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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Natália Correia e o Botequim da Liberdade Nasceu em 13-09-1923 Açores - Faleceu em lisboa – 16-03-1993 –Recordando a sua memória, em Noites Loucas, de alegria, música, convívio e poesia, num dos raros bares da boémia lisboeta, na década de 70 e 80, onde a poesia, o convívio, a tertúlia, em qualquer momento se soltavam e davam largas à sua expressão mais alegre e calorosa..

                                                                      Jorge Trabulo Marques 


Foto obtida à saída de uma festa de gala no Casino Estoril - Natália Correia e a sua corte - Na qual está também - no primeiro plano  Dórdio Guimarães, o fiel companheiro de todas as horas de Natália,  de costas voltadas para o fotógrafo; um pouco mais à esquerda, está  Fernando Grade, e,  quase a servirem de guarda-costas, Francisco Baptista Russo e Fernando Dacosta, agora de novo com mais uma bela surpresa literária  - Não me ocorre o nome das outras suas amigas.

Em Memória de Natália Correia e do Botequim - Em Noites Loucas, de alegria, música, convívio e poesia 



 Vídeo editado neste poste, em 04-010-2016 -  Um dos raros bares da boémia lisboeta, na década de 70 e 80, onde a poesia, o convívio, a tertúlia, em qualquer momento se soltavam e davam largas à sua expressão mais alegre e calorosa.. Era conhecido pelo Botequim de Natália Correia – A mais ilustre filha açoriana, fez história e deixou memória – Tanto no meio intelectual, como musical e politico - (Fajã de Baixo, São Miguel,13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993) - Tive o prazer de ter sido um dos  frequentadores, daquele emblemático espaço, do qual guardo recordações inesquecíveis – Até no registo dos sons, da leitura de poemas e das entrevistas que me concedeu para a Rádio Comercial - Natália, mais que uma figura inigualável, é hoje uma lenda viva – Quem é que, tendo-a conhecido, hoje esquecerá essa figura? “ Forte , frágil, bela, talentosa, contraditória.. Tal como nos géneros literários que cultivou" - Lé-se em Fotografia de Natália Correia - por Ana Paula Costa

Algumas das entrevistas da minha atividade profissional,  foram congeminadas sob a inspiração de Natália Correia, nomeadamente as publicadas no Tal e Qual,  sobre "a primeira relação sexual" - A Graça Lobo; Afonso Moura Guedes; Carlos Botelho; Raul Solnado; Ivone Silva; Narana Coissoró; Ary dos Santos; Raul Calado; Simone de Oliveira; Vitorino de Almeida.

E  à própria  Amália, até hoje ainda inédita, devido à fuga rocambolesca  de sua casa.  Às tantas desistiu da entrevista, quis apanhar-me o gravador e a  cassete e eu tive que raspar-me, com ela e a Maluda  a correrem escadas abaixo até à rua atrás de mim e mais o Vicente, a irmã e duas amigas. Só descansei quando apanhei um táxi.  Mas a culpa também era dela, porque, quando ali cheguei, a conversa já era picante. E nem ela nem ninguém alterou a tónica dos episódios,  nem sequer ela deu mostras de ter pressa. Pelo contrário,  diverti-me com as  risadas, sentindo-me perfeitamente  integrado na tertúlia, como se fizesse parte das visitas habituais da casa. Aliás, já ali havia estado por duas vezes, para a entrevistar para a Rádio Comercial, e esta era a terceira. Pois  admirava muito a minha faceta de navegador solitário nas canoas pelo Golfo da Guiné.



Embora não tendo mostrado a gravação, respeitando pois o desejo de Amália,  o simples facto de ter narrado o episódio no Botequim, foi motivo de hilariantes chalaças e  de sonantes gargalhadas por Natália e outras amigas, que se divertiram com os  tabus da grande fadista - Até porque a entrevista também havia sido combinada diretamente pelo telefone do bar. Com a entrevista a Afonso Moura Guedes, então  Presidente   Parlamentar da bancada do PPD, também viria a passar-se algo inesperado, com a publicação agressiva e destemperada de Vera Lagoa, no jornal o Diabo, a cujo artigo, Natália Correia, soube dar resposta adequada, no Diário de Notícias.






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MAS DO QUE O FERNANDO DACOSTA  SE HAVERIA DE LEMBRAR...





Estas linhas (que ainda não sei bem onde me irão  levar), ativada que foi a memória, era para serem escritas, ontem, dia 13, Sexta-feira, dia em que, se Natália Correia, fosse viva, completaria 90 anos - Não o fiz pelo simples facto de que, tendo comprado o livro de véspera, na FNAC do Chiado, a sua leitura, não só me absorveu, como me fez acreditar que, afinal, a autora da Mátria, mas de tantos e tão belos livros de poesia, romance,  ensaio, crónica, sim, a espantosa mulher com quem também tive o prazer de partilhar as inesquecíveis tertúlias do Botequim, ainda estava  viva - Tal a profusão de memórias, de tão extraordinários momentos e recordações que tão magnifica obra me proporcionou  - Umas vezes fazendo-me sorrir, outras, não conseguindo suster as lágrimas mais teimosas, como se ainda estivesse ouvindo as mesmas vozes, as palmas e as gargalhadas, que ecoavam naquele singular microcosmo, entre as quais se destacava, inconfundivelmente, a de Natália, sim, que nem os sons do piano conseguiam abafar, num espaço, tão único e tão singular das noites lisboetas, mais propriamente do largo da Graça, ao  mesmo tempo poético e político, social, sociável e cultural, esotérico, intimista,   amistoso, confessional e familiar. 

Pequeno espaço  mas que, em certas noites, parecia ser a grande aeronave espacial que nos levava nunca se sabia bem a que parte - tanto ao  perto, como bem ao longe: aos enredos e  intrigas de Belém, de S. Bento, no cotejo desta ou daquela figura,  em  conciliábulos conspiratórios, acaloradas discussões ou inesperados debates, mostras de pintura, lançamento  de livros, récitas de poesia, música e canto, fazendo-nos divagar, sabe-se lá por onde e por que confins, e a falar de alguém, morto ou vivo,  indo ao fundo da história e da literatura, levando-nos por oceanos a fora, não só ao Brasil, como a Cabo Verde, S. Tomé, Angola, Moçambique, a Macau e a Timor, aos vários pontos do Mundo. Temas não faltavam:  falava-se de tudo, frontalmente  e não em surdina ou de forma brejeira - Falava-se, sem  preconceitos mas sempre de modo vivo, curioso  e interessante, mas com a reverência de que havia ali uma rainha  que exigia vassalagem, culta, multifacetada  e carinhosa, que  adorava o convívio, que encantava e provocava a  curiosidade,   o diálogo, a ousadia, a imaginação,   conquanto não raiasse o palavrão ou o insulto -Tal como na sua escrita (desde a poesia, narrativa ao teatro) e na suas intervenções públicas,  Natália Correia, era a mulher da insubmissão, que criticava e questionava, abrindo as portas à  indignação e  à rebeldia, num tom mesclado com a tónica do humor, do  sarcasmo. Tinha resposta imediata, tal como ao fingimento ou à sobranceria:

Certa noite, uns sujeitos engravatados  e graves entram e sentam-se a uma mesa isolada, junto ao piano - recorda, Fernando Dacosta  - Natália segue-os  com o olhar, surpresa por não a terem reverenciado. De soslaio, passa a observá-los e a detestá-los.

«Esquisitos, parecem policias!» , exclama entre pequena fúria e grande curiosidade - a curiosidade matava-a.
Não se contendo, levanta-se em voo largo e picou sobre o Carlinho, pedindo-lhe música branda.
Um dos estranhos  ergue-se e dirigiu-se-lhe: "Senhora D. Natália, nós somos juízes e queríamos..."

Ela fulminou-o: "Juízes? Eu não gosto de gente dos tribunais!"
O seu interlocutor corrigiu: "Mas nós somos dos Estudos Judiciários..."
Ela voltou a fulminá-los: "Da judiciária?!"
Não, dos Estudos Judiciários", exclamou.
"Ora, é tudo a mesma coisa!", e virou-lhe as costas.

Sim, Natália detestava  a bajulação mas sabia que era diferente e gostava que essa diferença fosse reconhecida - Amante da critica, da contestação,  da liberdade de expressão, antes e depois de Abril. Mas, intrinsecamente, de dentro para fora e não por imposição externa.  Foi deputada pelo PSD, mas, justamente por via da sua insubmissão à castradora doutrina partidária, não tardou a ficar desiludida "das formações políticas existentes entre nós" Processada pelo partido, que lhe "moveu dois processos disciplinares  por desrespeito dos estatutos, o seu nome não demorou, como consequência,  de deixar de interessar aos partidos  - E, afinal, porquê?..  Estava-se no tempo em que a AD  defendia "uma maioria, um governo e um presidente"  - "Natália torceu o nariz ao solagn lançado por Sá Carneiro" , recorda, Fernando Dacosta, referindo que Natália objectava ser  essa situação "uma antecâmara para totalitarismos", pois, sem crítica, sem contestação, "pilares da liberdade", não há democracia.  
«IATE DE LUXO - "A magia do Botequim tornava-se, nas noites de festa, feérica. Como um iate de luxo. Navegava-se delirantemente  em demanda de continentes venturosos (ilhas e amores) que nunca se encontravam.

«o importante não era alcançá-los, mas procurá-los», sobre ondas de fantasia e desmesura»

«As tertúlias proporcionavam  a "comunhão com pessoas de espírito e de ousadia. vingará ela, «por isso, são fundamentais para se evitar  a cultura desvivenciada, pois  só quando se está muito na vida se pode transmiti-la aos outro. As reverberações das músicas, das luzes, dos vinhos, dos fumos, tudo faziam possível, apetecível."

FALAVA-SE DA VIDA E DA MORTE - E ATÉ DO INVISÍVEL, DO ALÉM

  Sim naquele então já mítico e lendário espaço, falava-se questões atuais e de futurologia: da vida e até da morte - Aliás, foi ali que, numa certa noite, lhe gravei. para a Rádio Comercial, um lindo poema em resposta a um inquérito que mesmo ali iniciei sobre a morte, sua resposta:  "Não me chorem, não é morte/ é só invisibilidade/ (...) Não sou católica. / Mas se missa me rezarem/pela alma, não me importa"




TOCADA PELO SAGRADO - Diz Fernando Dacosta  - "Não se tornava fácil compreende-la, nem amá-la. Fazê-lo, exigia sentimentos, disponibilidades especiais. Era um ser tocado pelo sagrado, um desses seres que não cabem no espaço que lhes foi destinado, nem no corpo, nem nas normas, nem nos modelos, nem nos sentimentos. Chegava a assustar."

"Os que não a aguentavam combatiam-na não pelas suas ideias, mas pelos seus tiques, não pela sua criação, mas pela sua distracção, tentando reduzi-la a anedotários de efeitos fáceis e falsos."

"Ao mesmo tempo forte e desprotegida, imponente e indefesa, egoísta e generosa, arguta e ingénua, dissimulada e frontal, sentia-se, ante as coisas rasteiras (e as pessoas, e as acções), perdida; só as grandes a tocavam, galvanizando-a. Então, toda ela era golpe de asa, vertigem"

E TAMBÉM “ENERGIA FLUTUANTE”

"Privilegiada  pelo  destino (com o talento, com a sedução), pelos íntimos (com o amor com a entrega), pelos amigos (com a lealdade, com a dádiva), a Natália viu a vida ir ter  consigo, enleando-a, dilatando-a.

A  paixão pelo superior adiantou-a, desde criança, ao seu meio. Entre a realidade que lhe coube partilhar  e a ficção que lhe coube voltear, foi ardendo nas margens da maior  imprevisibilidade."

"ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO"


Num país de brandos costumes, a vingança serve-se fria e ao jantar - Fernando Dacosta, além dos notável testemunho que legou a todos quanto admiraram Natália e continuam adorar a sua obra,  sim, a quem felicito pelo excelente livro, certo já do seu êxito, de que lhe vão suceder várias edições, conta que "Dias depois  de Natália ter falecido, alguém na RTP" convida-me para fazer um programa para a rubrica "letras e Artes" sobre a sua vida. Dias volvidos, a mesma pessoa contacta-me, envergonhada: os responsáveis da estação opunham-se, Natália continuava-lhes (mesmo morta), insuportável.

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