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domingo, 4 de janeiro de 2015

Vasco Graça Moura - - Eram 73 anos se fosse vivo – Mas o autor de "Uma Carta no Inverno" e da "Morte de Ninguém", partiu em desacordo com o Acordo Orográfico, que classificou como o Cadáver Adiado – Antes disso, esteve na exposição “A Máscara e o Tempo” de Graça Morais

Jorge Trabulo Marques - Jornalista       C
 
Eu sabia que, Vasco Graça Moura,  era capricórnio e  fazia anos num dos primeiros dias de Janeiro. Errei num dia, pois só hoje, ao deparar com uma fotografia, ao lado de Graça Morais, é que me lembrei que seria por esta altura que comemoraria os seus 73 anos se fosse vivo. -  Nasceu no dia 3 de Janeiro de 1942, no Porto, freguesia da Foz e faleceu na manhã do dia 27 de Abril de 2014,  em Lisboa, vítima de câncer.

A primeira vez, que falei com Vasco Graça Moura, e acerca da sua  obra poética, foi na qualidade de repórter da Rádio Comercial, quando ele ainda era administrador da Imprensa Nacional - Casa da Moeda – A última vez que o vi esboçar um sorriso à minha frente, foi justamente quando o fotografei ao lado da pintora Graça Morais. 

 
As fotos foram registadas, já quase no momento das despedidas da exposição intitulada “A Máscara e  o Tempo”, que contara ainda com a presença de Júlio Pomar, inaugurada em Novembro de 2009, na  Rua da Academia das Ciências, na galeria Rattom, na qual foi apresentado um conjunto  de 42 trabalhos, que visavam  mostrar "uma grande reflexão sobre o tempo longo e lento do campo"  A Máscara e o Tempo


 
Dizia a pintora transmontana, Graça Morais a propósito dessa sua mostra,  que  As pessoas, quanto mais envelhecem, mais o tempo lhes parece veloz. E então ficam com medo de morrer. Um destes desenhos é a cabeça da minha mãe, que é uma pessoa que eu adoro (eu desenho muito a minha mãe). Fazer estes desenhos é uma forma de a agarrar, de a prender, de deixar um testemunho de uma pessoa que é natural que vá desaparecer daqui a uns tempos. A transformação daqueles rostos com tubérculos é o tempo que se nota nas marcas que deixa nas suas caras. Quando as pessoas envelhecem numa relação normal com o tempo, as caras das pessoas velhas já não são caras, são vegetais, estão cheias de experiência.in Graça Morais, pintora-perdiz ...  


 A TRANSITORIEDADE E A TRANSFORMAÇÃO DA VIDA 

No fundo, é também de algum modo o objetivo desta  minha singela evocação: refletir a temporalidade e a transformação da vida – Sim, porque, no fundo, o percurso de Vasco Graça Moura, desde o poeta,  romancista,  dramaturgo,  cronista, tradutor, ensaísta,  crítico literário,   político, o gestor, o intelectual,  em todas essas facetas, refletia  isso mesmo:  uma constante preocupação sobre a vida – Tal como foi dito, no DN, por ocasião da sua morte, “Além de um criativo de excepção, VGM foi um intelectual interveniente, que respondeu aos desafios que a vida lhe facultou com trabalho, rigor, empenho e independência intelectual. Irrequieto quando não truculento, cruzou a acção com a contemplação, a intervenção com as torres de marfim. Gostava de provocar intelectualmente e de ser provocado. Sabia dizer sim ao serviço público, do mais mediático ao mais anónimo, não se desviando da visão humanista que perfilhava da vida da pólis e da cultura." - InVasco Graça Moura: um criativo multímodo - Opinião - DN


 
Embora não sendo um leitor das suas habituais crónicas no DN – não, não ia nesse aziago e truculento  “cálice” , nem tão pouco na forma militante como se opunha ao acordo ortográfico, que chegou apelidar de perversão intolerável da língua portuguesa ou de O cadáver adiado – (pois sou dos que penso que as línguas evoluem e  não podemos ficar no vagão da retaguarda nos 200 milhões de  falantes dos nossos irmãos brasileiros), contudo, admirava-lhe o seu talento intelectual, a sua riquíssima e prolífera produção literária, expressa nos géneros mais nobres da língua portuguesa  – Sem dúvida, ele terá sido um dos últimos puristas e dos mais apaixonados defensores da arte de bem escrever a sua língua materna – Só que, nem tanto ao mar nem tanto à  terra, já que, como diria, Eugénio de Andrade  -No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe. Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos”


Mas, em Vasco Graça Moura, a traição partia dos defensores da “grafia criminosa”, indo ao ponto de defender que, no sistema de ensino e na lista de obras de grandes autores de Língua Portuguesa, essa escolha não deveria incluir autores do século XX, nem mesmo o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, ou o poeta mais glorificado da nossa contemporaneidade, Fernando Pessoa, por ainda não ter passado tempo suficiente para podermos considerá-los verdadeiros clássico.

 Bom, à parte esse exagero de inveterado defensor pela sua dama mais querida, que era a língua portuguesa cantada por Camões, há que reconhecer que foi um dos grandes vultos da literatura portuguesa», autor de uma vasta obra, distinguido com varridíssimos prémios literários, para além das mais altas condecorações portuguesas e estrangeiras. . 





“Vasco Graça Moura, um portuense como nós, tinha na voz, mas sobretudo na palavra, a sinceridade, o sentimento e a profundidade quanto baste, para merecer que o assinalemos neste local de letras, de palavras e que não queremos esquecido em nenhum dia do ano. É a homenagem dos portuenses, à palavra de um portuense”, do presidente da Câmara do Porto vieram depois. Rui Moreira, por ocasião da primeira Feira do Livro do Porto a Vasco Graça MouraPúblico.

SONETO DO AMOR E DA MORTE


quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.


Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

Notas biográficas

"Personagem polifacetada da vida cultural portuguesa (Foz do Douro, 3 de Janeiro de 1942 — Lisboa, 27 de Abril 2014). Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, foi secretário de Estado de dois Governos provisórios, desempenhou funções directivas na RTP, na Imprensa Nacional e na Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Em 1999, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu. Para ele, a poesia "é uma questão de técnica e de melancolia", crescendo d' A Furiosa Paixão pelo Tangível através de uma densa rede metafórica que combina a intertextualidade, relacionada especialmente com Camões, Jorge de Sena, Dante, Shakespeare e Rilke, objectos privilegiados de estudo deste autor, e uma tendência ironicamente discursivista assente na agilidade sintáctica. É autor de três ensaios sobre Camões: Luís de Camões: Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985) e Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000). Em 1996, a sua obra foi reunida em volume. Dos títulos deste autor, podemos salientar Concerto Campestre, os romances Quatro Últimas Canções (1987) e Meu Amor Era de Noite (2001), os livros de poesia Uma Carta no Inverno, que lhe valeu o prémio da APE, e Poemas com Pessoas (ambos de 1997). Recebeu o Prémio Pessoa em 1995 e a medalha de ouro da Comuna de Florença em 1998, ambos atribuídos à sua tradução da Divina Comédia de Dante.

O advogado que passou a escritor (e político)

"Poeta, ensaísta, romancista, dramaturgo, cronista e tradutor de clássicos, Vasco Graça Moura nasceu no Porto, na Foz do Douro, em 1942, licenciou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa, e chegou a exercer a advocacia, de 1966 a 1983, até a carreira literária se estabelecer em pleno.
Na altura, apenas a poesia definia a sua expressão, com títulos como "Modo mudando", estreia nas Letras, em 1962, a que se seguiram títulos como "Semana inglesa" e "O mês de dezembro". Mas Vasco Graça Moura era também o jurista, o gestor e o político.
Em 1974, após o 25 de Abril, aderiu ao Partido Popular Democrático, atual PSD, tendo assumido a secretaria de Estado da Segurança Social do IV Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves. A experiência governativa duraria pouco mais de cinco meses, de março a agosto de 1975, e não voltaria a repeti-la.
Antes, foi diretor da RTP (1978), administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1979-1989), cuja política de edição literária dinamizou, foi presidente da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Fernando Pessoa (1988) e da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1988-1995), para a qual coordenou a revista Oceanos. – Excerto de o Expresso


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