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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Guilherme de Castilho – O escritor, ensaísta, crítico e diploma, natural de Foz Côa, fazia hoje 103 anos mas deixou-nos há 28


Guilherme de Castilho - retrato por Augusto Gomes anos 30
Escritor Guilherme de Castilho – Diplomata, ensaísta e crítico português. Distinto filho de Vila Nova de Foz Côa, onde nasceu a  16 de Janeiro de 1912, tendo falecido  a 28 de Dezembro de 1987, no Estoril, vitima de um acidente cardíaco

Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas pela Universidade de Coimbra, ocupou o cargo de representante diplomático em diversos países - Pretória, Copenhaga, Hong-Kong, Jacarta, Paris e, como embaixador, no Chile e na Áustria, estas algumas das capitais por onde passou.

 Uma vida de 30 anos ligada à diplomacia mas também repartida pela escrita – Sendo considerado um dos mais notáveis ensaístas e críticos literários do século XX – Publicou Noções Fundamentais de Psicologia (1942), consagrando-se desde então ao estudo e crítica de vários autores portugueses – Nomeadamente, António Nobre, Raul Brandão e Eça de Queirós. Colaborador de quase todas as páginas literárias dos jornais de Lisboa e do Porto, foi homenageado com diversas condecorações, de entre as quais se destacam a Grã-Cruz da Ordem do Mérito da Áustria e a Comenda da Ordem do Mérito Civil de França.

"Alberto Caeiro - Ensaio de interpretação poética"  - primeiro estudo vindo a lume sobre este heterónimo de Fernando Pessoa, evidenciando, desde logo, nas palavras de Gaspar Simões, “um grande espírito crítico" 

(com José Régio em Portalegre, anos 50) 



Personalidade extremamente culta  -"Ensaísta e crítico de grande nível intelectual, a sua viva sensibilidade, a serena lucidez e a claridade de escrita fizeram de Guilherme de Castilho um dos mais notáveis ensaístas deste século" (Álvaro Salema, revista Colóquio, nº 102) - Por esse facto, a ele se deve um trabalho fundamental para o conhecimento da personalidade e da epistolografia do autor do “Só” (dois volumes: António Nobre  - a obra e o homem; Vida e Obra de António Nobre), bem como um volumoso estudo, intitulado Vida e Obra de Raul Brandão – Amigo  de Jorge de Sena, de cujo relacionamento a Imprensa Nacional- Casa da Moeda, publicaria um livro sobre a troca de correspondência entre ambos. 

CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO – ASSINALADO EM LISBOA E EM FOZ CÔA

Guilherme de Castilho foi recordado, em 2012, ano em que se completava o centenário do seu nascimento,  com uma exposição  bio-bibliográfica numa das salas da Hemeroteca Municipal de Lisboa, que depois foi igualmente apresentada na sala de exposições do Centro Cultural de Vila Nova de Foz Côa, com a presença de seus dois filhos, Manuel Castilho e Paulo Castilho(escritor), assim como seus primos e outros familiares e amigos.  E, naturalmente, com o Presidente do Município, Eg. Gustavo Duarte, a quem se ficaria a dever a homenagem, bem como outras entidades

ACONTECIMENTO MARCANTE - Exposição do Centenário (1912-2012) 20 Out. a 30 Nov. de 2012
  
Vou de seguida reproduzir um excerto da reportagem que efetuei para o Jornal OFOZCOENSE 
O município fozcoense, presidido pelo Eng. Gustavo Duarte, tem pautado o exercício do seu mandato, entre outras ações,  pela vertente cultural – Mas em acontecimentos que despertam o interesse dos munícipes  e de quem nos visita. É o caso da exposição da vida e obra de Guilherme de Castilho,  um ilustre escritor português, nascido  em Vila Nova de Foz Côa,  no coração da nossa cidade. A inauguração do importante evento, contou com a presença dos filhos,  Paulo e Manuel Castilho, esposas e primos, que chegaram de véspera para melhor  reverem a terra de muitos dos seus afetos, bem como das principais entidades da Câmara Municipal e outras personalidade –– Numa tarde de um sábado, solarengo e nostálgico de Outono, marcado ainda por outras iniciativas de grande interesse regional e nacional


A anteceder a abertura da exposição, houve discursos e momentos de poesia – Depois do Presidente, Eng. Gustavo Duarte, ter recordado a biografia do homenageado, usou da palavra o escritor Paulo Castilho, cujo discurso, transcrevemos: 

"Sr. Presidente da Câmara Municipal de Foz Côa, Sra. Vereadora da Cultura, Senhoras e Senhores, quero começar por agradecer na pessoa do Sr. Presidente da Câmara esta iniciativa do município de Foz Côa, que muito honra a memória do meu pai, bem como a sua família.


Ainda que correndo o risco de cometer alguma injustiça por omissão, não posso deixar de aproveitar o ensejo para referir três pessoas fortemente ligadas à vida cultural em Vila Nova de Foz Coa com quem contactei durante a organização desta exposição: o jornalista Jorge Trabulo Marques que foi a primeira pessoa que me deu notícia da exposição e que acompanhou e apoiou ativamente a sua organização; o Dr. Manuel Daniel, que muito se tem interessado pela obra de Guilherme de Castilho, nomeadamente através de intervenções na Assembleia Municipal de Foz Côa, e de artigos que publicou em jornais; a Dra. Ana Margarida Marta que organizou a exposição, a quem agradeço pelo seu profundo empenho e também felicito pela qualidade do resultado final.

Percorrendo a exposição, fica-se impressionado não só pela relevância do material exposto, pelo excelente critério adotado, como também pela atmosfera que se soube criar: um ambiente simples e ao mesmo tempo rigoroso, refletindo bem o tipo de pessoa que era Guilherme de Castilho.

O meu pai nasceu em Vila Nova de Foz Coa, tal como o irmão António e a mãe Cândida de Jesus Margarido, Castilho por casamento. Trata-se de uma família de Foz Coa que depois, por circunstâncias da vida, acabou por se fixar em outros pontos do país, nomeadamente Matosinhos e Porto, onde o meu avô, ligado ao Vinho do Porto, exercia a sua atividade profissional. 

Não vou elaborar sobre o curriculum de Guilherme de Castilho, porque foi já no essencial referido pelo Sr. Presidente da Câmara. Quero apenas sublinhar que o meu pai manteve sempre uma ligação muito forte com Vila Nova de Foz Coa e com os familiares e amigos que aqui viviam. Muitas vezes nos deslocámos a Foz Côa, em Setembro no período das vindimas e da colheita das amêndoas numa propriedade chamada “A Broeira” (onde foi encontrada uma das gravuras paleolíticas). 

Mas também em outras ocasiões. Lembro-me, por exemplo, que regressados de Hong Kong - onde o meu pai, no desempenho da sua atividade como diplomata, tinha exercido o cargo de Cônsul - entrámos em Portugal de automóvel pela fronteira de Vilar Formoso e dirigimo-nos em primeiro lugar a Vila Nova de Foz Coa. Após seis anos de ausência no estrangeiro, o meu pai quis começar por renovar os seus contactos com as pessoas suas conhecidas na terra onde nasceu. Como diplomata, Guilherme de Castilho viveu muitos anos no estrangeiro, não podendo deslocar-se a Foz Côa com a frequência que desejava. Mas as recordações de juventude ligadas à terra natal foram um dos elementos fortes na formação da sua personalidade e da sua sensibilidade"

(Presidente Gustavo Duarte, Paulo Castilho e Manuel Daniel, observando pormenores da exposição)

"Gostaria agora apenas de muito rapidamente dar uma ideia de quem era Guilherme de Castilho. Começarei por dizer que Guilherme de Castilho era  um homem totalmente dedicado às letras. Pertencia a um grupo de pessoas, o grupo que se formou à volta da revista “Presença”, que lançou em Portugal o segundo modernismo, para quem a ligação às artes era a coisa mais importante. Tratava-se  de uma geração que tinha como ideologia a ideia de que só através do espírito se tem acesso à verdade sobre a vida e sobre o mundo. Era uma geração com um profundo desprezo pela vida mundana, pela publicidade, pelo sucesso, valores que hoje em dia se tornaram dominantes. Encontramos nesta exposição uma carta de José Régio em que surge uma frase que resume este espírito: “mantenhamo-nos nós trabalhando, os que não consentimos em nos sacrificarmos a esse pobre, velho ídolo da ação imediata!”. A carta foi escrita em 1936 e resume bem as convicções e a atitude daquele grupo. Estou convencido que ficariam profundamente consternados se pudessem ver como hoje em dia a arte está em grande parte transformada num bem de consumo, em espetáculo, em mero entretenimento.


Era outra época, na verdade quase outro mundo, em que as coisas eram diferentes, umas piores, mas outras seguramente melhores. A cultura, por exemplo, era mais séria e profunda. Guilherme de Castilho foi um ensaísta atento e de grande erudição, com uma sólida formação de raiz católica. Foi formado numa cultura sem facilidades, sem atalhos, uma cultura adquirida na longa e cuidadosa leitura dos livros que importavam, na troca de ideias com os escritores e artistas mais relevantes do seu tempo.


Em termos concretos, a aplicação destes princípios teve como resultado uma obra caracterizada pelo rigor e profundidade da análise e pela clareza e elegância da escrita, expressas numa multiplicidade de ensaios e nas biografias de António Nobre e Raúl Brandão. 

 Para transmitir uma ideia da personalidade do meu pai a quem não o conheceu eu diria que era uma pessoa extremamente discreta, que nunca alardeava os seus  conhecimentos. Não era, contudo, um homem de temperamento austero, embora também não fosse dado à emoção fácil ou ao sentimentalismo. Era uma pessoa muito afável e conquistava facilmente e sem nenhum esforço a estima e a amizade de quem o contactava.


Mas para nós, para a família, para as gerações que lhe sucederam, o que de mais importante nos ficou foi o exemplo de uma vida orientada pelos valores do humanismo, da tolerância, do conhecimento, da dúvida, da procura, da curiosidade, ou seja, os verdadeiros valores da vida e do espírito - que ao longo dos anos ajudaram a guiar-nos nas nossas próprias vidas. - Muito Obrigado”


Sem dúvida, belos exemplos de vidas que, Guilherme de Castilho e  Zulmira Pires de Lima Castilho,  souberam transmitir ao seus filhos, recordados por Paulo Castilho, que, a referida mostra,  ali pode também documentar e que vale a pena visitar . Nessa mesma tarde, a exposição foi ainda visitada por António Gouveia, que nos falou da estreita relação que seu pai teve  - e  também ele  – com o General Albertino Margarido,  primo direito e sobrinho de Cândida Margarido. E, ainda, com Alberto Teixeira Margarido,  avô de Guilherme de Castilho -  O General Albertino Margarido teve duas filhas: Maria Elisa e Maria Manuela., segundo nos disse Paulo Castilho.

 O DIPLOMATA E ESCRITOR 

(No jardim com os escritores Meneres de Campos, Alberto de Serpa, Adolfo Casais Monteiro e José Marinho em 1939)

A sua vida foi discreta, mas muito multifacetada e profícua. Não passou despercebida ao Jornal de letras, que, pouco depois da sua morte, lhe haveria de dedicar duas páginas, com este lide: “Faleceu, no passado dia 28 de Dezembro, com 75 anos, tão discretamente como sempre viveu, um nome destacado dos estudos literários portugueses, a quem se ficaram a dever, designadamente, as que são, porventura, as mais importantes obras sobre António Nobre e Raul Brandão” É desse extenso artigo de que nos servimos, para aqui transcrevermos algumas passagens (excertos) 

(Jorge de Sena e Guilherme de Castillho)

Foi na segunda fase da coimbrã Presença, nos anos 30, que, pela primeira vez surgiu, como critico literário, Guilherme de Castilho. Naquele célebre folha, cujo nº 1 saiu a 10 de Março, em que pontificaram figuras como José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, seus primeiros directores, Miguel Torga – que com Branquinho e  Edmundo Bettencourt em breve a deixariam  - ou Casais Monteiro, também seu director desde 1931, naquela“folha”, dizíamos, publicou Guilherme Castilho os seus primeiros trabalhos desde logo se revelando, segundo Gaspar Simões, “um agudo espírito crítico”. E ali publicou, em 1936, no número dedicado a Fernando Pessoa,  o seu Alberto Caeiro – Ensaio de Interpretação Poética.

Amizade e correspondência com Jorge de Sena

Terminado o curso, Guilherme Castilho, desde logo pretende seguir a carreira diplomática, o que não consegue, dedicando-se ao ensino, tendo leccionado num liceu do Porto, ao mesmo tempo que prossegue uma colaboração nas páginas literárias de diversos diários de Lisboa e Porto, nomeadamente, na Revista de Portugal, Mundo Literário e Sara Nova, entre outras.

(David Mourão-Ferreira, Gaspar Simões) com a mulher (escritora Marta de Lima), escritores David-Mourão Ferreira e João Gaspar Simões, anos 70 - Foto inédita - gentilemente enviada, entre outras, por Paulo Castiho)

Em 1937, sai  o seu primeiro livro de tema filosófico, Bergson – ensaio de interpretação – título que, de certo modo, retoma o do trabalho que dedicou ao autor  de “O guardador de rebanhos”  – É no Porto, por essa altura,  que conhece o estudante de engenharia Jorge de Sena, de quem ficaria amigo e com o qual, durante mais de um quarto de século trocaria correspondência. Também nessa época Guilherme Castilho começará a dedicar-se a uma outra actividade que esporadicamente o ocupará: a tradução de obras de qualidade. – Em 1941 Guilherme casa-se com Zulmira Pires de Lima, a futura escritora Marta de Lima, prémio revelação da SPE. Em 1942, publica, por encomenda da Livrara Tavares Martins, “Noções Elementares de Psicologia”. (...)  Por aquela época Guilherme Castilho faz  também alguns trabalhos para a Portugal Editora, então dirigida por Gaspar Simões, e selecciona, prefacia e anota, “Os Melhores Contos Portugueses”. Em 1945 dirige, ainda no Porto, o suplemento literário do diário “A Tarde”, para o qual solicita a colaboração de Jorge Sena, entre outros, e em 1947 publica, nas Perspectivas da Literatura Portuguesa do Séc.XX, um estudo sobre Júlio Lourenço Pinto. Mas, já por essa altura a sua paixão e o seu principal tema de interesse  era António Nobre, tendo publicado , em 1950, um estudo/biografia(reeditada em 1968)que ficou a constituir uma obra fundamental sobre o poeta  e que revela a sua probidade e capacidade de investigador ensaísta. Em 1969 Guilherme Castilho regressa a Nobre, com o livro que lhe dedica na colecção “A Obra e o Homem, da Arcádia (o qual é reeditado em 1977),e em 1967 dá a lume a Correspondência de António Nobre, que organiza, prefacia e anota.

A vida de Guilherme Castilho conhecera, entretanto, uma mudança profunda, quase no termos dos anos 40, mais precisamente em 1948: ele consegue, enfim, entrar na carreira diplomática. E, assim, já com dois filhos – um deles, Paulo de Castilho, que virá a ser também escritor, “revelado” com o prémio Diário de Notícias”,. Em 1984 -, parte para o seu primeiro posto diplomático, em Pretória, onde se mantém até finais de 51. Passa depois por Copenhaga, de 53 a 58 está em Hong-Kong, de 61 a 65 é conselheiro da Embaixada em Paris – e, além de mais, dá lições sobre literatura portuguesa em Universidades, como a Sorbone, e em outras instituições culturais.

É de Paris ainda que, em 63, Castilho comunica a Jorge de Sena que tem pronto um estudo – antologia sobre Eugénio de Castro. (...) Culminado uma carreira diplomática também brilhante – e que não foi mais destacada só porque nunca se mostrou afecto ao Estado Novo – Guilherme de Castilho é nomeado embaixador. Em Santiago do Chile, e mais tarde, em Viana de Áustria, onde atingiu o limite de idade. Os seus estudos literários, porém, não param. E uma outra “paixão” ganha igualmente corpo: Raul Brandão. Em 68 assina um Prefácio “excelente”, como qualifica David Mourão Ferreira, à Obra Poética de Saul Dias, um dos seus bons amigos, saída na colecção “Poetas de Hoje”. E são precisos mais dez anos para que, finalmente, venha a lume a sua excepcional Vida e Obra de Raul Brandão, com a chancela da Bertrand, que constitui, nas suas 522 páginas, o mais completo e notável “ensaio de interpretação”. (...) Em  1981 sai, pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, a Correspondência de Sena-Guilherme de Castilho. (...) Em Setembro de 1988, a também completíssima  Correspondência de Eça de Queirós  (2 volumes de 648 e 640 páginas cada um), com “leitura”, coordenação, prefácio e notas de sua autoria – Já reformado da sua actividade passa a integrar a Comissão de Leitura das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, dirigida por David Mourão Ferreira (...) Face ao interesse e riqueza da sua obra crítica dispersa, a Imprensa Nacional/Casa da Moeda, sob a direcção editorial  de Vasco Graça Moura, convida-o, entretanto, a reunir em livro essa sua produção – o que ele fez, acrescentando-lhe ainda um ensaio inédito(...) Mas esse livro, intitulado Presença de Espírito, que reuniria textos sobre múltiplos escritores e pintores do século XX, desde Camilo Pessanha a Viera da Silva, só acabaria de ser publicado após a sua morte. – Excertos do Jornal de Letras de 5 de Janeiro de 1988."

.Reportagem de Jorge Trabulo Marques - Jornalista profissional

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