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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Chãs e Muxagata e outras freguesias - Lavoura -Tempo de vergar a espinha dos que não fazem greves selvagens e têm que ganhar o pão de cada dia

                                                                    Jorge Trabulo Marques 

Por ladeiras e socalcos dourienses da minha aldeia e de outras freguesias- Tempo de vergar a espinha dos que não fazem greves selvagens e têm que ganhar o pão de cada dia - E alguns ainda até rapazinhos. Com o suor do teu rosto comerás o teu pão, até que voltes ao solo, pois da terra foste formado; porque tu és pó e ao pó da terra retornarás!"

- Curvados obre a enxada, lavrando a terra ou apanhando as vides da vinha e não se reivindica – Recordando um Rosário de Sacrifícios, dos tempos em que, se trabalhava de sol a sol e quase por um côdea de Pão – Na minha adolescência, uma mulher ganhava 7$50 e um homem 15$00 - Mas nos tempo de hoje, a vida também não é fácil, sobretudo para quem não dependa do Estado. - Se bem que a generosidade do Estado, geralmente não privilegie quem mais se arrisca e esforce


Sim, com a chegada do Inverno, com as brancas geadas estendidas pelos campos, cavam-se as terras castanhas secas ou húmidas, pelo que se dobram vezes, sem conta as costas, puxando a enxada e cavando escavando ou lavrando a terra, num interminável compasso ao longo do dia

Por colinas de Muxagata,cavando, lavrando a vinha, o xisto,a terra! Ao suor do rosto, do pulso dos braços, com arado e a enxada! Sob o seio de claríssimas nuvens, irradiando divino fulgor, encanto! Suaves e íngremes ladeiras, sulcadas desde as mais remotas eras! Por hábeis artistas do Paleolítico, na Ribeira dos Piscos, até agora!

Douradas e lindas terras da minha avó materna, a Maria Morgado! Percorridas por rebanhos de gado, onde férteis hortas, havia! Desde os primores do belo tomate, ao repolho, à fava e à ervilha! Mas tudo é já memória do passado, pra saudade e tristeza minha! Resta o perfume da giesta, da amendoeira, do freixo e amieiro, do rosmaninho, sabugueiro, salgueiro, choupo, hortelã brava! Do cheiro da flor da oliveira, pereira, macieira e mato rasteiro! Assim como o belo canto da passarada, o trinado da cotovia, a inconfundível sonoridade da perdiz e do poético rouxinol do piar agourento do mocho, do corvo, do grifo e da águia ao soturno noitibó, quebrado pelo repetitivo rolhar mole da pomba nos pombais e o cantar adormecido da rola nos olivais. – Tudo isso ainda encanta os espaços! O teto místico e puro do ar!

sábado, 28 de outubro de 2023

Chãs- aldeia e seus penhascos de granito - As terras saudosas das minhas mais profundas raízes

Jorge Trabulo Marques - Peregrino-da-Luz

Chãs- Nos arredores da minha aldeia venerando o Altíssimo

com os pés descalços nos meus saudosos penhascos de granito – Sim, peregrino me confesso pelo musgo das queridas pedras

das minhas mais longínquas, puras e ancestrais raízes

Sob um céu de cinza e chuvoso, abandonei hoje o bulício da cidade

Vindo de novo peregrinar e abraçar meus amados penhascos

À hora que escrevo estas linhas, lá fora há frio e cerração de trevas

Mas no silêncio do interior do rés-do-chão da minha casa,

interiorizado na mais completa espiritual intimidade

e sob o teto escuro dos mais altos e longínquos céus

sinto-me tranquilo, no mais absoluto repouso

longe do confuso ruido mediático conspurcado

ouvindo  calorosos e divinos coros sagrados

  



Nos Correios de Chãs- Foz Côa - Lena Pereira –Exemplar percurso profissional e artístico de vida - 36 anos solitária à frente dos correios da aldeia -

                         Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Video com entrevista


A sua enorme paixão pelas flores e bordados, o seu inato gosto pelo desenho, pela arte Naïf, fez descobrir, em Lena, dotes artísticos que não imaginava possuir. E também a terapia para ocupar o tempo livre, amenizar a solidão e curar uma pequena depressão, que chegou a ter numa certa fase da sua vida. E, através desta sua descoberta, poder ser ainda mais útil a quem a procura para dela receber uma palavra amiga de reconforto 

Nos seus 26 anos, que já leva ao serviço da Estação dos Correios,  26 dos quais a desempenhar também o trabalho de  Carteira: -  a ter também que palmilhar as ruas e calçadas para deixar a correspondência nas caixas da residência de cada família, em mão pessoal ou debaixo da porta. -Ou mesmo ter que ali voltar mais vezes se não houvesse outra forma de a deixar e ter a certeza que seria recebida.

É pois esta a impressão que recolhi de mais este casual diálogo com a minha conterrânea, cujo marido, desde há muitos anos, faz constantes viagens de Portugal a França, levando e trazendo emigrantes e as suas famílias, fazendo de cada longa viagem, também um grande e penoso desafio – Direi mesmo, mais de que o oficio de motorista, um verdadeiro sacerdócio, misto de generosidade e paixão.  Sem dúvida, um casal exemplar, trabalhador e amigo do povo da sua aldeia, solidário e dedicado ao seu torrão natal. Daí merecer, pois, toda a aminha estima e admiração. Os meu abraço de parabéns pelo seu aniversário comemorado neste 26 de Outubro.      

A sua enorme paixão pelas flores e bordados, o seu inato gosto pelo desenho, pela arte Naïf, fê-la descobrir dotes artísticos que não imagina possuir. E também a terapia para ocupar o tempo livre, amenizar a solidão e curar uma pequena depressão, que chegou a ter numa certa fase da sua vida. E, através desta sua descoberta, poder ser ainda mais útil a quem a procura para dela receber uma palavra amiga de reconforto.

O seu primeiro emprego foi em Lisboa. Que abandonou numa altura em que o seu pai faleceu para vir dar apoio e carinho a sua mãe. E foi então que passou a trabalhar nos correios. Onde também andou a distribuir o correio de porta em porta, durante 26 anos

Sendo também seu conterrâneo, é, pois, com muito agrado e renovado prazer que aqui recordo o registo do amável diálogo que partilhámos juntos ao balcão do interior do edifício da Estação dos Correios, construído em 1955-56, pela junta de freguesia sob a presidência de Joaquim Manuel Trabulo, meu saudoso tio, irmão de minha saudosa mãe   

No passado mês de Agosto, estando na aldeia a passar uns dias de repouso e de veraneio, ao deslocar-me ao adro da igreja, onde se situa aquele edifício, e sabendo já do seu excecional talento artístico, achei que era chegado o momento de saber como descobriu a sua faceta artística, tão surpreendentes dotes – Isto, porque, a outra, a profundamente generosa, solidária e humanista, tanto no seu oficio como na vida social e religiosa, em toda a aldeia é sobejamente reconhecida e admirada.

E lá a encontrei junto ao balcão, que, desde segunda a sexta, é o seu habitual pouso, seu posto de trabalho, desde há mais de três décadas, enfeitado com os garrafões, garrafas e frascos que pinta ramalhados de lindas flores, que é um regalo admirar e ter como enfeite em qualquer lar  Confessou-me que descobriu o seu jeito pela pintura por um mero acaso. Por via do seu gosto das flores, pelo desenho e pelos bordados 

– Diz ter começado a pintar por uma pequena brincadeira, pois tudo o que aprendeu no uso dos seus pincéis foi, instintivamente, através da sua própria descoberta, visto não ter tido qualquer curso artístico: - é simplesmente uma autodidata, que desenvolveu a sensibilidade artística, através da grande paixão que lhe infunde a beleza das flores, que depois transporta para antigos garrafões, fora de uso e de vulgares frascos de vidros que traz de casa ou que vai encontrar no caixote do lixo e os aproveita, até porque, ao lado do edifício dos correios, encontram-se alguns desses contentores.


OS CORREIOS NAS ALDEIAS - Acabam por ser também centros sociais de solidariedade, de amizade, de informação e de convívio

As aldeias vão-se despovoando, as velhas mercearias e os fornos comunitários desapareceram e o abastecimento dos produtos alimentares é feito por vendedores ambulantes – Resta um ou outro café e a velha estação dos correios – Edifício este, que, nenhum dos escassos habitantes, mesmo que não seja para levantar correio ou lá deixar uma carta ou fazer um telefonema, nem por isso, uma vez ou outra, deixará de ali entrar para ter uns momentos de convívio com a mulher mais bem informada das vidas pessoais de toda a aldeia: dos que emigram e dos que ficam ou partem para a eternidade. 

 Com as escolas fechadas, associações extintas, que mais existe de serviço público nas aldeias?... Senão a antiga estação dos correios? - Além do lar de idosos, com as suas cozinhas e centros de dia, o edifício da junta de freguesia ou a residência paroquial. 

E tem sido graças ao suporte autárquico, que se vão mantendo – Isto, porque, depois da venda da fatia de leão dos CTT à gula privatizada, quem teve de suportar as estações não lucrativas passaram a ser as autarquias - Onde o serviço, apesar de tudo, é mais eficiente e sociável. Enquanto, segundo noticias, no sector privatizado “Os Correios de Portugal são uma das empresas nacionais com mais reclamações” 

Na verdade, toda a gente, desde o fundo do povo ao alto da praça da capela, por todas as ruas, quelhas, avenidas e estradas por onde se estende a aldeia, conhece a sua profunda disponibilidade e entrega para com a família e o próximo . 


O gosto amável e carinhoso em dialogar com todas as pessoas que se dirijam junto ao seu balcão, seja de que idade forem, mas sobretudo com os mais idosos, alguns dos quais longe dos seus queridos filhos, emigrados em França ou noutras paragens, ruídos pela saudade, que só os podem abraçar durante o curto período de férias do pino do Verão, quando regressam ao torrão natal: a todos os rostos que a procuram, a Lena tem sempre uma palavra amiga de reconforto, de terapia e de solidariedade. 


A ARTE DÁ SENTIDO À VIDA – Seja ela qual for - Desde que exercida com talento, paixão e amor  De facto, a arte da pintura artística é também uma boa terapia para elevar o espírito, o transcender e amenizar a solidão e, em cada artista, além do que a observação e a experiência pessoal da sua vida, lhe transmita e possa em si reconhecer, há também outros aspetos inatos ou do domínio do subconsciente que lhe poderão escapar, antecedentes que ignore mas que felizes ou furtuitos acasos da vida, vêm a revelar. É o caso de Helena. 

Em tudo na vida há sinais de mistérios que palpitam, tal como as nossas pulsações ou batidas do coração mas, que, mais das vezes, deles não nos apercebemos conscientemente ou transcendem a nossa compreensão. E arte da pintura artística é também uma boa terapia para elevar o espírito, o transcender e amenizar a solidão. E, em cada artista, além do que a observação e a experiência pessoal da sua vida, lhe transmita e possa em si reconhecer, há também outros aspetos inatos, tesouros ocultos do domínio do subconsciente que lhe poderão escapar, antecedentes que ignore. 

Sim, há que aproveitar o milagre da vida e dos sentidos, antes que esta nos possa escapar. No caso, de Helena Maria, pelos vistos, estão no íntimo do seu coração, na riqueza da sua alma, espantosas virtudes que não alcançam a fama dos que através dela são privilegiados a se alcandorar às manchetes dos jornais ou imagens televisivas, no entanto, persiste uma beleza de simplicidade que não passa despercebida a um atento observador. 

É pois esta a impressão que recolhi de mais este casual diálogo com a minha conterrânea, cujo marido, desde há muitos anos, faz constantes viagens de Portugal a França, levando e trazendo emigrantes e as suas famílias, fazendo de cada longa viagem, também um grande e penoso desafio – Direi mesmo, mais de que o oficio de motorista, um verdadeiro sacerdócio, misto de generosidade e paixão. Sem dúvida, um casal exemplar, trabalhador e amigo do povo da sua aldeia, solidário e dedicado ao seu torrão natal. Daí merecer, pois, toda a aminha estima e admiração. Os meu abraço de parabéns pelo seu aniversário comemorado neste 26 de Outubro.


domingo, 22 de outubro de 2023

Algures perdido no imenso Golfo da Guiné... - 22-10-1975 - 2º dia dos 38 a percorrer à deriva numa canoa...Não sei para onde vou. . . Impossível pedir qualquer socorro!...Eu neste momento sou um náufrago..! Só me resta contar com a sorte... Ou com à Providencia Divina! -

Jorge Trabulo Marques - Navegador solitário nas canoas de S. Tomé: 1ªde S. Tomé ao Príncipe - 3 dias;2ª  de S. Tomé à Nigéria 13; 3ª De Ano Bom a Bioko 38 dias, além da capital  a Anambô, o primeiro teste  - Este é o segundo dia do meu drama marítimo, vivido há 48 anos, com mais 36 dias ainda pela frente  - Aqui lhe recordo com passagens do meu diário gravado e de algumas imagens da modesta máquina fotográfica que pude guardar no interior de um vulgar caixote do lixo - de plástico.                                              


Vou ao sabor das tempestades ou das calmarias. Seja nas mais cerradas trevas da noite ou da mais escaldante luz equatorial do dia . Ladeado pela barbatana em riste da presença de constantes tubarões e à flor da superfície de um tumultuoso e abissal sorvedouro sem margens a perder-se-me de vista pelo diluído círculo em meu redor

Vou para onde à canoa quiser. Isto é, vou para onde o mar e os ventos me levarem...” -Todavia, cruzar os braços, isso nunca!.. Sim, porque a esperança, para mim, seria a última coisa a morrer.

Diário "Encontro-me neste momento, algures... pelo imenso Golfo da Guiné...Não tenho leme para orientar a minha canoa no meio de um mar agitado, bastante ameaçador!". - Sim, do leme que lhe adaptei na popa, que saltara com a vaga que invadira a canoa na tempestade e também desprovido do único remo que trazia a bordo e, navegar com o remo que improvisei, é muito difícil e penoso.

"Não sei para onde vou... Possivelmente para o Gabão... Pois, para S. Tomé, não vejo qualquer hipótese...

"Governar um canoa sem remo (perdi-o na noite da tempestade) Estou à mercê de todas as contingências... Espero, todavia, chegar à lugar seguro.

Esperar!...Sim, esperar!...Restava-me saber esperar!... Ah! e saber esperar, numa incerteza tao grande, quão difícil me era, meu Deus!... " -

Mesmo assim, estas as palavras possíveis, no meu diário gravado (protegido num contentor de plástico, igual aos do lixo com a máquina fotográfica) depois de uma noite bem longa e tormentosa e de uma manhã e parte da tarde, não menos agitadas, chuvosas e sombrias.

Embora já um pouco recomposto daquelas horas dramáticas da noite da tempestade, sentia-me, no entanto, numa espécie de profundo abandono, de algum torpor, se bem que enlevado num misto de serenidade, de fé e de confiança.

Deitado no fundo da canoa, com o dia quase a finar-se, o sol a espalhar alguns raios de ouro sobre o azul escuro das águas, calma e pausadamente, por fim, lá ganhei então mais coragem, desprendendo-me do profundo silêncio e mutismo, em que vinha, a que me remetera, e comecei então por falar para o pequeno gravador, umas escassas palavras, que , de ora avante , me iria servir de mudo confidente ao longo das boas e mais horas.

E, para trás, ficavam, pois, momentos bem difíceis, de que eu não me esqueceria de recordar.

Diário " -Ao fim de doze horas de bom velejamento, acontece o mau tempo!... Surge um tornado!... Tenho necessidade de fazer algumas manobras melindrosas. ...Nesse entretempo perco o leme ... E a partir daí fico completamente a deriva!....No meio de um mar agitadíssimo!...

Pensei a todo o momento que à canoa se voltaria, que eu já não tinha qualquer hipótese de salvação!... Mas eu não perdi à calma!... Não perdi à esperança e fui remediando à situação da maneira que me era possível… De imediato procurei arranjar um pequeno salva-vidas, construído com umas travessas de madeira, que retirei do fundo da canoa, e um colchão pneumático.

Eu sabia que isso não me chegava, mas a canoa, voltada, também não me oferecia quaisquer condições de salvação...

Foi uma noite ventosa, pesada e muito triste...

Apesar disso, da situação ser muito dura e melindrosa, nem um murmúrio. . .nem uma palavra balbuciei!… Mantive à serenidade!...

E aqui me encontro, já ao fim da tarde deste dia, depois de um dia...vagueando à deriva... vagueando sem rumo!"

Impossível parar, voltar para trás ou pedir qualquer socorro. Comunicar com um barco, com um porto, com o mundo exterior, só se fosse em pensamento: quanto muito, podia ouvir qualquer estacão de rádio, de S. Tomé ou de um país da vizinha costa africana, através de um modesto transístor de pilhas - mas tal possibilidade, de momento, era coisa em que nem sequer pensava.

E, afinal, para quê ouvir vozes de um mundo do qual, de algum modo, me julgava já não pertencer!...Na verdade, era ainda muito cedo para ganhar tal disposição.

Todavia, cruzar os braços, isso nunca, era coisa à que não me rendia. Sim, porque a esperança, para mim, seria a última coisa a morrer.

Diário - "Fiz aqui uma serie de improvisações para tentar remediar a situação, mas de maneira alguma chegam para colmatar a falta do leme. Eu sem leme (que lhe adaptei sem remo) não posso navegar, não posso velejar, não posso dar rumo à canoa. Ando aqui ao sabor dos ventos!...Ao sabor das correntes!

Não vejo absolutamente ninguém em meu redor… Só vejo mar! Um mar profundo, azul! Um azul escuro!

O céu mais ou menos descoberto, com algumas partes muito nublado… Há um silêncio!...Apenas se ouve o murmúrio das vagas...

Parece-me que tal...que tais impressões apenas se podem ouvir, se podem aperceber numa situação como à minha…

Eu neste momento sou um náufrago! Um autêntico náufrago!... Já não tenho domínio de mim...Vou para onde à canoa quiser...Isto é, vou para onde o mar e os ventos me levarem...”

A canoa "São Tome - Yon Gato" - nome em homenagem a um dos primeiros heróis da resistência colonial) a bem dizer, era mais um madeiro ou destroço como os demais que de vez em aquando avistava à superfície das vagas. O seu curso era agora simplesmente o dos ventos e das correntes. É nesse incerto rumo, nessa dolorosa espera… Só me restava contar com à sorte... Ou com à Providencia Divina.

Não sabia onde estava. Tinha à sensação de estar ali e ao mesmo tempo em parte alguma.... Longe do mundo a que pertencia, mas, tal existência, já não passava de um mero exercício de imaginação.

Era, pois, um náufrago, e eu já me apercebera disso. Claramente, nitidamente.... Tinha a perfeita consciência do meu grande abandono.

Diário - “O mar ameaça a cada momento tragar à minha canoa! Todavia, eu mantenho a minha serenidade!....Eu acho que um náufrago… deve, acima de tudo, nunca perder as esperanças!

Eu fiz tudo que pude e tinha de fazer, sem me precipitar… A situação tem sido muito melindrosa, bastante. Oxalá eu chegue à bom destino. . .

O vento começa a soprar agora com mais intensidade... ouve-se o murmúrio das vagas... há um silêncio... Uma solidão!... Apenas entrecortada pelo marulhar das vagas.  

São os elementos da natureza em fúria... O vento…O mar!...

Sinto ao mesmo tempo uma sensação de abandono, de esquecimento!... Ninguém sabe onde estou... Talvez todos me julguem à caminho do Brasil... Mas eu estou aqui perdido neste vasto Golfo da Guiné… Perdido!... Entregue ao meu próprio destino!...

Se a canoa se virar, ninguém me pode valer. . . Ninguém!

Os tubarões de vez em quando volteiam em meu redor…

Esta canoa não se apresenta muito bem concebida; além de deixar entrar a água, não tem estabilidade nenhuma… Eu se tentasse à travessia com esta canoa, estou certo que não chegaria ao fim!... Balanceia bastante!... Pelos vistos em questões de canoa, desta vez tive pouca sorte.

Espero que esta gravação um dia venha à ser ouvida… Espero que sim... .Espero.. Tenho muita esperança...

Não sei o que mais dizer... Estou aqui, dentro de um espaço estreitíssimo, todo em desordem… Onde se respira uma autêntica anarquia… Onde há odores até desagradáveis devido a restos de comida que se espalharam... (e até das necessidades que não pude verter borda fora) .... E há um contraste!.... Entre o espaço que me limita e o espaço que me rodeia... Um verdadeiro contraste!..."

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Ser livre e abraçar harmonia da Natura e desejar a Paz na Terra e não a suja guerra!... Abraçar ou ajoelhar ao puríssimo ar como o pintalgar de um passarinho!

                             Jorge Trabulo Marque - Pelos trilhos e caminhos do peregrino da Luz



Ser livre e abraçar o elo e harmonia da Natureza, purificada de pureza por um céu azul. infinito e cristalino, desejar a Paz na Terra e não a suja e destrutiva guerra!... Abraçar, ajoelhar ou peregrinar liberto e solto sob o mais amplo e puro teto por pedras e penhascos, como o pintalgar de um passarinho! Em qualquer hora do ano ou do dia. Livre e desprendido de tudo!... Livre dos conflitos, das intrigas, dos ódios e julgamentos do Mundo! ... Este é o meu retiro predileto, o lugar eleito das minhas fugas da cidade para o campo, onde peregrino, sempre que posso, nos meus devaneios espirituais. Para onde me dirijo, livre como um passarinho, na persistente ânsia de procurar transformar-me no patamar mais sublime e divino.



Pois é aqui, nos arredores da minha aldeia, ante a vasta linha destes largos horizontes, que eu sinto, bem presente, a seiva e o vibrar da minha identidade, a suave harmonia das minhas raízes, o genuíno pulsar da minha origem, desde o seu lado mais ancestral até ao mais próximo.

Porém, mais de que o torrão que me viu nascer, o que aqui revejo e descubro, a cada passo, sob a arcada infinita dos céus, é a visão de um lugar sagrado, cenário eminentemente espiritual, que convida à contemplação e à purificação do corpo e da alma - À inexplicável perceção de quem tem o privilégio de pressentir ou de escutar um hino de serenidade e de louvor a Deus!

terça-feira, 17 de outubro de 2023

POETA ANTÓNIO RAMOS ROSA - Nasceu há 99 anos, 17 -1-1924 . - Lendo um belo poema de sua autoria

                                                           Jorge Trabulo Marques - Jornalista 

Meu tributo ao saudoso poeta e meu bom amigo, ensaísta, escritor e tradutor, autor de cerca de 80 livros de poesia. Participou em inúmeras antologias e compilações. Em 1988, venceu o Prémio Pessoa, em 1989, o Grande Prémio de Poesia da APE, e, em 2005, o Prémio Sophia de Mello Breyner.


Poema lido pela sua voz
Poema dito por António Rosa , na altura em que recebeu o Prémio Pessoa – Deu-me a honra e o prazer de me receber, várias vezes em sua casa. As fotos do video são todas de minha autoria -

"
Não é muito fácil falar da minha poesia, porque, quem tem mais autoridade a fazê-lo, são os outros, os críticos, os escritores Mas eu também tenho uma visão de mim próprio, embora muitas vezes, não possa ser muito clara - - Palavras que pode ouvir neste video da entrevista que me concedeu

Considerado um dos melhores poetas portugueses contemporâneos, António Ramos Rosa, foi distinguido com inúmeros prémios e chegou a ser proposto, pelo Pen Clube Português. ao Prémio Nobel da Literatura. Mas, tal como ele reconheceu: “o prémio Nobel obedece, por vezes, a critérios que não são propriamente literários – Afirmação feita, alguns anos antes de José Saramago, ter recebido tão prestigiada distinção.

António Ramos Rosa , nasceu a 17 de Outubro, em Faro, e faleceu no dia 23 de Setembro, 2013 . - Não é muito fácil falar da minha poesia, porque, quem tem mais autoridade a fazê-lo, são os outros, os críticos, os escritores Mas eu também tenho uma visão de mim próprio, embora muitas vezes, não possa ser muito clara - O que dissemos da obra e da personalidade de António Ramos Rosa:


Foi militante do MUD (Movimento de União Democrática) e conheceu a prisão política. Trabalhou como tradutor e professor, tendo sido um dos diretores de revistas literárias como Árvore e Cassiopeia. O seu primeiro livro de poesia, O Grito Claro, foi publicado em 1958. A sua obra poética ultrapassa os cinquenta títulos. É ainda autor de ensaios, entre os quais se salienta A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979-1980). Em 1988 foi distinguido com o Prémio Pessoa. Faleceu em setembro de 2013.

Entrevistei, António Ramosa, pela primeira, quando esteve internado num Hospital, após o que me receberia várias vezes no seu lar e, mais tarde, no internamento da Residência Mantero, tendo-lhe transcrito vários poemas de rascunho ou mesmo gravados, que acabava de criar, a letra de imprensa pelo meu computador -Numa fase da sua vida, em que tinha dificuldade até de usar a sua máquina de escrever, confiando-me vários originais - Ele não escrevia em computador e tão pouco gostava de ouvir essa palavra - Pois, pelo que pude constatar, uma simples palavra de que gostasse, podia ser o ponto de partida para um poema - Tenho longos registos gravados com ele e até poemas - Foi realmente um privilégio ter convivido com um poeta de tão rara sensibilidade -

QUINTA DA ERVAMOIRA - A pérola de Chãs e de Muxagata - -Foz Côa - No seu esplendor e geometria outonal - No Vale do Côa, onde nasceu o meu avô paterno e bisavô, meu pai Manuel da Quinta e seus irmãos com o mesmo apelido


                                                Jorge Trabulo Marques - Jornalista

Antiga Quinta de Santa Maria , situa-se em pleno Parque Arqueológico do Vale do Côa, estendendo os seus 200 hectares pelas freguesias das Chãs e Muxagata, na margem esquerda deste rio, ladeada pelo quadrante noroeste pela mar

Porém, depois da plantação da vinha, passou apenas a constar no registo predial de um dos termos, no de Muxagata.. No entanto, os marcos que  fazem a delimitação, inserem a maior parte da sua superfície no termo de Chãs, cujo acesso e escoamento dos seus produtos tem sido feito por  caminhos desta freguesia .- E a lei até é bem clara quando  às definições do seu enquadramento.

Eu, próprio, Jorge Trabulo Marques, e meu primo, Joaquim Manuel Trabulo, autor do livro Por Veredas do Vale do Côa, em Outubro de 2000, apresentamos uma exposição acerca dos limites territoriais da Freguesia de Chãs, ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento, que nos deu parecer favorável, só que, depois não houve vontade política por parte da câmara municipal. 

As imagens foram fotografadas ainda no tempo da pelicula, já lá vão alguns anos  mas o cenário repete-se em cada inicio da estação  outonal, com os seus tons matizados de dourados esmaltes, que se espelham por toda a extensa geometria das vinhas, numa vasta e maravilhosa composição de encantamento romântico e nostálgico, naquela que é a concha mais larga do vale do Côa e que chegou a correr o risco de ser submersa, caso não tivessem sido descobertas as antiquíssimas gravuras em diferentes núcleos de placas de xisto.

Sim, grande parte desta quinta – a sua maior extensão – estaria hoje encoberta por uma enorme albufeira, porém, com a decisão da UNESCO de elevar as gravuras do Vale do Côa à categoria de Património da Humanidade, a Quinta de Ervamoira teve o privilégio de se converter na primeira quinta vinhateira a usufruir desse  título

Pessoalmente bati-me pela salvação do importantíssimo património arqueológico, mas, sobretudo. pela integridade do vale,  mesmo antes de sua descoberta, porque,  com a construção do projetado pântano, também iriam ficar submersas  muitas das minhas mais  recuadas e belas memórias  

Pois prendem-me  às margens e ao leito deste rio,  memórias inesquecíveis. um amor quase ilimitado - Por ali caminhei, muitas vezes, em criança, e até lá dormi umas quantas vezes, na casa da Quinta (hoje museu do sitio), no tempo das debulhas, que duravam várias semanas, ou quando o meu pai ali ia crestar os cortiços que lá tínhamos, junto à horta, uma herança do meu avô paterno, deixada a todos os filhos. A terra não era da família, mas ali perdurou, como rendeiros, durante mais de dois séculos.

ERVAMOIRA – NOME DE ERVA DANINHA E DO TITULO DE UM ROMANCE – Comprada pela Casa Ramos Pinto – Na fase pós 25 de Abril quando muitos proprietários se desfizeram das suas herdades, receando que fossem nacionalizadas

A antiga Quinta de Santa Maria, nome da imagem na capela que ali existia, era propriedade de duas irmãs e dos seus filhos, que detinham a herança desde há mais dois séculos, em cujas ladeiras apenas se faziam sementeiras de cereais. Foi comprada, na década de 70,  por José António Ramos Pinto Rosa,  herdeiro da linhagem da Casa Adriano Ramos-Pinto,  empresa de Vinho do Porto constituída em meados do século XIX

 Apelidou-a de Ervamoira - E o nome de Quinta de Santa Maria foi depois aproveitado para um restaurante de  provas dos vinhos  da mesma empresa., entre os quais se conta os vinhos das Duas Quintas e Barca Velha

O nome  foi transportado do romance de uma escritora francesa (de apelido Chantal), que chamou para título o nome de uma erva daninha, que, embora se debruce sobre questões ligadas à produção histórica do Vinho do Porto, na região demarcada do Douro, nada tem a ver com a o passado desta quinta e daqueles que a cultivaram ao longo de mais de duzentos nos, tendo-a convidado para apadrinhar o titulo do seu romance ao nome de mais uma das suas propriedades..

.A prioridade da compra caberia a um ramo da minha família, ou seja à minha primeira Aldina Marques e ao seu marido, José Sobral e filhos, que ali continuaram como caseiros, após o falecimento do meu tio Antoninho da Quinta, o mais velho dos irmãos, a  quem coube  a continuidade de caseiro, da  gestão e do cultivo da quinta.

José Sobral confessou-me que o cultivo dos cereais estava já em decadência, em vias de desaparecimento no concelho, por via da importação externa dos cerais e não esperava que as encostas pudessem vir a ser desbravadas para cultivo da vinha, pelo que apenas veio aceitar continuar como feitor da mesma.  

José António Ramos Pinto Rosas, convidou o sobrinho, João Nicolau de Almeida,  após a sua formação de Enologia em Dijon, na França, e, com a sua colaboração vai realmente revolucionar a produção de vinho de consumo e de vinho generoso, graças à  introdução de novos alinhamentos de valados e castas adaptadas ao solo e ao microclima de cada encosta ou colina da  Ervamoira e das  outras quintas que empresa fora adquirindo  ou que possuía no concelho de Foz Côa e na região do Douro. Afirmando-se como uma referência na região demarcada do douro,  como  vinhos como o da Barca Velha, entre outros. .

É recordado nas suas declarações, que, por volta dos anos 60, começou a projetar a ideia de uma quinta modelo. Teria de ser bela para lhe encher a alma de artista, mas igualmente moderna para acolher as inovações da ciência. Durante anos, olhou minuciosamente os mapas militares à procura desse lugar de destino. Um dia, decidiu visitar a encosta de Santa Maria e apercebeu-se de que  o lugar que procurava estava ali, no Douro Superior, a poucos quilômetros da fronteira com a Espanha.

Os herdeiros eram vários – filhos de duas irmãs – e viviam longe desta quinta, alguns dos quais em Lisboa. E  a compra não se afigurava fácil. Porém, com a revolução de Abril e a baldada reforma agrária.  gerou-se um ambiente  de apreensão e de  instabilidade nas grandes herdades, tanto nas alentejanas como na região do Douro. Os proprietários pensaram que poderiam ficar sem  o seu património  a favor do Estado e decidiram desfazer-se dele, receando perder tudo.

Foi também o que sucedeu à vizinha Quinta do Monte, outra propriedade de mais de 300 hectares, igualmente servida unicamente pelos caminhos da freguesia de Chas, tanto mais que havia a separa-las a Ribeira dos Piscos e sem qualquer tipo de ponte, propriedade de produção de vinha, olival e amêndoa,  distribuída igualmente pelas áreas dos dois termos de Muxagata e Chãs, mas que ficaria anexada somente a Muxagata, até porque era também a elite desta freguesia, com as suas encostas  dominadas por meia dúzia de famílias judaicas, às quais  viria juntar-se o chamado Padre Costa (dedicado à compra de uvas e  seu fabrico), que exerciam grande poder de influência na sede do  município

Enquanto em Chãs, antiga anexa de Longroiva, embora houvesse um membro da maçonaria, o maior proprietário da aldeia mas  estava mais voltado  em algara o seu domínio, apanhar propriedades de que  a pensar no coletivo da freguesia., tendo mesmo chegado a recrutar forças da GNR  para reprimir e prender um  certo número de pessoas por se terem ido manifestar junto à sua casa.

A Quinta do Monte era pertença da família Proença, também proprietários de dois dos mais belos solares da minha aldeia, Chãs e que, por herança, caberia  a um filho médico que residia na cidade do Porto. Acabou por ser vendida a um preço de saldo – Hoje o seu valor é indubitavelmente bem maior.  

 MUSEU DE SÍTIO DA ERVAMOIRA NA ROTA DO IMPÉRIO ROMANO - IMPORTANTE ACERVO HISTÓRICO DE DUAS DÉCADAS DE ESCAVAÇÕES.

 

       Conhecido hoje em todo o mundo pelo seu excecional conjunto de gravuras paleolíticas, o Vale do Côa apresenta igualmente importantes ocupações humanas de diversas épocas, nomeadamente do período romano e da Idade Média.

       Desde os anos trinta que vários estudiosos se haviam apercebido da importância arqueológica deste vale. Porém, só em 1984, quando um feliz acaso põe a descoberto um sarcófago medieval, numa pequena colina da Quinta da Ervamoira, sobranceira ao Côa que ia a ser surribada, é que, os proprietários, alertados para o achado, decidem contactar dois arqueólogos do Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia. Por isso, muito antes da famosa polémica gravuras-barragem se instalar, surge a primeira oportunidade científica de, nas margens deste rio, se começarem a desvendar alguns dos seus muitos e valiosos tesouros.

       No ano seguinte, em 1985, formam-se, então, os grupos de trabalhos sob a orientação do arqueólogo e professor universitário, Gonçalves Guimarães, o qual,  desde logo, rendido ao fascínio do lugar, acabaria por dar início a sucessivas campanhas de escavações, que não tardariam a desenterrar do silêncio, séculos e séculos de história, pondo a descoberto importantes vestígios de níveis romanos, tardo-romanos, paleocristãos, visigóticos e medievais.

       Segundo este investigador “ao longo de dois mil anos, por ali passaram  soldados, carreteiros, funcionários, almocreves, sacerdotes... romanos, visigodos, berberes, leoneses, portugueses... Os que iam permanecendo lavravam os campos, acendiam a forja, teciam a lã, semeavam centeio, plantavam a vinha e a oliveira, vivendo dependentes das grandes mudanças lá longe, mas em convivência pacífica com a Natureza.”

       Para Gonçalves Guimarães, “a Estação arqueológica da Quinta da Ervamoira tem ocupação confirmada  desde o século III d.C., sendo no entanto as suas principais estruturas e espólio tardios, datados  da primeira metade do século IV, do tempo dos imperadores Constantino e Constante II. Trata-se de uma mutatio (estação de muda), com taberna  e outros serviços de apoio que controlava a passagem a vau da via que atravessava o Côa em direcção a Callabria. Com a queda de Roma  em 410 e o consequente desmembramento  do Império Romano a partir das invasões bárbaras, transformou numa pequena villa rustica “, conclui o investigador

       São, pois, algumas dessas ruínas romanas e medievais que podem ali ser observadas, através de visitas guiadas, na área das escavações ou aos vestígios que se encontram expostos no diversificado espólio do Museu de Sítio - Sem dúvida, uma valiosa oferta turística que, integrada num complexo agro-turístico-cultural, vem diversificar e enriquecer aquele que é já considerado como Património da Humanidade