A fotografia, que aqui edito, com muito gosto, de Alda Espírito Santo, foi registada,
nos anos 80, à saída de um espetáculo no Casino Estoril - A outra,
eu com a minha companheira, foi ela mesma que amavelmente no-la fez.
Meu singelo
tributo, três dias depois do aniversário do seu nascimento, em 30 de Abril de
1926, na cidade de São Tomé. Faleceu, em Luanda, por razões de saúde,
em 9 de Março de 2010
Recordando
a poesia, a simplicidade e alegria do sorriso da grande diva da poesia e do
amor que votava à alma do Povo e da Pátria santomense, por cuja liberdade e independência
também se bateu através da palavra e dos muitos encontros que teve com vários
intelectuais, escritores, alguns dos quais viriam a ser
os futuros dirigentes dos movimentos de independência das colónias portuguesas
de África, tais como Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto,
Francisco José Tenreiro, entre outros.
Falar de poesia
das maravilhosas ilhas Verdes do Equador, que intrinsecamente se espelha no
rosto e na alegria do seu povo e nas suas belezas naturais, pese as muitas
vicissitudes por que tem passado, quer na colonização, como agora,
incontornável se torna, pois, associar o nome de Alda Espírito Santo,
conhecida geralmente por Alda Graça, ao imaginário linguístico, poético,
social e político de São Tomé e Príncipe. Sim, à singular poeta, professora e
jornalista, ativista, que criou belos poemas e inspirou gerações de poetas. Uma referência nacional, que sempre rejeitou vanglórias e com
humildade continuou a batalhar pela conquista do progresso do país soberano
Tive a
oportunidade de a conhecer pessoalmente e de com ela ter tido também o prazer de dialogar,
em vários momentos, quer em S. Tomé, quer em Lisboa, depois do meu regresso a Portugal - A casa de
sua família, situava-se na Rua Actor Vale, º 37, e eu cheguei a residir
num quarto alugado no Nº 17 da mesma rua, tendo tido, por isso, ocasião de a
encontrar, tanto a ela, como aos seus irmãos . E, mesmo quando mudei para
as águas furtadas, que atualmente habito, também transitei para uma rua,
relativamente próxima, praticamente lugar de passagem obrigatório, quando desciam ao Mercado de Arróios ou para qualquer outro ponto da cidade
Refere a sua
biografia, que, Alda Neves da Graça do Espírito Santo, era filha de uma
professora primária e de um funcionário dos Correios, tendo, ainda nova,
conluio os seus primeiros estudos em São Tomé. Em meados de 1940, muda-se com a
família para o norte de Portugal, anos depois a família muda-se para Lisboa
onde Alda inicia seus estudos universitários. E é justamente, aqui, na capital,
em casa da família, que Alda Graça aproveita para promover encontros
regulares e palestras sobre temas diversos como Linguística, História e
também sobre a consciência cultural e política acerca do colonialismo, do
assimilacionismo e da defesa do colonizado. Na mesma época, Alda Espírito Santo
frequenta a CEI (Casa dos Estudantes do Império).
Algum tempo
depois, abandona o curso universitário por razões políticas e também
financeiras. Em janeiro de 1953, regressa a São Tomé e Príncipe, onde atua como
professora e jornalista. Nesse mesmo ano, escreve o poema “Trindade” que denuncia
o massacre ocorrido em 5 de fevereiro em Trindade (São Tomé e Príncipe). Após a
independência de São Tomé e Príncipe, ocorrida em 12 de junho de 1975, Alda
Espírito Santo ocupa vários cargos sucessivos no governo da jovem nação, entre
os quais os de Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e
Cultura, Presidente da Assembleia Nacional e Secretária Geral da União Nacional
de Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe. Nesse ano, em novembro, compõe
a letra do Hino Nacional de São Tomé e Príncipe, intitulado “Independência
Total”. No ano de 1976, publica seu primeiro livro de poemas intitulado "O
jogral das Ilhas". Em 1978, publica o livro de poemas "É nosso
o solo sagrado da terra-poesia de protesto e luta", que reúne uma colectânea dos poemas produzidos por Alda entre os anos de 1950
http://www.elfikurten.com.br/2015/07/alda-espirito-santo.html
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Alda da Graça do Espírito Santo, S.Tomé 2008, foto: Marta Lança |
Em torno da minha baía
Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrentes
obre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num vôo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições:
HUMANIDADE
Para lá da praia
Baía morena da nossa terra
vem beijar os pézinhos agrestes
das nossas praias sedentas,
e canta, baía minha
os ventres inchados
da minha infância,
sonhos meus, ardentes
da minha gente pequena
lançada na areia
da Praia Gamboa morena
gemendo na areia
da Praia Gamboa.
Canta, criança minha
teu sonho gritante
na areia distante
da praia morena.
Teu teto de andala
à berma da praia.
Teu ninho deserto
em dias de feira.
Mamã tua, menino
na luta da vida
gamã pixi à cabeça
na faina do dia
maninho pequeno, no dorso ambulante
e tu, sonho meu, na areia morena
camisa rasgada,
no lote da vida,
na longa espera, duma perna inchada
Mamã caminhando p'ra venda do peixe
e tu, na canoa das águas marinhas ...
Ilha nua
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e devida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras...
- Alda do Espírito Santo, em "É nosso o solo sagrado da terra". Lisboa: Ulmeiro, 1978, p. 121
Lá no água grande
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
- Alda Espírito Santo, em "É nosso o solo sagrado da terra". Lisboa: Ulmeiro, 1978, p. 35.
No mesmo lado da canoa
As palavras do nosso dia
são palavras simples
claras como a água do regato,
jorrando das encostas ferruginosas
na manhã clara do dia-a-dia.
É assim que eu te falo,
meu irmão contratado numa roça de café
meu irmão que deixas teu sangue numa ponte
ou navegas no mar, num pedaço de ti mesmo em luta
[com o gandu
Minha irmã, lavando, lavando
p'lo pão dos seus filhos,
minha irmã vendendo caroço
na loja mais próxima
p'lo luto dos seus mortos,
minha irmã conformada
vendendo-se por uma vida mais serena,
aumentando afinal as suas penas...
É para vós, irmãos, companheiros da estrada
o meu grito de esperança
convosco eu me sinto dançando
nas noites de tuna
em qualquer fundão, onde a gente se junta,
convosco, irmãos, na safra do cacau,
convosco ainda na feira,
onde o izaquente e a galinha vão render dinheiro.
Convosco, impelindo a canoa p'la praia
juntando-me convosco
em redor do voador panhá
juntando-me na gamela
vadô tlebessá
a dez tostões.
Mas as nossas mãos milenárias
separam-se na areia imensa
desta praia de S. João
porque eu sei, irmão meu, tisnado como eu p'la vida,
tu pensas irmão da canoa
que nós os dois, carne da mesma carne
batidos p'los vendavais do tornado
não estamos do mesmo lado da canoa.
Escureceu de repente.
Lá longe no outro lado da Praia
na ponta de S. Marçal
há luzes, muitas luzes
nos quixipás sombrios...
O pito dóxi arrepiante, em sinais misteriosos
convida à unção desta noite feiticeira...
Aqui só os iniciados
no ritmo frenético dum batuque de encomendação
aqui os irmão do Santu
requebrando loucamente suas cadeiras
soltando gritos desgarrados,
palavras, gestos,
na loucura dum rito secular.
Neste lado da canoa, eu também estou irmão,
na tua voz agonizante, encomendando preces, juras,
[Maldições.
Estou aqui, sim, irmão
nos nozados sem tréguas
onde a gente joga
a vida dos nossos filhos.
Estou aqui, sim, meu irmão
no mesmo lado da canoa.
Mas nós queremos ainda uma coisa mais bela.
Queremos unir as nossas mãos milenárias,
das docas dos guindastes
das roças, das praias
numa liga grande, comprida
dum pólo a outro da terra
p'los sonhos dos nossos filhos
para nos situarmos todos do mesmo lado da canoa.
E a tarde desce...
A canoa desliza serena,
rumo à Praia Maravilhosa
onde se juntam os nossos braços
e nos sentamos todos, lado a lado,
na canoa das nossas praias.
- Alda Espírito Santo, em "É nosso o solo sagrado da terra". Lisboa: Ulmeiro, 1978.
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