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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

As emocionantes memórias da 1ª Grande Guerra Mundial – de Jaime Cortesão – Mas a 3ª guerra mundial já começou – diz o Papa Francisco


O ABSURDO DA VIDA HUMANA  ANTE O ABSURDO DA GUERRA  -– “ O céu é uma incubadora de novos seres . e, ao mesmo tempo, um cemitério interminável de defuntos…Os homens vivem  por milhões de segundos e o astros, por milhões de anos… Mas será, afinal, esta, a grande diferença diante da eternidade?...” Papine  - Não: é os homens matam-se, sem ser por morte natural e os astros alcançam o fim da sua eternidade naturalmente

Médico, historiador, poeta, escritor e político – Jaime Cortesão ,  uma figura incontornável na  história dos descobrimentos e da cultura portuguesa contemporânea e também um dos valorosos portugueses que participou na 1ª Grande Guerra Mundial, na qual foi gravemente ferido, tendo quase ficado cego – O seu livro Memórias da Grande Guerra Mundial,  cujos excertos aqui vou transcrever, é uma obra impressionante de quem viu a morte, várias vezes à frente dos olhos, de quem, correndo os maiores riscos, se esforçou para salvar vidas em combate. O relato que fez da  sua experiência, como médico nas trincheiras, é um testemunho comovente, escrito alguns anos mais tarde, com base nas recordações dessas terríveis horas, visto  ter perdido os seus apontamentos.

Devido aos graves ferimentos, teve de regressar a Portugal, tendo sido condecorado com a Cruz de Guerra e a patente de capitão miliciano – De 1919 a 1927, chamado a desempenhar cargo de diretor da Biblioteca Nacional, onde desenvolveu e dinamizou um serviço notável, tendo como chefe dos Serviços Técnicos Raul Proença, porém, devido à sua participação numa tentativa de derrube da ditadura militar portuguesa,  acabaria por ser demitido, vindo a exilar-se em França de onde saiu para o Brasil, em 1940, por força da  invasão daquele país pelas forças da Alemanha Nazi.

A 1ª E A 2ª GUERRA MUNDIAL CAUSARAM MILHÕES DE MORTES, ENVOLVENDO VÁRIAS NAÇÕES DE TODO O MUNDO – E DA 3ª COMO SERÁ E O QUE RESULTARÁ?

O papa Francisco,  há 2 anos, dizia que  os conflitos ao redor do mundo começam a equivaler a uma Terceira Guerra Mundial – que ocorreria aos poucos por meios de crimes, massacre e destruição” Depois disso já voltou a fazer o mesmo alerta - 

Papa Francisco faz dura advertência sobre uma Terceira .


– Na verdade, tem sido essa a negra realidade – Agora, os fomentadores das guerras, selecionam os alvos, usam outro tipo de estratégias - . Desde o Iraque à Líbia e outros focos de instabilidade, nos países africanos e árabes, onde as bombas já causaram a morte e a devastação, de cidades inteiras, de vilas e aldeias, deixando esses países em escombros   – Fomentam a guerra, a  fome, o desemprego e o desespero de quem se vê forçado a abandonar a sua pátria – Esta é uma guerra diferente, com o fito do saque dos recursos naturais,   terrivelmente devastadora, hipócrita e cruel 

ESTE LIVRO, VEM TARDE, MAS AINDA VEM A TEMPO”

Lê-se no prefácio de “MEMÓRIAS DA GRANDE GUERRA”, de Jaime Cortesão – Talvez por essa razão, mesmo passados, cerca de mais de meio século sobre a morte do escritor (nasceu em Ançã, Cantanhede, 29 de abril de 1884 e faleceu em Lisboa, no dia 14 de agosto de 1960) a leitura do seu livro, nos tempos que correm,  continue a constituir, não apenas um dramático relato de memórias, de quem sofreu e viu sofrer,  mas também um emocionante testemunho de reflexão.

Deus ofereceu ao homem, o planeta Terra, talvez a maior maravilha do Universo, já que até hoje não há conhecimento de outros planetas habitadas – O ser humano, em vez de corresponder  a essa generosa dádiva, com paz e amor, têm o manchado de destruição e sangue, ao longo dos tempos, através de guerras, ódios e conflitos – E um dos mais devastadores, foram as duas grandes guerras mundiais: 28 de julho de 1914 e durou até 11 de novembro de 1918 – E  de 1939 a 1945  Este o conflito mais letal da história da humanidade, do qual resultaram entre 50 a mais de 70 milhões de mortes.
Mas hoje, o que aqui lhe trago, não são as impressionantes  imagens que foram apresentadas numa exposição, que  teve lugar, de 18 de Novembro a 23 de Janeiro, no Arquivo  Municipal de Lisboa, sim, agora são algumas passagem do relato de quem lá esteve  - De Jaime Cortesão, que começa justamente com estas palavras:

“ESTE livro vem tarde. · - Diz no prefácio
A guerra e as prisões ( a guerra sempre) não me deixaram forças para· fazê-lo antes.
A própria violência da guerra atingiu esta pequena obra na sua primeira forma.
Durante as horas serenas ou terríveis da França eu o tinha apontado com a pena e com o lápis, escrevendo e desenhando. Perderam-se esses apontamentos na batalha do Lys, ficando-me apenas alguns poucos que enviara para Portugal. Foi com eles e com restos de cartas e recordações que eu reconstituí o perdido, e rascunhei de novo as minhas memórias.
Também porque elas abrangem as muita: modalidades da nossa guerra cujo teatro se estendeu desde a própria pátria à África e à França, as variações do tempo nessa larga curva não me consentiam que o escrevesse, como ele hoje vai, com esse pouco de verdade, que ainda assim por vezes tão grande dor custa a dizer-se.” - Excerto


PÁGINAS 130-131-132-133-134 -  Foi o tempo de estirar o corpo. Nas linhas os grandes morteiros troam. A seguir a enfermeira ofegante dum S. O. S. As fundas fauces de aço rugem, bramam, rebramam de ensurdecer. Saímos fora a examinar. Vai alta a luta de lado a lado. Um camarada, para fazer-se ouvir nesta maré cheia de bramidos, grita-me ao ouvido:
- Decerto, algum raid dos boches.
Para trás, na espessura da noite, a toda a volta, as bocas da artilharia escarram lume tonitruando com violência doida. No fundo jardim da treva desabrocham às centenas, para logo murchar e reflorir, os gigantescos cravos de fogo.
São fogachos que pincham e se escondem e ressurgem depressa, mais depressa, ainda mais, como farândola de bruxas doidas na vertigem do bailado.


A luz dos very-ligths, as árvores vestem-se de um zaimf fantasmal e drapejam gazes azuladas. Depois caem de súbito no escuro.
As horas passam. Afrouxou a luta. O que espanta é que os feridos ainda não viessem.
Vamos de novo a deitar-nos, quando lá fora se ouve: - Ai ! Ai ! - mas num uivo rouco, num bramir de fera a quem rasgassem as entranhas.
Aqueles gritos são tão agudos e dolorosos que varam a noite e a alma. Logo a seguir as rodas da vagoneta dos feridos raspam e guincham pesadamente nos rails da Decauville.

E cá fora as vozes dos maqueiros: - Há aqui feridos. Venham ajudar.
Já os enfermeiros rodearam a vagoneta.
Como a Decauville  pára um pouco longe ca entrada do posto e o gemer guaiado indica grandes feridos, traz-se uma vela para alumiar.
Ao trémulo clarão vêem-se as taces dos dois maqueiros, brancas, sem pinta de sangue. -Homens, que têm vocês?!
- É que as metralhadoras estão a bater a linha e, mesmo agora, aqui ao cimo, uma rabanada de balas nos passou tão rente da cabeça, que nos pôs de pé os cabelos.

Cautelosamente transportaram-se os feridos. O meu colega tomou conta do mais grave. Já tem o corpo estirada sobre a maca. Alguém diz ; - É o rancheiro da primeira.

De pé, ao lado, um maqueiro alumia de vela na mão. A luz frouxa bate de cima. Lá se vê o grande vulto pálido donde saem sangue e gritos. Abriram-se as portas que escondem a Vida e ela aqui está, a palpitar, como um coração a descoberto.
Trabalha-se afanosamente. Cortam-se a arrancam-se os pedaços da farda esfarrapada e ensanguentada. O homem tem uma larga brecha numa coxa e um braço esfacelado, em chanfradura vasta e funda, do ombro ao cotovelo. O osso fracturou, e a parte inferior do braço e a mão oscilam, bambos. O sangue pinga. Então o pobre levanta a cabeça: quer inteirar-se da desgraça; e, adivinhando-se condenado, o soluço que arranca do peito é espantoso e fundo como um mugido.

Perante o homem que o combate rasgou e vai talvez morrer, tomou-me uma onda violenta de ternura.
Levanto-lhe a cabeça e dou-lhe cordeais à boca, ressequida de sede. E, afagando-lhe a cara, procuro amparar-lhe a alma.
- Homem, tem coragem. Não é coisa de perigo. Tens-nos aqui ao pé. Não chores. Não esmoreças.
Mas ele adivinha talvez no enternecimento com que lhe falo a horrível verdade. E, pondo os olhos em mim, quase com repreensão, arranca lá de dentro numa voz, que acaba soluçando:
- Ah ! Senhor doutor ! eu não choro por mim ... É que eu tenho mulher e três filhos! ...
Coitado do rancheiro da primeira! ... Sente a vida a fugir-lhe no corpo esfrangalhado; o sangue correu numa onda; martirizam-no as dores e os próprios cuidados que lhe damos; e a sua alma salta lá de dentro com esforço heroico e parte num grande grito comovido para os que estão longe ...
O outro que vem, esse, fechou os lábios, cerrou os dentes, cravou os olhos em nós num desafio e sofre tudo, estoicamente, friamente, sem uma queixa.
Ah! rapazes! Como vocês são grandes! ... A ambulância-automóvel, que nós mandamos buscar à pressa, roda lá fora, vinda de Greenbarn. Parou e arqueja ansiada, como um coração aflito. Mais um ferido ainda. E outro. E agora, devagarinho - e Tenham cautela não os magoem ... • - já se meteram lá dentro no fundo lôbrego do carro, nas macas sobrepostas, como os beliches.
O carro parte e corre. Lá vão. Coitados!

Mas nas almas ouve-se ainda aquele heróico e triste adeus à Vida.
É quase madrugada. Sente-se a aragem fina percursora das tintas de alva. Um torpor ganha os membros. E, espreguiçando, o meu colega diz:
-Agora vamos deitar, que já ganhámos a noite ...
E entramos no abrigo.

Já deitados, as pálpebras coladas de fadiga e a consciência entorpecida a afundar-se no sono, despertamos, sacudidos por um grito atirado à porta da nossa caverna, lá para dentro, num doido alarme :
- Senhor doutor: um boche ferido !. ..
O meu companheiro saltou da cama e enfiou porta-fora, tão depressa como :i voz entrou. Quando saí por minha vez, vi já um tumulto de gente confusa entrando a boca do posto e logo a seguir, como por encanto, o alemão estendido na maca alta.

À volta um redemoinho de gente curiosa. Era um moço gigante, loiro e belo. Tinha a cara manchada de sangue, com grandes dedadas escritas. O fato de patrulha, impermeável e cinzento, que no feitio iguala a véstia larga e inteiriça de estilhaços, estava coberta de listas de sangue  e manchas de lama espessa, a lama de terra de ninguém, por onde ele rojara em direcção a nós. Por baixo, da borda da farda, a fita da Cruz de Ferro. Tem as divisas de cabo. Lavada a fronte e o rosto, fica a descoberto a única ferida: um pequeno buraco sangrento, de bordas regulares, entre as sobrancelhas, por onde deve ter entrado a bala ou pequeno estilhaço.

Agora, limpa de sangue, face resplandece de orgulho e de audácia.
Mas a população do posto, uma vintena de homens, cinge-se à volta, com ânsia doida. Quer ver . Não há forças que os arredem.
Um deles segura o coto de vela único, que bruxuleia aceso. Uma luz amarela cadaveriza as expressões.
Ao clarão esférico, que palpita e anseia, vê-se apenas a face e o tronco do ciclope, e à volta, destacando, o círculo violento de caras imóveis e olhos devoradores, esbugalhados.

Tudo o mais a treva come.
As faces esfaimadas fluem e refluem , ao ritmo dos nosso movimentos, mas logo possessas  e atadas pela mesma ânsia  se debruçam, à uma, cravando o olhar sobre o belo inimigo tombado.

Olham-se, como quem olha um habitante de outro mundo, tão diferente  o julgam  e ele é na alma, na língua, nos costumes e na sua formosura bárbara.

PÁGINA 180-181 - Todos os dias uma nova ordem manda uma, duas ou mais companhias ocupar a Village Line, a linha das aldeias, logo por trás das trincheiras. E como sucede estacionarem por essas altura, todas as baterias de artilharia ligeira, agora em constante actividade, e ser também essa linha especialmente visada pelo ininterrupto bombardeamento inimigo, os soldados, sobre não terem uma hora de descanso, sofrem intoxicações em massa pelos gases e extenuam-se em marchas penosas às idas e às voltas.

Pálidos, magros, exaustos, os pulmões roídos dos gases, os pés triturados das marchas, sem esperança nem apoio moral, arrastam-se, sob o imenso fogo que tomba do céu, por essas estradas, como uma legião miserável de abandonados.

Nós, os médicos, condoídos, damos todos os dias dezenas de convalescenças e baixas às ambulâncias. Logo as fileiras definham e então vem a estranheza, as insinuações, as ordens dos chefes para que sejamos mais cautelosos no afastamento dos doentes.
Eu próprio convalesço agora duma pleuresia seca que as neves e as inconstâncias deste Inverno rigoroso me acarretaram. Abandonar o batalhão para me recolher a uma ambulância, exactamente quando todos sofrem e mais são necessários os meus serviços? Impossível. Comigo mesmo debato essa questão. Acabo por me vergar voluntariamente à grande cruz que pesa sobre todos os ombros. Todavia, nunca o meu trabalho foi tão extenuante. Raro é o dia em que os gaseados, os feridos, os estropiados não encham às centenas o posto de socorros. De dia um trabalho sem tréguas. De noite esse mesmo trabalho que se prolonga muitas vezes altas horas e o ribombo convulso, infernal, incessante das artilharias.

E agora, hoje, mesmo ao fim da tarde, - ordem ao batalhão para guarnecer alguns dos postos da linha das aldeias.
À noite, à pressa, forma o batalhão. Todavia umas duas centenas de doentes, gaseados e estropiados, a quem é totalmente impossível impor uma marcha, ficam ali com um médico. Eu próprio escolho acompanhar o batalhão e seguir para a frente.

A noite está como breu. Aqui a dois passos em Vieille-Chapclle, tombam, estrondeando e ecoando cavamente as granadas, umas trás outras implacavelmente.
As casas desabam. As nuvens de gases sufocam. Pelas estradas há mortos, há sangue, vísceras de cadáveres abandonados. É por ah mesmo, por entre o fogo, os gases e a morte, que temos de passar. E. seguimos.

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