expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

domingo, 3 de maio de 2015

Natália Correia – “O Livro dos Mortos” – “Quando me derem por morta de lágrimas nem uma pinga” - Ouça estas palavras na voz de quem as escreveu e que vamos homenagear na Pedra dos Poetas e na Pedra do Solstício do Verão, aldeia de Chãs, Foz Côa, 21 de Junho

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista


Poema “O Livro dos Mortos” dito pela autora no Botequim,  para um pequeno gravador de reportagem da Rádio Comercial –  Na década de 80. - O som só  agora foi digitalizado da cassete de áudio. Perdeu alguma qualidade mas vale como valioso documento  - Editámo-lo no Youtube mas está disponível também neste post - Depois  – se puder – não deixe de ler na postagem seguinte
António Vilar - 1981 – Ator mais célebre do cinema português dos anos 50  - Nas inesquecíveis Noites do Botequim da Liberdade de Natália Correia   http://www.vida-e-tempos.com/2015/05/antonio-vilar-1981-ator-mais-celebre-do.html

Natália Correia -   o que é para si a morte: é o fim ou é o princípio de uma nova vida? – Esta era a pergunta que  eu lhe tinha ido fazer ao Botequim, a ela e a algumas das pessoas ali presentes, num inquérito radiofónico que estava a realizar para a Rádio Comercial. 

Natália, começou por me surpreender com esta resposta, que não esperava: "Seria presunção de minha parte, poder dar uma resposta àquilo que ainda ninguém conseguiu ainda dar. A não ser as religiões, através de mitos. Que são respeitáveis, evidentemente, que de certa maneira vêm satisfazer a grande ansiedade dos seres humanos  sobre a questão da morte, que é o grande tema da vida. Mas eu vou responder-lhe em poema. Vou lhe dizer um poema do meu livro: “O Dilúvio e a Pomba, intitulado “O Livro dos Mortos."  Não deixe de o ouvir. Vale a pena – quem lho diz foi quem teve o privilégio de registar as suas poéticas palavras.


Natália Correia – E o “O Livro dos Mortos”  

"Quando me derem por morta
de lágrimas nem uma pinga:
um trevo de quatro folhas
tenho debaixo da língua.

Está em regra o passaporte.
Venha o Limite da idade.
Não me chorem, não é morte
é só invisibilidade."
Pode ser ouvido no Youtube mas temo-lo aqui dito pela  voz inconfundível de quem o concebeu. 




Um dos mais belos poemas de O Dilúvio e a Pomba”

“No poema apela-se ao conhecimento oculto: não se deve chorar pela pessoa que partiu, primeiro porque a morte não existe, morrer “é só invisibilidade”, a pessoa continua. Aliás, já o Fernando Pessoa dizia no Cancioneiro: “A morte é a curva da estrada / morrer é só não ser visto.” Segundo, quando ela diz “Não me chorem” (v. 7), “não me ponham pranto à volta. / Isso de choro faz mal / a quem do peso se solta” (vv. 30-32) refere-se, na interpretação de António Macedo, à grande perturbação que se provoca à pessoa que partiu, pois esta precisa de estar três dias e meio numa posição horizontal, numa dimensão suprafísica, em estado descanso para proceder a um certo tipo de trabalho antes de partir para outros túneis mais luminosos e elevados ‑ “Sempre a ascender”, diz a poeta no verso 19. Desde a primeira estrofe, com “um trevo de quatro folhas […] debaixo da língua” (clara referência simbólica ao costume grego de colocar uma moeda, chamada óbolo, sob a língua do cadáver, para pagar Caronte pela viagem), até à sexta estrofe, verifica-se as fases por que a poeta acredita vir a passar, uma vez ultrapassado o “Limite de idade.”

No livro Instruções Iniciáticas ‑ Ensaios Espirituais (Hugin Editores, 1999), António Macedo chama-a de “sacerdotisa tão pouco descoberta, ainda por encontrar, do enigmático «século XX português»”. E acrescenta, no documentário de 1999 “A Senhora da Rosa (Natália Correia)” realizado por Teresa Tomé para a RTP-Açores: “a Natália Correia era uma sacerdotisa de um sagrado que hoje as pessoas não entendem, porque não é um paganismo, não é um cristianismo… ou talvez seja um certo tipo de cristianismo. Ela tinha uma veneração muito grande pelo Espírito Santo.”
             
“Natália sentia que era chegada a era do Espírito, que deveria seguir-se à do Pai e à do Filho. Natália não era católica mas não desdenhava da religião pois escreveu num dos seus mais belos poemas [“O Livro dos Mortos”, vv. 38-40] que não desdenhava duma missa rezada por sua alma. Aliás, sempre me pareceu que o seu culto do esotérico era uma janela aberta onde buscou sem parar o mundo espiritual e tentou encontrar sempre as suas fontes últimas buscando a religião perfeita.” (Carlos Melo Bento, “Para uma biografia de Natália Correia: o Reino dos Transparentes, 2004-07-16) – Excerto de     Quando me derem por morta, de lágrimas nem uma pinga .




A HOMENAGEM NUM LUGAR QUE TERIA TAMBÉM ENCANTADO NATÁLIA CORREIA, SE, EM VIDA, LÁ TIVESSE IDO.

Na mesma pedra onde, o jornalista, escritor e poeta, Fernando Assis Pacheco, um mês antes da sua morte, ergueu os braços. Foi na altura da polémica da barragem-gravuras rupestres.  Encontrei-o em Foz Côa, quando já se preparava para regressar a Lisboa, depois de ter ido fazer uma reportagem para a revista Visão, que acabaria por ser a última da sua vida. Como a  minha aldeia, calhava de caminho, apanhei a boleia do seu carro e aproveitei para o convidar a visitar algumas das enigmáticas pedras do Maciço dos  Tambores, nomeadamente a Pedra da Cabeleira de Nª Senhora e o Castro do Curral da Pedra - . Sim, mas ainda num tempo em que ainda não havia descoberto  os alinhamentos solares com as estações do ano. – Ele ficou tão encantado com este lugar, que, a certo momento, quando já estávamos de volta,  lhe sugeri então que subisse para o cima de uma pedra, em forma de altar, junto da qual passávamos, e, ali, de braços abertos, se voltasse para todos quadrantes e  repetisse uma palavrinhas, que eu lhe sugeri, agradecendo aos deuses a felicidade de ter visitado este sagrado lugar. 

Um mês depois, de ali ter estado, dá-se a triste ocorrência da sua morte.  Por sinal, encontrava-me naquela área, tendo tomado conhecimento da noticia através de um pequeno transístor de bolso. De imediato, lembrei-me de ir buscar um cinzel, , com que habitualmente por ali  esculpia alguns desenhos (pois muito antes de se falar das gravuras rupestres, já ali tinha centenas de  desenhos gravados no granito de carácter místico e iniciático), sim, com a mesma ferramenta, cinzel e maceta,  decidi gravar, numa das faces daquele caprichoso e rústico altar,  e no espaço configurado por um  pequeno triângulo,  as iniciais do seu  nome - A homenagem,  com a presença da esposa e filhos, sucederia anos mais tarde. Depois desta cerimónia, todos os anos, ali  evocamos nomes grados da cultura da nossa região ou do país – E, este ano, na celebração do solstício do Verão, vamos, pois, prestar a nossa singela homenagem a essa grande poeta-visionária -  De uma figura que já nos deixou e outra(s) que ainda se contam entre os vivos. 

Voz de Natália Correia  registada também pelo autor deste site no Botequim - anos 80

 O vídeo seguinte é de minha autoria - feito a partir de uma de  três centenas de gravações que guardo no meu arquivo, de registos com várias personalidades - e ambientes - E até em  casa de Amália, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, Fernanda de Castro, José Gomes Ferreira, Azeredo Perdigão, Dorita Castelo Branco, Carlos Villaret, Costa Gomes, Franco Nogueira, Palma Carlos, Ary dos Santos, Moreira das Neves, entre tantos outros nomes da  nossa vida cultural, social e política. E até as grandes figuras do mundo do crime (Muleta Negra, Dragão, Zé da Tarada e Manuel Alentejano) excertos da entrevista e diário deste, passados a livro, a que o Fernando Dacosta  faz referência.  Pena ter de me repartir por outros domínios da escrita e ocupações. 




TOCADA PELO SAGRADO -  ,"Não se tornava fácil compreende-la, nem amá-la. Fazê-lo, exigia sentimentos, disponibilidades especiais. Era um ser tocado pelo sagrado, um desses seres que não cabem no espaço que lhes foi destinado, nem no corpo, nem nas normas, nem nos modelos, nem nos sentimentos. Chegava a assustar."
"Os que não a aguentavam combatiam-na não pelas suas ideias, mas pelos seus tiques, não pela sua criação, mas pela sua distracção, tentando reduzi-la a anedotários de efeitos fáceis e falsos."

"Ao mesmo tempo forte e desprotegida, imponente e indefesa, egoísta e generosa, arguta e ingénua, dissimulada e frontal, sentia-se, ante as coisas rasteiras (e as pessoas, e as acções), perdida; só as grandes a tocavam, galvanizando-a. Então, toda ela era golpe de asa, vertigem"

E TAMBÉM “ENERGIA FLUTUANTE”

"Privilegiada  pelo  destino (com o talento, com a sedução), pelos íntimos (com o amor com a entrega), pelos amigos (com a lealdade, com a dádiva), a Natália viu a vida ir ter ter consigo, enleando-a, dilatando-a.

A  paixão pelo superior adiantou-a, desde criança, ao seu meio. Entre a realidade que lhe coube partilhar  e a ficção que lhe coube voltear, foi ardendo nas margens da maior  imprevisibilidade." – Palavras do jornalista e escritor, Fernando Dacosta, acerca de Natália Correia, num livro, que lhe é especialmente dedicado, com o título Botequim da Liberdade.


Foto obtida pelo autor deste site à saída de uma festa de gala no Casino Estoril - Natália Correia e alguns "membros da  sua "corte" - Na qual está também - no primeiro plano à direita, a minha grande amiga Elizabeth; vemos Dórdio Guimarães, o fiel companheiro de todas as horas de Natália,  de costas voltadas para o fotógrafo; um pouco mais à esquerda, está  Fernando Grade, e,  quase a servirem de guarda-costas, Francisco Baptista Russo e Fernando Dacosta,


 FALAVA-SE DA VIDA E DA MORTE - E ATÉ DO INVISÍVEL, DO ALÉM


Sim naquele então já mítico e lendário espaço do Botequim, que também frequentei, situado no Largo da Graça - tal como já tive oportunidade de  referir noutro post - falava-se questões atuais e de futurologia: da vida e até da morte, Espaço de reduzidas dimensões, é certo, e mas que, em certas noites, parecia ser a grande aeronave espacial que nos levava nunca se sabia bem a que parte - tanto ao  perto, como bem ao longe: aos enredos e  intrigas de Belém, de S. Bento, no cotejo desta ou daquela figura,  em  conciliábulos conspiratórios, acaloradas discussões ou inesperados debates, mostras de pintura, lançamento  de livros, récitas de poesia, música e canto, fazendo-nos divagar, sabe-se lá por onde e por que confins, e a falar de alguém, morto ou vivo,  indo ao fundo da história e da literatura, levando-nos por oceanos a fora, não só ao Brasil, como a Cabo Verde, S. Tomé, Angola, Moçambique, a Macau e a Timor, aos vários pontos do Mundo. 

Temas não faltavam:  falava-se de tudo, frontalmente  e não em surdina ou de forma brejeira - Falava-se, sem  preconceitos mas sempre de modo vivo, curioso  e interessante, mas com a reverência de que havia ali uma rainha  que exigia vassalagem, culta, multifacetada  e carinhosa, que  adorava o convívio, que encantava e provocava a  curiosidade,   o diálogo, a ousadia, a imaginação,   conquanto não raiasse o palavrão ou o insulto -Tal como na sua escrita (desde a poesia, narrativa ao teatro) e na suas intervenções públicas,  Natália Correia, era a mulher da insubmissão, que criticava e questionava, abrindo as portas à  indignação e  à rebeldia, num tom mesclado com a tónica do humor, do  sarcasmo. Tinha resposta imediata, tal como ao fingimento ou à sobranceria:


Natália detestava  a bajulação mas sabia que era diferente e gostava que essa diferença fosse reconhecida - Amante da crítica, da contestação,  da liberdade de expressão, antes e depois de Abril. Mas, intrinsecamente, de dentro para fora e não por imposição externa.  Foi deputada pelo PSD, mas, justamente por via da sua insubmissão à castradora doutrina partidária, não tardou a ficar desiludida "das formações políticas existentes entre nós" Processada pelo partido, que lhe "moveu dois processos disciplinares  por desrespeito dos estatutos, o seu nome não demorou, como consequência,  de deixar de interessar aos partidos  - E, afinal, porquê?..  Estava-se no tempo em que a AD  defendia "uma maioria, um governo e um presidente"  - "Natália torceu o nariz ao solagn lançado por Sá Carneiro" , recorda, Fernando Dacosta, referindo que Natália objectava ser  essa situação "uma antecâmara para totalitarismos", pois, sem crítica, sem contestação, "pilares da liberdade", não há democracia.  Imagino o que ela hoje não diria, com as cumplicidades de um governo - Passos-Portas e Cavaco Silva- Já tinha feito rebentar uma revolução!o!

A VISIONÁRIA NÃO SE ENGANOU DA FORTE MARTELADA DE UM EUROPA EGOÍSTA

Eis  a resposta que, Natália Correia, daria aos defensores do globalismo europeu, se fosse viva,  mesmo tendo militado num partido liberal, a que alude, Fernando Dacosta no seu livro

A expressão é citada no livro  de "O Botequim da Liberdade"  "A nossa entrada" (para a CEE) "vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária  com ninguém, explorá-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser . A sua vocação é ser colonialista" - Citação feita no  em "Botequim da Liberdade"
Quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar- lhe o nome de agonia. - Natália Correia 13 de Setembro - 90º aniversário nascimento de Natália Correia A última grande tertúlia de Lisboa - que marcou culturalmente, politicamente várias décadas portuguesas - teve lugar no Botequim, bar do Largo da Graça criado e projectado por Natália Correia.
Neste seu mais recente livro, Fernando Dacosta, diz que "No Botequim “fizeram-se e desfizeram-se revoluções, Governos, obras de arte, movimentos cívicos; por ele passaram Presidentes da República, governantes, embaixadores, militares, juízes, revolucionários, heróis, escritores, poetas, artistas, cientistas, assassinos, loucos, amantes em madrugadas de vertigem e de desmesura”


Se passou alguma vez pelo Botequim, é livro de culto e de romagem obrigatório. De todo o modo,  se é ou não admirador da personalidade e da obra de Natália, pouco importa, ficará a conhecer ou pelo menos a recordar-se - da última tertúlia do século XX lisboeta, e talvez no país,onde se jantava, cantava, se conviva, livre e francamente,se recitava poesia até altas horas. "Foi a última tertúlia animada por ela e pelo seu extraordinário seu talento" - Escreve o autor do Botequim da Liberdade, citando Baptista Bastos

Senhora da Rosa", chamou-lhe Manuel Alegre e falava de Natália Correia

SENHORA DA ROSA, chamou-lhe Manuel Alegre e falava de Natália Correia. Uma rosa de amor e morte de uma poetisa que não aceitava a ditadura da razão e da perceção redutora dos cinco sentidos. Ela era mais do que isso, era a pitonisa, a vestal iluminada, uma máquina de passar vidro colorido, como disse Mário Cesariny, referindo-se à sua dimensão cromática.
Um documentário que nos leva ao encontro de Natália Correia, seguindo um caminho que ela própria traçou - A partir de agora, se alguém me quiser encontrar, procure-me entre o riso e a paixão -... A Senhora da Rosa (Natália Correia) - Documentários - RTP



António Valdemar – PÚBLICO - Presença vigorosa na sociedade portuguesa, da segunda metade do século XX, Natália Correia (1923-1993) afirmou-se pela singularidade da criação literária e pela determinação e coragem na intervenção política. (…) Tal como muitos outros intelectuais e artistas da sua geração, Natália Correia participou em grandes acontecimentos da oposição democrática Excerto de . Natália Correia – vida com sentido - PÚBLICO


Natália de Oliveira Correia GOSE • GOL (Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 19931 ) foi uma intelectual, poeta (a própria recusava ser classificada como poetisa por entender que a poesia era assexuada) e activista social açoriana, autora de extensa e variada obra publicada, com predominância para a poesia. Deputada à Assembleia da República2 (1980-1991), interveio politicamente1 ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Autora da letra do Hino dos Açores. Juntamente com José Saramago (Prémio Nobel de Literatura, 1998), Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC).

A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Foi uma figura central das tertúlias que reuniam em Lisboa nomes centrais da cultura e da literatura portuguesas nas décadas de 1950 e 1960. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas. – Excerto de Natália Correia – Wikipédia

Uma das mais notáveis figuras do universo literário – e não só – do nosso país, Natália Correia foi muito mais do que simplesmente uma escritora. – Pormenores em Natália Correia - a vida por detrás da obra - Mulher





Nenhum comentário: