Jorge Trabulo Marques
O poeta António Ramos Rosa – Prémio Pessoa 1988, considerado uma das maiores figuras da poesia portuguesa do século XX, morreu hoje aos 88 anos. O funeral do poeta realiza-se na quarta-feira para o cemitério dos Prazeres, em Lisboa.
(Excerto da cerimónia evocativa)
António Ramos Rosa, faleceu hoje mas os seus versos continuarão vivos. Homenageámo-lo ontem, na celebração do equinócio do Outono, com a leitura de dois seus belos poemas - Embora pressentindo que a sua saúde não deveria andar lá muito bem, pois foi a impressão que nos deixou quando o visitamos da última vez na Residência Mantero - Longe, no entanto, de imaginarmos que o seu coração se apagava lentamente e estava às portas da morte – Aqui fica pois a nossa homenagem, sincera e amiga – C
Escreveu expressamente meia dúzia de poemas para um livro com fotografias de minha autoria, com textos de Lídia Jorge, Oliveira Marques e José Andrade - A editora, a quem entreguei o espólio não tendo cumprido com os prazos, foi-lhe retirado, pelo que o livro não chegou ainda a ser editado. Ofereceu-me vários dos seus lindos desenhos, um dos quais que me dedicou, bem como um lindo poema a uma das minhas fotografias, que registei no Monte dos Tambores e outro também às aventuras que fiz pelos Mares do Golfo da Guine, tal como também a sua grande amiga e companheira de todos os momentos, Agripina Costa Marques, a quem expressei também o meu sincero pesar
(todas as imagens são do autor deste site)
A Festa do
Silêncio
Escuto na
palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.
O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.
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