Jorge Trabulo Marques - Jornalista e
investigador - Ouça o Vídeo, dividido em duas partes - separadas
por um breve separador musical - excertos da entrevista e a discussão As outras
confissões ficam no segredo dos deuses
Telefonara-lhe
na véspera e ela havia manifestado a sua concordância. Mas, às tantas da
gravação, arrependeu-se e quis ficar-me com o gravador e a cassete. E eu não
tive outro remédio senão tirar-lho da mão e precipitar-me numa corrida
apressada pelas escadas abaixo, à frente dela e do grupo de
amigas, que se encontravam em sua casa.
Que não cheguei no entanto a divulgar,
por respeito à sua vontade. Porém, embora mais tarde, num reencontro, com o
repórter, por altura do lançamento da sua biografia, Estranha Forma de
Vida, reconhecesse que não havia razões para ficar preocupada, me
autorizasse a divulga-la, mesmo assim decidi não o fazer integralmente.
CLIKE E OUÇA ESTE VÍDEO - PARTE DA ENTREVISTA E O REGISTO DA DISCUSSÃO, QUANDO A ENTREVISTA FOI ABRUPTAMENTE INTERROMPIDA - AS IMAGENS FORAM RETIRADAS DE FOTOS DOS SEUS ÁLBUNS
Divulgo apenas uma parte da entrevista, não pelo facto que considere as revelações escandalosas, longe disso, mas pelo respeito à sua vontade e à sua memória - E jamais o farei em qualquer rádio ou televisão, seja a que preço for. Andei dois anos sem aparecer à sua frente...Até que por fim fizemos as pazes
O dialogo inseria-se numa
série de entrevistas, que me foram encomendadas pelo semanário Tal &; Qual,
com várias personalidades da vida portuguesa, acerca da "primeira
vez". ou seja, sobre a primeira relação sexual - Foi no principio da
década 80, num período em que, certos tabus, acerca da
sexualidade, se rompiam graças aos ventos da revolução de Abril - Entre
as figuras entrevistadas, contam-se: Carlos Botelho, Graça Lobo, Simone de
Oliveira, Raul Solnado, Vitoriano Almeida, Ary dos Santos, Narana Coixoró, Raúl
Calado, Ivone Silva, Afonso Moura Guedes, entre outras figuras - A Amália
aceitou o desafio mas, a dada altura do momento da entrevista, arrependeu-se
Curiosamente esta entrevista coincidiu
num tempo
da minha vida em que (paralelamente à minha vida profissional) eu fazia o papel
de Rasputin e vida de luxo, dando conselhos astrológicos, confortos às
"tias ricas mas frustradas do Estoril e Cascais", por força dos
muitos relacionamentos sociais da minha ex-companheira Elizabeth -
A que me referi em "Sexo amor e bruxaria de Rasputin II, com
Damas, Marquesas, Tias, Lésbicas e Depiladoras http://www.vida-e-tempos.com/2011/03/sexoamor-e-bruxaria-de-raspustin-ii-o.html
Foram dias
maravilhosos de sexo e amor, sauna, piscina, diversão - Num dos hotéis
mais luxuosos de Lisboa, com a mulher do ex-Director-Geral: a mais charmosa
entre as charmosas - Inicialmente tencionava apenas homenagear uma grande amiga
e companheira, com a qual vivi oito maravilhosos anos e passámos uma lua de mel
de dois meses no Sheraton Lisboa .- Mas depois acabaram por surgir
outras recordações por acréscimo. E a edição das imagens e do texto(editada na
postagem anterior) foi muito além de o que imaginava
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou este domingo que Amália Rodrigues "continua a ser a voz de Portugal" quando passam 20 anos da sua morte" - Sim, continuará a ser uma das mais brilhantes cantoras do século XX - A nossa mais distinta embaixatriz do fado e da língua portuguesa. A voz que, mesmo com a veloz mudança de costumes e a frivolidade de uma sociedade, mais voltada para o egocentrismo e as suas vaidades comezinhas e egoístas, tão cedo, as gerações que a conheceram, que lhe ouviram a voz nos palcos e nas Tvs, dificilmente a poderão esquecer
Está
sepultada no Panteão Nacional, entre os portugueses mais ilustres. - De seu nome
completo, Amália da Piedade Rodrigues, os pais eram da região de Castelo Branco
mas nasceu em Lisboa, 23 de Julho de 1920, faleceu na mesma cidade, que
tantas vezes cantou e celebrou com a sua voz e timbre inigualáveis, em 6
de Outubro de 1999 - Além de fadista, escreveu também poemas e participou como
atriz em vários filmes - Sem dúvida, a maior embaixadora da música portuguesa de todos os tempos.
Precisamente por
esse facto - como um gesto da minha singela homenagem
à grande Diva do Fado, que, por três vezes me deu a honra de me receber em sua
casa - vou aqui dedicar-lhe esta postagem em sua memória -
Com uma particularidade muito especial - A de que, a entrevista inédita,
que, parcialmente, aqui reproduzo, em vídeo, possa também
constituir-se como mais um interessante contributo para estudiosos
e admiradores da mítica personalidade da Rainha do Fado
AR - Se se não
morre por amar alguém, tem que sobreviver!... Por vezes, há amores, que
complicam de tal maneira a vida das pessoas, quase que não é viver!
JTM – Começou amar muito nova?
AR – Comecei amar muito nova!... Estava convencida que
amava!... Como toda a gente!... Tinha eu os 13 anos, 14 anos!... Como todas as raparigas!...
Estava convencida, que era amor!... Era, como a gente chama agora, e chamava naquela altura – olhar para a sombra!
JTM – Eram namoricos!
AR – Era olhar para a sombra: a gente a pensar que já é
mulherzinha!... E não sei quê!
JTM – E fazia isso, em segredo, sem a sua família saber
ou, de facto, os seus pais não se opunham ao namoro?
AR – Os meus pais?!... Era de tal maneira segredo!...
Que os meus pais! E nem eu própria estava convencida!... Tal era a ideia! O
criticável! Uma rapariga, com 13 anos, , dizer que gostava de alguém!... A
minha família era da Beira-baixa! O meu avô e a minha avô, foram casados,
setenta e tal anos!... Eu, aos 18 anos, quase 19, apanhei uma sova de toda a
gente!... Porque, houve uma tia que me viu atravessar a rua com um namorado!
Tocou-me no braço!... E apanhei, em casa, uma sova de toda a gente!.. Se eu me
atrevesse a dizer que eu gostava de alguém?!... Matavam-me!" - Excerto da gravação.
Tal como já havia
referido noutra postagem deste site, Naturalmente que não se tratou de uma fuga
por agressão ou assalto. Mas de preservar um instrumento de trabalho.
AS PAZES...E A HOMENAGEM
DE UMA FOTO EXCLUSIVA
A fotografia que aqui
edito, com uma pose de fadista, da Amália, à frente do retrato da Severa, foi
registada no dia do lançamento do livro, " Uma Estranha Forma de
Vida", de autoria de Vítor
Pavão dos Santos , que
teve lugar na Adega Machado - A imagem é de
minha autoria e trata-se de uma pose, espontaneamente da Amália,
selando, de forma gentil, artística e carinhosa, o termo de um período de
agastamento e distanciamento , depois da fuga precipitada de sua casa. A imagem
foi obtida por uma pequena compacta de bolso.
Creio que houve mais uma
pessoa que terá aproveitado a oportunidade para registar a mesma pose. Mas ela
voltou-se, foi para mim e perguntou-me: "Você
está aqui?!..." Eu respondi-lhe: "
Sim, estou aqui porque
não hei-de estar aqui?!... Quem não deve não teme!... Amália, sabe dizer-me se
alguma vez eu usei as suas palavras da entrevista? .. As transmiti ou as
publiquei nalgum jornal?!...Desculpe não ter-lhe dado a cassete e tê-la
deixado se calhar preocupada mas Amália também queria o gravador e eu não podia
ficar sem ele"
Porém, embora nesse reencontro, com o repórter, reconhecesse que não havia razões para ficar preocupada, me autorizasse a divulga-la, mesmo assim decidi por enquanto não o fazer
-
Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....
Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,
Isto passou-se já na ponta final da cerimónia, quando os repórteres fotográficos e a maioria das pessoas, haviam saído. Eu fizera outras fotografias mas andara por ali discretamente. Aguardei para o fim, cauteloso, pois não sabia como ela ia reagir à minha presença: surpreendentemente foi amistosa: "Vá... então dê cá um beijinho e tire-me aí uma fotografia!"....
Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....
Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,
Curiosamente
as farpas vieram dos que se notabilizaram em boa parte à sua custa..
Foi alvo de boatos pelos jornais e por algumas pessoas de uma certa
esquerda oportunista e extremista que se meteram na sua vida íntima e a
acusaram de gatos e lagartos. .
A ENTREVISTA FOI-LHE SOLICITADA POR TELEFONEMA DIRETAMENTE DO BOTEQUIM DE NATÁLIA CORREIA
A entrevista foi congeminada e combinada no Botequim da Natália Correia - Aliás, tal como outras sobre o mesmo tema, publicadas no Tal & Qual. Tendo, até, por via disso, chegado a escrever no Diário de Notícias, em defesa de Afonso Moura Guedes, quando Vera Lagoa (Maria Armanda Falcão) o atacou nas páginas do Semanário O DIABO
"Então porque não
entrevista a Amália?!... Seria interessante sabermos como a nossa diva do fado
se desvirginou!..."
- A sugestão foi secundada por uma gargalhada geral. Pois a voz da Natália
(mesmo que o Botequim estivesse cheio), distinguia-se perfeitamente entre a
música do piano ou o barulho de outras vozes. Ainda conservo alguns registos
gravados do ambiente e de ela a cantar: "Morte que Mataste Lira" - Em
sua homenagem, aqui vai uma das canções que tanto gostava.
Nem mais um instante
hesitei. Estava sentado junto ao balcão do bar. Fui à minha agenda, peguei no
telefone, que estava mesmo ali à mão e disquei diretamente para casa de Amália.
Era já um pouco tarde, pedi-lhe desculpa pelo adiantado da hora e disse-lhe que
gostaria de lhe fazer uma pequena entrevista para o Tal & Qual - Acedeu
“Já está combinada!... Vou lá amanhã!" -
disse imediatamente à Natália "Parabéns!...
Estou cheia de curiosidade" -
remata a autora da Mátria
Na tarde do dia seguinte, lá me apresentei no antigo solar da Amália, no 1º
andar do nº 193 da Rua de São Bento - hoje transformado em Casa Museu -
Amália - Era a terceira vez que me dava o prazer de me receber em
sua casa. Sim, na altura a concorrência da rádio e da televisão, não era como
agora. Estava na companhia de Maluda
e de um restrito grupo de familiares e pessoas amigas. A entrevista discorria
sobre a primeira relação sexual. Mas a pergunta sacramental só viria depois do
preâmbulo . E fui torneando a questão "mole e mole", como se diz em
África: nunca lhe cheguei a dizer que o tema principal da entrevista era que me
revelasse como tinha sido a sua primeira queca ou quem primeiro arranhou.
Foi-se discorrendo... Houve que andar pelos preliminares... Até que, por fim,
lá confessou o desgosto que a assolapada paixão lhe havia causado.
Recebeu-me de uma forma muito amável, no alto das
escadas, muito sorridente, naquela sua expressão, a que o público também se
habituou, sempre que aparecia em palco. Amália era íntegra, a hipocrisia e o
fingimento não faziam parte do seu carácter. No fundo, era assim para toda a
gente - para os amigos e gente anónima. Amália não tinha duas faces. Só quando
cantava o fado, então é que o seu rosto era a dor ou a alegria das composições
que interpretava.
Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas...
Logo que transpus o último degrau, cumprimentou-me com um beijinho, levando-me de seguida para junto de um grupo de amigas, que estavam lá mais à frente, a um canto da casa do lado esquerdo e junto à janela, que corresponderam simpaticamente. E lá passei um grande bocado da tarde. Curiosamente, não se falava de outra coisa senão de sexo. Claro, de uma forma trivial: de fofoquices. Sem qualquer carácter obsceno. E foi com estas palavras que me apresentou às suas amigas: "Você também gosta de falar de sexo?!... Elas são marotas!... Não faça caso que elas sabem muito mais do que eu!..." - "Estejam à vontade"- respondi. "Eu também gosto de conversar sobre essas coisas...
E, de facto,
mesmo reconhecendo que a conversa andava à volta de questões relacionadas com o
amor, o sexo, episódios de namoricos, cenas de filmes românticos e coisas do
género, tive a percepção de que, Amália, estava longe de imaginar a pergunta
marota que eu levava engatilhada - Costuma-se dizer que as boas reportagens
são aquelas que vêm ao encontro do repórter e não as programadas - E, em
boa parte, foi o que sucedeu..
Não manifestei a menor pressa em fazer qualquer registo no gravador. Por algum tempo, quase me ia esquecendo que estava ali para entrevistar Amália. Direi que não fui um participante activo nos diversos diálogos mas um ouvinte muito atento - Pois, embora bem recebido, não fazia parte do seu núcleo íntimo das suas amizades . Mesmo, perante um ambiente, tão descontraído, tinha de saber ocupar o meu lugar - E, quando se está perante alguém que diz coisas engraçadas, que nos dão prazer, é preferível falar menos e ouvir mais. Foi esse o meu papel
Não manifestei a menor pressa em fazer qualquer registo no gravador. Por algum tempo, quase me ia esquecendo que estava ali para entrevistar Amália. Direi que não fui um participante activo nos diversos diálogos mas um ouvinte muito atento - Pois, embora bem recebido, não fazia parte do seu núcleo íntimo das suas amizades . Mesmo, perante um ambiente, tão descontraído, tinha de saber ocupar o meu lugar - E, quando se está perante alguém que diz coisas engraçadas, que nos dão prazer, é preferível falar menos e ouvir mais. Foi esse o meu papel
De resto, Amália, até nem era das pessoas que mais
falava. Gracejava, divertia-se dando umas piadas para apimentar a conversa.
Pelo que me apercebi, aquela restrita tertúlia, reunia-se com Amália, não tanto para lhe ouvir as histórias ou desabafos, mas para lhe servir de corte - Tal como os bobos e as damas na corte dos réis. Adoravam Amália e reconheciam-na como a diva, como a rainha. Estava lá também o irmão Vicente, a sua irmã Celeste e a pintora moçambicana Maluda e mais duas amigas. Não as reconheci, mas pareceu-me que eram as visitas especiais daquela tarde. Mas quem se impunha era Maluda - Sentia-se tão à vontade, que parecia fazer parte da casa, tal como o irmão e a irmã da Amália.
Maluda era de complexão forte - a saúde é que acabou por ser fraca e a levou cedo. Fazia parte do restrito grupo das pessoas íntimas de Amália - Também se promoveu à sua custa. Se não fosse essa relação estreita, estou convencida que as famosas janelas, pintadas pela artista moçambicana, teriam ficado no anonimato.
Não tinha papas na língua. Era ela a moderadora, quem trazia os temas à baila. E também a voz mais troante, até parecia ser a governanta da casa. O Vicente ria-se muito mas quase não abria a boca. A Celeste, também sempre muito alegre e participativa. As outras duas amigas, riam-se como as crianças, por tudo e por nada: - Riam-se do que contavam e das risadas que provocavam
Amália, mesmo não sendo a que puxava pelas histórias, era a voz que mais sobressaía. Sempre bem disposta. E com os seus apartes. Mas não falava dela. Se, no pequeno grupo, imaginássemos, em vez de pessoas, instrumentos ou uma sessão de fados, dir-se-ia que, as demais presenças, eram simplesmente instrumento de cordas, as guitarras que acompanhavam, e, Amália, a eterna cantadeira - Amália denotava uma grande sensibilidade e curiosidade em ouvir as pessoas que faziam parte do seu núcleo de amizade e gostava de as pôr a falar. As pessoas inteligentes não gostam de perder tempo a expandir-se em trivialidades. Mas sabem ser socáveis. E gostam de ouvir.
Deixava falar as amigas . Mas não se distanciava do diálogo. Era participativa. E as suas palavras (mesmo não cantadas) soavam com a sonoridade, que lhe é própria, tal como só ela as sabia dizer: soavam à voz inconfundível da grande fadista - A voz da Amália era sonoramente bela, falada ou cantada. O falar de Amália era tão agradável como os fados cantados - Como ela, dificilmente surgirá algum dia quem a imite.Já ali havia estado por duas vezes, em sua casa, mas apenas durante o tempo tomado para as entrevistas - Agora, de forma algo inesperada, passava ali uma tarde. - Sentia-me como se fosse uma visita habitual da casa da Amália - Até que, por fim, e vendo-a tão bem disposta, achei estarem reunidas as condições para lhe colocar algumas questões(delicadas) sobre a sua vida pessoal - "Como havia sido a sua primeira relação sexual"
E, não querendo que o barulho das outras vozes, pudesse afectar a qualidade gravação (mas sobretudo para estarmos mais à vontade) - perguntei-lhe se não se importava de nos sentarmos nutro sítio - Fui então que me conduziu para o lado oposto da sala, próximo do último degrau da escadaria, onde nos sentámos junto a uma pequena mesa, com o gravador sobre a superfície da mesma.
"Então diga lá o que me quer?!..." -
pergunta-me ela, visivelmente bem disposta. Respondi-lhe: "Vamos falar
sobre o que estavam a falar... Umas palavrinhas da Amália...Diga o que quiser
sobre o assunto...E seja sincera como costuma ser e estavam a ser..Eu gosto
muito de a ouvir cantar e também falar". Tive o cuidado de não usar o
termo sexo para não lhe criar alguns antagonismos. Pese o facto, como disse, da
conversa se haver estendido, praticamente sobre fofoquices desse género.
Sem dúvida, deram-me muito prazer aqueles
momentos de convívio- No entanto, o meu objectivo principal era a entrevista,
que eu não queria perder. Não tirava da mente esse desejo porfiado. Diria que
agi (sem falsa modéstia) um pouco como o prestigiador. E, antes de contar o
resto da história, vou explicar de seguida - talvez as razões de algumas dessas
propensões
Devo dizer que, na conversa prévia, que tivera de
véspera com Amália Rodrigues, eu fora um pouco omisso. Mas também devo
sublinhar que não a traí porque as perguntas foram sempre muito claras, só que
progressivas... Ao mesmo tempo que não deixava de a fixar... Encantado pelo que
me ia dizendo... Não tanto pelo facto das suas confissões mas pela sua
sinceridade. Claro que ela estava absolutamente segura do que dizia....Longe de
se poder afirmar que estivesse hipnotizada... Só que se esquecera que havia ali
um gravador... Mas, às tantas, lá se deu conta para onde estava a resvalar... e
despertou para outra realidade... Depois foi um grande bico de obra, como explicarei
adiante... Tive que sair de lá a correr... - Quase me ia precipitando ao descer
as escadas... ela e a sua "corte" correram todos atrás de mim. Vieram
até à rua... Só descansei, quando apanhei um táxi... E até o taxista se
apercebeu, perguntando-me o que é que se havia passado à porta da Amália.
A Maluda era a mais danada e inconformada...Mal eu dei ares de desandar, correu logo atrás de mim, como uma cavalona... "És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.
A Maluda era a mais danada e inconformada...Mal eu dei ares de desandar, correu logo atrás de mim, como uma cavalona... "És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.
Estou convencido que se me apanhassem, tiravam-me o
gravador e ainda levava uma tareia. A entrevista ficaria a meio. Ficou aí nuns
10 minutos. A Amália arrependeu-se e quis tirar-me a cassete e o gravador... "Sou
uma figura pública!...Mas que tonta estou eu!... Que disparates estou eu para
aqui a dizer?!..." Ainda tenho estes desabafos gravados. Ora, mas que
culpa tinha eu de dizer aquilo que não lhe convinha dizer?!... Era adulta e
crescida. De resto, até achava que não havia dito nada especial ou de
escandaloso... Mas ela subitamente muda de opinião. Ainda lhe propus
desgravarmos e começarmos outra entrevista, ainda anuiu mas acabaria por não
aceitar. Eu é que não podia era ficar sem o gravador, porque não era meu mas da
estação onde trabalhava - Tirou-mo das mãos. Tentou tirar a cassete do seu
interior mas a mola estava partida e não saltava para fora.Eu disse-lhe: "Amália,
tenha calma... Eu dou-lhe já a cassete... Dê-me o gravador por favor que não
é meu ou então vamos começar de novo..."
Ela ainda chegou a concordar... Só que depois
apercebeu-se que eu não estava a desgravar a entrevista ... Amália tinha um
sexto sentido muito apurado.... Só era enganada se queria... Era muito
inteligente e muito sensível. Ela quase adivinhava o que ia na cabeça das
pessoas com quem falava... Fiquei com essa impressão... Tive esse eco... Ela
captou os meus pensamentos como se fosse um radar a captar as mensagens do
inimigo... Eu não queria perder o primeiro registo...Até para não ficar sem
nada... Sobretudo à medida que ela própria valorizava a entrevista, a que eu
até aí não atribuía nada de especial E Amália apanhou-me a vibração... Grande
mulher!...Tinha essa ideia fisgada e ela pressentiu-a.. Não tive a menor
dúvida. E já não havia nada a fazer senão procurar recuperar ao menos o
gravador. E mais se convenceu da marosca, quando eu lhe disse: "Bom mas
temos que nos calar senão vai ficar tudo o que agora estamos a dizer..."
Ficou então duplamente ainda mais
preocupada e com a sensibilidade à flor da pele.... Rapidamente fez a leitura
de tudo o que ia na minha cabeça... Subitamente senti-me como que
desmascarado... Mas também nunca dei o flanco e procurei sempre proteger o meu
tesouro...Se há coisa que poderá deixar mais frustrado um jornalista é ficar
sem a sua entrevista ou sem a sua reportagem. Quantos não recolhem importantes
"furos" de gravador escondido ou câmara oculta, mas o meu gravador
estava ali pousado sobre a mesa. Ambos estávamos sentados e não havia ali
nenhum jogo escondido. Não estava a cometer nenhum atentado ou crime à honra da
Amália.
Já havia passado por uma experiência, com
quase idênticos contornos, com as confissões de um elemento da ETA, em Las
Palmas. Deu-me a entrevista à noite (contando-me como ele e o seu grupo haviam
assassinado um general em Madrid - olhos vendados e de cano de pistola apontado
aos ouvidos , jogando à roleta russa ), mas, o diabo do sujeito, pouco depois,
arrependeu-se e foi bater ao meu quarto para que lhe devolvesse a cassete.
Disse-lhe que lha entregaria de manha. Só que eu levantei-me mais cedo e mudei
de pensão. Era das mais modestas da cidade onde não eram pedidos elementos de
identificação pessoais.
De facto, Amália tinha razão: ela já não confiava em
mim nem no próprio gravador: terá pensado que, além da cassete, ele esconderia
algum segredo. Estava muito desconfiada. E realmente já não havia apenas um
registo mas dois: o da entrevista, de que ela se arrependeu e depois os
lamentos dela, as suas justificações, durante vários minutos. Foi então que me
voltou apanhar o gravador: "Você não leva o gravador!!!... Vá à sua
vida que não leva o gravador!!... A mim não me engana!!..." Bom, nisto
o grupo (que até aí se manteve indiferente junto à janela) pára de conversar e
faz-se um silêncio sepulcral na sala... Já só se ouve então a Amália a dizer,
meia arreliada: "Você não leva o gravador! Vá à sua vida!.."e
eu a pedir-lhe, insistentemente, que mo devolvesse. E a Maluda, que já tinha
olhado várias vezes para nós e parecia algo desconfiada de que havia por ali
gato, pergunta, com voz alterada e meia zangada: "Amália!... o que se
passa?!!...O que é que esse gajo te quer fazer?!....Eu já corro com ele!!!..
...Já trato dele!!.."
Vendo a ameaça iminente da presença da Maluda, seguida
pelo grupo, e quando ela lhe responde. "Eu disse umas coisas parvas e
não quero que ele leve o gravador!.. Ele não vai levar o gravador!...Não vai
levar o gravador!... quero que ele se vá já embora!" Pois bem,
aproveitando então o instante em que ela olha em direcção à Maluda, sim,
apanhando-a distraída, tiro-lho o gravador e desato a fugir escada abaixo.
Numa grande noite do fado, ao passar frente ao
camarim, nos bastidores do Coliseu dos Recreios, ela viu-me: "Mas o que
é que você anda para aqui a fazer?!!..." - Tive que me escapar
imediatamente dali, antes que fizesse algum escândalo. Mais tarde fizemos as
pazes: foi no lançamento do livro de Victor Pavão - "Uma Estranha forma de
vida", que decorreu na Adega Machado. Autografou-me o livro e deu-me um
beijinho muito querido. Depois pousou expressamente para mim, à frente do retrato
da Severa – Obrigado Amália Rodrigues por tão belo momento, cuja foto
guardo como um relicário. Também fazia anos em Julho e era do signo Leão, tal
como a Bethe. Já vi que cada biógrafo apresenta a sua data, mas creio que você
me disse que fazia anos no dia 26 de Julho. Mas também já não estou bem
certo...
Adorava ter sido seu conselheiro. Vi que tinha um
fraquinho pela astrologia. E eu também sou um curioso dessas questões. Pois
ainda falámos sobre o assunto. Fui o Rasputin de várias damas que me foram
apresentadas pela bethe - a russa Ludmila, no Ritz, é que me catalogou desse
alcunha. Elas queriam mais alguma coisa: que eu fizesse feitiços aos maridos...
pelas mais diversas razões. Mas era consigo que eu me teria sentido um príncipe
numa corte real. E olhe que gostaria apenas de ter estado no papel de um mero
pajem ou animador de convívios. Marimbar-me-ia para o resto. Mesmo já com a
idade que tinha. Sim, não era o sexo... Mas a presença fascinante da sua
personalidade!... Nunca mais no mundo vai aparecer figura igual!.
Amália tinha também o seu lado de vespa quando subia
aos arames... Que eu dei-me conta disso... Zangada era como uma leoa da
selva... Mas, no fundo, ela era mesmo a grande diva: não apenas do fado mas
como pessoa. Fora bela, sorridente e escultural, quando nova. E, mesmo quando
os anos já avançavam, até parecia que nada nela havia mudado: mais ainda:
firmara-se no seu rosto, no seu inigualável perfil, o sorriso, a expressão, o
olhar entre o alegre e o triste, a candura e a natural beleza, tal como o
escultor que eterniza o instante mais nobre e magnífico do busto de uma rainha
ou de uma princesa.
Muito determinada e senhora do seu querer e das suas
ideias. Era forte como uma padeira de Aljubarrota mas ao mesmo tempo tão frágil
como a flor mais bela de um maravilhoso jardim. Esse é o tipo de mulheres que
eu sempre mais admirei. Paradoxalmente, em vez de serem os seus namorados a
perderem a cabeça por ela, afinal foi a Amália que chegou quase a suicidar-se
por um deles...- E tanta vida ainda à sua frente!... - E logo num primeiro
embeiçado!...Ele não merecia tão alto suplício, como, de resto, ela reconheceu.
Que desastre, mais fatídico, não teria sido para ela, para o fado e para todos quantos
ainda hoje a veneram e admiram!... Espero, todavia, que, quando reencarnar e
decida cá voltar à companhia dos terrenos, para uma nova fase evolutiva, tenha
aprendido melhor a lição...
Na verdade, a sua vida foi mesmo "Uma estranha
forma de vida" - Mas que o destino felizmente soube preservar:
"cantarei o fado até que a voz me doa" . E, de facto, só a morte lhe
calou a voz mas não a memória e a fabulosa herança dos fados que nos legou.
Os milhões que a adoram e a continuam a idolatrar têm
razão, porque ela era inimitável.. O seu nome e a sua voz, agora continuam
ligados a uma estação de Rádio – A Rádio Amália, em tão boa hora, lhe
dedicaram. Ela partiu mas a sua voz é eterna. Não está connosco fisicamente mas
eu estou receptivo às comunicações do seu espírito, quando ela quiser....Quando
me apanhar, naquelas noites, lá pelos penhascos da minha aldeia, dialogue
comigo, minha alma querida!
Repito o que disse: conservo a
gravação mas até hoje nunca a divulguei e, por enquanto, não o tenciono fazer,
por respeito à sua memória. Pessoalmente não vejo que me declarasse algo de
especial ou de escandaloso. Ela mudou, porém, de opinião, que eu respeitei. Se
um dia revelar alguma coisa - parcial ou totalmente, será todavia neste site -
Mas nunca aquilo que eu considero que ela não gostaria que fosse além da sua
intimidade.
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David Mourão-Ferreira
E O SEU FILHO JOÃO DAVID - LANÇAMENTO DO LIVRO "UMA ESTRANHA FORMA
DE VIDA"
O POETA E ESCRITOR FEZ
APRESENTAÇÃO DA OBRA E DISSE PALAVRAS MUITO BONITAS SOBRE O SORRISO E A VOZ DA
AMÁLIA - EXISTE UM VÍDEO EDITADO NO YOUTUBE Amália Lançamento do livro estranha forma de vida
AMÁLIA É O HETERÓNIMO DE PORTUGAL - DISSE O POETA
"Este é o livro do sorriso da Amália. Eu creio
que se podia fazer um estudo sobre o sorriso da Amália. Porque, o sorriso de
Amália exprime, simultaneamente, o que em nós há de sorridente e de triste.
Porque, mesmo por baixo do não sorriso, vislumbramos dentro, o sorriso que tem
sido como a voz , evidentemente, e com todo o fascínio da sua presença, um dos
grande segredos do mito que é a Amália, do milagre que é a Amália e da grande
sorte de todos nós sermos seus contemporâneos"
"Este livro leva-nos até à infância de Amália.
Revive os lugares, as pessoas e, sobretudo, é um documento indispensável para
compreendermos precisamente o seu extraordinário percurso"
"Falar de Portugal ou dizer português em qualquer
parte do mundo é imediatamente ouvirmos como um eco o nome de Amália. Eu já
disse uma vez que Amália é um heterónimo de Portugal" - David Mourão
Ferreira
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