Memórias da RDP-Rádio Comercial – programa Hora Ora! - Realização e apresentação de Luís Pereira de
Sousa – Repórter, Jorge Trabulo Marques – C Registo sonoro de 1986 neste post
Entrevista a Jorge de Mello, aos 65 anos,
em 1986, ainda longe de atingir os 92 da sua morte, em 2013, mas ainda quase
sobre o regresso da sua estadia forçada no Brasil e com a memória ainda bem
presente – se bem que despida de ressentimentos e de azedumes – da revolução do
25 de Abril de 1975, que ele previra (Sim, o
25 de Abril existiu, não o desejei mas previ-o),o qual ditaria a nacionalização (destruição) das
empresas do império CUF, que chegou a aglutinar cerca de 180 empresas
no seu auge, a empregar perto
de 110 mil pessoas e a
constituir 12% do PIB, sendo
considerado o maior grupo económico da
Península Ibérica e um dos cinco maiores da Europa.
Mesmo assim, no seu diálogo
afável, profundamente humano, de pessoa delicada, inteligente e sensível, franco
sem ser expansivo nem ressentido – Se bem que tendo bastas razões para as
tropelias que lhe fizeram: com os excessos revolucionários, Jorge
de Mello é preso no edifício da CUF na Infante Santo, em Lisboa. Esteve dez
dias na prisão de Caxias, ao lado de uma cela ocupada pela família Espírito
Santo, após o que teve que se se refugiar no outro lado do atlântico,
EXCERTOS ... JTM -. Depois houve as nacionalizações e Jorge
de Mello teve que partir para o Brasil: - Como é que viu essa partida, como é
que encarou esse período?
1919 - Atentado a Alfredo da Silva |
“Não,
não esqueço as injustiças cometidas… Mas procuro que isso não me domine a minha
vida agora, porque senão era impossível trabalhar!... Tantas coisas que
sucederam na minha vida… Se vivesse traumatizado com esses factos, então era
incapaz de trabalhar e de ler e de estudar!...” –
(…) JTM – Está interessado em voltar-se para a África?
JM – Para a África, para a antiga África portuguesa,
pessoalmente não
JTM – Posso saber, porquê?
JM - Os países de expressão portuguesa, o antigo ultramar português, como
sabe muito bem, sofre uma instabilidade tremenda!... Há muitas indefinições!...
Eu não vejo um empresário a trabalhar sem saber quais são os parâmetros sobre
os quais se pode mover… Tem que haver uma certa segurança!...
(…) JTM – Jorge de Melo: como é o seu dia a dia?... É um homem que se deita
cedo, que se levanta cedo?!...
JM – Deito-me cedo e levanto-me cedo, sempre o fiz em toda a minha vida…
Levanto-me cedo, faço um pouco de desportos, apesar de já ter 65 anos… E depois
vou ao trabalho e volto para casa e deito-me cedo… Não é uma vida muito
excitante… mas, enfim…
(…)JTM – Não é um homem que esteja interessado em ligar-se aí à
vida oficial, aos coquetéis? … Vive arredado disso?... Desse ambiente!
JM – Eu nunca gostei disso. Nunca gostei muito da vida social… Gosto de
jantar com meia dúzia de amigos… De estar com pessoas amigas e tal … Os
ambientes da vida social, nunca me atraíram muito.
(…) JTM - começou muito
novo na atividade empresarial?
JM – Há, sim… Comecei com 23 anos…eu quando era miúdo o que eu gostaria de ser era médico!... Mas o
destino proporcionou outro caminho… E, portanto, eu nunca gostei de discutir
aquilo que podia ser e não ou… É passado, é passado!... Passou!....
JM – O nosso grupo, julgo que existia 60 anos antes do regime
anterior…. Nunca fomos privilegiados, e que eu saiba, nunca o regime anterior privilegiou
ninguém… Não posso… não posso pronunciar-me!... Lutámos e
trabalhámos, que é uma coisa que nem toda a gente faz!... Trabalhámos
muito!!...
São quase
30 minutos mas não deixe de ouvir o testemunho de um dos mais esclarecidos, visionários
empreendedores empresários portugueses:
o último grande líder da enclítica geração
deixada pelo fundador da CUF, Alfredo da Silva, enquanto o grupo não foi nacionalizado e desmembrado
Além do vídeo - Poderá ler a transcrição integral da entrevista mais à frente neste post
BIOGRAFIA
– “De seu nome completo Jorge Augusto Caetano da Silva José de Mello, nasceu em
Sintra em 1921 no seio de uma família aristocrática com elevado peso no tecido
produtivo da nação. Desde cedo lhe fizeram compreender a importância de
ser um Mello e de ter por avô Alfredo da Silva. Vivendo uma infância repartida
entre Sintra e Estoril, Jorge de Mello fez os primeiros estudos na Escola
Primaria de Cascais, ingressando depois no Colégio Infante de Sagres. No seu
livro de memórias Jorge de Mello refere que:
"nunca
senti nenhum privilégio especial, nem os meus pais alguma vez alimentaram essa
ideia, quer comigo, quer com as minhas irmãs e o meu irmão. Ia para a escola a
pé. Quando chovia, lembrava-me que havia automóveis na garagem, que estavam
parados mas nunca tive a ousadia de falar nisso à minha mãe. É verdade que
tinha gabardina e os meus colegas de escola, que apanhavam a mesma chuva,
talvez não tivessem sapatos com solas tao grossas como os meus. Mas essa
diferença não era sentida por mim, não era importante não me sentia diferente
deles."
Efetuou
depois os estudos superiores (muito a contra gosto) no Instituto Superior
Técnico (ali se manteve ate ao 2 ano do Curso, tendo interrompido o mesmo para
cumprir o serviço militar entre 1942 e 1945) onde Jorge se deveria formar
em Engenharia Química, como era vontade expressa do seu avô. Porém Jorge sempre
manifestou grande interesse pelo universo da gestão económica, assim e apos a
morte do seu avô decide inscrever-se no ISCEF, passando a ter uma vida bastante
preenchida. Nestes primeiros anos, os estudos e as responsabilidades que lhe são
atribuídas na CUF ocupam-lhe muito do seu tempo.
Jorge
entra para a empresa em 1945, nunca época na qual a empresa estava a passar por
grandes transformações e modernizações, que foram fulcrais para o crescimento e
consolidação da CUF em novos sectores económicos do pós-guerra. É restruturado
e fortalecido o seu quadro de pessoal técnico, aumentado o seu nivel
cientifico, com o recrutamento gradual e selecionado de dezenas de engenheiros,
economistas, médicos, e outros especialistas para o desenvolvimento ou criação
de novos serviços. É feita uma aposta muito significativa na área técnica
e na área de investigação de forma a criar condições para se atingirem níveis
de produtividade e eficiência paralelos aos observados em países estrangeiros
mais desenvolvidos. Neste período é descoberto a seu pai (D. Manuel de Mello) a
doença de Parkinson, o que leva Jorge e o seu irmão José a assumirem
responsabilidades e cargos de cada vez maior importância nos destinos da
companhia. – Excerto de In Memoriam - Jorge de Mello 1921-2013 - O Grupo CUF
(….) O relançamento
empresarial foi alavancado com financiamento bancário e com o produto da venda
da casa onde nasceu, a Quinta da Riba Fria, e da Herdade do Peral, neste caso a
Américo Amorim.
Jorge de Mello dedicou-se então aos negócios na área do azeite e
dos óleos alimentares, onde detém uma das mais fortes marcas portuguesas, o
azeite Oliveira da Serra. O grupo Nutrinveste, da família, tem negócios em
cinco países[2]. –
Excerto de Jorge de Mello
TESTEMUNHO (,,,) Tive oportunidade de
verificar, ao longo dos anos, que o sr. Dr. Jorge de Mello era de facto assim:
acentuadamente humano no contacto, sobretudo com os mais humildes, era
escrupulosamente respeitador das hierarquias, mesmo em relação às que lhes
estavam directamente subordinadas.
Quase no final da viagem
pude confirmar que para além destas apreciáveis qualidades, uma outra as
completava: o seu zelo pelos interesses das Empresas. Vale a pena referi-lo.
Uns dias antes de chegar a S. Tomé, na rota para Luanda, o Sr. Dr. Jorge de
Mello tinha programado naquela Ilha uma visita à Roça Água lze, também
propriedade do Grupo CUF, e pela qual nutria particular interesse. Convidara
para essa visita vários dos seus acompanhantes e notava-se o seu entusiasmo à
medida que o navio se ia aproximando. Tudo parecia decidido e seria natural que
assim viesse a acontecer. Testemunho sobre Jorge de Mello - PÚBLICO
MEMÓRIAS DA CUF – Vale a pena consultar - http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/06/cuf-companhia-uniao-fabril.html .....Jorge de Mello (1921-2013): O último industrial |
ENTREVISTA A JORGE DE MELLO - "O 25 de Abril, não o desejei mas previ-o".
JTM – Jorge de Melo, neste momento, que empresas é que tem a seu cargo?
JM –Limito-me a orientar e a tomar as grandes decisões: cada uma dessas
empresas – são umas quatro ou cinco - têm o seu conselho de
administração, têm, portanto, os seus executivos. E eu tenho aqui uma pequena equipa,
que me ajuda no controle dessas empresas, na definição, enfim, das
linha a seguir, portanto, eu não dirijo empresa nenhuma; não tenho qualquer cargo
e empresa nenhuma; sou acionista!... Por caso, o maior…
JM – Sim, mas esse facto passou: o 25 de Abril existiu. Não o desejei mas
previ-o.
JTM – Previ-o? Previu isso!..
JM – Ah, sim, com certeza… E culpe mais os meus antigos colegas empresários
de que outras entidades…
JTM – Chegou aperceber-se que essa situação, vinha acontecer?
JM – Ah, sim, com certeza!... Era inevitável…Ou por outra, era inevitável
não reagindo os empresários; não reagiram, não quiseram aperceber-se de algumas
transformações que tinham a fazer… Mas eu falo, como empresário, não como
político.
Não há dúvida, que, a determinada altura, o meu grupo, que era um grupo
dinâmico, encontra-se completamente sozinho!... Que é um perigo político
enorme!...Eu compreendo, perfeitamente… Portanto, foi logo um alvo.
"Era regime bastante razoável para as realidades portuguesas. Basta ver o
que era o país, naquela altura e o que é hoje"
JTM - Chegou a ter choques, com o regime anterior?... Há quem
diga que, o Jorge de Melo, era uma pessoa bem vista pelo regime anterior, é
verdade que teve alguns choques, digamos assim?...
JM – Choques, tive… Mas, sabe, eu nunca digo aquilo que não era
verdade… Não fui nem sou adversário… Acho que era um regime
bastante razoável para as realidades portuguesas. Basta ver o que era o país,
naquela altura e o que é hoje… Mas, eu não culpo o governo e os governos… Os
empresários tiveram muita culpa!...
JTM – Em que aspetos?
JM - Um pais não se pode dar ao luxo de ter praticamente um único grupo económico!
E põem a esse grupo económico, um drama: ou pára para não ficar sozinho e morre
ou se desenvolve e fica sozinho!... E ser, praticamente, um dos quatro ou cinco
grupos económicos, num país, é politicamente muito perigoso!....E haver um único grupo económico, num país, é realmente muito perigoso”
JTM Acha que a culpa era dos empresários ou do governo que protegia esses
grupos económicos?
JM – O Governo de então não protegia grupos económicos nenhuns… A gente tem
que ser justa… Eu não renego… Mas é um regime que passou e temos de
funcionar, hoje em dia com o que há….
De, facto, não ter surgido outros grupos, e se ter desenvolvido outros
grupos, nunca me apercebi que o governo protegesse determinados grupos (..
)Nunca me senti magoado por isso
JTM - Havia falta de garra de alguns empresários, de algum dinamismo?
JM - Eu não gosto de acusar ninguém… Mas, de alguns sim; alguns
poderiam ter feito mais… Houve um pais, que teve o ultramar, a Holanda… A
Holanda não sofreu a crise que nós sofremos… Porque, a Holanda tinha grandes
grupos económicos, tinha vários! Não era um! … E não aconteceu isso… E,
portanto, os três ou quatro grupos económicos, que haviam, obviamente que,
naquela confusão política, que se seguiu ao 25 de Abril, caíram as almas!
“o antigo ultramar português, como sabe muto bem, sofre uma instabilidade
tremenda”
Roça Água Izé - CUF |
JTM – Como é que vê, atualmente, as relações de Portugal com os novos países de expressão portuguesa?
JM – Não sei… Não conheço muito bem; eu não acredito que haja assim grandes
relações… Mas, não sei; não conheço a fundo isso…
JTM – Está interessado em voltar-se para a África?
JM – Para a África, para a antiga áfrica portuguesa,
pessoalmente não
JTM – Posso saber, porquê?
JM – Não sei… É uma questão de maneira de ser…
JTM – Leva-me então a querer que pensa mais na Europa? E. nomeadamente – já
que Portugal entrou na CEE – voltar-se para Portugal, integrado na CEE
JM – Para mim, é uma fatalidade que Portugal tem estar integrado na CEE…
Não temos outro remédio… Os países de expressão portuguesa, o antigo ultramar português,
como sabe muto bem, sofre uma instabilidade tremenda!... Há muitas
indefinições!... Eu não vejo um empresário a trabalhar sem saber quais são os
parâmetros sobre os quais se pode mover… Tem que haver uma certa segurança!...
Que eu julgo que não há em África.
JTM – É então esta a razão que o não leva a investir em África?
JM – Eu não tenho capitais para investir: os títulos que investi são os
tais títulos da vida pública, resultantes das expropriações… Os países
africanos não os aceitam…
“Não é uma vida muito excitante… mas, enfim…”
JTM – Jorge de Melo: como é o seu dia a dia?... É um homem que se deita cedo, que se levanta cedo?!...
JM – Deito-me cedo e levanto-me cedo, sempre o fiz em toda a minha vida…
Levanto-me cedo, faço um pouco de desportos, apesar de já ter 65 anos… E depois
vou ao trabalho e volto para casa e deito-me cedo… Não é uma vida muito
excitante… mas, enfim…
JTM – Há pouco, falava-me que praticava ginástica… Que praticava ténis...
Faz isso regularmente?
JM – Faço isso todos os dias… é uma forma agradável de fazer ginástica.
JTM – Para além desse desporto, outro… Apenas o ténis?
JM - Sim, mas eu faço o ténis apenas por uma questão
de saúde!.. Eu já não tenho idade para praticar o ténis a nível de competição.
JTM – Não é um homem que esteja interessado em ligar-se aí à
vida oficial, aos coquetéis? … Vive arredado disso?... Desse ambiente!
JM – Eu nunca gostei disso. Nunca gostei muito da vida social… Gosto de
jantar com meia dúzia de amigos… De estar com pessoas amigas e tal … Os
ambientes da vida social, nunca me atraíram muito.
JTM – Lê muito?.. Os seus passatempos preferidos, como são?
JM . – Bom, hoje em dia, há poucos passatempos para quem trabalha, não
é!... Leio um bocadinho, leio um pouco!... Procuro, especialmente manter-me a
par do que se passa… Sou profundamente alérgico àquilo a que se chama muitas
vezes de meter o tacho na areia… Sou alérgico às pessoas que são inconscientes
àquilo que se passa… Portanto, é preciso ler para estar…
JTM – É um homem bem informado.... Lê os jornais…
JM – Sim, procuro informar-me, porque, como é natural, não se pode
trabalhar no vago!...
“Não, não esqueço as injustiças cometidas… Mas procuro que isso não domine a minha vida”
Só Ferrugem e Abandono - 2016 |
JM – Evidentemente, que, esquecido? … Não, não esqueço as injustiças
cometidas… Mas procuro que isso não domine a minha vida agora, porque senão
era impossível trabalhar!... Tantas coisas que sucederam na minha vida… Se
vivesse traumatizado com esses factos, então era incapaz de trabalhar e de ler
e de estudar!... Não…
JTM – É homem voltado essencialmente para o trabalho!
JM – Bom… Não tenho outro remédio!... Se preciso de reformar-me, não tenho
remédio senão trabalhar!...
JTM – Não pensa retirar-se da atividade … Em pensar – desculpe a expressão
– enfim, naquela reforma que leva um homem a deixar de trabalhar e a fazer uma
vida mais pacata, mais calma!...
JM – Mas a minha vida é pacata e calma!... Antes da revolução, até tinha
programada a minha reforma… Não me recordo agora, se aos 60 anos – mas, enfim,
as realidade alteraram isso tudo.. Claro que tenho de me
reformar-me, mais cedo ou mais tarde mas neste momento, não isso o que
mais me preocupa… Preocupa-me, que as empresas que tenho, tenham o
seu equilibro!... Que estejam bem programadas!... Enfim, estudar novas
aplicações complementares aquilo que existe… Que nós temos aqui, a que nós
chamamos, pomposamente, o Grupo!... Mas não é Grupo nenhum, é uma
coisinha pequena!
“Eu acho que se deve ser grande em determinado tipo de atividades”
CUF - Também fez história no Futebol |
JM – O meu grupo tem alguma dimensão…
JTM - Com dimensão grande!...
JM – Com dimensão grande é difícil … Eu acho que se deve ser grande em
determinado tipo de atividades… Esta ideia, que se seguiu à revolução, de que
só empresas pequenas e médias… é um absurdo, é um disparate!… Se há atividades
que se coadunam serem geridas por empresas pequenas ou médias, há
outras que não!... O Sr. concebe alguma empresa de automóveis, pequena?...
Morre, imediatamente! Está condenada à mote antes de nascer… A economia tem as
suas leis… Não podemos exercer qualquer atividade com o complexo
pseudopolíticos!... É impossível!... Não somos nós que alteramos as regras da
economia… Portanto, ou queremos transformar este país em algo válido,
economicamente, ou então, melhor, se misturamos a politica com a economia, não
vamos a parte nenhuma!
JTM – Acha que, tendo a economia as suas leis próprias, ela tem que existir
à margem da política, mas, por outro lado, a própria politica também tem que
impor as suas leis à própria economia!
JM – Com certeza… Impõe as suas leis mas depois mantém-nas para o
empresário saber em que pais vive!.. Alterar as políticas económicas
constantemente é que não interessa ao país, nem interessa a ninguém, não é!...
“Eu quando era miúdo o que eu gostaria de ser era médico!... Mas o destino
proporcionou outro caminho
JTM - Logo após a sua licenciatura, praticamente, desde essa
altura, começou a trabalhar na atividade empresarial…
JM – Já estava trabalhando antes - e até tive que interromper o
curso, por isso – e retornei mais tarde.
JTM – A pergunta que lhe quero colocar é esta: começou muito novo na
atividade empresarial?
JM – Há, sim… Comecei com 23 anos…
JTM – Portanto, foi sempre um homem ligado à vida empresarial: nunca pensou
noutro trabalho, em ter outra profissão? Gostou sempre do seu trabalho?..
JM – Bom, eu quando era miúdo o que eu gostaria de ser era médico!... Mas o
destino proporcionou outro caminho… E, portanto, eu nunca gostei de discutir
aquilo que podia ser e não ou… É passado, é passado!... Passou!....
Agora, uma coisa: o sr. há bocado falou-me em relação ao antigo regime… Há
uma grande confusão… Os empresários, não apoiaram nem desapoiaram o antigo
regime … E tínhamos que ver, com uma cosia que se tem hoje: viver em estreita
ligação com o Governo, chamamos-lhes assim. Isso não significa nem apoio nem
condenação, é um facto!... O Sr já pensou que não se pode construir
uma empresa, sem autorização!... Portanto, que envolve falar,
requerer, explicar porquê… Enfim, apresentar determinados estudos,
determinados projetos… Isso é apoio?!... É desapoio?!.. Não é nem
uma coisa nem outra: isso é o indispensável!... Tal como o Sr. tem contactos
com os seus colegas de trabalho…
Eu considerava, considero, que um governo, os empresários, os
trabalhadores, no fundo faz parte de uma equipa que se chama o país!... E
têm que falar uns com os outros.
“Empresas públicas…salvo uma ou outra, num estado de grande
degradação!”
JTM – Qual a sua opinião das empresas que foram nacionalizadas e que
pertencem ao vosso grupo?
JM – Bom, é muito fácil!... É ver os balanços no fim
do ano dessas empresas e comparar com era antigamente!... E ver qual
é o passivo acumulado dessas empresas, quando antigamente acumulavam ativos!...
Eu julgo que os factos demonstraram que essas empresas
hoje devem estar quase todas, salvo uma ou outra, num
estado de grande degradação!
JTM – Porque razões?
JTM – São empresas públicas!… Governadas, portanto… não estou a falar
de ninguém em especial… Por exemplo, em França, a “Danau” é uma
empresa pública e é administrada, como se fosse uma empresa privada!... E os
gestores da “Danau” tem que prestar contas ao seu acionista, que é o Estado!...
Mas, a administração da “Danau” funciona como se se fosse uma empresa privada!
Aqui, não é assim!... Essas empresas vivem debaixo da asa do
Estado, que, de volta e meia têm que cobrir passivos enormes!... Que se vêm
criando e acumulando… Eu não sei qual deve ser a saída dessas empresas….
JM – Mau!... Ou se reprivatizam ou, salvo num campo ou outro…. Por exemplo,
sei lá, na energia, talvez na indústria pesada, com a nossa entrada na CEE… Eu
não vejo em que possa existir industria pesada, aqui em Portugal, a
não ser, talvez, no campo do cobre, onde existem grandes jazidas, aliás
descobertas pela antiga sociedade de CUF, os jazigos de Neves-Corvo…
De resto, há um tipo de empresas, que, de facto, havendo uns
parâmetros bem definidos para o empresário deste país, que podem
progredir, que se podem desenvolver e que podem criar..
“O bom empresário, é um homem que sonha com os pés no chão!…”
JTM – O Sr. Dr., há pouco dizia-me que os nossos empresários… O que é que
pensa dos nossos empresários?
JM – Bom, vou só fazer aqui uma pequena ressalva: havia alguns bons
empresários, conscientes, isso havia, o que eram poucos!... O que é eu penso
dos atuais empresários?!... Confesso, não lhe sei responder….
O que é um empresário?... Um empresário é um homem que sonha! E, o bom
empresário, é um homem que sonha com os pés no chão!… O mau empresário, então,
pode-se chamar-lhe idealista mas é no país da fantasia!... E
a economia não se coaduna com isso… Mas se for pensado ou sonhado, com os pês
bem assentes no chão, pois, mas é preciso saber qual é o chão?... Quais são as
regras?...
JTM – Não se pode ser idealista, na economia, nas empresas?
JM – Pode e deve!... Se não se for idealista, não se é um bom empresário! …
Mas uma coisa é ser um idealista, como estava a dizer, mas com os
pés assentes no chão!... Portanto, realista!... Não um poeta!...
JTM – E nós somos o país dos poetas, não é?...
JM – Sim, eu não sei se temos muitos poetas! E não sei se temos muitos
poetas de grande qualidade”… Não sei… Não é a minha especialidade a poesia…
“O nosso grupo, julgo que existia 60 anos antes do regime
anterior”
JM – O nosso grupo, julgo que existia 60 anos antes do regime
anterior…. Nunca fomos privilegiados, e que eu saiba, nunca o regime anterior privilegiou
ninguém… Não posso… não posso pronunciar-me!... Lutámos e
trabalhámos, que é uma coisa que nem toda a gente faz!... Trabalhámos
muito!!...
JTM –Mas, na altura, segundo me disse, chegaram a constituir 12% do produto
nacional bruto!... Era um empório!....
JM – Por outras circunstâncias…. De facto, trabalhava-se muito, e,
como as atividades, têm que se desenvolver, têm que se alterar, têm
que se modernizar, as coisas crescem!... E, por isso, é que nós víamos sempre
com angústia, que outros grupos não crescessem ao nosso lado!... Competissem,
connosco!... Até para nossa própria defesa.
JTM – E, a competição, na altura, era praticamente resumida a dois ou três
grupos!.... Que, por sinal, pouco competissem uns com os outros…Eram áreas,
talvez diferentes!...
JM – Não sei… Este país é um país pequeno!... Também não pode
ter 20 ou 30 grupos grandes!... Repare: nem, Inglaterra, os tem!
“A partida para o Brasil: foi um período difícil”
JTM - Um conhecido empresário, durante muitos anos, até ao 25 de
Abril. Depois houve as nacionalizações e Jorge de Mello teve que partir para o
Brasil: - Como é que viu essa partida, como é que encarou esse período?
JM – Bom, foi um período difícil!... Principalmente no Brasil e sempre com
a incógnita de poder ou não regressar ao meu país!... Felizmente,
passados uns anos, pude regressar… Embora… tive que refazer a vida, enfim,
já com uma idade que estava mais própria da idade da reforma de que
da idade de recomeçar.
JTM – E já recomeçou!... Atualmente, já recomeçou a sua atividade! …E,
digamos, em que moldes?
JM – Como Sr. sabe, os expropriados das antigas empresas, receberam em
valores depositórios, em títulos da dívida pública, um certo número de títulos, que,
duas portarias ou três, autorizavam que, com esses títulos, se acudisse a
situações de empresas públicas e que se fizessem saneamentos financeiros
noutras empresas… Evidentemente, tinham que ser aprovados … Enfim, que era um
facto real e válido, e fui isso que eu fiz.
JTM – Está satisfeito, com as indemnizações, que lhe fizeram?
JM – Obviamente que não!... Nem considero que isso sejam indemnizações!...
JTM – É um homem ressentido com o passado?...
JM – Sabe, o passado não volta mais!... E nós temos que ser realistas
e compreender que é assim… Agora, é ainda recente para que se possa
esquecer, totalmente..
“CEE: - Bom, não temos outro remédio!...”
JTM – Que projetos?... Apontam para que tipo de serviços?
JM – Bom, desenvolver aquilo que neste momento, já tenho!... E, duas
empresas das que tenho, uma é praticamente irrecuperável, que
era a Oliveirinha e Farinha, que é uma empresa de fundição alemã,
está hoje totalmente recuperada e é uma empresa que exporta, cerca de 68 ou 70%
da sua produção para países da Europa, ao abrigo da entrada de Portugal na CEE.
Outra, que é mais difícil, porque é mais complexa, é a Molaflex, que está neste
momento numa viragem muito interessante e estamos a caminho de recuperarmos
totalmente a empresa, e dá-nos a possibilidade de ocuparmos uma
posição razoável no mercado europeu, principalmente no campo dos bancos e dos
estofos da indústria automóvel. Neste momento, a Molaflex, só pesa no mercado
europeu, 1,5% mas o nosso objetivo, neste momento, é de chegar
rapidamente aos 10%...
JTM – E voltar-se especialmente para a CEE!
JM – Bom, não temos outro remédio!... Porque, o país aderiu à CEE e a CEE é
constituída por uma série de países europeus… A Europa, por sua vez, tem um
desafio grande! Ou compete com os outros países, como os Estados
Unidos e o Japão, ou morre… E, portanto, é a Europa, tem que fazer um esforço
para ter empresas competitivas a esse nível. Ora, Portugal, que está na cauda
da Europa, tem que começar por ser europeu se quer sobreviver… E, portanto, há
tanta coisa a alterar aqui, especialmente a mentalidade das pessoas: nas
regras, nas leis, em tudo, para, de facto, a nossa entrada na CEE, ser um fator
positivo para o desenvolvimento do meu país, porque senão é um desastre!
JM – Pois, eu não sei de filosofia, sei de factos: a nossa
entrada na CEE, não lhe vou dizer se a aprovaria ou não, a questão
transcende-me, mas é um facto!... E, portanto, tem que se aceitar o facto e
tirar o partido que se pode tirar…. Temos que trabalhar!...Temos que pôr os
Portugueses a trabalhar! Têm que se cumprir regras! Temos que saber em que lei
é que vivemos; as decisões têm que ser rápidas a nível governamental!... Não se
coaduna, qualquer atividade, qualquer investimento, com demoras em decisões!… É
impossível!
JTM – Na pratica, o que é teria de se fazer, o que é que haveria a fazer no
respeitante à nossa entrada para a CEE?… Há que fazer com que as
burocracias sejam evitadas, essas perdas de tempo?..
JM – Com certeza: as burocracias, são incríveis! Inconcebíveis!... Mas isso
tem de desaparecer!... Se nós, de facto, não queremos desaparecer – passe a
expressão – sob o ponto de visto económico - na
Europa!... Temos que ter pelo menos as mesmas condições que têm os restantes
países da CEE!... Vou dar-lhe um exemplo, que me recorde
agora: a energia é uma componente, muito grande em muitas indústrias… Algumas
que serão viáveis, em Portugal!... Mas o preço no nosso pais é
o mais caro da Europa… Apesar disso, o caso da Oliveira e Ferreirinha, que tem
muitos fornos elétricos, que é, portanto, uma grande consumidora de energia,
ainda conseguimos competir… O que seria uma Oliveira e Ferreirinha, no mercado
europeu, com preços de energia semelhantes aos dos outros países
europeus!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário