Narrativa policial, de autoria de Paula Teixeira de Queiroz, com histórias atrás de histórias, envolvendo as mais diferentes personagens, Uma das surpresas literárias de 2013 e ainda uma sugestiva leitura para 2014.


É uma mulher afável e cativante às primeiras palavras. A sensibilidade e a inteligência, nunca se elevam à sobranceria. Agora, casualmente, voltei a encontrá-la na FNAC do Chiado - Pois, ao relançar um olhar para o auditório-café, apercebi-me de um rosto que me não era desconhecido. Com um pouco mais de atenção, é justamente a escritora que, esboçando um sorriso, me desfaz as dúvidas. Assisto ao resto da sessão e com muito gosto.
Não deixe de ler uma obra sedutora e bem escrita e estruturada, distinguida com o Prémio Literário Aldónio Gomes, atribuído pela Universidade de Aveiro (UA), "É um romance em que o leitor vai tendo várias linhas que vão seguindo em paralelo, que aparentemente nada têm haver umas com as outras, mas que no final se encontram e surpreendem o leitor -- Disse Guilherme de Oliveira Martins

DÚVIDAS

Ela bem ouvia as
histórias dos amigos. Não eram para ela ouvir, mas não tinha culpa de que se
pusessem a conversar no jardim mesmo por baixo da janela do seu quarto.
A Lena, que sabia sempre tudo porque falava sempre com as
empregadas dos outros quando as ia buscar à escola, dizia que elas tinham muita
sorte por os pais serem como eram. Mas punha sempre ênfase no pai. A Luisinha
desconfiava que a Lena tinha um fraquinho pelo pai. Derretia-se toda quando ele
brincava com ela, até corava! Mas ela sabia – todos sabiam – que o pai só tinha
olhos para a mãe: Afonso e Anna, o casal indestrutível. E pôs-se a pensar na
Lena: como é que ela estaria? Encontrar-se-ia na aldeia, em Grade? A Lena dizia
que lá na aldeia não era como em Cascais, as mulheres tinham respeito aos
maridos, até apanhavam se fosse preciso. E calavam-se, tinham medo. Contou que,
uma certa vez, uma mulher de lá tinha apanhado
uma tareia tão grande que foi preciso cozer-lhe a orelha. O marido vinha
sempre com os copos, e quando lhe respondia ele ainda ficava mais furioso e
batia-lhe mais. E ela, depois de tanta tareia, fugiu-lhe e foi para França. O
homem, abandonado, matou-se com um tiro de caçadeira. Foi a vergonha de ser
abandonado, dizia a Lena. E os filhos? Foram levados por uma assistente social para um lar de
crianças e, mais tarde, a mãe veio busca-los. Também lhe parecia que não eram
conversas para a idade dela… mas ela adorava ouvir e prometia que não contava
aos pais. A Lena tinha saudades da sua aldeia minhota, ela sabia, e deixava-a
falar.
Todos confiavam muito
nela, porque seria? Só tinha treze anos!
Também não percebia porque é que os homens batiam nas mulheres! Por serem fisicamente mais fortes? Lá no colégio, os rapazes tinham também a mania de correr atrás delas, levantar-lhes as saias e bater-lhes. Começavam a gritar e aparecia a irmã Graça que os punha de castigo. Elas nem sequer faziam nada além de rirem por tudo e por nada. Mas eles gostavam de mostrar que eram superiores, e aos outros, os que não batiam, chamavam-lhe “mariquinhas”. E o curioso é que as raparigas apaixonavam-se pelos maus. Até ela, muito secretamente, gostava que se metessem com ela! Havia qualquer coisa de errado nos dois sexos, tanto nas crianças como nos adultos. Tinha de falar com alguém. Tentou falar com a Constança, a sua melhor amiga, mas ela não percebeu nada. Talvez quando o pai voltasse pudessem conversar. Com a mãe.. hum, até resolverem aquela situação, não queria conversas íntimas . Estava zangada com ela. - Excerto
GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS FEZ APRESENTAÇÃO DA OBRA NA FNAC DO CHIADO, EM LISBOA
"É um romance em que o leitor vai tendo várias linhas que vão seguindo em paralelo, que aparentemente nada têm a ver com as outras mas que acabam por se encontrar num epílogo "– Diz Guilherme d' Oliveira Martins, na sessão do lançamento com que a FNAC quis distinguir as obras mais recomendáveis na quadra natalícia

Nessa sessão, o livro de Paula Teixeira Queiroz, mereceu igualmente os melhores elogios. De acordo com António Manuel Ferreira, professor no DLC, este é um livro “estruturado como uma narrativa policial”, ou não fosse a autora admiradora de Agatha Christie. Isto reflete-se na facilidade com que se lê o livro, uma vez que se trata de um “narrativa de grande destreza e ritmo compulsivo”. “A autora sabe contar muito bem uma história num ritmo contagiante e viciante”, considera. Em contrapartida, “sendo um livro tão rápido e com um conjunto de personagens tão vasto, não se entra em profundidade nelas". “Existem nesta obra várias histórias à volta umas das outras, mas sem o aprofundamento típico dos romances”, afirma António Manuel Ferreira.
Além de muitas personagens, a autora apresenta em “A Bruxa de Grade” uma multiplicidade de espaços físicos, sociais e culturais, conseguindo mover-se com bastante à vontade nos diversos tipos de personagens que criou, focando desde as relações entre as pessoas, os espaços, passando por um mundo vasto onde vários países e locais se encontram.
Paula Teixeira de Queiroz nasceu em Arcos de Valdevez e vive em Lisboa. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, é advogada de profissão. Concluiu o curso de Tradução pelo Instituto Superior de Línguas e Administração - Lisboa e trabalhou com a Apimprensa - Associação Portuguesa de Imprensa, em Assuntos Europeus, representando os editores de jornais e revistas em Bruxelas junto da EMMA - European Magazine Media Association e ENPA - European Newspaper Publishers Association. Em 1996 realizou o curso de Desenho com o escultor Sebastião Quintino na Sociedade Nacional de Belas Artes. É ainda cronista em vários jornais.
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