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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Oleiros de Santa Comba e Barreira – A saudade e a memória de talentosos artesãos que convém preservar - Conhecidos por Louceiros: eram a imagem típica destas duas freguesias de Foz Côa e Mêda, onde floresceu um dos núcleos de artesãos, mais recuados da antiguidade e da herança judaica.

 JORGE TRABULO MARQUE S- JORNALISTA E INVESTIGADOR 

Unidos por elos comuns dos mesmos saberes e as mesmas raízes ancestrais familiares – Um dos quais, natural de Santa Comba, o oleiro Manuel Ribeiro.  tive oportunidade de o fotografar em Figueira de Castelo Rodrigo, onde se instalou   a sua olaria

Quem já esqueceu o prodígio das suas  peças de barro: desde cântaros, bilhas, potes, talhas, barris, tigelas, pratos, púcaros ou panelos e alguidares que se destinavam-se ao armazenamento de líquidos e sólidos (água das fontes, azeite, azeitonas, castanha, feijão, mel, fumeiro e  queijos) ou até para fazer a comida ao lume

Os seus artefactos de barro, e eles próprios, eram a imagem singular que ainda hoje povoa a memória de todos aqueles, sobretudo  até aos anos 70 e 80, que os viam moldar as suas variadíssimas peças – qual ato de criação divina! – herdando saberes que iam passando de pais para filhos e netos, que urgia preservar com a criação de um museu local e uma olarias para desmonstração e memória futura, até para dar nova vida  a estas aldeias e  evitar o seu completo despovoamento. É reconhecido que “a olaria é uma das marcas mais fascinantes que nos ficou das sociedades pré-industriais”, cujos vestígios tendem a desaparecer, pelo que “a recuperação da memória destes centros oleiros ou mesmo o restabelecimento de uma produção artesanal com características únicas e multiseculares é um desafio para as diversas entidades envolvidas no desenvolvimento e promoção desta região”

Sim, que os esquece: a caminhar à  frente dos seus machos ou burros, com a loiça empoleirada nos seus dorsos e  de rédea pela mão, percorrendo as mais diversas povoações do distrito da Guarda ou mesmo por Trás-os-Montes e Alto Douro, apregoando  a sua  louça de porta em porta,  emblemáticas figuras  nas feiras da região, onde ostentavam as suas maravilhas saídas do barro e das suas hábeis mãos. Especialmente nos mercados de V. N. de Foz Côa e Meda, englobando, por vezes, algumas zonas da Pesqueira, Trancoso, Pinhel, Moncorvo, Carviçais,  Figueira, Almeida e  Castelo Rodrigo -

Valendo-me de um interessante estudo elaborado por Fernando Castro e Isabel Maria Fernandes, tomo a liberdade de aqui transcrever  alguns excertos sobre os  oleiros de Santa Comba -Foz Côa- e da Barreira  - Mêda, que, segundo os mesmos investigadores, começam por referir, iam  buscar  o barro que utilizavam às mesmas  barreiras e eram semelhantes  os  instrumentos  de  trabalho  e  a loiça  produzida.

Estes dois estudiosos: Fernando Castro,  Professor Catedrático, Universidade do Minho. Departamento de Engenharia Mecânica; Diretor do Laboratório de Análises Químicas da TecMinho, bem como Isabel Maria Fernandes, Diretora do Museu de Alberto Sampaio, fazem uma abordagem do modo de preparar o barro nas olarias de loiça vermelha do distrito da Guarda – Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa), Barreira (Meda); Malhada Sorda (Almeida); e Paranhos e Carvalhal da Louça (Seia), fazendo-se referência aos autores que até ao momento trataram o tema.

Vou passar a reproduzir apenas a parte do estudo referente às duas freguesias vizinhas, Santa Comba e Barreira

Rferem que “estes oleiros usavam a roda alta ou torno, sendo tarefa  feita apenas pelos  homens. As  mulheres ajudavam na  preparação do barro e na cozedura bem como na venda  da loiça (LIMA, 2003: 80-81). Hoje já ninguém trabalha à roda em Santa Comba nem na Barreira

Fortunato Freire Temudo para além de referir o fabrico de loiça vermelha indica também os locais onde se produzia telha e tijolo: «No distrito da Guarda exerce-se a indústria cerâmica nos seguintes concelhos: Almeida, Seia, Celorico da Beira, Figueiró de Castelo Rodrigo, Guarda, Meda, Pinhel, Sabugal, Trancoso e Vila Nova de Foz Côa». Mas informa que o fabrico de loiça estava então apenas confinado a Malhada Sorda (concelho de Almeida), Paranhos e Carvalhal (concelho de Seia), Barreira (concelho de Meda) e Santa Comba (concelho de Vila Nova de Foz Côa)..


Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa, Guarda) Deve considerar-se os locais produtores de Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa) e de Barreira (Meda) como fazendo parte de um mesmo centro produtor. De facto, iam buscar o barro que utilizavam às mesmas barreiras e eram semelhantes os instrumentos de trabalho e a loiça produzida. Estes oleiros usavam a roda alta ou torno, sendo tarefa feita apenas pelos homens. As mulheres ajudavam na preparação do barro e na cozedura bem como na venda da loiça (LIMA, 2003: 80-81). Hoje já ninguém trabalha à roda em Santa Comba nem na Barreira. Charles Lepierre, em 1899, informa que a loiça de Santa Comba serve para «água e fogo» e que os oleiros costumavam misturar dois tipos diferentes de argila: 

«Uma é vermelha e a que os fabricantes chamam barro forte, e a outra mais ou menos branca a que chamam sujo. Misturam-se na proporção de duas partes de forte e uma de sujo, para manipular melhor e para maior consistência e resistência ao calor» (LEPIERRE, 1912: 38). Fortunato Temudo, em 1905, informa que em Santa Comba se fabrica «louça vermelha ordinária não vidrada», e que: «Os barreiros, que são abundantes ficam próximos da povoação, em terreno público, a uma distância média de cerca de 400 metros, e têm duas qualidades de barro, uma de cor vermelha, bastante ferruginosa e plástica, outra de cor cinzenta muito arenosa. Pela mistura destas duas espécies de barros, em partes sensivelmente iguais, é que os oleiros conseguem a pasta com que fabricam a louça. 

Os processos de preparação da pasta e a fabricação da louça são os mais rudimentares e primitivos. Na preparação da pasta nem ao menos joeiram o barro, para o purgarem das areias grossas que traz misturadas, tendo de as escolher à mão, na ocasião em que preparam as bolas com que hão-de ser fabricadas as diferentes peças de louça, serviço que ordinariamente é confiado às mulheres. De resto a curtimenta do barro e a sua amassadura são feitas pelos processos usuais já conhecidos. (…) As mulheres, raparigas e rapazes são geralmente empregados na condução do barro dos Barreiros, no transporte da água para os amassadouros, na escolha das areias grossas do barro, e em dar serventia aos oleiros, tanto na fabricação, como na cozedura da louça» (TEMUDO, 1905: 134-135). A produção de loiça terminou no final da década de 90 do século XX (PINTO, 1998: 81). Carla Teixeira Pinto dá-nos a conhecer como se trabalhava o barro nestas olarias: «A louça produzida em Santa Comba, de coloração alaranjada, era obtida a partir de argilas extraídas no lugar do Barreiro, situado nesta freguesia. O barro, transportado em machos, era de seguida depositado numa ‘preseira’ que se encontrava no exterior da ‘casinha’. Aí era partido, amolecido com bastante quantidade de água e finalmente pisado pelas patas dos animais referidos. 

Finda esta operação, era armazenado numa outra ‘preseira’ (esta por sua vez localizada no interior da ‘casinha’), coberto com um oleado, humedecido para não secar, e de onde era retirado conforme a necessidade. Mesmo ao lado ficava a mesa sobre a qual era amassado, tarefa assaz morosa desempenhada pelas mulheres da casa. Atento à modernidade [o oleiro] Manuel Joaquim Félix chegou a deslocar-se ao Carregal do Sal, onde adquire um aparelho que irá «revolucionar» na medida do possível, todo este processo. A inovação consistia num ‘relador’ de ferro fundido que, ‘puxado a machos’, moía o barro à sua passagem por uns cilindros de aço, esmagando os torrões de argila de maiores dimensões e poupando, desta feita, tempo e esforço. Por seu lado, os restantes oleiros existentes na freguesia continuavam a preparar o barro do único modo que sabiam, ou seja, manualmente, despendendo desta forma muito tempo a retirar as pedras de quartzo e feldspato que a argila, de fraca qualidade, continha em abundância. Assim, enquanto estes últimos produziam 10, 20, no máximo 30 cântaros por dia, Manuel Joaquim Félix fabricava 5 cântaros por hora, 50 por dia» (PINTO, 1998: 82-83).

Miguel Rodrigues informa que: «Tratando-se Santa Comba e Barreira, de duas povoações vizinhas o tipo de louça e as características técnicas da produção eram idênticas pelo que será mais correcto falar de apenas um centro oleiro, formado pelas duas aldeias. O barro era recolhido no lugar do Barreiro, a meio caminho entre as duas povoações, sendo utilizados dois tipos de argila: a vermelha, mais forte e a branca utilizada em menor quantidade para temperar o barro a ser utilizado pelo oleiro. Depois de secas as argilas eram trituradas, por vezes com a ajuda de um cilindro de granito movido por animais, amassadas e misturadas com água, numa proporção de 2 medidas de barro vermelho por uma de branco» (RODRIGUES, 2003: 78). Alexandra Cerveira Lima, em 2000, entrevista Almerinda dos Anjos Ribeiro (nascida em 1905), filha do oleiro António Luís Ribeiro, sendo informada de que na: «Adolescência e juventude [esta] vendeu, com a irmã mais velha dez anos, Ana de Lurdes, a louça que o pai fazia. Como as demais famílias de oleiros da freguesia não tinham terras, nem suas, nem arrendadas, a olaria era o património e o sustento familiar para que todos concorriam. A mãe preparava o barro, vendia também as peças acabadas. No processo de cozedura e desenfornamento todos ajudavam. Quando, era Almerinda adolescente, o pai morreu, ao aluir o barranco de onde extraía o barro, o irmão mais novo já tinha aprendido a arte e passou a trabalhar na roda. (…) O pai arrancava o barro no barreiro e os três filhos ajudavam no transporte; a fase seguinte era a preparação do barro, a mãe mondava-o sobre uma mesa de madeira: retirava as pedras, juntava água, alisava, fazia as telas [sic, é erro, leia-se pélas] que colocava na roda e que o oleiro ia unindo para erguer as peças grandes» (LIMA, 2003: 80).


Em Dezembro de 2005, os autores deste texto estiveram em Santa Comba e tiveram oportunidade de falar com a Senhora Maria Augusta Félix Leonardo, filha do oleiro Manuel Joaquim Félix que Carla Pinto entrevistou (PINTO, 1998: 81-86). Ela e seu marido são donos do café Leonardo que fica no cimo do povo, junto à Capela de Nossa Senhora da Saúde. Explicou-nos a dona Maria Augusta que barro era explorado no cimo do povo, nos «barreiros». Exploravam o barro em propriedade que lhes pertencia. O barro era arrancado com enxada, metido em sacos e transportado em machos que eram propriedade do oleiro. Extraíam dois tipos de barro: o barro vermelho e o barro «sujo», que misturavam em proporções iguais. O barro vermelho era como o nome indica de cor vermelha, o barro sujo era cinzento com veios de avermelhado3 . Quando o barro chegava à oficina era imediatamente guardado. Não precisava de ser seco. Quando queriam preparar o barro colocavam-no na «preseira», que se situava ao ar livre. Aí o barro era «partido» com um sacho, molhado com água e «masgado» com as patas de um par de machos que pertenciam ao oleiro. O «loiceiro» colocava-se no meio da «preseira», descalço, em cima de uma pedra, (um «pinoquinho» na expressão da Dona Maria Augusta), e daí conduzia o par de machos que iam pisando o barro. Mais tarde o processo passou a ser diferente, numa outra preseira, que já ficava dentro de casa, era masgado com um «relador», constituído por dois cilindros entre os quais passava o barro que saía com a forma de lastras finas. Este relador era puxado por um macho. Como sabemos por informação de Carla Pinto este relador foi uma inovação introduzida no povo pelo oleiro Manuel Joaquim Félix.

De seguida o barro era colocado numa mesa onde as mulheres o mondavam e preparavam as «pélas», ou seja, uma espécie de cilindro de barro que depois, com o auxílio das mãos, era arredondado na parte superior. Ao fazer as pélas as mulheres tratavam de tirar do barro alguma impureza que este contivesse. Nesta operação havia sempre um recipiente com água onde iam molhando as mãos. Tivemos também oportunidade de dialogar com o Sr. Marcelo Filipe Lopes Silvestre, que é Técnico-profissional do Parque Arqueológico de Foz Côa e que é neto  e sobrinho de oleiros. Com ele fomos até à propriedade do oleiro Silveira, falecido há vários anos e que, apesar de viver no povo possuía a sua oficina de olaria afastada do núcleo populacional, situada no lugar da Atalaia e hoje desactivada, servindo actualmente de curral. O Sr. Silveira era natural da Barreira mas havia casado com uma senhora de Santa Comba. Na propriedade, murada, ainda existe: a casa onde o oleiro trabalhava telhada a telha vã, só com uma porta e nenhuma janela (dimensões: comp. 8,30m; larg. 6,45m), e que hoje se encontra completamente vazia; a preseira situada fora da casa, de forma circular, e na qual o barro era pisado pela pata dos machos (Diâmetro: cerca de 2,60m; larg. do murete que circunda a preseira cerca de 30 cm); e o forno, também de forma circular, do tipo descoberto já um pouco derruído (Dimensões: medida exterior diâm.: 3m; medida interior diâm.: 2,15m. Profundidade interior do forno: 1,5m) e uma picota de onde era extraída a água. Recolhemos amostras (cacos) de peças no forno do Ti António Silveira as quais foram analisadas e constam neste artigo, e trouxemos mesmo três partes de peças (um cântaro, uma panela e um bojo, talvez de talha)

Nesta freguesia, que fica a 10 quilómetros da sede do concelho, há muitos e abundantes barreiros, distinguindo-se neles três qualidades de barro, que os oleiros misturam em proporções convenientes para obterem a pasta com que fabricam a louça”

1.2 Barreira (Meda, Guarda) Ao descrevermos o fabrico de loiça em Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa) tivemos oportunidade de dizer que ambos os locais faziam parte de um mesmo centro produtor, sendo que o barro utilizado iam buscá-lo ao mesmo barreiro, e que semelhantes eram os instrumentos de trabalho e a loiça produzida. Fortunato Temudo dá-nos conta de como estes oleiros trabalhavam o barro: «Nesta freguesia, que fica a 10 quilómetros da sede do concelho, há muitos e abundantes barreiros, distinguindo-se neles três qualidades de barro, que os oleiros misturam em proporções convenientes para obterem a pasta com que fabricam a louça. Um destes barros é de cor de tijolo desbotado, bastante ferruginoso e muito plástico; outro de cor cinzento-clara, absolutamente desprovido de areia, e ainda com mais plasticidade que o primeiro; o terceiro que é de cor esbranquiçada e muito arenoso, é uma espécie de saibro com que temperam a pasta para que a louça não fenda enquanto exposta ao sol nos enxugadouros e sequeiras. Os processos para a preparação da pasta e fabricação da louça são dos mais rudimentares. Na preparação da pasta chegam a não joeirar o barro para o limpar das areias grossas que traz, deixando este trabalho para mais tarde ser feito pelas mulheres e raparigas quando preparam as bolas com que hão-de ser feitas as diferentes peças de louça. (…) As mulheres e as menores são geralmente empregados na condução do barro dos barreiros, no transporte de água para os amassadouros, na escolha das areias grossas que vêm misturadas no barro, e em dar serventia aos oleiros tanto na fabricação da louça como na sua cozedura» (TEMUDO, 1905: 127-128).

Repare-se que Fortunato Temudo refere a mistura de três diferentes espécies de barro e não duas como acontece em Santa Comba, o que é estranho dado que em Santa Comba, apenas usavam duas. Miguel Rodrigues ainda chegou a falar com o último oleiro da Barreira, entretanto falecido: «O Sr. Alberto Andrade, descendente de uma família de oleiros e que, após uma permanência no estrangeiro» voltou a produzir esporadicamente loiça, «normalmente por encomenda» (RODRIGUES, 2003: 77-78). Os autores deste artigo estiveram na Barreira, em Dezembro de 2005. A freguesia da Barreira, encosta à de Santa Comba apesar de a primeira pertencer ao concelho de Meda e a segunda ao de Foz Côa. Pelo que nos informaram sempre houve deslocação de oleiros de uma freguesia para a outra. Já atrás referimos o facto de o oleiro Silveira ser da Barreira mas ter casado e ido viver para Santa Comba. De facto, não há diferenças na loiça produzida, no modo de preparar o barro nem nos fornos. O forno da Barreira está muito bem conservado e pertence à família do último «loiceiro», Alberto Andrade, que morreu recentemente. Desde que ele morreu a mulher foi viver para Lisboa para casa de um filho. Do forno fizemos várias fotografias e trouxemos cacos cuja caracterização química consta neste artigo

Vimos a casa onde vivia o loiceiro Alberto Andrade mas disseram-nos que «não foi a fazer cântaros que ganhou a casa. Os cântaros apenas davam para ir vivendo». De facto, o loiceiro Alberto Andrade emigrou para terras da França. Também nos informaram que este oleiro e o seu irmão Manuel Andrade tinham aprendido a arte com o oleiro José António Cruz que trabalhava no povo mas que era natural de Santa Comba.  https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/12336/1/RevistaOLARIA4_FC%20%2B%20IF.pdf

 

 

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