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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Mário Cesariny – deixou-nos há 15 anos, em, 2006 – Recordando o dia em que ergueu um cartaz à extinção do Cineteatro-Éden

Jorge Trabulo Marques - Jornalista 

NO DIA EM QUE O POETA ERGUEU UM CARTAZ DE PROTESTO - À extinção do Cineteatro-Éden, que iria dar lugar a um Hotel

 Mário Cesariny, foi, sem dúvida, uma das mais singulares e surpreendentes figuras do surrealismo português, tanto na poesia como na pintura, Tive o prazer de ser seu amigo, de ter partilhado com ele varridíssimos e inesquecíveis momentos de agradável convívio.


Ele não quis embandeirar com “A Necrofilia do poder” que “vem aplaudir a próxima destruição do maior e melhor apetrechado teatro que se construi em Portugal - Sucedeu no dia em que, Sophia de Mello Breyner Andresen, foi apresentar um livro de poemas, no antigo Éden Cineteatro, nos Restauradores, em Lisboa, edifício desenhado pelo arquiteto Cassiano Branco, um dos mais conhecidos marcos da arquitetura de estilo art déco em Portugal, com plateia, balcão e capacidade para mais de 2000 espectadores, inaugurado a 25 de setembro de 1914, abrindo com a opereta "O Burro do Sr. Alcaide", da autoria de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, e interpretações de José Ricardo, Palmira Bastos[10] e Joaquim Costa, encerrou a 31 de janeiro de 1989 com a última sessão de cinema do filme "Os Deuses Devem Estar Loucos II" –

Só não estava louco o militante do surrealismo português, o artista mais genuíno do Surrealismo em Portugal, desde pintura à poesia, tudo nele era a genuína expressão do sonho, do automatismo e da espontaneidade, embora tivesse passado por marginal, quando ali se plantara no hall do famoso Cineteatro, antes do consumado o já previsto encerramento, eis que ali está plantado, naquele dia especial um dos mais cotados poetas portuguesas, outra figura não menos relevante da poesia portuguesa.

E também apreciava os meus apontamentos insólitos de reportagens e entrevistas na extinta Rádio Comercial RDP - Um dia haveria de ser ele a substituir o repórter com a empregada de Natália Correia, deslindando segredos, de almoços e jantares, no lendário Botequim e em sua casa e outras revelações  - Quem haveria de imaginar tão inesperado acaso!

Sim, não podia deixar de acompanhar um velho amigo, com quem tantas vezes tive o prazer de conviver, quer em sua casa, quer nas esplanadas daquele avenida ou mesmo noite da boémia lisboeta e nos mais diversos sítios - Tendo até registado poemas acabados de criar: tal sucedeu, entre outras ocasiões, ao descer a Avenida, já noite tardia, de regresso daquela estação de rádio, e, como tinha geralmente comigo, um gravador para o que desse e viesse, ele, ao ver-me, perguntou-me: tens aí a maquineta?!... Então grava mais este poema” – E lá o debitava espontaneamente!

Era, pois, o poeta Mário Cesariny, que não subiu as escadas com as demais individualidades e convidados. Tendo eu também preferido fazer-lhe companhia e registar as suas palavras para o gravador da reportagem, que ali ia fazer para a RDP-Rádio Comercial, já que, pelo que me apercebi, estava a ser tomado como um marginal por um agente policial, que o convidava a abandonar o Hall de entrada do referido teatro, pelo que me solidarizei com ele, acompanhando-o e apazigando-o, dado se se ter sentido muito humilhado, quando o forçaram a sair do local e a ser puxado ostensivamente para olho da rua.

E também apreciava os meus apontamentos insólitos de reportagens e entrevistas na extinta Rádio Comercial RDP - Um dia haveria de ser ele a substituir o repórter com a empregada de Natália Correia, deslindando segredos, de almoços e jantares, no lendário Botequim e em sua casa e outras revelações  - Quem haveria de imaginar tão inesperado acaso!









Mário Cesariny – Diálogo mais real do que surrealista, 1991  - com a criada cabo-verdiana, da poetiza Natália Correia, em noite das marchas de Santo António, 

A NEGA AZEDA À REPORTAGEM DE SOPHIA DE MELLO BRYNER, FEZ-ME ABANDONAR A CESSÃO

Foi por um feliz acaso que me apercebi da presença de Mário Cesariny, pois quando ele entrou, já eu tinha subido ao espaço do primeiro andar, onde ia decorrer a cerimónia do lançamento do livro. Mas acabei por me vir embora: afinal, ninguém se sentava e toda a gente rodeava, a conhecida poetiza, com muitas pessoas, mais propensas a darem nas vistas, a mostrar os seus fatos e gravatas, a exibir as suas toaletes, enfim, mais a idolatrá-la de que a querer ouvir falar – Foi, então, que, para minha surpresa, me apercebi daquele insólito protesto de Mário Cesariny e me solidarizei com o seu desencanto, procurando apaziguar-lhe a sua indignação.

Jorge Trabulo Marques - Mário Cesariny

O espaço estava a abarrotar de convidados, todos de pé, e, ao aproximar-me de Sophia, pedi-lhe umas breves palavras sobre o seu novo livro para editar numa noticia. E, naquela altura, não era como agora, com a panóplia de dezenas de rádios e vários canais de televisão, apesar de já ser famosa. Não me ocorre ter visto ali mais alguém com gravador. Mas escusou-se a responder. Pelos vistos, todo o tempo estava a ser tomado para corresponder aos muitos sorrisos e salamaleques, com que a olhavam, pelo que, ao meu muito pedido, correspondeu-me olhando-me, com um certo ar altivo e ríspido: em vez de me responder, atira-me com esta observação: “O que me quer perguntar?!...Não estou aqui para dar entrevistas!!! “ – Não ponho em causa o valor da sua obra, mas foi dos momentos que mais me dececionou, das muitas entrevistas que fiz na minha vida de repórter, às mais diversas personalidades, desde Azeredo Perdigão, a Costa Gomes, Adelino Palma Carlos, Vergilio Ferreira, Fernando Namora, Fernanda de Castro, Carlos Botelho, Jorge de Mello, Amália Rodrigues, a tantas e varridíssimas personalidades, nas mais diferentes áreas

UMA CENA, QUASE IDÊNTIFCA Na última Feira do Livro de Lisboa

Curiosamente, onde fui fotografar e entrevistar vários autores, pois, embora já há muito tenha deixado as lides profissionais, nem por isso deixo de fazer o gosto da fotografia e do jornalismo, sim, quando me aproximei de Miguel Sousa Tavares, pedindo-lhe autorização para o fotografar, ele vira-se para mim, quase com a mesma reação: pese ter-lhe mostrado a carteira profissional de jornalista, pergunta-me, com ar de incómodo: para que é que você me quer fotografar? 

Não faço a fotografia, como gostaria de fazer, senão logo a seguir ao escritor e poeta, José Luís Peixoto, que estava ali numa banca ao lado da mesma editora, igualmente numa sessão de autógrafos, e que, com sorriso amável e amigo, correspondeu ao meu pedido – Mas, enfim, se todos os feitios fossem iguais, talvez nem houvesse poetas e nem o colorido da poesia.

 

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