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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Fernando Assis Pacheco - O poeta e jornalista, morreu, há 26 anos, em 30-11-95, à porta da livraria Bucholz, em Lisboa, um mês depois de ter erguido os braços num dos altares dos Templos do Sol, aldeia de Chãs, de Foz Côa

JORGE TRABULO MARQUES - Jornalista 

 

Fernando Assis Pacheco, morreu há 26 anos, em 30-11-95  - O poeta, jornalista, crítico, tradutor e escritor, amante de livros e da vida, morreu aos 58 anos, à porta da “Livraria Buchholz”,  em Lisboa, com um saco de livros na mão, acabados de comprar, um mês depois de ter erguido os braços num dos altares dos Templos do Sol, maciço dos Tambores, aldeia de Chãs, de Foz Côa, após ter ido fazer uma reportagem ao núcleo das gravuras do Côa, na Canada do Inferno, para a revista Visão, a que deu o titulo de A Canada do Tesouro, tendo como guia, o nosso amigo fozcoense, Adriano Ferreira, a quem também se deve a descoberta de algumas das importantes gravuras, cuja fotografia viria a figurar numa das páginas, daquela que seria a última grande reportagem de Fernando Assis Pacheco

Pelo que se depreende, tendo ali se despedido da vida, num gesto, porventura, premonitório da sua partida para a eternidade, creio de reconhecimento a Deus aos deuses por ter tido a oportunidade de contemplar estes abençoados e maravilhosos espaços, que, nossos antepassados, de outros tempos, ali cultuaram., celebrando os ciclos das Estações, evocando os seus ídolos.

É uma das pedras, que faz parte das nossas peregrinações poéticas, nas festividades dos Equinócios e solstícios, nos calendários solares, pré-históricos, ali existentes – Em 2006, já depois de o termos feito em 2005, prestámos-lhe ali uma singela homenagem, com a presença do filho, João Ruella Ramos Assis Pacheco e da filha, Rosa Ruella Ramos Assis Pacheco, que acendeu ali uma vela – E de sua esposa, Maria do Rosário Pinto Ruella Ramos, que, embora tendo acompanhado os filhos, até à aldeia, optou para li ficar aguardando o fim de cerimónia, não se deslocando ao local, dizendo que o sítio a iria emocionar muito. E, de facto, foram momentos brilhantes mas muito calorosos e emotivos

Em 2005, começamos a depositar, no centro daquele altar, coroas de flores, lendo poemas de vários poetas, e também dele, tendo o actor e músico, João Canto e Castro, acompanhado por Gonçalo Barata e Jorge de Carvalho, o pai do jovem que perdeu o filho numa expedição com João Garcia, nos Himalaias, lido ali alguns poemas e tocado uns acordes de violino, na presença dos dois filhos do poeta, jornalista escritor. A sua filha acendeu lá uma vela no centro dessa mesma pedra.

Encontrei-me com o Fernando Assis Pacheco,  num bar em Foz Côa, em Outubro daquele ano, em 1995.  Ao vermo-nos, como já nos conhecíamos das lides jornalísticas, cumprimentámo-nos calorosamente, tendo-o convidado a visitar aqueles lugares da minha aldeia, que já haviam merecido a atenção de Adriano Vasco Rodrigues, antigo Prof da Universidade Portucalense, em Gaia, que, num estudo publicado em 1982, sobre a História Remota da Mêda, classificando a Pedra da Cabeleira de Nª Sra., que tem a forma de um gigantesco crânio, encimada no altar de um recinto amuralhado, onde parece desafiar as leis da gravidade, como um local de sacrifícios, integrado cronologicamente na revolução neolítica - Se bem que, só, em 2001, por um feliz casso, eu pudesse constatar que os raios solares do nascer do sol, atravessavam a sua graciosa gruta, em forma semicircular, no primeiro dia do Equinócio da Primavera e do Outono.

E foi, então, quase ao fim da tarde daquele dia, que, acedendo, amavelmente, ao meu convite, acompanhado pelo repórter fotográfico, José Oliveira, se deslocou ao santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nª Srª, bem como a outros locais da área, que o deixariam verdadeiramente encantado, tendo prometido ali voltar - E, naturalmente, ainda longe de se saber, que existiam os tais calendários solares, que mais tarde, haveria eu de descobrir - E muito menos de se imaginar que esta seria a sua última despedida para sempre, deste local

- Rosa Ruella - Filha  de Fernando Assis Pacheco 

Sim, ele adorou. Ficou muito contente por ver aquelas pedras. Tendo chegado a perguntar-me, se o poeta Miguel Torga, também já ali havia estado.. Respondi-lhe que desconhecia; no entanto, anos depois, vim a saber, que até andou por ali à caça. segundo me confessou outro grande e saudoso poeta, Manuel Daniel, natural de Meda, que também ali se descolou a esta pedra a prestar-lhe a sua homenagem, que nos deixou em Janeiro passado – Natural da cidade da Mêda, onde  nasceu em 18 de Novembro de 1934.  Faleceu em 21 de Janeiro 2021, vitima da Covid 19 - Já depois de alguns anos de penosa situação de invisual, sem, no entanto, abdicar da sua verve poética

Um coração de poeta, que, embora não tendo alcançado a fama que deveria merecer, privou com Miguel Torga e escreveu algumas letras lidas por João Vilarét - Homem muito admirado e querido, não só na sua terra natal, em todo o concelho, bem como em V. Nova de Foz Côa, onde passou grande parte da sua vida, dedicado à causa pública e cuja obra intelectual, se estende em todos os géneros literários, perfeitas maravilhas de naturalidade , de graça, finura e sensibilidade, que encanta, sorri e toca profundamente quem glosa a sua poesia ou a sua prosa

JÁ SE HAVIA POSTO O SOL QUANDO DALI SAÍAMOS  - E também já estava a fazer-se demasiado tarde para a longa viagem que tinham pela frente, até Lisboa. 

Naquela altura, como disse, ainda não tinha descoberto, que alguns daqueles monumentos megalíticos, eram verdadeiros calendários solares pré-históricos - Mas ele estava muito encantado com a panorâmica e com o lugar. Quando estávamos a regressar do Castro do Curral da Pedra, ao vê-lo tão contente, pedi-lhe para subir ao alto de uma pedra, em forma de um pequeno altar e ali dizer umas palavrinhas mágicas( que eu lhe sugeri) - "Grande Foco! Força Criadora! Vida do Universo! ! - em louvor aos deuses destes lugares.


Olha, Fernando! Já que vais tão contente, sobe para aquela pedra e agradece ali aos deuses que aqui foram adorados, pelos antigos povos; agradece-lhe a tua vinda aqui! E assim fez, irradiando uma enorme alegria, abrindo espontaneamente os braços aos céus, num largo e expressivo sorriso, voltando-se em várias posições para com os quadrantes da Terra e repetindo umas palavrinhas que, em jeito de evocação, eu lhe dissera. 

A última das quais foi com a mão esquerda estendida ao longo do corpo e a direita apontando para onde se havia posto o sol! – Hoje quando revejo essa imagem só penso numa coisa: que aquela direcção para onde ele então apontava, só poderia estar já a indicar-lhe o caminho da eternidade!... O caminho dos deuses! Como não tinha película na máquina, pedi um rolo emprestado ao José Oliveira. Ele foi ainda mais generoso, registou o momento e deu-me o negativo.


A MORTE UM MÊS DEPOIS - Um mês depois, e justamente quando dali regressava a casa, ao ligar o rádio, qual não é o meu espanto e a minha tristeza quando ouço a notícia da sua morte, que o surpreendeu com uma mão cheia de livros à saída da livraria Bucholz, em Lisboa.


Foi a 30 de Novembro, aos 58 anos .No dia seguinte dirigi-me à mesma pedra e, com ajuda de um pequeno cinzel, fixei, dentro de um pequeno triângulo, as iniciais do seu nome, como singela homenagem à sua memória. Depois disso, já por lá passei muitas vezes, e, sempre que por ali passo, não deixo de o imaginar lá, com a mesma postura e expressando aquele seu largo sorriso aberto, que, aliás, lhe era tão familiar e que os seus entes queridos e muitos amigos, dificilmente esquecerão


. Olá Fernando! ainda te vejo
Ali a sorrir e abrir os teus braços!

Sempre que por ali passo, não deixo de me lembrar de ti
e de olhar o centro da mesma pedra, o pequeno altar granítico
que emerge quase ao rés-vés com o distante horizonte a poente,
num dos pontos mais destacados do vasto planalto rochoso,
sulcado de morros e giestas! - E, ao deter-me junto a ele,
ao circunvagar tudo à minha volta, dificilmente
perco a oportunidade de contemplar
os mesmos espaços que tu abraçaste
num sorriso e num abraço, tão largo,
tão amplo e aberto, que dir-se-ia
quereres ao mesmo tempo respirar
aqueles puros ares e abraçares todo o Universo!...


Lembras-te, ó Fernando, como tudo aconteceu,
antes de te convidar a ires à minha aldeia? ....

Encontrei-te em Foz Côa! Acabavas de chegar do Vale Sagrado,

de mais um trabalho jornalístico – Fisicamente,
dizias que vinhas um bocado arrasado. Tinhas razão:
o Outono já ia avançado. O tempo ainda aquecia;
já não era o sol moreno e abrasivo do Verão,
mesmo assim, aquele dia de Outubro de 95, havia sido bem quente: “A vila
é bonitinha. O clima da região atira nesta época do ano para os trinta
graus à sombra.” Recordo o pormenor da tua reportagem
para a Revista Visão – Aquele que viria a ser
o teu último trabalho!
De facto, contornar aquelas ladeiras, dar um salto
à Quinta da Barca, fazer uma descida pelos trilhos
da íngreme Canada do Inferno,
visitar os diferentes núcleos de gravuras
ao fundo do rio, mesmo indo de jipe nalguns percursos,
descendo e subindo, com um calor daqueles,
é muito cansativo. A visita compensa mas é desgastante.
No entanto, a alegria que transparecia no teu rosto,
ocultava o teu cansaço.






.Pois, mal saías de uma aventura, não hesitaste
em meter-te noutra - Sinal
de que tinha valido a pena
aquelas tuas descidas
ao fundo do Côa, ao mais longínquo
fundo dos tempos?

Na verdade, sempre que por ali vagueio,

por aqueles ermos lugares da minha aldeia,
não deixo de me lembrar de ti,
como se estivesse
ainda a ver-te abrir os braços aos céus,
coroados por aquele teu largo sorriso,
que te era tão pessoal, tão genuíno e tão teu!

Olhando à volta, ainda lá vejo recortado
o teu vulto, como que projectado
na linha do sol posto,
recortado com um perfil humano
por todo o espaço!



Vejo-te ainda com uma das mãos,
estendida ao longo do corpo
e, com a outra, apontada ao crepúsculo
com aquele olhar compenetrado,
como se quisesses descortinar
o que haveria para lá da mancha doirada
e rosácea, que se estendia acima do horizonte,
ao longo da extensa cordilheira dos montes,
e no sentido de sul para norte,
muito para lá do vale e da sinuosa linha,
onde o sol, momentos antes, se havia despedido
daquele nostálgico fim de tarde outonal.
Ao qual tu agora te rendias, plantado
no centro daquela pedra,
num gesto tão aberto, num esgar
tão vigoroso e arrebatado!…
- Oh ímpetos incontrolados da alma!
Oh misteriosos delírios de luz!
Oh trágicos prenúncios, inesperados símbolos da vida! –
Não era quereres respirar a pureza daqueles largos ares
ou sentires a emoção da plenitude da sua beleza
- oh misteriosas alturas! - mas tocares,
bem de perto, com o teu peito, o teu coração
e as tuas mãos, os místicos confins do Cosmos,
as maravilhas, os enigmas do Infinito!

Como se já intuísses ou adivinhasses
através dos teus versos proféticos
- ó poeta do “OS ÚLTIMOS DESEJOS”,
cujo repto há muito havias lançado -
que o verdadeiro caminho que te esperava,
Era “ voar como os Anjos”
Seguires em frente, a poente - além
do vasto e esmorecido horizonte


.
.











E, talvez, tomasse então a via

onde o sol se havia escondido,

instantes antes, suave,
nostálgico, chamejante e triste….
Naquela direcção, entre os quatro pontos,
onde estendeste a mão e mais te fixaste,…
E que ali se abria, escancarava,
tão amplamente e tão misteriosa,
ao teu olhar rendido e emocionado,
como se, de facto, aquela via
fosse a grande estrada, premonitório,
que, ali, já previamente, traçavas
a caminho da indecifrável eternidade!




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