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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

"Foi no Bairro Alto com a menina Amélia” - Confidências de Carlos Botelho - O pintor que imortalizou Lisboa nas suas telas, referência incontornável do modernismo em Portugal ao nível das artes plásticas – Recordando a entrevista que me concedeu para o Tal & Qual um ano antes da sua morte

Jorge Trabulo Marques - Jornalista  C
(foto extraída da Net)
Carlos Botelho, de seu nome completo, António Teixeira Basto Nunes Botelho, nasceu, em Lisboa, a 18 de Setembro de 1899 e faleceu a 18 de Agosto de 1982, um mês antes de completar 83 anos – Autor de banda desenhada (BD), decorador, desenhador, ilustrador, caricaturista e pintor – Indiscutivelmente, ainda hoje um dos pintores portugueses mais cotados da atualidade. 

Tive o prazer e a honra de o entrevistar. Recebeu-me por três vezes em sua casa: duas das quais, como repórter da Rádio Comercial e uma outra  para o semanário Tal & Qual, no seguimento de uma série de registos, com várias  personalidades,  sobre “A Primeira Vez” – Sim, numa altura e, que falar do sexo, era também outro lado da revolução de Abril, uma forma de romper publicamente com velhos tabus – No tempo da outra “senhora” tudo se fazia mas a socapa. Qual era o jornal que se atrevia a entrevistar uma prostituta ou a defender a homossexualidade ou o aborto?.   

Naturalmente que, tratando-se de figuras públicas, as tais entrevistas criaram algum impacto. E também alguma polémica, nomeadamente a de Afonso Moura Guedes, que foi imediatamente zurzido pela folha de couve de Vera Lagoa, um pasquim que ainda hoje assina por Diabo, levando Natália Correia, a vir em sua defesa, através do Diário de Noticias

 BOTEQUIM DA NATÁLIA CORREIA - LOCAL DE CONVÍVIO E DE "CONSPIRAÇÃO"

 Algumas dessas entrevistas da minha atividade profissional,  foram congeminadas sob a inspiração de Natália Correia, nomeadamente as publicadas no Tal e Qual,  sobre "a primeira relação sexual" - A Graça Lobo; Afonso Moura Guedes; Carlos Botelho; Raul Solnado; Ivone Silva; Narana Coissoró; Ary dos Santos; Raul Calado; Simone de Oliveira; Vitorino de Almeida.

E  à própria  Amália, até hoje ainda inédita, devido à fuga rocambolesca  de sua casa.  Às tantas desistiu da entrevista, quis apanhar-me o gravador e a  cassete e eu tive que raspar-me, com ela e a Maluda  a correrem escadas abaixo até à rua atrás de mim e mais o Vicente, a irmã e duas amigas. Só descansei quando apanhei um táxi.  Mas a culpa também era dela, porque, quando ali cheguei, a conversa já era picante. E nem ela nem ninguém alterou a tónica dos episódios,  nem sequer ela deu mostras de ter pressa. Pelo contrário,  diverti-me com as  risadas, sentindo-me perfeitamente  integrado na tertúlia, como se fizesse parte das visitas habituais da casa. Aliás, já ali havia estado por duas vezes, para a entrevistar para a Rádio Comercial, e esta era a terceira. Pois  admirava muito a minha faceta de navegador solitário nas canoas pelo Golfo da Guiné. Mas passemos à entrevista a Carlos Botelho, publicada no semanário Tal & Qual, em 24-10-88 




(atualização) Entrevista a Carlos Botelho a escassos meses da sua morte  -Finalmente pude encontrar no meu arquivo de cassetes de áudio um dos registos, julgo que o único que passa a existir na Internet
 
Carlos Botelho – “Insiste-se sempre! Porque aprende-se sempre: até à última tela que eu farei na minha vida, eu estou aprender! – Declarou-me no final da breve entrevista que me concedeu, em sua casa,  a cinco meses antes da sua morte, a 18 de Agosto de 1982, .ou seja, um mês antes de completar 83 anos. Ouvinte da rádio, quando trabalhava pela manhã, confessou-me que gostava de ouvir o programa para o qual eu fazia as habituais reportagens. Recebeu-me por três vezes em sua casa. Sempre com uma com visível amabilidade, simplicidade e bom humor. Esta última vez foi para lhe pedir umas palavrinhas sobre o  nosso 3º aniversário.

 CARLOS BOTELHO - "FOI NO BAIRRO ALTO COM A MENINA "AMÉLIA DOS 20" 

 Felizmente, os alemães perderam a guerra. Quando não, Carlos Botelho, consagrado pintor português, com obras altamente cotadas no mercado, seria hoje, como ele garante, «simples abat-jour de modesto candeeiro». Mas, os alemães perderam e o homem de Berlim em Lisboa não pôde punir a ousadia de um artista que todas as semanas crucificava Hitler no «Sempre Fixe» e fazia do Führer trinta por uma linha, sempre que pegava no lápis. 

Se os alemães tivessem ganho a guerra, Carlos Botelho não teria ido a S. Francisco, em 1951, envergonhar o fabuloso Salvador Dali, a quem deixou num modesto segundo lugar, numa exposição internacional. 

Bem: se eles tivessem saído vencedores, Carlos Botelho não estaria possivelmente aqui, hoje, a falar da sua ... vida amorosa, designadamente a sua «primeira vez”

"Como foi isso, Carlos Botelho? 

Carlos Botelho - ... Aconteceu por volta dos meus 16 anos, quando eu ainda andava no liceu onde, como é natural, os estudantes discutiam entre si essas coisas do sexo e das mulheres. E, num belo dia de 1915, na Primavera - época em que a natureza broteja -, um pequeno grupo do liceu decidiu organizar uma excursão à prostituição estatizada do Bairro Alto. Eu era um dos excursionistas. Metemos pela Rua da Glória, subimos aquelas ladeiras todas e fomos à procura de uma menina conhecida pelo cognome de «Amélia  do 20”, moradora numa casa com este número e conhecidíssima  em todo o Bairro Alto e… no liceu lisboeta que eu frequentava.
Os rapazes do liceu preferiam a  “Amélia do 20”porque ela morava numa casa discreta, num primeiro andar. Não dava muito nas vistas. 

«T & Q» - Foi agradável? C.B. - Com esta idade já hão me lembro muito bem dos pormenores. Mas, agradável foi ... Ela era uma mulher muito experiente. Conhecia quase todos os rapazes do liceu e já tinha estabelecido esquemas para tratar com eles. De modo que aquilo pareceu-me natural, não fiquei encabulado. Ela facilitava as coisas, mostrava-se simpática, enfim, sabia fazer o seu negócio. Como eu não ia sozinho, aquilo até tinha uma certa piada. Enquanto dois ou três dos meus colegas esperavam na salinha de estar, eu entrei no quarto, ela ofereceu-me a cara e dei-lhe  um beijinho. Como ela estava despida, é lógico que eu me despisse também. Foi tudo muito natural e ela estava fara de lidar com rapazes como eu, que a procuravam para desbravar caminho ... Aos 16 anos não somos muito exigentes (filosoficamente falando) e eu aceitei aquilo como coisa naturalíssima. 

« T & O» - Quanto pagou?
C.B. - Cinco escudos, salvo erro.
 «T & O» - Foi muito importante o sexo, ao longo da sua vida?
 C.B. - Levei uma vida sexual normalíssima, sem extravagâncias. Sou mais voltado para o espírito do que para a matéria e, quando olho para uma mulher, não vejo apenas, ou sobretudo o sexo. É toda aquela beleza sublime! Tenho um respeito imenso pela mulher

«Tal & Qual» - Depois do casamento (aos 22 anos), teve aventuras extraconjugais? 
 C.B. - Respeitei sempre a minha mulher. Penso que a parte espiritual do meu ser vencia os desejos que, obviamente, toda a gente tem. E nem sequer chegava a haver litígio entre as duas partes da questão, Quando, por exemplo, um mi feminino posava para mim, lembrava-me sempre de que essa mulher estava na sua missão profissional. 
 
«T & Q» - É' feliz na sua vida familiar?
 C.B. - Não posso ser mais feliz do que sou. Vou a caminho dos 60 anos de casamento, sempre dom a mesma mulher, já tenho um filho com 58 anos, tenho netos e bisnetos. Adoro-os a todos.  

«T & Q» - O casamento enquanto instituição ... Concorda?
 C.B. - Deve manter-se.
«T & O» - Literatura e filmes pornográficos... Aprecia? · 

C.B. - Nunca· me puxou para aí... Os artistas não precisam dessas coisas. Conseguem imaginá-las facilmente... Quanto aos filmes, vi um e ... saí a meio. Era um bocadinho nojento. Acho que devemos actuar dentro das regras da Natureza que nos criou, com a força que ela nos deu. Mais nada.

«FICO A RIR…»

«Tal & Qual» - Lisboa, uma cidade que você tanto pintou e amou... Lisboa tem ou não tem sexo?
«C.B.» - É uma cidade feminina… Mas é mais uma menina de 15 anos de que uma mulher de 40
«Tal & Qual»  A propósito dos quadros: há notícias quadros seus a ser vendidos, em leilões, por  dois mil  e três mil contos ...
C.B. - Fico a rir. É possível  que seja verdade, parque nos leilões as coisas  passam-se doutra maneira; têm outro significado. Ouço normalmente essas notícias através dos vizinhos ... Nos jornais que eu leio nunca vi essas notícias... Penso e alguns dos meus quadros são bem pagos, mas, estou bem informado, o que rendeu mais não ultrapassou os 500 ou 600 contos, no leilão, na «Dinastia». Mas como lhe digo não tenho sentido comercial nenhum Prefiro ter amigos a –vendê-los. Se eu pintasse um quadro a pensar vendê-lo estragava-o ... De resto, Van Gogh não conseguiu vender nenhum dos seus quadros excepto  um ao próprio irmã que teve pena do grande mestre quadros: há notícias quadros seus a ser vendidos, em leilões, por dois  mil e três mil contos ...
Portanto, falar em dois mil contos para um quadro meu é capaz de ser um pouco empolado… Também é possível  que tenha acontecido em leilões Os «marnarchants- compram-me  determinado quadro por tantos contos e resto é lá com eles ... E el não se perdem, habitualmente. 

«T & O» - Aos 82 anos você continua multo activo?
 C.B.  - Quando não pinto ou não desenho, os dias nunca mais acabam. Por tanto, pinto e desenho, desenho e pinto ... 

 ALGUNS DADOS BIOGRÁFICOS


"Como notável pintor que foi, participou em diversas exposições e salões em Portugal e no exterior (Paris, Londres, Veneza...), realçando-se que na Bienal de Arte Moderna de São Paulo (Brasil) foi distinguido por duas vezes: na primeira edição com o Prémio Portugueses de São Paulo e Rio e na terceira edição com uma Menção Honrosa. Carlos Botelho - infopédia

Filho único de pais músicos, foi a música que dominou a infância de Carlos Botelho. Inicia a aprendizagem do violino – instrumento que o irá acompanhar por toda a vida –, pouco antes da morte do pai, em 1910. Nesse mesmo ano ingressa no Liceu Pedro Nunes, onde faz amizade com Bento de Jesus Caraça e Dias Amado. Realiza experiências plásticas autónomas em atividades extracurriculares e é no próprio liceu que faz a sua primeira exposição individual (1918).

A sua atividade desenvolveu-se ao longo de um período dilatado do século XX e repartiu-se por uma multiplicidade de atividades. Nos anos de 1920 Botelho foi um dos pioneiros da banda desenhada nacional, trabalhou em artes gráficas e no desenho de humor; na década seguinte pertenceu à equipa de decoradores do SPN, o que lhe deu oportunidade para viajar e tomar contacto com a dinâmica artistica do seu tempo. A partir dessa altura desenvolveu uma obra plástica autónoma que o destaca como uma das figuras maiores da 2ª geração de pintores modernistas portugueses  - Excerto Carlos Botelho – Wikipédia,

Em 1939, realizou-se a Exposição Internacional de Nova Iorque. Carlos Botelho, pintor e decorador dos pavilhões que representam Portugal em inúmeras feiras internacionais, também esteve presente. Para além do trabalho que ali o leva, visita a cidade. Assiste à comemoração dos dez anos de actividade do MoMA. Porém, de tudo o que vê, o que mais fascinará Botelho é a própria malha citadina. Com efeito, entre 1930 e 1941, o tema preferencial do artista é a paisagem urbana. É nesses anos – que coincidem com a fase em que o pintor mais viaja, e de que surgem resultados eloquentes nas páginas do suplemento «Ecos da Semana»– que ele se dedica também à invenção de múltiplas faces de Lisboa. Carlos Botelho - Centro de Arte Moderna 


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