


MESMO QUE OS SONHOS NUNCA
TENHAM CONHECIDO A COR – É POSSÍVEL SER FELIZ - Transcrição integral da entrevista publicada, em Abril, 1998
Diz o poeta que “O Sonho
Comanda a Vida”. Porém, que dizer dos que sonham sem nunca a poder ver?
Convenhamos, no entanto,
que, um dos maiores privilégios que foi dado ao ser humano, é a faculdade de
poder ver o mundo que o rodeia: de poder contemplar um nascer ou um pôr do sol;
de olhar o azul do céu, o firmamento numa noite de luar ou numa noite
estrelada. Enfim, de poder admirar, em toda a sua plenitude, todas as
maravilhas que a Natureza, que o Criador concedeu ao Homem.
Por isso, Oh Deus!
Bem-aventurados os que, não vendo, até andam e trabalham - Mas, sobretudo,
vivem a paz e a alegria nas trevas que Deus lhe deu.
Tal é o exemplo que nos transmitiu
o nosso concidadão, e também prezado colaborador do "Ecoa", João
Augusto Ferreira, e do qual aqui trazemos alguns traços da sua vida.
“Nunca Sonhei a ver” - E na sua amada aldeia, tinha tanta maravilha para ver!
Tem 92 anos, e se não é hoje a figura mais típica de Castelo Melhor, é seguramente ali a mais estimada e admirada ..
Não apenas pelo facto de
ser cego quase à nascença - mas por ser
um homem que ao longo da sua vida, e apesar dessa enorme insuficiência física, soube
superar admiravelmente o seu infortúnio.
Contudo, e tal como se
poderá depreender, para que tudo isso fosse possível, só graças a um inaudito
esforço e a uma imensa força de vontade.

Primeiro, estudando o próprio braille - o que fez logo em rapaz, na cidade do Porto. Pois cedo compreendeu que a leitura e a escrita eram para si as melhores armas para escapar à completa escuridão ou ao mar de trevas para onde o destino o havia lançado. Depois, então sim, certo de que estava já preparado, regressa à sua aldeia e, sem desânimos ou temores, toca de lançar desafios ao futuro.
Assim, em 1926, e após
ter conseguido poupar algum dinheiro como sacristão, estabelece-se com uma
pequena loja de tabaco. Segundo diz, contra a vontade de sua mãe, a qual
pensava - consciente da cegueira de seu filho - que ele iria ficar sem o
dinheiro e sem o tabaco.

De tal modo, que, no ano
seguinte, já não vende cigarros, também estende a actividade ao ramo da
mercearia. Depois, ao completar o segundo ano da sua experiência comercial,
passa também a vender bijutarias e vinho. E, com tal sucesso, que não tarda que
transforme a sua pequena loja "numa espécie de supermercado" do seu
tempo, conforme hoje nos recorda. E onde não falta nada: desde a onça de
tabaco, o copito ou quartilho de vinho, às peças de
cotim e de riscado ou outro tecido, em
voga, ao arroz, ao açúcar amarelo, aos rebuçados avulsos que tanto deliciavam
as crianças, aos aparos para as canetas de tinteiro, às lousas e cadernos
escolares, ou até ao petróleo para alimentar os candeeiros e- candeias nos
lares, já que a electricidade, então, ainda era um sonho distante.
Porém, se o futuro é uma incógnita, o passado aí está para dele se lembrar ou se recolherem os ensinamentos ou exemplos que se quiserem. E, por conseguinte, recuando no tempo, uns falarão dele com gosto e até com alguma nostalgia, outros, pelo contrário, o que tenderão é esquecê-lo das suas agruras.
Pois, e retornando ainda alguns traços da sua
vida de comerciante, contou-nos que, naqueles distantes anos 30, e até por outras
décadas mais tarde, o facto de se ter uma loja, não significava que a
mercadoria lhe fosse ter directamente à porta, tal como agora acontece com os
habituais distribuidores. Nada disso: tinha que a ir buscar num macho à
Estação' de Comboio de Castelo Melhor, lá ao fundo das íngremes vertentes do Rio Douro, e,
muitas as vezes, indo e regressando sozinho: aliás, tal como, de
resto passaria a deslocar-se a uns
terrenos que entretanto comprara, graças aos magros mas bem geridos proventos
do seu negócio.
![]() |
O seu filho, o Procópio, o 2º da direita |
Desse modo, se pode concluir
que, apesar das graves limitações da sua deficiência visual, o Sr. João Augusto,
não era, nem nunca foi, um vencido da vida. Antes, o homem que, embora vivendo
mergulhado nas trevas, não fizera delas o caminho do impossível. Sim, desde
pequenino que aprendeu a situar-se na débil mas penúmbrea fronteira que separa esses dois mundo paralelos – o da
escuridão e o da luz. Ou antes, a movimentar-se, a não ser seu perpétuo
prisioneiro. E, por isso, se alguém o quiser ouvir falar da sua vida, ele de facto
tem muito para contar. Não apenas das histórias que atentamente aprendeu por
detrás do seu balcão, como também daqueles seus belos tempos, em plena flor da
idade, quando os amigos o levavam até aos bailes e às testas, tanto na sua
aldeia, como Almendra, às Chãs, a Foz Côa, ou a outras localidades das
redondezas, visto ser um excelente animador como acordeonista e, por
conseguinte, dada a popularidade granjeada, a sua presença se ter tornado quase
como o convidado de honra obrigatório.

Mas também o espantoso
exemplo de um homem que, apesar de não poder descobrir as cores do arco-íris, o
esplendor da natureza, de ver a luz do sol (e nem tão pouco de urna réstia se lembrar), mesmo assim, não se rende ao seu infortúnio, a essa
tremenda fatalidade, e vive a vida e procura alcançar dela aquilo que, certamente, muitos que vêem com
os dois olho que Deus lhe deu, não conseguem ou não logram fazer
“Por isso, gosto de viver!”
– acrescentou.


E estamos certos que assim vai viver o resto da sua vida. E porque não a continuar a sonhar?... Talvez apenas com uma contrariedade – que, aliás, o persegue desde pequenino, altura em que cegou definitivamente – é que nunca sonhei a ver. Nunca sonhei a ver qualquer coisa!”


E estamos certos que assim vai viver o resto da sua vida. E porque não a continuar a sonhar?... Talvez apenas com uma contrariedade – que, aliás, o persegue desde pequenino, altura em que cegou definitivamente – é que nunca sonhei a ver. Nunca sonhei a ver qualquer coisa!”
Aqui lhe reproduzimos alguns dos seus
versos, um conjunto de 15 quadras, escritas na sua velha máquina Remington,
subordinadas ao tema - Terra e Mar - Ainda inéditas, pois confiou-nos o
original., que não chegámos a publicar no ECÔA, entretanto extinto.
1 9
2 10
4 12
Primeira parte - Terra e
Mar
Segunda parte - Mar e Terra
1 9
Porque a Terra é Mãe Sagrada O Mar, é Pai Poderoso,
E o Mar esposo Bendito, A Terra, Mãe extremosa;
Geraram tudo do nada O Mar é mais
furioso,
Por ordem do Infinito. A Terra, mais carinhosa!
2 10
A Terra abraça o Mar,
No Mar se pratica a pesca,
O Mar beija a sua areia;
Aonde
há peixe a granel;
E neste Santo Amar, Na Terra em sua floresta,
E neste Santo Amar, Na Terra em sua floresta,
Ambos dançam em cadeia.
Há caça, flores e mel
3
11
A Lua com o seu luar, No Mar, se cria a baleia,
Entra na dança constante; Na Terra,
o elefante;
Oferecendo à Terra e Mar, Se no mar canta a
sereia,
Um brilho de diamante. Na
terra há muito quem cante.
4 12
As estrelas aos
milhares,
Há
no Mar, o monstro orca,
Bailando na sua lei, Na Terra, o monstro serpente;
Ocupam os seus
lugares,
Tem
o Mar a mansa foca,
Em volta do Astro-Rei.
A
Terra, o boi paciente.
5 13
O Sol que tudo domina, Há no Mar, grandes navios,
O Sol que tudo domina, Há no Mar, grandes navios,
Tem o seu poder fecundo; Na Terra, há Monumentos;
Com a sua luz ilumina, No Mar terminam os rios,
Tudo, o que gira no mundo. Na Terra, acalmam os ventos.
6 14
6 14
Assim, nesta contradança, Pelo Mar, se
espalham as ilhas,
No Salão Universal, Na Terra, repousam
lagos;
Nada pára nada cansa, Se o Mar as
tem como filhas,
Rodando tudo afinal A Terra, lhes faz
afagos.
7 15
7 15
Quem me dera, Universo! Ao Mar até aos
confins,
Ser um poeta afamado!... Deus, Abençoa afinal;
Para te contar em verso, A Terra com seus
jardins,
Como ninguém ter contado! Dá-lhes a Bênção Paternal.
8
8
Aceitai-me, Terra e Mar!
Como poeta mesquinho!
Quero-vos sempre cantar,
Como humilde passarinho!
João Augusto Ferreira - De Castelo Melhor
Castelo Melhor,
tem no seu termo, na margem direita do Rio Côa, um dos famosos núcleos de
gravuras rupestres do período neolítico, no sítio da Penascosa – Consultando os
elementos disponíveis do site da Câmara
Municipal de Vila Nova de Foz Côa, o leitor poderá encontrar desenvolvida
informação história, do qual tomamos a liberdade de extrair alguns elementos:
No Orgal, vestígios de uma Villa Romana. Alguns indícios levam-nos a
supor ter sido esta terra de Castelo Melhor abrigo de Visigodos e Árabes. No
morro do castelo estão enterrados mistérios que urge desvendar. Escavações
arqueológicas poderão trazer à luz do dia não só vestígios pré-históricos como
romanos, árabes e visigóticos. Na Rua dos Namorados, encravadas num muro de propriedade,
algumas pedras gravadas com motivos fitomórficos e geométricos, poderão muito
bem levar-nos até épocas muito recuadas, possivelmente coevas dos reinos Suevo
ou Visigótico. – Ver mais em http://www.cm-fozcoa.pt/index.php/castelo-melhor
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