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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Escritor Vergílio Ferreira - Nasceu há 98 anos, até que, sentindo o “Apelo da Noite” e do “Cântico Final” , despediu-se “Para Sempre” “Em Nome da Terra” aos 80 - “Há no fundo da linguagem um silêncio primordial. Os mudos sabem-no. A arte também” – E o antigo seminarista de “Manhã Submersa”, soube elevá-la à sublimidade da expressão


“Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão de ta fazerem vir ao de cima”


Vergílio Ferreira não era apenas o grande escritor mas o existencialista, o pensador. Deu-me o prazer de me receber várias vezes em sua casa – Algumas das quais no próprio dia do seu aniversário. É uma data que dificilmente me pode passar despercebida. Nasceu em Melo, no dia 28 de Janeiro, tendo como fundo a Serra da Estrela, ambiente e paisagem que iria moldar a sua personalidade e influenciar a sua vasta obra - Os seus romances, ensaios, diários e também  alguns poemas. "Este homem reuniu em si diversas facetas, a de filósofo e a de escritor, a de ensaísta, a de romancista e a de professor. Contudo, foi na escrita que mais se destacou, sendo dos intelectuais contemporâneos mais representativos. Toda a sua obra está impregnada de uma profunda preocupação ensaística. Vergílio Ferreira


Faleceu na sua casa de campo, em Fontanelas, no dia  1 de Março de 1966, pouco depois da hora do lanche. Quando a sua esposa (Regina Kasprzykowski) entrou na sala para ir buscar a chávena e bule, encontrou-o estendido de costas sobre o tapete no chão e com rosto voltado para a janela. Ele, que tanto interrogara a morte, pelos vistos, respondeu ao seu apelo da forma mais pacífica e tranquila.

"Das janelas abertas, a aragem passa leve pela casa toda, traz ainda dos recantos o odor das eras mortas. O silêncio pesa sobre a terra como um augúrio, a luz é intensa como uma treva. Olho-a deslumbrado até à cegueira, quase esquecido de  mim. A morte alastra à minha volta no silêncio, sob pelo meu corpo até aos meus olhos parados. Que é que quer dizer a vida e a vertigem do seu milagre? Onde se gera o espanto e o arrepio do seu alarme? Estou só, esvaziado de tudo. Ideias, projectos, e as súbitas revelações, e o mundo, e a visão original das coisas, a recuperação do ser de início mesmo depois de já sabidas, e o encantamento da beleza primordial onde estão? Só, na nulidade de mim, na frieza linear e vegetativa. E todavia , por vezes: que é que vai morrer de mim depois da morte?" -In "Para Sempre"


NÃO É PRECISO QUE OS OUTROS NOS DÊEM O AVISO PARA FAZERMOS O OBSÉQUIO DE NOS CHEGARMOS PARA LÁ. A GENTE SABE…





“Depois da morte não há nada” –    Eu já pensei que a morte era uma a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc  - Recordando um dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o prazer de me receber, várias vezes em sua casa e de me conceder várias entrevistas -  A que aqui, hoje recordo, teve como tema principal a questão da morte – Há vida para além da morte? – Entre outras perguntas  - Jorge Trabulo Marques 



 “Morte, podes vir. Está a porta aberta, podes. Deixa-me só arrumar uns problemas ainda em aberto mas em que não está o de existir. Realizado o possível do que, em retórica se chama o “sonho”, o impossível dele, que também lá está, valerá a pena que seja o de um paralítico? De um taralhoco? Morte, não faças cerimónia. Esgotei tudo, pode avançar. A energia de ser vivente, as relações viáveis com os outros, as ideias aproveitáveis que me bateram no sítio de serem e ficaram , e o mais, e o mais – tudo se cumpriu. Há um momento em que o invisível e o repentino nos toca ao de leve no ombro. É quando entre nós e a vida se impõe  o inesperado da estranheza, de um falar de línguas diferentes, um ver-se que a senha  de passe de nós para a nossa circunstância não nos dá um trânsito fácil  e normal. Cada idade traz consigo um todo em que se integra  e com ele avança pela vida. A nossa procura e o estar bem  com os da nossa idade é a procura de uma pátria comum com um sistema integrado de relações. Não é preciso que os outros nos dêem o aviso para fazermos o obséquio de nos chegarmos para lá. A gente sabe. Mesmo no olhar de distanciação que há no olhar respeitoso. É já o respeito que se tem pelo morto, para afastar o mau agoiro. Que distância enorme. Nos interesses imediatos, livros, formas de arte, ideias políticas, o modo de se ser em banalidade quotidiana. Nem já ninguém nos dá luta, dá-nos quanto muito o ridículo, quando não sabemos ocupar o nosso lugar. Ou quando sabemos e se é compreensivo, dão-nos apenas a boa educação. O ar que se respira, a ocupação do nosso espaço para o nosso trânsito intervalar ao  dos outros, o nosso hábito maníaco de existirmos, é  um benefício a que já não temos direito nenhum. O ser que somos e o que nele acumulámos são as nossas reservas  para irmos gastando. Mas a estranheza com que nos olham  reflui-nos a nós, à nossa solidão, ao impraticável de nós. Que se imagine um medievo reposto a viver. Mas o velho é isso em ameaça ou começo. A morte não é assim um flagelo, mas a retificação do que já foi decidido. A morte apenas subscreve o que já somos como excedentários. E há só que deixá-la rubricar à pressa o nosso destino, que tem mais que fazer. Morte, podes vir. Não faças cerimónia. Mas sê educada e não me maces muito.” – In Vergílio Ferreira – Pensar

“Morre em confiança, escriba meu irmão. Se triunfaste e te exaltaram, não há razão para pensares que o não serás pelos séculos. Se te diminuíram e foste incompreendido, não há razão  para o seres amanhã”



"Luar opalescente, lembro-me!Há uma beleza plácida, eu olho-a e tenho vontade de chorar" - In Estrela Polar - V.F



Sol bonito, deixa-te estar. Andaste estes dias todos na vadiagem nefelibata, vieste enfim. Não vás. Sol português, tens as tuas obrigações para com a nossa identidade nacional, não nos deixes à mercê  de um polícia  que nos pilhe  sem identificação. E ficas bem, deitado no tapete como um cão luminoso” 



domingo, 26 de janeiro de 2014

Expresso no Largo da Misericórdia – A última boa tertúlia dos cafés de Lisboa: de Herberto Hélder, Sebastião Alba, Manuel da Fonseca, Luís Pignatell, António Assunção, Baptista Bastos, Firmino Mendes, Pepe, Júlio Pinto; Janita e o Vitorino Salomé – poetas, atores, escritores, jornalistas ou simples cidadãos anónimos – Além do Snack-Bar Expresso, da Trindade Coelho, só o Botequim, no Largo da Graça de Natália Correia – Este noturno e pela madrugada, aquele mais diurno e pela tarde.


Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Poetas Fermino Mendes e Sebastião Alva (já falecido) mais atentosn à fotografia

Foi junto ao Balcão do Snack-Bar Expresso, que, pela primeira vez, tive ocasião de falar com Herberto Hélder e Manuel da Fonseca. Já lá vão uns anos mas tenho esse agradável encontro ainda bem presente na memória – Mas o tempo muda muita coisa e, também, nem  o ambiente, nem quem o frequentava, é o mesmo – Além de que a  idade não perdoa –  Alguns, já nem vivos são.   Por outro lado, a nova lei do arrendamento urbano, veio dar uma enorme facada ao centro histórico lisboeta, e o Largo da Trindade, mais conhecido por Largo da Misericórdia, creio que também já sofreu o seu abalo "misericordioso" .  Livraria Olisipo com ordem de despejo Até porque Esta cidade não é para velhos ... Largo Trindade Coelho.


E QUEM HAVIA DE IMAGINAR QUE, SEBASTIÃO ALVA - SORRIDENTE NA IMAGEM ANOS 80 -, IA MORRER ATROPELADO E NA TRISTE CONDIÇÃO DE UM SEM ABRIGO E NA  MAIS EXTREMA POBREZA
"Sebastião Alba. Nascido em Braga, foi em Moçambique que se formou em jornalismo e se tornou num dos mais importantes poetas moçambicanos. Com uma vida repleta de peripécias, regressaria a Braga em 1985. Acabou como sem abrigo nas ruas da sua cidade, onde morreria em 2000, atropelado por um condutor que se pôs em fuga. Esta foto ilustrou uma entrevista que realizei para o Independente, em 1998. ao segundo dia de procura pelas ruas de Braga lá o encontramos, num dos cafés onde passava. quando morreu trazia consigo um papel dirigido ao seu irmão onde se lia: "se um dia encontrarem o teu irmão o espólio será fácil de verificar: dois sapatos, a roupa do corpo e alguns papeis que a policia não entenderá" dias de um fotógrafo: O poeta......Sebastião Alba 


DE JORNALISTA A PERSONAGEM DE AVENTURAS DO MAR





Ia à procura de histórias do  autor de Cerro Maior e Rosa dos Ventos (entre outras obras de contos, poesia e romances, natural de Santiago de Cacém)  para a Rádio Comercial e eu é que acabo por ter de contar as minhas aventuras do mar. 

Deparo-me com o poeta dos Passos em Volta e um pequeno mas animado grupo de intelectuais – Alguns dos presentes, já os conhecia e, inclusivamente,  entrevistado noutras circunstâncias – E também houve quem, conhecendo-me, não fosse de meias palavras: em vez de querer saber ao que ali me levava, com um pequeno gravador na mão (por razões profissionais), queria era que lhes falasse das minhas aventuras marítimas – ou, não haverá, nas veias de cada português, também um pouco de mar dos Lusíadas de Camões ou  da Mensagem de  Pessoa? – e dissesse, sem rodeios,  para que todos ouvissem: 



Aqui está o navegador solitário! O homem das Canoas, em São Tomé” – Isto, porque, além da RTP e do Século Ilustrado, Jornal  Novo, uns anos antes, o Diário Popular, tinha dado grande destaque às minhas odisseias nos mares do Golfo da Guiné, com a publicação de  vários artigos, no suplemento  do Sábado Popular – a cujas aventuras me refiro no meu sitehttp://www.odisseiasnosmares.com/2012/02/cao-grande-em-sao-tome-grande-escalada.html


 
Curiosamente, um dos notáveis tertulianos, que ali se mostrou mais interessado,  até foi Herberto Hélder - Eu creio que, mais tarde, ainda lhe cheguei a oferecer algumas fotos ou fotocópias de artigos.
  
Com a sua barba ruiva, ainda na casa dos cinquentas e poucos, mostrou-se, de facto, um ouvinte atento e muito afável. Agora acima dos 80, mas, segundo consta, nem por isso menos lúcido e pleno de verve poética.

Já me haviam dito que ele não gostava de dar entrevistas mas que era um excelente conversador. E lá tinha e tem as suas razões ..Herberto Helder (Não digam a ninguém)... "Meu Deus faz com que eu seja sempre um poeta obscuro .Por isso, também não quis enveredar  por essa via, preferindo o diálogo espontâneo e o do convívio. 

Não se pode querer tudo. Hemingway também não gostava de dar entrevistas. E, quando um fotógrafo, quis fotografá-lo, contra a sua vontade, não hesitou em atirar-lhe o uísque do copo à cara. E, sempre que ali o encontrei – nas várias vezes que passei a frequentar o “Expresso” para tomar um café, comer uma sopa ao balcão (muito boas, por sinal) ou uma refeição (económica)  na zona do restaurante,  aproveitava a oportunidade de dialogar mas, sobretudo, para ser mais um observador de que interveniente. A bem dizer, ali sentia-me mais na pele de jornalista de que o participante na  referida tertúlia. 


Esse duplo sentimento tive-o no Botequim da Natália Correia. Era outro género de tertúlia. No Bar Expresso, o convívio, era mais restrito e decorria, normalmente,  pela tarde a diante, confinando-se praticamente  ao balcão  ou junto às duas mesas da entrada, logo ali à  porta. Enquanto, que, no Largo da Graça, embora, em área geral, não fosse maior, havia mais espaço - Estava lá a Natália -Bastava a presença dela, com a sua corte de admiradoras e admiradores para dar outro fulgor e transformar, cada noite numa festa ou centro de  polémicas e controversas.  De resto, foi através de algumas sugestões da autora da Mátria, que acabaria  por fazer uma série de entrevistas para o semanário Tal & Qual, sobre a primeira relação sexual, nomeadamente, o pintor Carlos Botelho e Amália Rodrigues, entre outras figuras, a  que me refiro em: Natália Correia e "O Botequim da Liberdade" .....romance no sheraton lisboa hotel ea fuga da casa da amália

ESTE UM DOS MEUS REGISTOS NO BOTEQUIM


DÉCADA DE 80 – ANOS DE BOAS MEMÓRIAS



  De facto, os anos 80, constituem para mim, os anos dos meus encontros com os maiores nomes das artes e letras portuguesas – Mas não só: com personagens das mais diversas atividades, desde os mais sonantes nomes do crime, até aos mais ilustres poetas, escritores, músicos, atores, políticos, cantores – Gente anónima e mui diferenciada. Guardo, ainda, muito desses registos gravados em cassetes. Pena não ter feito também fotografias, salvo Vergílio Ferreira, Mário Cesariny, Lídia Jorge, Jorge Amado e António Ramos Rosa (pouco mais) porém, quando se trabalha numa estação de rádio (na então Rádio Comercial-RDP)  a preocupação principal do repórter é a do som. –  E essa faceta também me deu imenso  prazer. Tal como agora, quando  recordo as gravações. Bom, mas fiz algumas fotografias na tertúlia do Bar Expresso, duas das quais  aproveito para aqui editar.


Naquele dia não estava lá  Herberto Hélder ,Armando Baptista-Bastos   Manuel da Fonseca  António Assunção  Júlio Pinto Janita Salomé  Vitorino Salomé Luís Pignatelli  Zetho Cunha Gonçalves  - . Entre outros notáveis frequentadores mas estavam lá outros assíduos. Nomeadamente, os poetas Luís Carlos Patraquim  Firmino Mendes  Sebastião Alba   

(atualização) 
PÚBLICO - "O poeta Herberto Helder morreu, aos 84 anos, na segunda-feira em Cascais. O poeta que nasceu em 1930 no Funchal morreu em casa. As causas da morte não foram reveladas. Era considerado o maior poeta português da segunda metade do século XX. A cerimónia funebre realiza-se na quarta-feira e vai ser reservada à família, segundo comunicado da Porto Editora.Morreu o poeta Herberto Helder


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A Bruxa de Grade - Aliciante aventura literária policial, com 54 capítulos alucinantes, – Narrativa que se estende desde o campo à cidade, a países de vários continentes – Obra de Paula Teixeira de Queiroz, premiada em 2013 e que se recomenda ainda para 2014.



Narrativa policial, de autoria de Paula Teixeira  de Queiroz, com histórias atrás de histórias, envolvendo as mais diferentes personagens,  Uma das surpresas literárias de 2013 e ainda uma sugestiva leitura para 2014.





O primeiro contacto que tive com Paula Teixeira de Queiroz foi  na Feira do livro de 2013, a que me referi  noutro site  - Trocou a carreira de advocacia  pela de escritora. E creio que em boa hora o fez - Advogados já há muitos e bons escritores, contam-se pelos dedos.  Além de que, a experiência entretanto acumulada, a par do extraordinário talento que rapidamente revelou, vai, com certeza, enriquecer ainda mais a sua oficina de escrita.

 É uma mulher afável e cativante às primeiras palavras.  A sensibilidade e a inteligência, nunca se elevam à sobranceria. Agora, casualmente, voltei a encontrá-la na FNAC do Chiado - Pois, ao relançar um olhar para o auditório-café, apercebi-me de um rosto que me não era desconhecido. Com um pouco mais de atenção, é justamente a escritora que, esboçando um sorriso, me desfaz as dúvidas. Assisto ao resto da sessão e com muito gosto. 


No livro há apenas um capítulo dedicado à Bruxa de Grade, que serve de título à obra, “coisas  que a escritora foi buscar às raízes da  ancestralidade, da sua aldeia, contadas por pessoas que as presenciaram, mas há muitas histórias diabólicas e alucinantes.

Não deixe de ler uma obra sedutora e bem escrita e estruturada, distinguida com o Prémio Literário Aldónio Gomes, atribuído pela Universidade de Aveiro (UA), "É um romance em que o leitor vai tendo várias linhas que vão seguindo em paralelo, que aparentemente nada têm haver umas com as outras, mas que no final se encontram e surpreendem o leitor -- Disse Guilherme de Oliveira Martins





“Num quase policial, o assalto, um  tiro no aeroporto, o  beijo 2001,o segredo, a traição de Helena, a bruxa de Grade, saga do russo, uma menina ruiva, um terramoto, o jantar supressa, a zaragata, um intrujo na noite, a psicopata, prisioneiro, remorsos, a viagem, o gato e o rato, o ciúme,  o esquecimento, o exército,  uma cena indecente, o rescaldo, um encontro no elevador, mulheres em lágrimas, um grito pelo nordeste, os ratos, o velho das rouças, o Infante Sagres, Quo Vadis?,  a francesa diabólica, adeus Olinda, o que tens, mulher?, na prisão de Toronto,  a bofetada, renascer, rapto, final, epílogo mesmo” – Estes alguns dos 54 capítulos de  uma narrativa de 200 páginas, com uma personagem principal que, aparentemente, vive bem e não precisa de trabalhar. Mas, com o avançar das páginas, o leitor vai-se apercebendo que a realidade não é bem essa…



DÚVIDAS


(...) “A Luisinha estava com uma crise de identidade. Sofria sem a presença do pai. Conscientemente, de uma forma  racional. A Leonor manifestava-se através dos ataques de pânico pois era incapaz de racionalizar a situação.

Ela bem ouvia as histórias dos amigos. Não eram para ela ouvir, mas não tinha culpa de que se pusessem a conversar no jardim mesmo por baixo da janela do seu quarto.

Era cada cena! Aqueles tipos e tias pareciam mesmo malucos! Sentia-se uma privilegiada por o seu pai não descobrir que era gay e sair de casa para  viver com outro homem; por não conhecer uma brasileira na Internet e ter desaparecido de dia para a noite; por sua mãe não se apaixonar pelo irmão do pai e ter ido viver para os EUA com ele; por o pai não ter feito um desfalque no banco ou coisas do género e andar fugido à justiça; por a mãe não ter fugido com o professor  de equitação, vinte anos mais novo. Ui, que histórias! Quando o pai chegava de mais uma viagem sentava-se com a mãe no jardim, e a mãe contava-lhe o que se estava a passar entre o grupo de amigos e conhecidos. E ela, sem querer, ouvia, quando eles pensava que dormia. Seria uma menina má por isso? Não tinha mesmo culpa de ouvir.

Depois, os seus amigos eram confrontados no colégio pelos outros que também ouviam conversas que não deviam , e choravam . Não por ela, ela nunca tinha feito isso. Morreria de vergonha se soubesse que escutara conversas indevidas às escondidas, ou que fizesse algum amigo chorar por causa das coisas que os pais fizeram. Só pensava que tinha muita sorte por os pais serem tão felizes juntos. Quando o pai estava presente, claro. Se se viam naquela embrulhada toda era porque o pai estava a demorar mais do que o costume.

A Lena, que sabia  sempre tudo porque falava sempre com as empregadas dos outros quando as ia buscar à escola, dizia que elas tinham muita sorte por os pais serem como eram. Mas punha sempre ênfase no pai. A Luisinha desconfiava que a Lena tinha um fraquinho pelo pai. Derretia-se toda quando ele brincava com ela, até corava! Mas ela sabia – todos sabiam – que o pai só tinha olhos para a mãe: Afonso e Anna, o casal indestrutível. E pôs-se a pensar na Lena: como é que ela estaria? Encontrar-se-ia na aldeia, em Grade? A Lena dizia que lá na aldeia não era como em Cascais, as mulheres tinham respeito aos maridos, até apanhavam se fosse preciso. E calavam-se, tinham medo. Contou que, uma certa vez, uma mulher de lá tinha apanhado  uma tareia tão grande que foi preciso cozer-lhe a orelha. O marido vinha sempre com os copos, e quando lhe respondia ele ainda ficava mais furioso e batia-lhe mais. E ela, depois de tanta tareia, fugiu-lhe e foi para França. O homem, abandonado, matou-se com um tiro de caçadeira. Foi a vergonha de ser abandonado, dizia a Lena. E os filhos? Foram levados  por uma assistente social para um lar de crianças e, mais tarde, a mãe veio busca-los. Também lhe parecia que não eram conversas para a idade dela… mas ela adorava ouvir e prometia que não contava aos pais. A Lena tinha saudades da sua aldeia minhota, ela sabia, e deixava-a falar.

Todos confiavam muito nela, porque seria? Só tinha treze anos!



Também não percebia porque é que os homens batiam nas mulheres! Por serem fisicamente mais fortes? Lá no colégio, os rapazes tinham também a mania de correr atrás  delas, levantar-lhes as saias e bater-lhes. Começavam a gritar e aparecia a irmã Graça que os punha de castigo. Elas nem sequer faziam nada além de rirem por tudo e por nada. Mas eles gostavam de mostrar que  eram superiores, e aos outros, os que não batiam, chamavam-lhe “mariquinhas”. E o curioso é que as raparigas apaixonavam-se pelos maus. Até ela,  muito secretamente, gostava que se metessem com ela! Havia qualquer coisa de errado nos dois sexos, tanto nas crianças como nos adultos. Tinha de falar com alguém. Tentou falar com a Constança, a sua melhor amiga, mas ela não percebeu nada. Talvez quando o pai voltasse pudessem conversar. Com a mãe.. hum, até resolverem aquela situação, não queria conversas íntimas . Estava zangada com ela. - Excerto

GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS FEZ APRESENTAÇÃO DA OBRA NA FNAC DO CHIADO, EM LISBOA
"É um romance em que o leitor vai tendo várias linhas que vão seguindo em paralelo, que aparentemente nada têm a ver com as outras mas que acabam por se encontrar num epílogo "– Diz Guilherme d' Oliveira Martins, na sessão do lançamento com que a FNAC quis distinguir as obras mais recomendáveis  na quadra natalícia


"Para  Guilherme d'Oliveira Martins – " A Bruxa de Grade" é uma obra muito interessante, muito bem construída. Um romance moderno, muito importante, com bom domínio da palavra - Não é uma verdadeira bruxa que aqui está, porque, a autora, vai-nos encaminhando, progressivamente, para o epílogo mas no meio há uma grande surpresa -Temos as referências sociais da autora, que também é um óptimo código genético, uma vez que é bisneta do grande romancista português, Bento Moreno"



DISTINGUIDA NO DIA DO AUTOR PORTUGUÊS.

Nessa sessão, o livro de Paula Teixeira Queiroz, mereceu igualmente os melhores elogios. De acordo com António Manuel Ferreira, professor no DLC, este é um livro “estruturado como uma narrativa policial”, ou não fosse a autora admiradora de Agatha Christie. Isto reflete-se na facilidade com que se lê o livro, uma vez que se trata de um “narrativa de grande destreza e ritmo compulsivo”. “A autora sabe contar muito bem uma história num ritmo contagiante e viciante”, considera. Em contrapartida, “sendo um livro tão rápido e com um conjunto de personagens tão vasto, não se entra em profundidade nelas".  “Existem nesta obra várias histórias à volta umas das outras, mas sem o aprofundamento típico dos romances”, afirma António Manuel Ferreira.



Além de muitas personagens, a autora apresenta em “A Bruxa de Grade” uma multiplicidade de espaços físicos, sociais e culturais, conseguindo mover-se com bastante à vontade nos diversos tipos de personagens que criou, focando desde as relações entre as pessoas, os espaços, passando por um mundo vasto onde vários países e locais se encontram.

Paula Teixeira de Queiroz nasceu em Arcos de Valdevez e vive em Lisboa. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, é advogada de profissão. Concluiu o curso de Tradução pelo Instituto Superior de Línguas e Administração - Lisboa e trabalhou com a Apimprensa - Associação Portuguesa de Imprensa, em Assuntos Europeus, representando os editores de jornais e revistas em Bruxelas junto da EMMA - European Magazine Media Association e ENPA - European Newspaper Publishers Association. Em 1996 realizou o curso de Desenho com o escultor Sebastião Quintino na Sociedade Nacional de Belas Artes. É ainda cronista em vários jornais.

  Em 2010 publicou a sua primeira obra, “Contos do Destino e do Desatino”, na editora Opera Omnia, e em 2012 “Contos de Amor e Desamor”, na editora Animedições. Com a atribuição deste prémio, vai ver agora a sua terceira obra publicada. Em elaboração encontra-se já um quarto livro, a editar no próximo ano. Paula Teixeira de Queiroz vence Prémio Literário