Jorge Trabulo Marques - Jornalista e Investigador
BOM PASTOR
Deus
me fez guardador deste rebanho.
Entre
ovelhas e os campos passo a vida.
Noventa
e nove ovelhas mais um anho
são
a minha riqueza e o meu ganho
se
o lobo não me faz qualquer surtida.
Conheço
estas ovelhas uma a uma.
Cada
uma me vem comer à mão.
E
por graça de Deus, não há nenhuma
que
mesmo envolto na mais densa bruma
me
não conheça a mim e mais ao cão.
Tal
como o pai me reconhece a mim
como
seu filho, e a sua voz entendo,
elas também me conhecem assim
e
ouvem a minha voz; por isso, enfim,
quero-lhes
bem e até as compreendo.
Há
dias um desgosto me tomou:
quando
ia acurrá-las, noite à porta,
não
vi o anho e a vista se nublou,
da
tristeza e da dor que me tomou,
imaginando aquela rez já morta.
Disse
ao Fiel: -Toma-me contas destas,
que
eu vou saber o que do anho é feito.
Fechada
a noite, entre fragas e giestas,
com as pernas tropeçando em vez de lestas
sentia uma dor grande no meu peito.
Anho dos meus desvelas e cuidados?!
Certo,
não há-de querer o Deus divino
que
o teu corpinho fofo e tão franzino
seja pasto dos lobos desalmados ...
Cada
vez mais se abriam os meus olhos
no
negrume da noite traiçoeira,
até
que descobri, por entre abrolhos,
entre
restos de silvas e restolhos
o
pequenino anho, à minha beira!
Era
ele, o meu querido cordeirinho,
preso nas silvas, meio desmaiado;
delas
o retirei com cuidadinho,
e
dos meus braços fortes fiz um ninho
p'ra
que ele se sentisse agasalhado.
Encostei-o
ao meu peito. Que alegria
quando
para o regresso me dispus!
O
negrume da noite não o via,
porque
o Céu transformou a noite em dia
e
a serra me parecia um mar de luz.
Não
sei que acontecia, nessa hora:
em
que tudo esplendia num fulgor
enquanto,
em alta voz, pelo Céu fora
se
ouvia no arrebol de estranha aurora
-
É assim que procede o Bom Pastor!
De
Manuel Daniel – In Chão de Areia
OS OLHOS JÁ NADA VÊEM MAS O CORAÇÃO CONTINUA ACORDADO --
Pese o facto dos seus olhos já não poderem contemplar a luz e a beleza que o inspiraram a escrever os mais belos poemas, tendo como temas os costumes da terra e das suas gentes, mas também os valores pátrios, religiosos e de pendor universal, sim, pensámos que os demais sentidos, reforçados pela sua fé e determinação inabalável pela paixão da escrita e pelo gosto da vida, continuarão, certamente, ainda mais sensíveis, para poder ir ao fundo do baú da sua memória e poder continuar a brindar-nos com os seus excecionais dotes literários, desde o teatro, à poesia e à ficção - Obviamente que uma tal tarefa, além de só ser possível com o amparo da esposa, dos filhos e netos, que nunca lhe negaram o indispensável carinho e apoio, naturalmente que exige um esforço hercúleo a quem contraia a cegueira adulto: a vida espiritual, por certo, se intensificará mas as limitações físicas, vão-se tornando num calvário que só Deus e quem leva essa pesada cruz, compreenderá o drama na sua verdadeira extensão.
Na Pedra dos Poetas - Em 2003 - Na altura em que ainda podia andar e ver |
Manuel J. Pires Daniel, nasceu em Vila de Meda (hoje cidade) em 18 de Novembro de 1934. Sem dúvida, um admirável exemplo de labor e de tenacidade, de apaixonado pelas letras e de sentido e dedicação ao bem comum. Mal concluiu a instrução primária, ei-lo a fazer-se à vida - Tinha então onze anos. Era ainda uma criança mas já tinha que começar a pensar no futuro. Tem sido uma vida intensa e preenchida.
A partir dos
20 anos de idade , propôs-se e fez os
exames do ensino secundário e frequentou, como voluntário, o curso de 1973-1978
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, por onde veio a ser
licenciado.
Advogado,
escritor, poeta, estudioso, um homem de
cultura, tendo dedicado muitos anos da sua vida à função pública e à
vida autárquica. A par de vários livros de poesia, colaborações de
artigos e poemas na imprensa regional
e nacional, bem como em jornais
brasileiros, prefácios e a coordenação em
várias obras, é também autor de 40 peças de teatro, nomeadamente para
crianças,
20 das quais ainda inéditas. Muitos dos seus poemas foram lidos por
Carmem
Dolores e Manuel Lereno, aos microfones da extinta Emissora Nacional, em
“
Música e Sonho”, de autoria de Miguel
Trigueiros – Considerado, na época, o programa radiofónico mais
prestigiado - Mesmo assim objeto de
exame censório, tal como atestam os arquivos.
Mas não menos relevantes são as letras que vêm a
ser musicadas e gravadas em discos e
cassetes, Interpretadas por Ramiro Marques, em EP nas canções “Amor
de Mãe” e “Amor de Pai”, pela Imavox, em 1974 – E, também, anos mais tarde, as
letras para um “Missa da Paz” e coletâneas temáticas sobre “Natal e Avós” E,
com música de Carlos Pedro, as “Bolas de
Sabão”, “Ciganos”, “Silêncio” e outros pomas.
Manuel
Daniel, depois de breves passagens por Pombal, S. João da Pesqueira e Reguengos
de Monsaraz , em 1971, fixou-se na
cidade de Vila Nova de Foz Côa, que adotou de alma e coração, Grande devotado à vida municipal e ao estudo
e divulgação do património cultural e histórico das nossas gentes,
personalidade bem conhecida no nosso concelho e na região. Tendo o município fozcoense, do qual foi Presidente da Assembleia
Municipal, durante 12 anos, e, durante
23, na qualidade de provedor da Santa
Casa da Misericórdia, lhe atribuído o “ Diploma
de Mérito” - Distinção inteiramente
merecida e aprovada por unanimidade.
Indubitavelmente,
se há homens que dedicam a sua vida à causa pública, com total entrega,
honestidade, inteligência e dedicação, Manuel Daniel, é um desses raros
exemplos – Sim, então num tempo em que
vão escasseando exemplos dignos de referência: ele pode olhar para o seu passado,
com orgulho e de cabeça erguida - Numa longa carreira, com desempenhos nas tesourarias e repartições de Finanças da
Meda, Pombal, S. João da Pesqueira, Reguengos de Monsaraz, Vila Nova de Foz Côa
e Guarda, culminando como dirigente superior da Direção Geral do Tesouro, no
Ministério das Finanças, onde foi responsável pelos serviços técnicos e
financeiros das Tesourarias da fazenda Pública.
A par da sua
vida profissional, foi ao mesmo tempo desenvolvendo o gosto pela literatura –
Lendo as obras dos melhores autores, escrevendo poemas, contos e peças infantis
e manifestando o seu apego ao jornalismo: iniciou a suas primeiras colaborações,
em 1954, em “Luz da Beira”, jornal de
Meda, a sua terra natal, que ajudaria também a fundar, colaboração que manteve durante 20 anos,
creio que até à sua extinção. Nesse
recuados anos, estendeu ainda o seu contributo jornalístico aos jornais a
”Palavra”, de Reguengos de Monsaraz – 1964-1968. Em Moura, colabora com a
“Planície”- 1961- 1962. Posteriormente, já com residência em Foz Côa, publica
vários artigos na “Coavisão” edição do município. Foi colaborador da “Capital” e um dos mais considerados e ativos
colaboradores do jornal “O Fozcoense”
Manuel
Daniel, é casado com Alice Daniel, pai de dois filhos: do Dr. João Paulo
Daniel, o guitarrista do extinto grupo Requiem Pelos
Vivos, bem como Eng.Pedro Daniel, Eng.º
Pedro Daniel, dinâmico Coordenador e
Técnico da empresa Fozcôactiva, ambos ligados de coração e alma por Foz Côa, à
semelhança dos seus pais.
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