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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Miguel Torga - Partiu a 17 de Janeiro de 1995 para o Reino Invisível mas deixou-nos a poesia de um Reino Maravilhoso - Também andou pelas fragas do maciço dos Tambores - Faz parte dos poetas dos Templos do Sol e continua presente nos corações da terra transmontana e duriense - Pintor João Neves, dedica-lhe um retrato acabado de fazer

Coimbra, 17 de Janeiro de 1991 - Começou finalmente o festival guerreiro do Golfo. O capitalismo vai ter preservado  o seu petróleo, e a América, além desse oiro negro, a sua catarse da humilhação  vietnamita."




IDENTIDADE

Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.

Miguel Torga






Ontem, ao encontrar-me com o meu amigo pintor João Neves, a propósito dos  retratos que tem vindo a dedicar aos 125 anos, sobre a data do nascimento de Fernando Pessoa, falámos de Miguel Torga e lembrámo-nos de  que, hoje, dia 17, se perfaziam 14 anos, sobre a sua morte. Ocorreu-nos então a ideia de, nesta data,  eu lhe dedicar umas linhas neste meu site e ele um retrato de sua autoria.  Hoje mesmo, o nosso prezado amigo, o pianista Monteyro  y Costa, também quis associar-se através de uma belíssima composição de Clarlie Chaplin



O  virtuosismo de José Manuel Monteiro y Costa - Tocou nos mais famosos hotéis londrinos e poderia ser hoje um nome reconhecido nos pianistas portugueses, mas onde é que estão as oportunidades para os pianistas a solo? - Quantos bares e hotéis dão prioridade à música clássica? - Até os concertos  nas instituições públicas, vão-se tornando uma raridade.









Desafio espontâneo por amor à magnífica obra de Torga . A música já estava gravada e em vídeo.  Só que, fazer um retrato, mesmo em termos de esboço, leva o seu tempo. O João não se importou: toca  de se enfiar no seu atelier, durante várias horas, tendo saído de lá, por volta das duas da manhã. Já a caminho de casa, e ainda sem jantar, telefonou-me a dizer-me: Jorge!  Acabei de enviar para o teu e-mail a digitalização do retrato de Miguel Torga. -Tal o desejo de não faltar ao compromisso, esqueceu-se de o datar e de o assinar. E, é, pois, com muito gosto. que, juntamente ao virtuosismo de Manuel Montyro,  ambos aqui recordamos, de forma singela,  um grande poeta português 



Chaves, 6 de Setembro  de 1991

De luz são todas estas horas destinaras
E vagabundas,
Roubadas à razão e à lógica dos outros.
O sol ergue-se nelas com fulgor
Dobrado
Não há sombras no largo descampado
Onde se esconda alma envergonhada.
Pura, campeia, íntima e liberta,
Contente
De desejo gratuito e de aventura.
viver é ser no tempo intemporal.
É nunca, a ser o mesmo, ser igual.
É encontrar quando nada se procura.

Miguel Torga, Diário, XVI

Contam-se pelos dedos das mãos os pintores que executam obras com este primor técnico e artístico de João Neves

O pintor João Manuel de Ó Pereira das Neves - mais conhecido por João Neves - nasceu em 10 de Agosto, é natural de Santiago do Cacém, a vila alentejana onde também nasceu Manuel da Fonseca -  Aliás, foi na companhia dele que, uns meses antes da sua morte,  pude ir a  casa do autor da "Rosa dos Ventos"e fazer-lhe uma entrevista, em directo,  para um programa da noite, da Rádio Comercial, realizado por Rui Castelar -  Se Miguel Torga fosse vivo, dir-se-ia que,  em termos idade, havia uma grande diferença, porém, em relação ao dia do mês do nascimento, como aniversariantes. ambos do signo Leão, João e Torga, só os distanciavam dois dias. 






João,  tem o  culto pela Natureza e dos nossos poetas e navegadores portugueses - O seu grande sonho é um dia poder pintar a rota de Fernão Magalhães- Entretanto, vai pintando maravilhosos trechos da nossa costa marítima, belíssimas composições naturais e alguns abastratos - Um dos seus  quadros já lhe valeu  ser distinguido nos primeiros, entre milhares de concorrentes num concurso em Londres - É meu grande amigo, praticamente desde que regressei a Portugal,  depois de uma das minhas odisseias nos Mares do Golfo da Guiné. A sua paixão pelo mar, fê-lo ir ao meu encontro. Uma entrevista da rádio, despertara-lhe a curiosidade em conhecer-me.. Encantado com as minhas aventura solitárias, em pirogas - uma das quais 38 dias - viera procurar-me à Rádio Comercial para fazer  uma banda desenhada das minhas façanhas. 

Naquela altura, trabalhava para a arte final de letras e capas das publicações da  Walt Disney, entre as quais o Tio Painhas, Pato Donald, Pateta, Disney-Extra, Rato Mickey, entre outras  - Era o responsável por um Estúdio de Arte- Final - Publicidade e ilustração - com uma dúzia de colaboradores, que se encarregavam de traduções, revisão e adaptações de textos para oito editoras - Entre as quais a Colecção de Cromos Panini, Gradiva, Meribérica-Liber, Nobar, Edições Asa, Editores Arial, Lisboa Editora,  Freaqui e vários jornais e revistas.  A vida sorria-lhe. Porém, o excesso de trabalho, fê-lo contrair uma tendinite na mão direita, pelo que, forçado a suspender a sua actividade, muitos dos seus sonhos, sofreram um duro revês. Mas, querer é poder, e, pese todo o esforço hercúleo, que lhe é exigido, nem mesmo assim ele se  deu por vencido. E desabafa: "Jorge" E, então, aquele o pintor que dizia: não tenho braços mas pinto com o pincele na boca! - Felizmente, tenho as duas mãos: não posso pintar com a direita, tenho que me habituar com a esquerda" - E, na verdade, embora não sendo esquerdino, é o que tem feito. 

BISNETO DO CONDE DE AVILEZ 

Diminuído, fisicamente, da mão direita, claro que lhe é exigido um duplo esforço. Sim,  mas o génese da pintura está-lhe nas veias! -  Que fazer senão continuar abraçar a sua maior paixão. Até porque, além de sua mãe, a única família são os bons amigos. Não tem outros familiares mais próximos ou afastados. Bisneto - sem herança - do Conde de Avilez : o  homem que introduziu o  automóvel em portugal.  A bisavó era criada do Sr. Conde, engravidou-a  e arranjou-lhe uma filha, que foi pari-la em casa dos pais,, em Ferreira do Alentejo, em obediência aos bons costumes da época. - Sobrinho da Geny de Brito, a primeira missa de Portugal, cuja herança foi parar, muito oportunisticamente,  ao seu médico pessoal e à Câmara Municipal do Entrocamento - O qual, Sr. Doutor, apesar de já ter a herança garantida, ainda lhe cobrava as consultas.  E aí temos, assim o pintor João Neves, sem heranças mas também sem herdeiros, dependente unicamente dos maravilhosos quadros que vai pintando. 


João Neves, já esteve no Maciço dos Tambores. Foi a primeira pessoa a quem confidenciei a descoberta da Pedra do Solstício. Nesse dia, encontrava-se em Coimbra, onde tinha ido para mais um tratamento inútil à tendinite que lhe tolhe os movimentos da sua mão direita. Aceitou deslocar-se no dia seguinte à minha aldeia. Ficou maravilhado pelo que viu. Estávamos em 2003. Naquela altura, nem ele nem eu sabíamos, que, Miguel Torga, também, já noutros tempos,  já tinha  andado por ali. Hoje, ele sabe disso, e também sabe, que já ali o homenageámos - Hoje, partilha comigo nesta singela homenagem comum 



Miguel Torga, nasceu a 12 de Agosto de 1907, na aldeia de S. Martinho de Anta, concelho de Saborosa, deixou-nos, a 17 de Janeiro de 1995, perfaz  hoje 14 anos. Partiu para o Reino do Invisível mas deixou-nos o legado poético do Reino Maravilhoso de Trás-os- Montes e Alto Douro, a sua região natal, cuja paisagem e gentes, com os seus hábitos e costumes, comportamentos e modos de estar e olhar o mundo, as riquezas e as pobrezas da terra, além de lhe moldarem o seu carácter e a sua sensibilidade, serviriam de fonte de inspiração para a sua vasta obra poética, ficcionista e diarística. 



Coimbra, 15 de Abril de 1992

Catequese

Reza comigo, se te queres salvar.
Deus é pura poesia,
e o poema uma humilde petição
No tempo sacrossanto da eternidade.
Reza comigo, a ler-me e a memorar
Os versos que mais possam alegar
O teu entendimento
De ti, do mundo e do negro inferno
De cada hora.
Purificada neles, terás então
No coração
A paz aliviada que te falta agora.

Miguel Torga, Diário, XVI

"Torga, de seu Verdadeiro nome Adolfo Rocha, nunca esqueceu a sua origem transmontana e humilde, de filho de gente do povo. Marcado pelas dificuldades que passou na infância e na adolescência e pela vida dura que via à sua volta, em grande parte das pessoas da sua região, serviu‑se da pena para lutar e defender os direitos e a melhoria das condições de vida do homem, chamando a atenção para o que de errado lhe parecia existir à sua volta, situando espacialmente muitas das suas criações na região transmontana.

Adolfo Rocha cedo teve de deixar Trás‑os‑Montes. O precoce e forçado abandono da aldeia e da região natal deixou marcas profundas no seu espírito, sobretudo pelos motivos que estão na génese desse afastamento da sua terra: a carência de recursos económicos e a consequente falta de perspectivas de continuar os estudos. Estes dois factores estiveram na origem do rumo que a sua vida tomou depois de fazer a instrução primária e que Torga tão bem transpôs para A Criação do Mundo – os dois primeiros dias

MIGUEL TORGA TAMBÉM CONHECEU O REINO MARAVILHOSO DAS FRAGAS DOS TAMBORES - QUEM SABE SE JÁ NA SENDA DAS PEGADAS DOS TEMPLOS DO SOL



Miguel Torga, também conheceu as fragas dos Tambores - Ele é um nativo do Reino das Fragas e, na celebração do Solstício do Verão, de Junho de 2010, foi-lhe ali prestada singela homenagem, no "altar dos poetas", juntamente com Fernando Assis Pacheco, precisamente na pedra onde o autor dos poemas "Respiração Assistida" e "Cuidar dos Vivos, um mês antes da sua morte, em Outubro de 1995, havia erguido os braços, ao despedir-se de  uma curta peregrinação que ali fizera a meu convite, na sequência de uma reportagem que tinha ido fazer para a revista visão, às gravuras rupestres do Vale do Côa. Esta a razão pela qual, todos os anos, depois de celebramos o pôr-do-sol, junto à Pedra do Solstício, ao fim da tarde do dia maior do ano, ali promovemos uma romagem, naquela que também é conhecida pela Pedra do Fernando Assis Pacheco. 




Manuel J. Pires Daniel, também ele uma personalidade de cultura, muito bem informada do nosso património, dos nossos valores, possuidor de uma grande sensibilidade poética, que nos deu o prazer e a honra de se associar ao referido ato, realçou a beleza, a singularidades e relação geológica destes lugares, bem como enalteceu a figura e a obra de Fernando Assis Pacheco . Recordou também Miguel Torga – Afinal, ficamos a saber que, o autor dos Contos da Montanha, conhecia melhor os Tambores e o nosso concelho e o da Meda, que muitos dos que por aqui vivem! Pois, ao seu espírito contemplativo, associava também o gosto pela caça. Torga, não se quedava apenas pela mera contemplação dos espaços; gostava de andarilhar.




FERNANDO ASSIS PACHECO, TINHA RAZÃO COM A SUA PERGUNTA – SE MIGUEL TORGA, JÁ TINHA ANDARILHADO POR AQUI.

“Jorge!..Aqui também esteve o Torga?!.. “ - Perguntava-me, Fernando Assis Pacheco, naquele já distante fim de tarde, em que o acompanhei pela Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora e ao Monte do Castro do Curral da Pedra. Ele estava muito feliz e, pelos vistos, queria saber se o autor dos Novos Contos da Montanha, também teria partilhado daquele mesmo encantamento e felicidade, ali pelos monumentais penhascos dos Tambores e Mancheia. Eu disse-lhe: “Não me consta… Acho que não…Aqui, nestes sítios, é ainda o reino do granito” Mas, afinal, Fernando Assis Pacheco, lá tinha as suas razões para fazer a tal pergunta. Miguel Torga, também contemplara aqueles enigmáticos penedos e largos horizontes. Contei o episódio, na cerimónia, da romagem à “Pedra do Fernando Assis, e a reposta às minhas dúvidas, fora gentilmente dada pelo poeta e advogado, Manuel Pires Daniel


HEMINGAWAY E TORGA - A MESMA PAIXÃO PELA CAÇA- O AUTOR DAS VERDES COLINAS DE ÁFRICA, INSPIROU-SE NAS EXPERIÊNCIAS DAS SUAS CAÇADAS NAQUELE CONTINENTE - E, EM MIGUEL TORGA, ALÉM DO "CAÇADOR", NOS "NOVOS CONTOS DA MONTANHA", RESPIRA-SE MUITO ENVOLVIMENTO E ATMOSFERA NA SUA OBRA LITERÁRIA, EXTRAÍDA DO SEU DOURO MARAVILHOSO , DE TRÁS-OS-MONTES E DE OUTRAS DEAMBULAÇÕES PELA BEIRA TRANSMONTANA. DESCONHECÍAMOS, NO ENTANTO, QUE O MONTE DOS TAMBORES, NÃO LHE ERA ESTRANHO.



O autor de “Os Bichos”, da "Criação do Mundo", "Um Reino Maravilhoso", entre outros títulos, gostava de andar pelos vales, subir e descer os penhascos e embrenhar-se pelas giestas e outros matos: quer no tempo da caça quer no defeso. “Algumas vezes, nos montes da sua região. Quando ali trabalhava, chegava da caça e dava consulta com a roupa com sangue que trazia dos montes”- Lê-se na sua biografia. - E, pelos vistos, a mesma paixão levá-lo-ia a distanciar-se para outros redondezas – E a ter esta visão peculiar das pessoas e destas terras: “A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Montalegre, de Vinhais a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Freixo, de Freixo à Barca de Alva, da Barca à Régua e da Régua novamente a Vila Real, mas a que pertencem Foz Côa, Meda, Moimenta e Lamego - toda a vertente esquerda do Doiro até aos contrafortes do Montemuro, carne administrativamente enxertada num corpo alheio, que através do Côa, do Távora, do Torto, do Varosa e do Balsemão desagua na grande veia cava materna as lágrimas do exílio.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.”. Miguel Torga - Wikipédia.



ERA UMA VEZ

. "Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.
Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!..."



Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?
Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.
A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.
Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.
Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Coimbra, 10 de Fevereiro de 1993

REQUIEM POR MIM

Aproxima.se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir ao encontro do mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio

Miguel Torga, Diário, XVI

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