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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Maestro José Atalaia - Aniversário - Nasceu neste dia ,em 8 de Dezembro de 1927 - Recordo a reportagem no ÉCÔA, que lhe dediquei, em Foz Côa, no concerto Requiem de Mozart

JORGE TRABULO MARQUES - JORNALISTA


Deixou-se, há quase um ano; se fosse vivo, completaria hoje o seu 94ª aniservário - Faleceu em 19-02-2021, aos 93 anos, o Maestro, que dirigiu o concerto O Requiem de Mozart, há 26 anos a um concerto, em Foz Côa – em defesa das Gravuras do Vale do Côa, em Outubro de 1995, numa concavidade das pedreiras de xisto, quase sobranceira ao núcleo rupestre da Canada do Inferno -

Estive no local, solidário pela causa e em reportagem para o jornal ECÔA, onde colaborava regularmente, cujo texto aqui recordo, como singelo tributo, a um corajoso e brilhante maestro, discípulo de compositores como Luís de Freitas Branco e Joly Braga Santos,, que se destacou em programas televisivos e em “concertos informais” de divulgação da música erudita, ativo defensor da necessidade de “destruir a barreira entre o público e o artista”.

REQUIEM PELO VALE SAGRADO

Eis o texto que então publicamos no mensário ÉCÔA, na edição de Novembro de 1955, intitulado - REQUIEM PELO VALE SAGRADO



Não, não era um Cântico de finados, um coro à exaltação da morte ou uma qualquer interpretação fúnebre. Aquilo a que tivemos o prazer de assistir, o que largas centenas de pessoas puderam ouvir, em quase religioso silêncio, de modo algum poderia ser a encomenda do espírito de um lugar ao eterno descanso de Deus ou dos Deuses. Subitamente, quando aqueles sons, saídos do violinos , das flautas dos vários instrumentos de cerca de meia centena de músicos que compunham a denominada Orquestra de Solidariedade Internacional, logo seguidamente acompanhados pelas vozes de umas outras tantas figuras do Coro da Universidade de Leon (Espanha), irromperam do anfiteatro natural de um dos morros escavados da pedreira do poio, e ecoaram por toda aquela vasta redondeza, tudo, ali, como que por mágica sonoridade, nos pareceu ter-se rendido, de pronto, a algo mais subleve, a algo que transcendia a sintonia de uma orquestra, e que nos iria levar ao princípio de um mundo desconhecido ou como que por o caminhar de uma estrada de vozes, de maviosos sons, a um mundo sem fim ..

Esta foi a sensação que tivemos, e que por certo terá tido uma boa parte daquela heterogénea molhe de gente, que, desde o instante inicial praticamente não arredou pé E que por se manteve, quase que estática ou firmemente plantada, ao alto, ou então sentada ou encavalitada por tudo quanto era sítio, desde os degraus, quase naturais, da extração do xisto, aos amontoados de pedra solta, isto para já não falarmos dos que pareciam as leis do equilíbrio ao escolherem, para apreciarem a orquestra , os recortes mais íngremes, que ladeavam o dito palco, ali tão caprichosamente cravado, como que num verdadeiro convite ao próprio espetáculo

Sim, valeu a pena ali termos ido, ali termos estado, desde o primeiro ao último instante . Tão cedo não nos esqueceremos daqueles momentos. E deixaremos de nos lembrar , daquele fim de tarde de domingo, que, depois de um dia, que mais fizera pensar um tórrido sol de Agosto, se despedia, nostálgico, outonal, cobrindo-se de tons suaves de ouro, que por sua vez se foram espalhando como que em leque por aquele imenso espaço, de montes e canadas, sobretudo os que ficavam para além da margem direita do Côa, à medida que, do lado de cá, a ocidente, o horizonte se tingia de rubro, num tom, que, afina, também acabou por se espelhar pela batuta e pela figura, inconfundível e competente, do amestro, José Atalaya, o qual – se calhar apenas por graça superior – pôde continuar a dirigir a orquestra até ao último acorde, não obstante, ao luminoso crepúsculo, as sombras terem como que antecipado a noite

Obrigado maestro! Obrigado ao coro do vizinho país irmão e aos quatro solistas portugueses - Ana Ferraz, Marina Ferreira, Rui Teixeira e Vaz de Carvalho. E, naturalmente, também, aos organizadores de tão feliz iniciativa. Sabemos que as dificuldades foram muitas e os apoios muito parcos, nomeadamente da parte do Município local, que) pelos vistos, terá encarado o acontecimento, não como algo importante e invulgar para o nosso Concelho, pelo menos na sua vertente artística, mas mais como uma atitude, subversiva, dos que não desistem de se opor à construção da malfadada barragem – obviamente, porque em defesa do valiosíssimo património arqueológico do Côa



Oxalá a genial interpretação do "Requiem" de Mozart, para além dos momentos de rara beleza e solenidade com que viera reforçar aquilo iá mítico local, não fique tão somente pela grandiosidade do espectáculo em si, mas faça reflectir os que agora têm o poder de decidir sobre o futuro dos importantíssimos testemunhos que ali nos legaram os nossos antepassados, de que há memória, mais longínquos estão de nós.

Sim, porque, contrariamente ao que alguns terão pensado, os sons e o coro que ali se ouviu, não foi um hino à morte das gravuras rupestres, e muito menos um cântico fúnebre à própria barragem. Nada disso: por.um lado, porque o desaparecimento desta, só excepcionalmente poderia merecer tão sublime homenagem, o que não é o caso; por outro, porque, a ser verdade que, ao invés daquela, é a arte paleolítica do Côa, que desaparece, talvez a escolha musical, não fosse seguramente a mais adequada. E isto porque, tanto quanto nos permite a nossa cultura musical -, o "Requiem11 de Mozart é a glorificação de algo que parte, mas que não morre, que se exalta até à eternidade

Por isso, que se tranquilizem todos os defensores das gravuras, cuja escolha do tema, segundo se diz, não terá tido a aprovação de algumas sensibilidades, ,porque, o que, naquele fim de tarde, ali se entoou, foi o hino mais belo que alguma vez poderia ser interpretado, em defesa da sua perenidade. Sim, pois a cometer-se a barbaridade perpetrada, o destino daquele património, seria, então, bem mais negro e inglório.

Era de facto um fim. Mas jamais poderia ter a exaltação de um "Requiem" de Mozart.

De seu nome completo, José Maria Atalaya Mera Bonito Oliveira, nasceu em Lisboa, a 8 de Dezembro de 1927, perto do Rossio. Quando estudava no Instituto Superior Técnico, impressionado com o êxito de Joly Braga Santos, procurou, aos 19 anos, o compositor Luís de Freitas Branco, com quem estudou em regime domiciliário, análise musical, composição e história da música, de 19 a 1955, abandonando o curso de engenharia pela carreia musical, inicialmente como compositor, depois pela em musicologia, e, por fim, passando a interessar-se pela direção de orquestra, abraçando ao mesmo tempo a composição

Estudou, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, com Félix Prohaska (Alemanha), Hans Swarowsky (interpretação dos clássicos vienenses), Igor Markevich e Piero Bellugi, discípulo deste último (e de Berstein) com quem concluiu a formação de chefe de orquestra.

O regresso à composição demoraria 10 anos, e deu-se por influência de Pierre Boulez. Trabalhou depois com Pietro Grossi, que promoveu a execução das suas Variantes Rítmicas I sobre 4 sons sinusoidais, a primeira obra electrónica de autor português

 

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