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sábado, 12 de outubro de 2019

BOM PASTOR Deus me fez guardador deste rebanho. Entre ovelhas e os campos passo a vida - Poema de Manuel Daniel .

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e Investigador





BOM PASTOR

Deus me fez guardador deste rebanho.

Entre ovelhas e os campos passo a vida.

Noventa e nove ovelhas mais um anho 

são a minha riqueza e o meu ganho
se o lobo não me faz qualquer surtida.

Conheço estas ovelhas uma a uma.
Cada uma me vem comer à mão.
E por graça de Deus, não há nenhuma
que mesmo envolto na mais densa bruma
me não conheça a mim e mais ao cão.

Tal como o pai me reconhece a mim
como seu filho, e a sua voz entendo,
 elas também me conhecem assim
e ouvem a minha voz; por isso, enfim,
quero-lhes bem e até as compreendo.

Há dias um desgosto me tomou:
quando ia acurrá-las, noite à porta,
não vi o anho e a vista se nublou,
da tristeza e da dor que me tomou,
 imaginando aquela rez já morta.

Disse ao Fiel: -Toma-me contas destas,
que eu vou saber o que do anho é feito.
Fechada a noite, entre fragas e giestas,
 com as pernas tropeçando em vez de lestas
 sentia uma dor grande no meu peito.


- Por onde andas, cordeiro pequenino,
 Anho dos meus desvelas e cuidados?!
Certo, não há-de querer o Deus divino
que o teu corpinho fofo e tão franzino
 seja pasto dos lobos desalmados ...

Cada vez mais se abriam os meus olhos
no negrume da noite traiçoeira,
até que descobri, por entre abrolhos,
entre restos de silvas e restolhos
o pequenino anho, à minha beira!

Era ele, o meu querido cordeirinho,
 preso nas silvas, meio desmaiado;
delas o retirei com cuidadinho,
e dos meus braços fortes fiz um ninho
p'ra que ele se sentisse agasalhado.

Encostei-o ao meu peito. Que alegria
quando para o regresso me dispus!
O negrume da noite não o via,
porque o Céu transformou a noite em dia
e a serra me parecia um mar de luz.

Não sei que acontecia, nessa hora:
em que tudo esplendia num fulgor
enquanto, em alta voz, pelo Céu fora
se ouvia no arrebol de estranha aurora
- É assim que procede o Bom Pastor!

De Manuel Daniel – In Chão de Areia

OS OLHOS JÁ  NADA VÊEM MAS O CORAÇÃO CONTINUA ACORDADO   --

Pese o facto dos seus olhos já não poderem contemplar a luz e a beleza que o inspiraram a escrever os mais belos poemas, tendo como temas os costumes da terra e das suas gentes, mas também os valores pátrios, religiosos   e  de pendor universal, sim,  pensámos que os demais sentidos, reforçados pela sua fé e determinação inabalável pela paixão da escrita e pelo gosto  da vida, continuarão, certamente, ainda mais sensíveis, para poder ir ao fundo do baú da sua memória e poder continuar a brindar-nos  com os seus excecionais dotes literários, desde o teatro, à  poesia e à ficção  - Obviamente que uma tal tarefa, além de só ser possível com o amparo da esposa, dos filhos e netos, que nunca lhe negaram o indispensável carinho e apoio, naturalmente que exige um esforço hercúleo a quem contraia a cegueira adulto: a vida espiritual, por certo, se intensificará mas as limitações físicas, vão-se tornando num calvário que só Deus e quem leva essa pesada cruz,   compreenderá o drama na sua verdadeira extensão.

Na Pedra dos Poetas - Em 2003 - Na altura em que ainda podia andar e ver


 
Manuel J. Pires Daniel, nasceu  em Vila de Meda (hoje cidade) em 18 de Novembro de 1934. Sem dúvida,  um admirável exemplo de labor e de tenacidade, de apaixonado pelas letras  e de sentido e dedicação ao bem comum. Mal concluiu a instrução primária, ei-lo a fazer-se à vida  -  Tinha então onze anos. Era ainda uma criança mas já tinha que começar a pensar no futuro. Tem sido uma vida intensa e preenchida.

A partir dos 20 anos de idade , propôs-se  e fez os exames do ensino secundário e frequentou, como voluntário, o curso de 1973-1978 da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, por onde veio a ser licenciado.

Advogado, escritor, poeta,  estudioso, um homem de cultura, tendo dedicado muitos anos da sua vida  à função pública e à  vida autárquica.  A par de vários livros de poesia,  colaborações de artigos e poemas na imprensa regional e nacional, bem  como em jornais brasileiros,  prefácios e a coordenação em várias obras, é também autor de 40 peças de teatro, nomeadamente para crianças, 20 das quais ainda inéditas. Muitos dos seus poemas foram lidos por Carmem Dolores e Manuel Lereno, aos microfones da extinta Emissora Nacional, em “ Música e Sonho”,  de autoria de Miguel Trigueiros – Considerado, na época, o programa radiofónico mais prestigiado  - Mesmo assim objeto de exame censório, tal como atestam os arquivos.

Mas  não menos relevantes são as letras que vêm a ser musicadas e gravadas  em discos e cassetes,  Interpretadas por  Ramiro Marques, em EP nas canções   “Amor de Mãe” e “Amor de Pai”, pela Imavox, em 1974 – E, também, anos mais tarde, as letras para um “Missa da Paz” e coletâneas temáticas sobre “Natal e Avós” E, com  música de Carlos Pedro, as “Bolas de Sabão”, “Ciganos”, “Silêncio” e outros pomas.

Manuel Daniel, depois de breves passagens por Pombal, S. João da Pesqueira e Reguengos de Monsaraz ,  em 1971, fixou-se na cidade de Vila Nova de Foz Côa, que adotou de alma e coração,  Grande devotado à vida municipal e ao estudo e divulgação do património cultural e histórico das nossas gentes, personalidade bem conhecida no nosso concelho e na região. Tendo o município fozcoense,  do qual foi Presidente da Assembleia Municipal, durante 12 anos,  e, durante 23, na qualidade de  provedor da Santa Casa da Misericórdia, lhe atribuído o  “ Diploma de Mérito”  - Distinção inteiramente merecida e aprovada por unanimidade.

Indubitavelmente, se há homens que dedicam a sua vida à causa pública, com total entrega, honestidade, inteligência e dedicação, Manuel Daniel, é um desses raros exemplos – Sim, então  num tempo em que vão escasseando exemplos dignos de referência: ele pode olhar para o seu passado, com orgulho e de cabeça erguida - Numa longa carreira, com desempenhos  nas tesourarias e repartições de Finanças da Meda, Pombal, S. João da Pesqueira, Reguengos de Monsaraz, Vila Nova de Foz Côa e Guarda, culminando como dirigente superior da Direção Geral do Tesouro, no Ministério das Finanças, onde foi responsável pelos serviços técnicos e financeiros das Tesourarias da fazenda Pública.

A par da sua vida profissional, foi ao mesmo tempo desenvolvendo o gosto pela literatura – Lendo as obras dos melhores autores, escrevendo poemas, contos e peças infantis e manifestando o seu apego ao jornalismo: iniciou a suas primeiras colaborações, em 1954, em “Luz da Beira”,  jornal de Meda, a sua terra natal, que ajudaria também a fundar,  colaboração que manteve durante 20 anos, creio que até à sua extinção.  Nesse recuados anos, estendeu ainda o seu contributo jornalístico aos jornais a ”Palavra”, de Reguengos de Monsaraz – 1964-1968. Em Moura, colabora com a “Planície”- 1961- 1962. Posteriormente, já com residência em Foz Côa, publica vários artigos na “Coavisão” edição do município. Foi colaborador da “Capital” e um dos mais considerados e ativos colaboradores do jornal “O Fozcoense”

Manuel Daniel, é casado com Alice Daniel, pai de dois filhos: do Dr. João Paulo Daniel,   o guitarrista do extinto grupo Requiem Pelos Vivos, bem como Eng.Pedro Daniel,   Eng.º Pedro Daniel, dinâmico  Coordenador e Técnico da empresa Fozcôactiva, ambos ligados de coração e alma por Foz Côa, à semelhança dos seus pais.

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