expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

sábado, 23 de novembro de 2024

Perdido há 34 dias no Golfo da Guiné - 23-11-1975 - Viver também cansa. Mas a fome mata! - " Não tenho nada na barriga. Não tenho comida... Sinto uma grande dureza no estômago... Uma grande dor nas costas!... Todo o meu corpo me dói... Há uma fraqueza geral em mim... Estou fraco, muito fraco!...


 




Ontem dia 22  - Estava rodeado de vários milhares de pessoas, no Estádio da Alvalade, a fotografar  - Mas  há 49 anos, tal como hoje e até ao 38ªdia, eu era unicamente envolvido pela solidão do mar 


Algures no Golfo da Guiné, 23 de Novembro de 1975 - Há 49 anos - Jorge Trabulo Marques  - 
  
Navegando com a pequena vela de tempo
O diário neste dia foi parco de palavras: mais de silêncio de que  de narrativa: ainda não me sentia rendido à solitária fatalidade, que parecia estender-se por um imenso manto líquido em torno de mim,  mas as energias anímicas iam realmente fraquejando. À frente os pormenores. Mas este era o meu estado de espírito, que jamais esquecerei.

Estou muito fraco. Mal me posso levantar: tenho-me limitado às tarefas mais indispensáveis. A pôr a roupa a secar e a despejar a água que se acumula no fundo da canoa. Mas tudo isto é exaustivo!..  Exige-me um inaudito esforço e eu estou muito fraco!.. . Disponho apenas de uns três ou quatro anzóis. Mas não tenho iscas; não vale a pena lançar a linha e o anzol. .

Travessia Nigéria S.Tomé - 12 dias - Março 1975

Muitas vezes, prostro-me de  joelhos junto à borda de canoa para ver se apanho algum peixe à mão. Há sempre peixes de todos os tamanhos à volta da canoa e acompanhá-la. Alguns vêm  à cata das lapas que nascem no costado. Mas quando estendo o braço para os apanhar, escapam-se-me; são mais rápidos de que eu!  Mais das vezes acabo por desistir e deito-me no fundo da canoa para poupar as minhas forças – Pois, mesmo atolado numa autêntica salmoura, tenho necessidade de descansar.  Nem que fosse sobre um tapete de pregos.  - Até porque não consegui dormir em toda a  noite.

"Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre


A fome é terrível! É terrível!... Não sentir nada no estômago, é um sofrimento, muito doloroso!... Valha-me ao menos este ar puro que respiro. Quando me levanto, tenho a sensação que é apenas o ar que me alimenta. Fustiga-me o rosto mas entra-me  pela boca e pelo nariz em rijas lufadas, ásperas, violentas, mas muito  revigorantes, que me desentorpecem o corpo.

Sim, respiro o vento e o mar. Não tenho nada na barriga. Por isso, deito-me no fundo da canoa, com os braços cruzados, simplesmente porque me faltam as forças para me manter em pé mas não é por me sentir derrotado.. Não é porque me tenha rendido à luta!... É para ver se conservo prender-me à  vida. Quero viver. Estou fraco, muito fraco!...Mas "Viver também cansa". E a fome mata. É cruel!...O meu corpo cambaleia de fraqueza, cheio de dolorosas borbulhas da humidade. Tenho os dedos das mãos  e os pés muito gretados. A unhas dos pés irreconhecíveis da água salgada. As costas numa chaga. O estômago  fortemente encolhido... Os olhos muito doridos... Ó Meu Deus!... Serei ainda um ser humano?!... Até quando este sofrimento?!...


Bandeira de STP - 
A fraqueza é imensa e deixa-me bastante debilitado. Tenho-me mantido num profundo silêncio - Foi um  dos dias em que não meti nada à boca e  falei muito pouco para o meu gravador.

 Somente ao fim da tarde, tive a coragem de abrir o meu baú (um contentor de plástico do lixo), onde o preservo da violência do mar e senti vontade de dizer algumas palavras.  Remeti-me a um profundo e resignado mutismo: sem lágrimas mas também sem nenhuma alegria. Sem desespero mas possuído de uma enorme angustia a perturbar-me a alma.  Com o sentimento de um enorme desconforto, em todos os aspetos: sem poder dormir, cheio de fome e no meio de um mar bravio, fortemente batido pelas vagas. 

Diário vertido para um pequeno gravador, guardado num velho contentor do lixo

SINTO UMA GRANDE DUREZA NO ESTÔMAGO...


Diário de Bordo 1 É já o fim de tarde  do 34º dia. Mais um dia que passei... praticamente deitado sobre o fundo da canoa... Com os braços cruzados, pois não tenho outra solução.... O mar continua com bastante ressaca... O vento agora não é muito forte.... Mas a única solução que tenho é realmente deitar-me no fundo da canoa, até para não gastar energias... Para não fazer muito esforço físico.

Não tenho comida... Sinto uma grande dureza no estômago... Uma grande dor nas costas!... Todo o meu corpo me dói... Há uma fraqueza geral em mim...

De manhã, vi muito ao longe a chaminé de um barco....mas bastante afastado! O mar contínua muito bravo!... O equilíbrio é realmente difícil...

Estou apenas com três comprimidos e água das chuvas... Mais nada no estômago... Tenho um apetite voraz...Neste momento eu comia não sei o quê!...

Um pormenor importante que notei é apenas da água... que têm uma cor esverdeada... Mais escura de que o habitual....Agora as correntes mudaram de direção. Estou sendo arrastado para sul... Agora já não é de oeste para este... 






MANHÃ CHEIA DE BRUMAS E CHUVOSA - TARDE SEM CHUVA MAS TAMBÉM MUITO  AGITADA, BATIDA POR RAJADAS DE ÁSPERO VENTO 

Mar aberto e turbulento. Sobre o qual o vento não cessa de descarregar a sua ira, enfurecendo também as águas.  Atiçado por constantes rajadas e que nem sempre vêm da mesma direção. Fustigando-me asperamente o rosto! Levantando as ondas em loucos redemoinhos, sacudindo a canoa num vertiginoso balanço! Erguendo-a perigosamente! Fazendo-a ondular e deslizar por vertentes descomunais!  Dificultando-me o equilibro, quase tolhendo-me de qualquer movimento livre, obrigando-me a um inaudito esforço – sobretudo para conter a invasão da água,  que entra pelas rachas e daquela que é atirada pela rebentação e crista das vagas mais alterosas 

Ainda não vislumbrei qualquer contorno de terra e também não tive coragem de colocar o mastro e a vela.Com o remo improvisado, é muito difícil navegar. Por isso, vai à deriva, vai ao sabor do vento das vagas! Não sei para onde me leva  - Está sendo arrastada para leste com a força das correntes mas não sei onde possa ir parar e se poderá resistir ao forte impacto do constante chape chape que ressoa no costado.

  

 
Até por volta da  meia-noite o mar manteve-se calmo, com uma ligeira brisa do sul, mas eu  sentia-me muito ansioso e não conseguia adormecer, receoso que pudesse ser atirado para qualquer zona da rebentação da costa, embora confiante de que ao menos pudesse passar um resto de noite com alguma tranquilidade. Mas, subitamente, voltei a sentir o ímpeto da corrente de oeste para leste,  acompanhada de  forte ventania - E jamais tive um minuto de descanso.

As vagas sucediam-se umas atrás das outras, erguendo-se como  alterosas muralhas cor de ardósia, parecendo quebrar a frágil piroga, que não parava de balançar e de sofrer enorme solavancos, ameaçando rolar e engolir-me  num violento turbilhão de espumosas e ferventes massas escuríssimas.

 De volta e meia, algumas das espadanadas cristas, rebentavam ao meu lado, lançando-me fortíssimos jatos de água e encharcavam-me completamente. Por mais que pegasse no vertedouro, não lograva suster  o seu afluxo, que não parava de marulhar e de se acumular.  Por isso mesmo, não conseguia arranjar sequer um palmo enxuto, sobre o qual pudesse deitar-me e  ter alguns minutos de descanso.. 

 Sim, impossível dormir. Impossível um sono reparador. Lá tive pois que me recolher, ao longo de mais uma noite interminável, entre a esperança, o desassossego e o temor, encolhido e enrodilhado à minha capa, junto a uma das travessas e a meio da canoa, numa prostração de quase resignada indiferença. Sempre que podia, mergulhava os olhos continuamente na densa e turbulenta negridão, que parecia nunca mais ter fim. Mas de lá, dos confins da escuridão, não me chegava a luz de qualquer farol, assomo de recorte, nem o mais ténue sinal de vida.


E  ANOITECE...

E cai a noite...Escurece o céu e também escurece o mar. E mudam as correntes e  os ventos.... Agora ainda mais intensos... Sempre o eterno capricho dos ventos e das correntes.... Para onde me levará esta força descomunal?!... Que poder ou entidade sobrenatural  rege ou poderá opor-se a estas forças indomáveis que tumultuam e rodopiam em torno de mim numa zoada enegrecida e da mais confusa desordem?... Forças da Natura que, em vez de se acalmarem com a solidão noturna, recrudescem de violência... 

Erguendo-me à Luz de Deus nos penhascos da minha aldeia
Recebo lufadas de ventos de todos os lados. Todos os sons  tornam-se ainda mais audíveis  mas simultaneamente confundíveis num único ressoar. Este é o silêncio dos ruídos que submergem até as longínquas estrelas e que o sol, ao despedir-se, não quis levar consigo e abandonou do seu giro. Não se sabe, se o que ressoa  é o bramido das vagas ou o silvo do vento. Todavia, sob a incomensurável concha negra dos céus, no meio de toda esta imensa sinfonia de sons, surdos, abafados, polvilhados pelo ressoar  e o marulho bravio  das espumas, há uma vida humana solitária que resiste . 

Neves - S. Tomé 

Sei, no entanto, que mesmo que gritasse, ninguém ouviria os meus gritos - Serei porventura a mais desgraçada e abandonada criatura que se pode ser na vida. Mas eu quero viver. Viver até à mais débil energia, até ao último sopro de vida. Há, porém, uma realidade, incontornável,  que eu não posso ignorar: a morte está sempre ao meu lado. Umas vezes mais terna e sedutora, ofuscada  pela beleza das manhãs e tardes calmas e deslumbradas, quando as águas se aquietam, brilhantes de escamas  fugidias de pérolas e de rubis. Outras  sob o disfarce de crepúsculos de oiro, tingidos por aguarelas e transparências de vitrais ou até sob a capa da luz branca de luas enormes e nostálgicas que vagueiam e espreitam, lá do alto, por entre grossos novelos de nuvens, em límpidos céus de veludo, com lábios sedutores de um brilho de inigualável ternura, namoro e mistério. Ou, então, como agora, com a sua face mais hedionda, completamente desfigurada e atormentadora,  possessa e atiçada pela crina de ventos soltos e endiabrados.

 HAVERÁ FIGURA MAIS PRÓXIMA DA IMAGEM DA MORTE DE QUE A  DE UM NAVIO PERDIDO NO ALTO MAR, FUSTIGADO POR UMA NOITE NEGRA E TEMPESTUOSA?!...OU DE UM HOMEM SOLITÁRIO VAGUEANDO ESQUECIDO AO SABOR DAS ONDAS E  VENTOS TUMULTUOSOS E NOCTURNOS NO SEU MINÚSCULO ESQUIFE?!..
 ..




A bem dizer, a morte é a minha companheira de todas as horas. Convivo, lado  a lado com a sua vertigem, seja atraente ou aterradora, vagueio à superfície do abismo da sua imensa sepultura. A qualquer instante poderei desaparecer e  quase sem dar por isso. Basta que os dedos engalfinhados das suas poderosas mãos, que a noite cobre com golas rendadas e franjadas de luto,  me surpreendam a dormir ou até em qualquer instante da minha penosa vigília. Mas, se tiver de morrer, se for chegada a minha hora,  paciência!... Também não é caso para desesperar. Antes de me meter nesta aventura, equacionei todas as hipóteses: de viver e de morrer. Estou preparado para tudo; para o que o der e vier. - Só desejo que ao menos me acolha no seu leito, como um dos bravos, dos que  não lhe viram a cara e lhe dão luta, e, sendo assim, só lhe peço que ao menos seja um pouco mais complacente e me livre da terrível agonia dos miseráveis afogados que impiedosamente já sufocou e tragou nestes mesmos mares. 

Mais a mais, se eu partir para o lado de lá, ninguém vai saber como e quando a morte me chamou. Ninguém vai ter de cavar a minha sepultura, pois tenho-a, aqui ao meu lado, sempre aberta. Não, não posso receá-la... Pois haverá maior solidão do que aquela que agora que me envolve?!...Do que aquela em que  estou profundamente mergulhado?!... Haverá maior martírio do que aquele que eu vivo nestas horas, dolorosamente incertas  e  infinitas?  Que me arrastam, não sei para que confins desta  imensa e tumultuosa negridão!

 A morte?!... Como posso eu  temer a sombra da minha própria sombra se nem sequer a enxergo?... Que diferença fará a minha triste figura das sombras soltas, do confuso tumulto que campeia à superfície da conturbada planura que a espessa noite impele, transfigura e oculta?!... Noite  sobre a qual vogo e ninguém me distingue e nem eu vejo o fundo do madeiro que piso!... Que contraste haverá de mim e das trevas  que ondulam por toda a parte e têm como coberto o negrume de um espesso e pesado céu?!...Oh, sim!. Haverá maior solidão do que aquela que povoa o meu coração de mil sobressaltos, angústias  e de incertezas?!... Sim,  que me confunde e esmaga sob o teto da mesma assombrosa atmosfera em que vagueio, sem rumo e pedido!.. 

Oh, como posso eu virar as costas à  Soberana Morte, se ela me chamar?!... Até porque, se o mar me levar, meu corpo, nunca ficará  tão sozinho como agora se encontra....Há uma cova continuamente aberta, que já recebeu milhões de vidas e não se importa de continuar a receber ainda muitas mais vidas!  - Que foi a sepultura  dos milhares de escravos que, nestes mesmos mares, agonizaram horrivelmente, nos escuros porões dos barcos negreiros ou foram atirados vivos para o tumulto das ondas!.. A morte quando bate a porta, não distingue o escravo do escravizador, do pobre do rico. Levou corsários e piratas, criminosos algozes, sem escrúpulos, que não chegaram a ser mais valentes com as tempestades de que com   as suas vítimas. Não poupou e não se condoeu  de corajosos e  intrépidos pescadores, pilotos e marinheiros. Oh quantas vidas, por aqui  já não terão parecido, na vastidão do "Grandíssimo Golfo", nestes mesmíssimos mares de outrora, do passado e do presente!... Mares eternos" Mares de sempre! Mares de inesperados tornados e perigosos tubarões!



Na verdade, já lá vão algumas horas depois que o sol se pôs, e eu continuo sem me poder deitar. Sinto-me exausto e possuído por um desejo irresistível de dormir. Estou para aqui enrodilhado como um miserável trapo. Abrigado  debaixo de um toldo para me defender dos  espirros das ondas, porém,  do que eu não consigo proteger-me e defender-me, é da água que entra através da rachas. Há a que aflora pelo sítio onde assenta o mastro e também ainda a que atravessa as rachas que estão acima da linha das águas. Só que, acima dos 40 cm submersos, os 20 cm que restam, é muito pouco. Entra lentamente mas, como não pára de entrar, vai-se avolumando. E eu não disponho de bombas para a escoar; tenho que o fazer eu com o balde ou com a espátula.

 Apetecia-me estender ao comprido, pois é assim que eu faço nas noites mais serenas, e quando não chove, tal como são estendidos os cadáveres nos caixões - Sim, esta canoa é um caixão flutuante. Não é feito de várias tábuas mas num só madeiro. Mas estou a ver que não vou conseguir. Sofre constantes balanços. As ondas estalam no costado com fortes chicotadas. Por mais que escoe a água, o fundo continua num autêntico charco. De volta e meia, lá tenho eu de me ajoelhar para a escoar e espreitar o ambiente lá fora. E é o que vou fazer agora. Não deve faltar muito para a meia-noite. Mesmo sem horas, sinto o seu peso. E de noite já reajo às mesmas horas, como um autómato. Não para verter a água que faz da canoa uma banheira, pois só a baldeio quando me cobre as costas - E agora não estou deitado, mas quero saber como tempo está lá fora.

Está a molinhar. Vejo relâmpagos a rasgar o negrume das distâncias. Com o barulho das ondas ainda não ouvi o trovão, mas não deve tardar a fazer soar por aí a sua orquestra.  Meu Deus!...Este mar não me dá tréguas nem descanso!.. Pelo que vejo, espera-me um resto de noite, ainda mais confuso e atribulado.  Uma noite, açoitada  por um vento furioso, que parece não se acalmar. Vejo as habituais manchas luminescentes, aqui e além no ondulado negro das ondas, brilhos confusos e terríficos, vindos de mil direções, e certamente também das profundezas,  que refulgem, que reluzem e tremeluzem de onde em onde. Que aparecem e desaparecem. São as manchas do plâncton  e certamente da fauna marinha das profundidades que o persegue às horas mais escuras e sinistras,  que aflora à superfície.  Quando fiz a travessia de São ao Príncipe é que eu fiquei arrepiado. Era simplesmente pavoroso ver as ondas em vez de a branquear de espumas, vê-las franjadas de lume. Com explosões que faziam lembrar um mar em chamas. Até a pá do remo parecia sair de um mar a arder. Ou saída da corrente do magma de um vulcão explodindo e cuspindo a sua lava. Estas imagens são muito comuns nos mares tropicais. Agora já  estou habituado a esses estranhos brilhos. Não é isto que me assusta ou preocupa. Mas a chuva que apanho no corpo e as tempestades noturnas que só vêm dificultar ainda mais a minha segurança e sobrevivência.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Chãs de Foz Côa – Convívio de chanenses no Caravela de Oiro, em Algés, no tradicional jantar pré-natalício em Algés – Em calorosos momentos de fraternal confraternização

Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Natural de Chãs - Video com sons iniciais de Amália Rodrigues - Um fado antigo. que me foi oferecido 




Decorreu  na noite de Sábado passado, 16 de Novembro, no típico restaurante Caravela de Ouro,  em Algés, propriedade do Sr. António Lopes, exemplar empresário de Santa Comba, do nosso concelho, que acolheu e proporcionou um alegre, entusiástico e amistoso encontro de várias famílias, com os pais, filhos, avós e netos, naturais  da aldeia de Chãs, que se reuniram com  os residentes em Lisboa e arredores,  bem como a outros aos quais se unem laços de amizade ou de familiaridade.


Uma vez mais organizado, graças ao dinamizo de Daniel Ferreira, a que se juntaram outras generosas vontades, pago por todos os participantes. Uma vez mais num amplo e excelente espaço que se ergue no Jardim de Algés, sobranceiro ao  estuário do Tejo, no qual se pôde desfrutar, a par do caloroso convívio, de muitos abraços e beijos, uma  saborosa ementa regional confecionada à moda antiga, acompanhada de ótimos legumes, vinho da nossa região, um branco e tinto Ladeiras de Santa Comba, ceia esta antecedida por tentadores aperitivos, um repasto de fazer arregalar o olhar e abrir o apetite, servido  com muita simpatia e familiaridade pelos seus diligentes e amáveis empregados, e, como não podia deixar de ser,  também pelo Sr. António Joaquim  Lopes,  que pessoalmente também se associou ao convívio, confraternizando  e   presenteando-nos  com a sua cordialidade e amizade, bem como o Presidente da Junta de Freguesia de Chãs, Carlos Sobral


Mais conhecido pelo  Sr. Lopes, sem dúvida, um homem que infunde natural simpatia  - Natural de Santa Comba, de uma freguesia vizinha a Chãs, do mesmo concelho, grande parte dos quais vividos na região de Lisboa, para onde veio ainda jovem e logrou subir a vida a pulso: sem dúvida, uma figura muito querida e admirada, quer na sua aldeia, onde tem sido um dos principais apoiantes da festa anual de Nª Senhora dos Remédios, bem como noutras louváveis iniciativas de cunho social, quer em todo o concelho de Foz Côa, Meda, Trancoso, sim muito conhecido e admirado em todo o Distrito da Guarda, bem como, naturalmente, em Algés, Cascais e em Lisboa, graças ao relacionamento humano e a excelente qualidade dos serviços prestados pelo seu restaurante, no qual se podem desfrutar os mais saborosos pratos da gastronomia portuguesa, num amplo espaço, com vários pisos, com uma magnifica vista sobre o Tejo. 




segunda-feira, 18 de novembro de 2024

AO POETA MANUEL DANIEL – Meu Tributo de Saudade ao Brilho Poético da LUZ DA BEIRA -Terras de MEDA – Nasceu em 18 de Novembro de 1934. Faleceu em 21 de Janeiro 2021, vitima da Covid 19 - Já depois de alguns anos de penosa situação de invisual, sem, no entanto, abdicar da sua verve poética



                                                    Jorge Trabulo Marques - Jornalista 


                 Manuel Pires Daniel - O Poeta de Terras de MEDA, “Luz da Beira”


Festejaria hoje o seu 90º aniversário, se Deus o não tivesse chamado para a Eternidade -Tributo de saudade à voz do autor o "Mar da Minha Terra é de Granito e outros belos poemas - Na sua Voz e nos versos cantados e tocados por Carlos Pedro, músico medense, que se tem notabilizado em variadíssimos espetáculos locais e regionais, na sessão de homenagem que lhe foi prestada pelos municípios de Mêda e de Foz Côa, em Agosto de 2021. 


Manuel J. Pires Daniel, nasceu em 18 de Novembro de 1934, em Vila de Meda, conhecida a sua torre cimeira, como o farol da Luz da Beira,. Faleceu em 22 de Janeiro 2021, vitima da Covid 19 - Já depois de alguns anos de penosa situação de invisual, sem, no entanto, abdicar da sua verve poética - As almas bondosas e iluminadas, não se perdem na eternidade - A dor é infinita dos que as perdem mas esse é o caminho que um dia todos levam, mais tarde ou mais cedo - Meu abraço solidário

Um coração de poeta, que, embora não tendo alcançado a fama que deveria merecer, privou com Miguel Torga e escreveu algumas letras lidas por João Vilarét - Homem muito admirado e querido, não só na sua terra natal, em todo o concelho, bem como em V. Nova de Foz Côa, onde passou grande parte da sua vida, dedicado à causa pública e cuja obra intelectual, se estende em todos os géneros literários, perfeitas maravilhas de naturalidade , de graça, finura e sensibilidade, que encanta, sorri e toca profundamente quem glosa a sua poesia ou a sua prosa

Recordo com saudade os bons momentos de diálogo, que tive o prazer de partilhar com a sua simpatia, sensibilidade e saber - Sem dúvida, um admirável exemplo de labor e de tenacidade, de apaixonado pelas letras e de sentido e dedicação ao bem comum –

TRIBUTO Â MEMÓRIA DO POETA DR MANUEL DANIEL  -  Um belo exemplo de sensibilidade cultural e gesto democrático, demonstrado, entre dois municípios, geridos por partidos diferentes, que decorreu  em dia 25 de Julho de 2021 - Com duas sessões: uma no interior da Casa Municipal da Cultura e outra no recinto de  um belíssimo parque, quase adjacente, no qual iria ser descerrado o busto de Manuel Daniel,  falecido no passado 21 do mês de Janeiro, no Hospital da Guarda, vitima da covid19.Pormenores em https://templosdosol-chas-fozcoa.blogspot.com/2021/08/manuel-daniel-meda-e-foz-coa-dois.html

 Manuel Daniel -  Autor de uma vasta obra - “Caminhada Imperfeita”; “Mar da Minha Terra” ; "Coração Acordado"; "A Porta do Labirinto"; Intermitências". "Auto da Juventude"; "Eram meninos como nós" (teatro); " "O Feriado Municipal de S. Martinho" - Entre outros livros - Com cerca de uma vintena de peças de teatro para crianças e jovens, algumas das quais, inéditas - Advogado, poeta, escritor, ensaísta, dramaturgo e jornalista na imprensa e na rádio

Na poesia de Manuel Pires Daniel, não há jogo de palavras mas palavras que vêm do coração, que brotam naturalmente, como água da melhor fonte, que corre das entranhas do xisto ou do granito da nossa terra.

Manuel Daniel e Marialice Daniel - Era um modelo exemplar de vida conjugal e profissional. Um casal tranquilo e feliz, a morte os separou - - Recordando um poeta da nossa terra, que dificilmente será esquecido - Deixou-nos em Janeiro passado, vitima da Covid 19 - Esta é uma das várias fotografias, que tive o prazer de lhes fazer em sua casa, em Agosto de 2019 - Além de me ter dado a oportunidade de lhe gravar alguns poemas e de o entrevistar., que não deixarei de recordar, sempre que me for possível e achar oportuno.

Uma vida intensa e multifacetada, pautada pela dedicação mas também pela descrição. Desde, há alguns anos, vinha debatendo-se com extremas limitações da sua vista, por ter ficado completamente cego, no entanto, nem por isso, dentro do que lhe era possível e com apoio amigo da família, lá ia compondo os seus versos e editando livros. Em cujos poemas perpassa o que de melhor têm a poesia portuguesa - Dominando com mestria os mais diversos géneros poéticos e neles se expressando, a par de um profundo sentimento de religiosidade, o amor à terra, à natureza, aos espaços que lhe são queridos, suas inquietações e interrogações, sobre a efemeridade da vida e o destino do Homem

Na poesia de Manuel Pires Daniel, não há jogo de palavras mas palavras que vêm do coração, que brotam naturalmente, como água da melhor fonte, que corre das entranhas do xisto ou do granito da nossa terra. -O meu abraço de eterna saudade

Uma biografia rica e diversificada - Advogado, escritor, poeta, estudioso, um homem de cultura, tendo dedicado muitos anos da sua vida à função pública e à vida autárquica. A par de vários livros de poesia, colaborações de artigos e poemas na imprensa regional e nacional, bem como em jornais brasileiros, prefácios e a coordenação em várias obras, é também autor de 40 peças de teatro, nomeadamente para crianças, 20 das quais ainda inéditas. Muitos dos seus poemas foram lidos por Carmem Dolores e Manuel Lereno, aos microfones da extinta Emissora Nacional, em “ Música e Sonho”, de autoria de Miguel Trigueiros – Considerado, na época, o programa radiofónico mais prestigiado - Mesmo assim objeto de exame censório, tal como atestam os arquivos.

Mas não menos relevantes são as letras que vêm a ser musicadas e gravadas em discos e cassetes, Interpretadas por Ramiro Marques, em EP nas canções “Amor de Mãe” e “Amor de Pai”, pela Imavox, em 1974 – E, também, anos mais tarde, as letras para um “Missa da Paz” e coletâneas temáticas sobre “Natal e Avós” E, com música de Carlos Pedro, as “Bolas de Sabão”, “Ciganos”, “Silêncio” e outros pomas.

Indubitavelmente, se há homens que dedicam a sua vida à causa pública, com total entrega, honestidade, inteligência e dedicação, Manuel Daniel, é um desses raros exemplos – Sim, então num tempo em que vão escasseando exemplos dignos de referência: ele pode olhar para o seu passado, com orgulho e de cabeça erguida - Numa longa carreira, com desempenhos nas tesourarias e repartições de Finanças da Meda, Pombal, S. João da Pesqueira, Reguengos de Monsaraz, Vila Nova de Foz Côa e Guarda, culminando como dirigente superior da Direção Geral do Tesouro, no Ministério das Finanças, onde foi responsável pelos serviços técnicos e financeiros das Tesourarias da fazenda Pública.

A par da sua vida profissional, foi ao mesmo tempo desenvolvendo o gosto pela literatura – Lendo as obras dos melhores autores, escrevendo poemas, contos e peças infantis e manifestando o seu apego ao jornalismo: iniciou a suas primeiras colaborações, em 1954, em “Luz da Beira”, jornal de Meda, a sua terra natal, que ajudaria também a fundar, colaboração que manteve durante 20 anos, creio que até à sua extinção. Nesse recuados anos, estendeu ainda o seu contributo jornalístico aos jornais a ”Palavra”, de Reguengos de Monsaraz – 1964-1968. Em Moura, colabora com a “Planície”- 1961- 1962. Posteriormente, já com residência em Foz Côa, publica vários artigos na “Coavisão” edição do município. Foi colaborador da “Capital”, na “Defesa” e na revista “Solidariedade” – Continuando a ser um dos mais considerados e ativos colaboradores do jornal “O Fozcoense”

Manuel Daniel, era casado com Alice Daniel, pai de dois filhos: do Dr. João Paulo Daniel, o guitarrista do extinto grupo Requiem Pelos Vivos, bem como Eng.Pedro Daniel, Eng.º Pedro Daniel, dinâmico Coordenador e Técnico da empresa Fozcôactiva, ambos ligados de coração e alma por Foz Côa, à semelhança dos seus pais." - Estas algumas de referências com que é enaltecida a sua vasta e notável biografia.

domingo, 17 de novembro de 2024

Golfo da Guiné - Perdido há 28 dias - Com estômago completamente vazio... A canoa anda para aqui a balancear de um lado para o outro e torna difícil o meu equilibro....O tubarão que pesquei dá um pivete dos diabos!... Está a cheirar mal!... Tenho tentado pescar e não consigo pescar nada!

   Jorge Trabulo Marques

Diário de Bordo  - 1  Deve ser uma da manhã do 28ª dia. É noite e está luar!...Até agora o tempo tem estado bom. Mas o  mar está muito agitado,  com uma  uma calema muito forte! E eu ainda  nem me deitei nem cruzei os braços, vou a velejar. O que me obrigo a uma atenção redobrada. A canoa balanceia bastante! E eu já ergui  a vela mais pequena para dar outro equilíbrio à canoa. Há umas formações de nuvens lá ao largo...Esperemos que entretanto não chova 

Diário de Bordo  - 2 - Apanhei há bocadito uma ave...Uma avezita...Sinceramente, custa-me fazer isso...Até porque pousam aqui todas as noites...Mas a verdade é que a necessidade me obriga... Há fome!...Portanto, tenho que me valer destes recursos


Diário de Bordo  - 3  Os trabalhos que acabei de executar, são trabalhos muito melindrosos... É preciso fazer umas ginásticas para se proceder a isto e evitar  que se caia ao mar...Realmente está uma calema bastante forte e a canoa balanceia muito!... Está sempre a ser vergastada e a balancear!... O vento não é muito mas o mar está muito cavado!...

Diário de Bordo  - 4 Devem ser aí 7 da manhã do 28ª dia. A situação é muito enervante!...O mar continua agitado!... Ao amanhecer surgiu uma trovoada violenta que deixou o mar muito cavado!... A canoa anda para aqui a balancear  de um lado para o outro e torna difícil o meu equilibro....O tubarão dá um pivete dos diabos!... Está a cheirar mal!... Tenho  tentado pescar e não consigo pescar nada!... Há aqui uma série de peixes parasitas que mal lanço a isca vão logo comê-la!... Simplesmente, não ficam lá presos, porque o anzol é demasiado grande.

Estou  realmente saturado!... A canoa deve ter andado bastante, devido à violência das vagas mas não vislumbro qualquer contorno de terra!...Isso é para mim bastante chato, porque já era altura de estar próximo de terra... Estou para aqui esfomeado!...Enfim!...

As correntes mudaram nitidamente. Estão-me a levar para norte, nordeste. O que vai atrasar a minha chegada a terra...Por este andamento, até é possível que já não chegue à Nigéria mas aos Camarões.

Diário de Bordo  - 5 "Não sei onde me encontro...Não sei para onde vou!... Mas tenho ainda uma réstia de esperança... Tenho fé em Deus! Que realmente chegue a terra!... É o que posso dizer neste princípio de noite..." 

Diário de Bordo  - 7  Sinceramente!... Vou-me deitar!... Vou ver se descanso qualquer coisa, daqui a bocado...Mas, sem comer nada?!...Com estômago completamente vazio... (..) Ah, mas eu quero é viver! É viver! E mais nada!... Eu quero viver!... A vida é tão bela!... A vida... ai... (não resisto que as lágrimas me corram pela face) Só no meio das dificuldades é que uma pessoa, realmente, avalia o que é a vida!...

Em meu redor é o mar! E é noite de luar!... No alto do cósmico arco, e já muito acima do ponto onde se ergueu do fundo das águas,  brilha um impressionante disco lunar, cuja claridade se espalha por uma imensa superfície espelhada de infindos brilhos de prata e por infindas pregas de enrugada extensão, ora  cintilando, ora desmaiando, mas cá em baixo o seu brilho vem somente tornar ainda mais visível  a face conturbada da infinita solidão que me submerge. Pois, de tão longínquo, não desfaz por completo as negras nuvens que pairam em torno do obscuro horizonte  que me envolve, que continuam  a revelar-se, como olhos de assombrosa   e velada ameaça!..
 .
Sim, alta vai a noite e alta brilha a lua e eu não durmo! -  Ondulam nervosas e escuras águas e, por tão agitadas, adio o meu repouso;  nem tão pouco posso dormir nem descansar. No entanto, completamente alheia à minha incerteza,  a canoa lá vai subindo e descendo a cova e a dobra  de cada onda do imenso manto tumultuante. Sei a direção que toma mas não faço a mínima ideia onde estou nem para onde vou.


Sozinho, apreensivo e triste, lá vou   balanceado pela noite afora, velejando ansioso, proa apontada ao desconhecido. Tosco pano içado em tosca vara de mato a desafiar os ares destes turbulentos mares. Atento e vigilante. Atormentado pela incerteza, pela fome e pela sede- sim, a água que recolhi das chuvas, é pobre. Sem comer e sem poder dormir,  lá vou velejando,  impossibilitado, mais das vezes, de o fazer. Derivando, indo arrastado, ignorando o destino para onde me conduz o movimento incessante deste ondulante e lívido manto líquido.
Mas, oh Deus, a lua, descoberta ou encoberta, lá segue imperturbável o seu percurso -   Jamais força alguma a desviará a impedirá  de mostrar à Humanidade e a toda a Criação,  as várias faces do seu rosto. Mas, o meu destino, como será?!... Sozinho e abandonado,  debaixo da sua luz,  ao sabor dos caprichos do mar e do vento, para onde me levará a noite?!... Qual o  meu  caminho?!... .. Quem me responde?!... 

A que  enseada de águas calmas, límpidas e profundas, a que  bom porto de abrigo ou praia de areia fina,  a minha  canoa, poderá tranquilamente acostar? Ou a que íngreme escarpa,  promontosa arriba, rochosa falésia, poderei vir a  ser  atirado e despedaçado?!... E, depois, o que poderá acontecer-me se pisar a  tão desejada floresta, luxuriante e fértil, carregada de frutos silvestres, chão viçoso e perfumado,  a  tão ansiada terra firme?!..  

Como irei ser recebido?!...Apiedando-se de mim, deste miserável náufrago,  acolhendo-me, humanamente, ou intrigando-se com o  meu aspeto, magro, atormentado,  queimado e olheirento, de criatura vinda de outro mundo?!... 

Âncora flutuante

Recebendo-me com desumana desconfiança e hostilidade, como perigoso invasor e foragido?!.. Vendo em mim o ser pacífico, que ousou enfrentar sozinho as procelosas ondas dos tornados ou o vil estranho,  o  suspeito,    desembarcado de barco  espião ou pirata?!...


Dez dias depois, conheceria a resposta -  detido, algemado, encarcerado!... Mas, agora, era a noite, mais uma longa noite equatorial,  um longo e exaustivo desafio - E, cada noite, nestes mares, não é uma noite, como  outra qualquer, mas a  sombria eternidade, a sempre misteriosa e antiquíssima noite, que, a cada momento,  vai mostrando, aos meus olhos, ansiosos e perscrutadores, as mais diversas máscaras e fantasmas, com que se cobre ou revela.