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sexta-feira, 17 de julho de 2020

VOGANDO A COBERTO DA NOITE E À FLOR DO MAR



O passado já não me pertence e o meu futuro é como a noite: desconheço onde começa e onde acaba -
(...) A noite vai alta e espessa! O mar encapelou-se
com o refrescar do vento - A canoa balança....
Atmosfera é húmida de névoas negras,
que correm baixas, rolando mui densas.....
- Para onde vou eu na estreita concavidade
deste frágil tronco escavado?!...
Para onde me levará este esquife fantasmal?!...
De que te lamentas, afinal,
meu coração esquivo e atormentado?!..
Não terá sido loucura insensata
ter confiado a minha vida em tão precária fragilidade?!...


Não sei, nem me importa. Vim sem destino,
meu rumo é ditado pelos ventos e correntes,
não tenho nenhum itinerário programado!
- Não sou senhor de mim: - lancei-me ao mar
sem instrumentos náuticos e cartas de marear.
Medito e por vezes fico ainda mais triste e em sobressalto,
ao sentir o mar a rugir e o vento a fustigar-me e a uivar!
Nada mais posso fazer que sentir a ansiedade
dos vivos nas horas incertas ou esperar absorto
pela eterna paz dos mortos se a vida me escapar.
Vou balanceado para onde o vento soprar.
À flor das águas, vogando deitado e solto!
Vou para onde me arrastarem as ondas
os caprichos do destino, me quiserem levar!....


Quando não chove e o céu está descoberto, não vejo o mar
mas ouço constantemente as suas pancadas ao meu lado,
até que adormeço com o bailado das estrelas - Mas hoje
ainda não vi nem as estrelas nem vi o luar...
Não consegui adormecer - Oh vil ou doce tormento!
Pecados mortais meus ou ira negra dos altos céus!

Meu colchão é côncavo estreito e duro - Muito desconfortável.
Não me permite sequer abrir os braços, mal posso respirar.
Pior ainda quando estendo e cubro a canoa com o toldo de plástico.
Meu coração, quase sufoca, possuído pelas sombras do oceano noturno.
Mesmo assim, meus olhos, cegos de cansaço, perdidos
num horrível vazio sonoro e escuro,
não cerram as pálpebras, não cedem
à continuada afronta que os amarra
mergulha e sobressalta!


Vão abertos, em persistente vigília e alerta! - Não param de sondar
os ruídos, os marulhos! - E, quando estes ressoam no casco
ainda mais os intrigam e assustam - Arregalados,
perscrutam e devassam a penumbra absoluta -Porém,
nada enxergam do que vai dentro ou lá fora - Vão cegos
mas não desistem!- Nesta horrenda dança de vida
ou morte, são eles e os meus ouvidos,
o mais íntimo sonar, desta minha
inarrável errância marítima


Neste corrocel ensurdecedor de sonoros embates de arrepiar,
vergastas impiedosas das vagas que vão sucedendo
em brutais baques crispados de quase enlouquecer,
Oh quantas ideias! Quantos pensamentos!
Quantas dúvidas e inquietações!....


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