ilustra normalmente os seus trabalhos.
com as suas próprias fotografias, outro dos seus interesses. Em 2008 a edium editores publicou o seu trabalho em
poesia “No princípio era o sol”,que passa a integrar a Antologia de Poesia e
Prosa Poética Portuguesa Contemporânea"