António
Ramos Rosa foi hoje sepultado no Jazigo dos Escritores, no Cemitério dos
Prazeres. Ontem, na Capela do Rato, pelas 21.30 horas, teve lugar uma
celebração presidida pelo padre e poeta José Tolentino Bragança.
- Em viagem de comboio, ontem não me foi possível associar-me a tão comovente ato. Estava de regresso da minha aldeia, onde me desloquei para a celebração do Equinócio do Outono - e, por sinal, também para ser prestada uma singela homenagem ao autor do poema Estar Só é Estar no Íntimo do Mundo, sim, longe de imaginar que o estava lembrando em vésperas de sua despedia a caminho da eternidade
MORREU NUMA TARDE SOALHENTA DE OUTONO E
FOI A ENTERRAR NUMA MANHÃ BRUMOSA E DE CHUVA MIUDINHA, QUE PARECIA QUERER
FAZER TAMBÉM A VONTADE AO POETA DO SOL E DA ÁGUA
- Da luz que purifica e
sublima e da água que dá a seiva e fertiliza, a que não faltou o tom
amarelecido e nostálgico outonal das árvores de folha caduca, ante a frieza e a perenidade quase sideral dos ciprestes, como que
anunciando-nos um ciclo que acaba e outro que se renova e principia - E, no fundo, é isso o que nos
espera com a morte: o caminho para uma outra etapa. Creio que é,
certamente, o que terá pensado nos últimos momentos, o autor de "O Grito
Claro", "Viagem Através de uma Nebulosa", "Voz
Inicial", "Sobre o Rosto da Terra", "Ocupação do
Espaço", "Estou Vivo e Escrevo Sol", "A Construção do Corpo",
"Nos Seus Olhos de silêncio", "A Pedra Nua", Não Posso
Adiar o Coração"; "O Deus Nu(lo)"," Oásis Branco",
"Navio da Matéria" e "figuras Solares, entre tantos outros
livros de pendor universalista e extraterreno, profético e sobrenatural.
António Ramos Rosa, 1988 –
Poesia e entrevista – Chegou a ser proposto ao Prémio Nobel que chegou a
ser proposto pelo Pen Clube Português, com oito dezenas de livros de poesia.
“Estou vivo e escrevo sol” - Morreu o poeta mas continua viva a sua obra - Todos os dias há um pôr-do-sol mas também um amanhecer. António Ramos Rosa, o poeta da luz que continuamente se ergue das sombras - A luminosidade dos seus versos, continuará como o sol que se esconde mas nunca se apaga. Em cada poema descobrir-se-á, sempre, um raio de sol que nos anunciará uma renovada claridade.
Eram 10.30 da manhã, quando a urna de António Ramos Rosa, poeta, escritor, ensaísta, e desenhador, deixou a Capela do Rato para o Cemitério dos Prazeres. Ramos Rosa, autor de mais de meia centena de títulos, com colaborações diversas em revistas e jornais, nasceu em Faro, em 1924, completaria 89 anos no próximo dia 17 de Novembro, porém, desta vez, não pôde "adiar o coração", este só pôde "Respirar a sombra", traiu-o a "Dinâmica Subtil", vítima de pneumonia.Porventura, em demanda de "As Armas Imprecisas", do "Pólen do Silêncio" , "As Marcas do Deserto", "O Centro na Distância", de "Gravitações" e do "Incerto Exacto" - Distinguido com vários prémios nacionais e estrangeiros, nomeadamente o Grande Prémio de APE/CTT, Prémio Pessoa e o Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Anderson
"O DEUS AZUL" - SERÁ DONDE ELE AGORA NOS PASSOU A VER?
O DEUS AZUL
Há um deus que
fertiliza a polpa azul da sombra
e extenso no silêncio está como o olvido no olvido
Recolhe-se num
movimento para o centro
onde permanece
côncavo e completo.
Na sua enamorada
eternidade
o corpo é asa, pedra
e nuvem.
O mundo por vezes é
um instante de amêndoa
em que ele
transparece em carícias de regaço.
Movimento de plácida
e redonda consciência,
não a imagem mas a
visão nua do âmbito pleno,
em que estamos com
ele em sequência natural.
A sua vida é o sono
da luz e da sombra em aberta órbitra
sempre no seu próprio
círculo em sucessivas ondas
de sossegada
incandescência.
Ele está no mundo, o
mundo está nele
sempre como no
princípio num fulgor cumprido
na radiosa
concavidade azul
António Ramos Rosa – Do livro “Felicidade do Ar”
Embora das figuras, contemporâneas, mais marcantes da poesia portuguesa, António Ramos Rosa não era a vedeta das televisões. Também não era isso que pretendia. Refugiou-se no silêncio e quase numa vida conventual., sobretudo depois que a sua alma deixou "de dançar com os números" como o Funcionário Cansado de uma repartição e conclui que não podia. "adiar o amor para outro século", nem a sua vida nem o seu "grito de libertação".
Foram muitas as pessoas que estiveram no velório e no funeral, nomeadamente da vida cultural e política - Entre as quais, Macário Correia, em representação da terra natal do poeta - que assim quiseram prestar-lhe a última homenagem. Mais gente na Capela do Rato de que no cemitério. Aqui, a cerimónia fúnebre foi mais intimista. Além dos familiares, figuras conhecidas das artes e das letras, aqueles que mais de perto conviveram com a sua obra e admiravam a sua personalidade
EM SILÊNCIO, SEM DISCURSOS LAUDATÓRIOS,
POR CERTO TAMBÉM A VONTADE DO POETA - A leitura dos seus poemas foi feita
durante o velório, em Câmara ardente. Sim, aí a palavra não podia ficar
muda e as presenças cingidas apenas ao expectante e meramente formal - Mas, já
no cemitério, houve lugar para um discreto lançamento da
"tradução das manhãs", de Gisela Ramos Rosa - Pois, se o momento era de dor
e de luto, também era de profunda intimidade e reflexão - Ou não será a esses estados de alma que convida a serena paz morta dos cemitérios?!...
Um livro de Gisela Ramos Rosa - a sobrinha que gostava de estar presente nos momentos alegres do seu querido Tio ou quando pressentia que a tristeza ou desânimo se estampava no rosto do poeta - E, então, sobretudo, nos últimos dias de internamento hospitalar, lá estava a voz amiga a confortar a dor e a consciência de quem insistia e não deixar secar a verbe, a fonte dos mais belos versos, com a clareza dos astros.
"As palavras mais vãs são aquelas que habitam
o
livre arbítrio dos dias .
Afasto-as
do poema com a alma
por
haver um rio entre as muralhas
onde
os olhos se misturam com uma pronúncia muda.
Invoco
o oceano íntimo que trago no peito
percorrendo
as superfícies nuas.
Amo
o princípio evidente das coisas, dos seres
uma
pedra, a boca, a baga desigual
na
saliva dos homens dissolvendo os dias,
vou
encontrando a luz, palavra ou barca,
atravessando
o dia até ao lugar do visível,
por
detrás dos olhos, onde todas as águas se diluem
e
encontram
Gisela
Ramos Rosa
O DIA EM QUE ANTÓNIO RAMOS ROSA É TOMADO POR MENDIGO - NÃO É AUTORIZADO A URINAR NUM DOS CLUBES MAIS FINOS DE LISBOA
António Ramos Rosa confessara-me que tinha por vezes alguns problemas de incontinência. Um dia ao passar junto das instalações do American Club of Lisbon, sentindo-se apertado, procura ir à casa de banho mais próxima - Apercebe-se que há um bar e é para lá que se dirige - Mas não passa a soleira da porta - Cabeleira branca, ar um tanto ou quanto descuidado, sem gravata, é tomado por marginal e o porteiro não o deixa entrar - A que ele, em acto de desespero, contrapõe: "Então eu acabo de ser galardoado com o Prémio Pessoa e nem sequer sou autorizado a ir ao vosso urinol?!" Não vai de modas o zeloso porteiro: "Ponha-se daqui a mexer imediatamente se não chamo já a Polícia" O episódio foi-me narrado, por António Ramos Rosa, no próprio dia em que lhe ali lhe fecharam a porta. Mas agora, depois da sua morte, não admira, que, a hipocrisia ali recorde a sua memória. Claro que não podemos exigir a um porteiro que tenha cultura. Pois é, mas a vida tem destas contradições.
...Eis que entretanto o coração do poeta palpita de luz mas se apaga....
(Excerto da cerimónia evocativa no Equinócio do Outono)
Poderá ver o vídeo na íntegra em http://www.vida-e-tempos.com/2013/09/equinocio-do-outono-2013-festejado-hoje.html
Não é tarefa fácil transcrever os seus manuscritos
Tal como referi na postagem anterior, recebeu-me
várias vezes em sua casa: inicialmente por razões profissionais (como repórter
da Rádio Comercial), mas, depois, já como amigo. Tendo-me confiado vários
manuscritos para lhe passar a limpo, numa altura em que, os problemas de saúde,
lhe criaram algumas dificuldades em escrever à mão e à máquina - Que depois lhe eram devolvidos, juntamente com a transcrição, tendo, no entanto, feito questão de me oferecer alguns. Além disso
(conforme também já referi) teve a gentileza de escrever seis poemas para um
livro de fotografias de minha autoria, com colaborações da escritora Lídia
Jorge, do historiador Oliveira Marques e do sociólogo Pedro Andrade, que espero vir a editar.
INCOMPETÊNCIA E MERCENARISMO EDITORIAL
O projeto foi confiado à editora Vega, que
me perdeu os textos e os poemas. E a minha sorte é que me foi possível
socorrer-me dos originais e das cópias mas não aceitei a negligência e pedi as
imagens de volta. Isto também reflete um certo panorama editorial de certos editores que estão no oficio, mais à cata de cifrões e de subsídios (lá de fora
ou de cá dentro) de que por respeito às obras e aos autores que publicam.
Um dos principais responsáveis, formou outra editora mas dizem que não dá um
centavo ao autor: todavia, vai buscar fundos à EU - Edita 400 exemplares, 20 para o autor e tem que haver um
"copo d'água" para se fazerem umas fotografias e, depois, pelo menos uma
noticia no jornal para justificar o pedido. Enfim,
o mercenarismo encontra sempre formas expeditas de lançar a sua isca
e de se desenrascar.
Depois tentei a Livros Horizonte. Porém,
não tendo cumprido com os prazos, após meia dúzia de anos, pedi-lhe a
devolução dos trabalhos. Depois disso, apresentei o projeto aos CTT ,
acharam a ideia interessante e ficaram de me dar uma resposta. Também já
lá vão uns anos e não me disseram nada. Face a esse impasse,
não procurei novos contactos Em Agosto passado, abordei o assunto
ao meu amigo Alegre (em Foz Côa) para o imprimir na sua oficina e nos
responsabilizarmos pela edição. Gostou da ideia. Sim, talvez seja esta a única
solução. Na última Feira do Livro, em Lisboa, a escritora Lídia Jorge,
reconhecendo a importância da publicação, em que ela própria se havia
empenhado com um excelente texto, também quis saber em que pé
estava o livro - Claro, ainda por concretizar. Furando talvez o enguiço,
aproveito para editar um dos belos poemas de António Ramos Rosa - Veja o leitor
se não é mesmo um lindo poema de namorados, num fim de tarde nostálgico de
Outono - "Era o Veludo do Outono, voluptuosa melancolia" Bom, o poema
não tem propriamente um título mas é assim que começa - É lindo, lindo!... Daí
ter tomado essa liberdade. Tanto mais que estamos no Outono e António Ramos
Rosa faleceu no dia seguinte ao Equinócio.
num corpo cálido de melodioso recorte
com o odor das amêndoas do vento e com rasgos da elegância
Eu vi-a como se imaginasse mas não a imaginava
embora tudo nela fosse a indolência de um sonho
mas aproximei-me e cariciei-lhe levemente a face
como se os meus dedos fossem as linhas de uma aragem
e ela fosse túmida concentração dos elementos dispersos
e a sua ondulação o balanço de uma nave branca
Ela sorriu com o seu sorriso de melancolia
e foi ela que me abraçou com uma tensão de energia verde
porque recebia a exalação vegetal das ervas e das árvores
e projectava-as com a respiração e todo o seu corpo que agora me queria
Quando o sol declinando desceu até à sequência de um muro
ela despiu-se e entrou na água do rio. Poderia ser uma deusa
porque o seu esplendor era a maravilha de uma presença
como volume sugeria a resplandecente melodia da metamorfose de um Outono
António Ramos Rosa - 23-9-96