JORGE TRABULO MARQUE S- JORNALISTA E INVESTIGADOR
Unidos
por elos comuns dos mesmos saberes e as mesmas raízes ancestrais familiares – Um
dos quais, natural de Santa Comba, o
oleiro Manuel Ribeiro. tive oportunidade de o fotografar em
Figueira de Castelo Rodrigo, onde se instalou a sua olaria
Quem já esqueceu o prodígio das suas peças de barro: desde cântaros, bilhas, potes,
talhas, barris, tigelas, pratos, púcaros ou panelos e alguidares que
se destinavam-se ao armazenamento de líquidos e sólidos (água das fontes, azeite,
azeitonas, castanha, feijão, mel, fumeiro e queijos) ou até para fazer a comida ao lume
Os seus artefactos de barro, e eles próprios,
eram a imagem singular que ainda hoje povoa a memória de todos aqueles, sobretudo
até aos anos 70 e 80, que os viam moldar
as suas variadíssimas peças – qual ato de criação divina! – herdando saberes que
iam passando de pais para filhos e netos, que urgia preservar com a criação de um
museu local e uma olarias para desmonstração e memória futura, até para dar nova
vida a estas aldeias e evitar o seu completo despovoamento.
É
reconhecido que “a olaria é uma das marcas mais fascinantes que nos ficou
das sociedades pré-industriais”, cujos vestígios tendem a desaparecer, pelo que
“a recuperação da memória destes centros oleiros ou mesmo o restabelecimento de
uma produção artesanal com características únicas e multiseculares é um desafio
para as diversas entidades envolvidas no desenvolvimento e promoção desta
região”
Sim, que
os esquece: a caminhar à frente dos seus
machos ou burros, com a loiça empoleirada nos seus dorsos e de rédea pela mão, percorrendo as mais
diversas povoações do distrito da Guarda ou mesmo por Trás-os-Montes e Alto Douro,
apregoando a sua louça de porta em porta, emblemáticas figuras nas feiras da região, onde ostentavam as suas
maravilhas saídas do barro e das suas hábeis mãos. Especialmente nos mercados de V. N. de Foz Côa e Meda, englobando, por vezes,
algumas zonas da Pesqueira, Trancoso, Pinhel, Moncorvo, Carviçais, Figueira, Almeida e Castelo Rodrigo -
Valendo-me de um interessante estudo elaborado por Fernando Castro e Isabel Maria Fernandes, tomo a liberdade de
aqui transcrever alguns excertos sobre
os oleiros de Santa Comba -Foz Côa- e da
Barreira - Mêda, que, segundo os mesmos investigadores,
começam por referir, iam buscar o barro que utilizavam às mesmas barreiras e eram semelhantes os
instrumentos de trabalho
e a loiça produzida.
Estes dois estudiosos: Fernando Castro, Professor Catedrático, Universidade do Minho.
Departamento de Engenharia Mecânica; Diretor do Laboratório de Análises Químicas
da TecMinho, bem como Isabel Maria Fernandes, Diretora do Museu de Alberto
Sampaio, fazem uma abordagem do modo de preparar
o barro nas olarias de loiça vermelha do distrito da Guarda – Santa Comba (Vila
Nova de Foz Côa), Barreira (Meda); Malhada Sorda (Almeida); e Paranhos e
Carvalhal da Louça (Seia), fazendo-se referência aos autores que até ao momento
trataram o tema.
Vou passar a reproduzir apenas a parte do estudo referente às duas
freguesias vizinhas, Santa Comba e Barreira
Rferem que “estes oleiros usavam a roda alta ou torno, sendo tarefa feita apenas pelos homens. As
mulheres ajudavam na preparação
do barro e na cozedura bem como na venda da loiça (LIMA, 2003: 80-81). Hoje já ninguém
trabalha à roda em Santa Comba nem na Barreira
Fortunato Freire Temudo para além de
referir o fabrico de loiça vermelha indica também os locais onde se produzia
telha e tijolo: «No distrito da Guarda exerce-se a indústria cerâmica nos
seguintes concelhos: Almeida, Seia, Celorico da Beira, Figueiró de Castelo
Rodrigo, Guarda, Meda, Pinhel, Sabugal, Trancoso e Vila Nova de Foz Côa». Mas
informa que o fabrico de loiça estava então apenas confinado a Malhada Sorda
(concelho de Almeida), Paranhos e Carvalhal (concelho de Seia), Barreira
(concelho de Meda) e Santa Comba (concelho de Vila Nova de Foz Côa)..
Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa,
Guarda) Deve considerar-se os locais produtores de Santa Comba (Vila Nova de
Foz Côa) e de Barreira (Meda) como fazendo parte de um mesmo centro produtor.
De facto, iam buscar o barro que utilizavam às mesmas barreiras e eram
semelhantes os instrumentos de trabalho e a loiça produzida. Estes oleiros
usavam a roda alta ou torno, sendo tarefa feita apenas pelos homens. As
mulheres ajudavam na preparação do barro e na cozedura bem como na venda da
loiça (LIMA, 2003: 80-81). Hoje já ninguém trabalha à roda em Santa Comba nem
na Barreira. Charles Lepierre, em 1899, informa que a loiça de Santa Comba
serve para «água e fogo» e que os oleiros costumavam misturar dois tipos
diferentes de argila:
«Uma é vermelha e a que os fabricantes chamam barro
forte, e a outra mais ou menos branca a que chamam sujo. Misturam-se na
proporção de duas partes de forte e uma de sujo, para manipular melhor e para
maior consistência e resistência ao calor» (LEPIERRE, 1912: 38). Fortunato Temudo,
em 1905, informa que em Santa Comba se fabrica «louça vermelha ordinária não
vidrada», e que: «Os barreiros, que são abundantes ficam próximos da povoação,
em terreno público, a uma distância média de cerca de 400 metros, e têm duas
qualidades de barro, uma de cor vermelha, bastante ferruginosa e plástica,
outra de cor cinzenta muito arenosa. Pela mistura destas duas espécies de
barros, em partes sensivelmente iguais, é que os oleiros conseguem a pasta com
que fabricam a louça.
Os processos de preparação da pasta e a fabricação da
louça são os mais rudimentares e primitivos. Na preparação da pasta nem ao
menos joeiram o barro, para o purgarem das areias grossas que traz misturadas,
tendo de as escolher à mão, na ocasião em que preparam as bolas com que hão-de
ser fabricadas as diferentes peças de louça, serviço que ordinariamente é
confiado às mulheres. De resto a curtimenta do barro e a sua amassadura são
feitas pelos processos usuais já conhecidos. (…) As mulheres, raparigas e
rapazes são geralmente empregados na condução do barro dos Barreiros, no
transporte da água para os amassadouros, na escolha das areias grossas do
barro, e em dar serventia aos oleiros, tanto na fabricação, como na cozedura da
louça» (TEMUDO, 1905: 134-135). A produção de loiça terminou no final da década
de 90 do século XX (PINTO, 1998: 81). Carla Teixeira Pinto dá-nos a conhecer
como se trabalhava o barro nestas olarias: «A louça produzida em Santa Comba,
de coloração alaranjada, era obtida a partir de argilas extraídas no lugar do
Barreiro, situado nesta freguesia. O barro, transportado em machos, era de
seguida depositado numa ‘preseira’ que se encontrava no exterior da ‘casinha’.
Aí era partido, amolecido com bastante quantidade de água e finalmente pisado
pelas patas dos animais referidos.
Finda esta operação, era armazenado numa
outra ‘preseira’ (esta por sua vez localizada no interior da ‘casinha’),
coberto com um oleado, humedecido para não secar, e de onde era retirado
conforme a necessidade. Mesmo ao lado ficava a mesa sobre a qual era amassado,
tarefa assaz morosa desempenhada pelas mulheres da casa. Atento à modernidade
[o oleiro] Manuel Joaquim Félix chegou a deslocar-se ao Carregal do Sal, onde
adquire um aparelho que irá «revolucionar» na medida do possível, todo este
processo. A inovação consistia num ‘relador’ de ferro fundido que, ‘puxado a
machos’, moía o barro à sua passagem por uns cilindros de aço, esmagando os
torrões de argila de maiores dimensões e poupando, desta feita, tempo e
esforço. Por seu lado, os restantes oleiros existentes na freguesia continuavam
a preparar o barro do único modo que sabiam, ou seja, manualmente, despendendo
desta forma muito tempo a retirar as pedras de quartzo e feldspato que a
argila, de fraca qualidade, continha em abundância. Assim, enquanto estes
últimos produziam 10, 20, no máximo 30 cântaros por dia, Manuel Joaquim Félix
fabricava 5 cântaros por hora, 50 por dia» (PINTO, 1998: 82-83).
Miguel Rodrigues informa que:
«Tratando-se Santa Comba e Barreira, de duas povoações vizinhas o tipo de louça
e as características técnicas da produção eram idênticas pelo que será mais
correcto falar de apenas um centro oleiro, formado pelas duas aldeias. O barro
era recolhido no lugar do Barreiro, a meio caminho entre as duas povoações,
sendo utilizados dois tipos de argila: a vermelha, mais forte e a branca
utilizada em menor quantidade para temperar o barro a ser utilizado pelo
oleiro. Depois de secas as argilas eram trituradas, por vezes com a ajuda de um
cilindro de granito movido por animais, amassadas e
misturadas com água, numa proporção de 2 medidas de barro vermelho por uma de
branco» (RODRIGUES, 2003: 78). Alexandra Cerveira Lima, em 2000, entrevista
Almerinda dos Anjos Ribeiro (nascida em 1905), filha do oleiro António Luís
Ribeiro, sendo informada de que na: «Adolescência e juventude [esta] vendeu,
com a irmã mais velha dez anos, Ana de Lurdes, a louça que o pai fazia. Como as
demais famílias de oleiros da freguesia não tinham terras, nem suas, nem
arrendadas, a olaria era o património e o sustento familiar para que todos
concorriam. A mãe preparava o barro, vendia também as peças acabadas. No
processo de cozedura e desenfornamento todos ajudavam. Quando, era Almerinda
adolescente, o pai morreu, ao aluir o barranco de onde extraía o barro, o irmão
mais novo já tinha aprendido a arte e passou a trabalhar na roda. (…) O pai
arrancava o barro no barreiro e os três filhos ajudavam no transporte; a fase
seguinte era a preparação do barro, a mãe mondava-o sobre uma mesa de madeira:
retirava as pedras, juntava água, alisava, fazia as telas [sic, é erro, leia-se
pélas] que colocava na roda e que o oleiro ia unindo para erguer as peças
grandes» (LIMA, 2003: 80).
Em Dezembro de 2005, os autores deste
texto estiveram em Santa Comba e tiveram oportunidade de falar com a Senhora
Maria Augusta Félix Leonardo, filha do oleiro Manuel Joaquim Félix que Carla
Pinto entrevistou (PINTO, 1998: 81-86). Ela e seu marido são donos do café
Leonardo que fica no cimo do povo, junto à Capela de Nossa Senhora da Saúde.
Explicou-nos a dona Maria Augusta que barro era explorado no cimo do povo, nos
«barreiros». Exploravam o barro em propriedade que lhes pertencia. O barro era arrancado
com enxada, metido em sacos e transportado em machos que eram propriedade do
oleiro. Extraíam dois tipos de barro: o barro vermelho e o barro «sujo», que
misturavam em proporções iguais. O barro vermelho era como o nome indica de cor
vermelha, o barro sujo era cinzento com veios de avermelhado3 . Quando o barro
chegava à oficina era imediatamente guardado. Não precisava de ser seco. Quando
queriam preparar o barro colocavam-no na «preseira», que se situava ao ar
livre. Aí o barro era «partido» com um sacho, molhado com água e «masgado» com
as patas de um par de machos que pertenciam ao oleiro. O «loiceiro» colocava-se
no meio da «preseira», descalço, em cima de uma pedra, (um «pinoquinho» na
expressão da Dona Maria Augusta), e daí conduzia o par de machos que iam
pisando o barro. Mais tarde o processo passou a ser diferente, numa outra
preseira, que já ficava dentro de casa, era masgado com um «relador»,
constituído por dois cilindros entre os quais passava o barro que saía com a
forma de lastras finas. Este relador era puxado por um macho. Como sabemos por
informação de Carla Pinto este relador foi uma inovação introduzida no povo
pelo oleiro Manuel Joaquim Félix.
De seguida o barro era colocado numa mesa
onde as mulheres o mondavam e preparavam as «pélas», ou seja, uma espécie de
cilindro de barro que depois, com o auxílio das mãos, era arredondado na parte
superior. Ao fazer as pélas as mulheres tratavam de tirar do barro alguma
impureza que este contivesse. Nesta operação havia sempre um recipiente com
água onde iam molhando as mãos. Tivemos também oportunidade de dialogar com o
Sr. Marcelo Filipe Lopes Silvestre, que é Técnico-profissional do Parque
Arqueológico de Foz Côa e que é neto e
sobrinho de oleiros. Com ele fomos até à propriedade do oleiro Silveira,
falecido há vários anos e que, apesar de viver no povo possuía a sua oficina de
olaria afastada do núcleo populacional, situada no lugar da Atalaia e hoje
desactivada, servindo actualmente de curral. O Sr. Silveira era natural da Barreira
mas havia casado com uma senhora de Santa Comba. Na propriedade, murada, ainda
existe: a casa onde o oleiro trabalhava telhada a telha vã, só com uma porta e
nenhuma janela (dimensões: comp. 8,30m; larg. 6,45m), e que hoje se encontra
completamente vazia; a preseira situada fora da casa, de forma circular, e na
qual o barro era pisado pela pata dos machos (Diâmetro: cerca de 2,60m; larg.
do murete que circunda a preseira cerca de 30 cm); e o forno, também de forma
circular, do tipo descoberto já um pouco derruído (Dimensões: medida exterior
diâm.: 3m; medida interior diâm.: 2,15m. Profundidade interior do forno: 1,5m)
e uma picota de onde era extraída a água. Recolhemos amostras (cacos) de peças
no forno do Ti António Silveira as quais foram analisadas e constam neste
artigo, e trouxemos mesmo três partes de peças (um cântaro, uma panela e um
bojo, talvez de talha)
“Nesta freguesia, que fica a 10
quilómetros da sede do concelho, há muitos e abundantes barreiros,
distinguindo-se neles três qualidades de barro, que os oleiros misturam em
proporções convenientes para obterem a pasta com que fabricam a louça”
1.2 Barreira (Meda, Guarda) Ao
descrevermos o fabrico de loiça em Santa Comba (Vila Nova de Foz Côa) tivemos
oportunidade de dizer que ambos os locais faziam parte de um mesmo centro
produtor, sendo que o barro utilizado iam buscá-lo ao mesmo barreiro, e que
semelhantes eram os instrumentos de trabalho e a loiça produzida. Fortunato
Temudo dá-nos conta de como estes oleiros trabalhavam o barro: «Nesta
freguesia, que fica a 10 quilómetros da sede do concelho, há muitos e
abundantes barreiros, distinguindo-se neles três qualidades de barro, que os
oleiros misturam em proporções convenientes para obterem a pasta com que
fabricam a louça. Um destes barros é de cor de tijolo desbotado, bastante
ferruginoso e muito plástico; outro de cor cinzento-clara, absolutamente
desprovido de areia, e ainda com mais plasticidade que o primeiro; o terceiro
que é de cor esbranquiçada e muito arenoso, é uma espécie de saibro com que
temperam a pasta para que a louça não fenda enquanto exposta ao sol nos
enxugadouros e sequeiras. Os processos para a preparação da pasta e fabricação
da louça são dos mais rudimentares. Na preparação da pasta chegam a não joeirar
o barro para o limpar das areias grossas que traz, deixando este trabalho para
mais tarde ser feito pelas mulheres e raparigas quando preparam as bolas com
que hão-de ser feitas as diferentes peças de louça. (…) As mulheres e as
menores são geralmente empregados na condução do barro dos barreiros, no
transporte de água para os amassadouros, na escolha das areias grossas que vêm
misturadas no barro, e em dar serventia aos oleiros tanto na fabricação da
louça como na sua cozedura» (TEMUDO, 1905: 127-128).
Repare-se que Fortunato Temudo refere a
mistura de três diferentes espécies de barro e não duas como acontece em Santa
Comba, o que é estranho dado que em Santa Comba, apenas usavam duas. Miguel
Rodrigues ainda chegou a falar com o último oleiro da Barreira, entretanto
falecido: «O Sr. Alberto Andrade, descendente de uma família de oleiros e que,
após uma permanência no estrangeiro» voltou a produzir esporadicamente loiça,
«normalmente por encomenda» (RODRIGUES, 2003: 77-78). Os autores deste artigo
estiveram na Barreira, em Dezembro de 2005. A freguesia da Barreira, encosta à
de Santa Comba apesar de a primeira pertencer ao concelho de Meda e a segunda
ao de Foz Côa. Pelo que nos informaram sempre houve deslocação de oleiros de
uma freguesia para a outra. Já atrás referimos o facto de o oleiro Silveira ser
da Barreira mas ter casado e ido viver para Santa Comba. De facto, não há
diferenças na loiça produzida, no modo de preparar o barro nem nos fornos. O
forno da Barreira está muito bem conservado e pertence à família do último
«loiceiro», Alberto Andrade, que morreu recentemente. Desde que ele morreu a
mulher foi viver para Lisboa para casa de um filho. Do forno fizemos várias
fotografias e trouxemos cacos cuja caracterização química consta neste artigo
Vimos a casa onde vivia o loiceiro
Alberto Andrade mas disseram-nos que «não foi a fazer cântaros que ganhou a
casa. Os cântaros apenas davam para ir vivendo». De facto, o loiceiro Alberto
Andrade emigrou para terras da França. Também nos informaram que este oleiro e
o seu irmão Manuel Andrade tinham aprendido a arte com o oleiro José António
Cruz que trabalhava no povo mas que era natural de Santa Comba. https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/12336/1/RevistaOLARIA4_FC%20%2B%20IF.pdf