Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Fernando Assis Pacheco - O poeta e jornalista, morreu, em 30-11-95, um mês depois de ter erguido os braços num dos altares dos Templos do Sol, aldeia de Chãs, de Foz Côa- O poeta, jornalista, crítico, tradutor e escritor, amante de livros e da vida, morreu aos 58 anos, à porta da “Livraria Buchholz”, em Lisboa, com um saco de livros na mão, acabados de comprar, um mês depois de ter erguido os braços num dos altares dos Templos do Sol, maciço dos Tambores, aldeia de Chãs, de Foz Côa, após ter ido fazer uma reportagem ao núcleo das gravuras do Côa, na Canada do Inferno, para a revista Visão, a que deu o titulo de A Canada do Tesouro, tendo como guia, o nosso amigo fozcoense, Adriano Ferreira, a quem também se deve a descoberta de algumas das importantes gravuras, cuja fotografia viria a figurar numa das páginas, daquela que seria a última grande reportagem de Fernando Assis Pacheco
"Jorge!..Aqui também esteve o Torga?!.. " - Perguntava-me, Fernando Assis Pacheco, naquele já distante fim de tarde, em que o acompanhei pela Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora e ao Monte do Castro do Curral da Pedra. Ele estava muito feliz e, pelos vistos, queria saber se o autor dos Novos Contos da Montanha, também teria partilhado daquele mesmo encantamento e felicidade, ali pelos monumentais penhascos dos Tambores e Mancheia. Eu disse-lhe: "Não me consta... Acho que não...Aqui, nestes sítios, é ainda o reino do granito" Mas, afinal, Fernando Assis Pacheco, lá tinha as suas razões para fazer a tal pergunta. Miguel Torga, também contemplara aqueles enigmáticos penedos e largos horizontes. Contei o episódio, na cerimónia, da romagem à "Pedra do Fernando Assis, e a reposta às minhas dúvidas, fora gentilmente dada pelo poeta e advogado, Manuel Pires Daniel
Pelo que se depreende, tendo ali se despedido da vida, num gesto, porventura, premonitório da sua partida para a eternidade, creio de reconhecimento a Deus aos deuses por ter tido a oportunidade de contemplar estes abençoados e maravilhosos espaços, que, nossos antepassados, de outros tempos, ali cultuaram., celebrando os ciclos das Estações, evocando os seus ídolos.
É uma das pedras, que faz parte das nossas peregrinações poéticas, nas festividades dos Equinócios e solstícios, nos calendários solares, pré-históricos, ali existentes – Em 2006, já depois de o termos feito em 2005, prestámos-lhe ali uma singela homenagem, com a presença do filho, João Ruella Ramos Assis Pacheco e da filha, Rosa Ruella Ramos Assis Pacheco, que acendeu ali uma vela – E de sua esposa, Maria do Rosário Pinto Ruella Ramos, que, embora tendo acompanhado os filhos, até à aldeia, optou para li ficar aguardando o fim de cerimónia, não se deslocando ao local, dizendo que o sítio a iria emocionar muito. E, de facto, foram momentos brilhantes mas muito calorosos e emotivos
Em 2005, começamos a depositar, no centro daquele altar, coroas de flores, lendo poemas de vários poetas, e também dele, tendo o actor e músico, João Canto e Castro, acompanhado por Gonçalo Barata e Jorge de Carvalho, o pai do jovem que perdeu o filho numa expedição com João Garcia, nos Himalaias, lido ali alguns poemas e tocado uns acordes de violino, na presença dos dois filhos do poeta, jornalista escritor. A sua filha acendeu lá uma vela no centro dessa mesma pedra.
Encontrei-me com o Fernando Assis Pacheco, num bar em Foz Côa, em Outubro daquele ano, em 1995. Ao vermo-nos, como já nos conhecíamos das lides jornalísticas, cumprimentámo-nos calorosamente, tendo-o convidado a visitar aqueles lugares da minha aldeia, que já haviam merecido a atenção de Adriano Vasco Rodrigues, antigo Prof da Universidade Portucalense, em Gaia, que, num estudo publicado em 1982, sobre a História Remota da Mêda, classificando a Pedra da Cabeleira de Nª Sra., que tem a forma de um gigantesco crânio, encimada no altar de um recinto amuralhado, onde parece desafiar as leis da gravidade, como um local de sacrifícios, integrado cronologicamente na revolução neolítica - Se bem que, só, em 2001, por um feliz casso, eu pudesse constatar que os raios solares do nascer do sol, atravessavam a sua graciosa gruta, em forma semicircular, no primeiro dia do Equinócio da Primavera e do Outono.
E foi, então, quase ao fim da tarde daquele dia, que, acedendo, amavelmente, ao meu convite, acompanhado pelo repórter fotográfico, José Oliveira, se deslocou ao santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nª Srª, bem como a outros locais da área, que o deixariam verdadeiramente encantado, tendo prometido ali voltar - E, naturalmente, ainda longe de se saber, que existiam os tais calendários solares, que mais tarde, haveria eu de descobrir - E muito menos de se imaginar que esta seria a sua última despedida para sempre, deste local
- Rosa Ruella - Filha de Fernando Assis Pacheco |
Sim, ele adorou. Ficou muito contente por ver aquelas pedras. Tendo chegado a perguntar-me, se o poeta Miguel Torga, também já ali havia estado.. Respondi-lhe que desconhecia; no entanto, anos depois, vim a saber, que até andou por ali à caça. segundo me confessou outro grande e saudoso poeta, Manuel Daniel, natural de Meda, que também ali se descolou a esta pedra a prestar-lhe a sua homenagem, que nos deixou em Janeiro passado – Natural da cidade da Mêda, onde nasceu em 18 de Novembro de 1934. Faleceu em 21 de Janeiro 2021, vitima da Covid 19 - Já depois de alguns anos de penosa situação de invisual, sem, no entanto, abdicar da sua verve poética
Um coração de poeta, que, embora não tendo alcançado a fama que deveria merecer, privou com Miguel Torga e escreveu algumas letras lidas por João Vilarét - Homem muito admirado e querido, não só na sua terra natal, em todo o concelho, bem como em V. Nova de Foz Côa, onde passou grande parte da sua vida, dedicado à causa pública e cuja obra intelectual, se estende em todos os géneros literários, perfeitas maravilhas de naturalidade , de graça, finura e sensibilidade, que encanta, sorri e toca profundamente quem glosa a sua poesia ou a sua prosa
JÁ SE HAVIA POSTO O SOL QUANDO DALI SAÍAMOS - E também já estava a fazer-se demasiado tarde para a longa viagem que tinham pela frente, até Lisboa.
Naquela altura, como disse, ainda não tinha descoberto, que alguns daqueles monumentos megalíticos, eram verdadeiros calendários solares pré-históricos - Mas ele estava muito encantado com a panorâmica e com o lugar. Quando estávamos a regressar do Castro do Curral da Pedra, ao vê-lo tão contente, pedi-lhe para subir ao alto de uma pedra, em forma de um pequeno altar e ali dizer umas palavrinhas mágicas( que eu lhe sugeri) - "Grande Foco! Força Criadora! Vida do Universo! ! - em louvor aos deuses destes lugares.
Olha, Fernando! Já que vais tão contente, sobe para aquela pedra e agradece ali aos deuses que aqui foram adorados, pelos antigos povos; agradece-lhe a tua vinda aqui! E assim fez, irradiando uma enorme alegria, abrindo espontaneamente os braços aos céus, num largo e expressivo sorriso, voltando-se em várias posições para com os quadrantes da Terra e repetindo umas palavrinhas que, em jeito de evocação, eu lhe dissera.
A última das quais foi com a mão esquerda estendida ao longo do corpo e a direita apontando para onde se havia posto o sol! – Hoje quando revejo essa imagem só penso numa coisa: que aquela direcção para onde ele então apontava, só poderia estar já a indicar-lhe o caminho da eternidade!... O caminho dos deuses! Como não tinha película na máquina, pedi um rolo emprestado ao José Oliveira. Ele foi ainda mais generoso, registou o momento e deu-me o negativo.
A MORTE UM MÊS DEPOIS - Um mês depois, e justamente quando dali regressava a casa, ao ligar o rádio, qual não é o meu espanto e a minha tristeza quando ouço a notícia da sua morte, que o surpreendeu com uma mão cheia de livros à saída da livraria Bucholz, em Lisboa.
Foi a 30 de Novembro, aos 58 anos .No dia seguinte dirigi-me à mesma pedra e, com ajuda de um pequeno cinzel, fixei, dentro de um pequeno triângulo, as iniciais do seu nome, como singela homenagem à sua memória. Depois disso, já por lá passei muitas vezes, e, sempre que por ali passo, não deixo de o imaginar lá, com a mesma postura e expressando aquele seu largo sorriso aberto, que, aliás, lhe era tão familiar e que os seus entes queridos e muitos amigos, dificilmente esquecerão