Eu sou o chorão - Dos seis, só dois: eu e o do colo |
Partira para S.
Tomé, em meados de Novembro de 1963, a bordo do paquete Uíge para
concluir um estágio da Escola Agrícola de Santo Tirso, na Roça Uba-Budo, mas onde
não encontraria o mínimo de condições, devido à rudeza e prepotência colonialista, a raiar o esclavagismo, com que
ali me confrontei – Tinha então 18 anos, era jovem e alimentava um mundo de
sonhos mas o que fui ali conhecer, naqueles primeiros anos, na
beleza paradisíaca de uma Ilha equatorial, foram desilusões
e humilhações, umas atrás das outras – Só 12 anos mais
tarde voltaria à minha aldeia mas já não ia encontrar a minha
mãe viva, que falecera, ao fim de um penoso calvário de doença prolongada,
quando eu prestava serviço militar nesta antiga colónia portuguesa.
Completaria hoje, dia de S. Martinho 100
anos, mas partiu para a eternidade com 52 - Cumpria então parte do serviço
militar - visto a recruta tê-la ido fazer a Angola; seis meses no curso
de sargentos milicianos, na ex-Nova Lisboa e, depois, mais seis meses no curso dos
Comandos, em Luanda.
Sabendo da gravidade da doença que então minha mãe padecia, fiz todos
os esforços, junto a instituição militar para a poder visitar mas não fui autorizado:
pois a mentalidade da tropa colonial não se compadecia com sentimentos pessoais
- Deixara a minha aldeia aos 18 anos e nunca mais a voltaria a ver.
Dizia-me ela no momento da despedia, em que me dava o último beijo: adeus meu filho, que já não te volto a ver - E, de facto, não se enganou, tal como a premonição, que eu tive, no dia da sua morte, antes mesmo de receber o telegrama a dar-me a triste notícia.
Dizia-me ela no momento da despedia, em que me dava o último beijo: adeus meu filho, que já não te volto a ver - E, de facto, não se enganou, tal como a premonição, que eu tive, no dia da sua morte, antes mesmo de receber o telegrama a dar-me a triste notícia.
FENÓMENO DE PREMONIÇÃO NÃO
É ADIVINHAÇÃO
A minha aldeia com as giestas floridas |
Como
se explica que, estando eu a alguns milhares quilómetros de distância da minha aldeia, tivesse
a perceção, ou antes, pudesse visionar, tal como estando em presença do mesmo
cenário real, com a mesma nitidez e pormenor de quem
assiste a um acontecimento televisivo em direto? O meu caso, é senão mais um entre milhares, nomeadamente, em pessoas, cuja sensibilidade ´ (que,
por esta ou por aquela razão ou fator especial da sua mente) se presta à
transmissão ou captação de tais fenómenos
Dizem estudiosos,
nestas questões, que, experiências reais de premonição mostram que as
capacidades de nossa mente podem transcender os limites do espaço e do tempo
como os conhecemos . Tendo havido, “muitos cientistas proeminentes, que
se têm percebido destes factos tais como “o renomeado físico
David Bohm, por exemplo, disse: “Cada indivíduo envolve algo do espírito
do outro em sua consciência”. O físico e Prêmio Nobel Erwin Schrödinger
acreditava que as mentes não interagem umas com as outras como bolas de bilhar
separadas, mas são, em certo sentido, unidas e uma só. “Para dividir ou
multiplicar, a consciência é algo sem sentido”, disse ele. “Há, obviamente,
apenas uma alternativa, ou seja, a unificação das mentes ou das consciências...
na verdade, existe apenas uma mente.” O poder da premonição:
VI O FUNERAL DA
MINHA MÃE, COMO SE ESTIVESSE A ACOMPANHAR O CORTEJO FÚNEBRE ATRÁS DA
SUA URNA ATÉ AO CEMITÉRIO
Foi num Domingo.
E, como havia estado de serviço de véspera, após almoço resolvi deitar-me
e descansar um pouco Adormeci e, uma hora e meia ou duas depois, acordei a chorar - E
porquê? Acabava de assistir, com os olhos rasos de lágrimas,
ao funeral de minha mãe a dirigir-se para o cemitério - Com tal
evidência e clareza, com tal pormenor, que era como se eu próprio estivesse
incorporado no cortejo fúnebre atrás da urna. Via os olhos chorosos do
meu pai e dos meus irmãos, Ouvia os sons dos sinos e a sineta a finados e via os seus rostos, todos exprimindo a sua inconformável
dor. De tal modo que eu próprio, também sentia a mesma emoção.
Acordei a chorar. - Já um dia fiz este relato num jornal.
Residia, nessa
altura, em casa de uma família portuguesa. Pois o filho, o
Francisco, andava comigo na tropa: era furriel miliciano como eu.
Compartilhávamos o mesmo quarto. - um bonito espaço, que se situava próximo do
Mercado Municipal. Mas ele, na tarde desse domingo, estava fora de casa.
Porém, ao regressar, vendo-me sentado sobre a cama e a chorar,
perguntou-me: “O que é que tens, Jorge?!…” - Eu respondi-lhe: “a minha mãe
morreu!…” E, mal pronunciei estas palavras, volto a cair em mim em lágrimas....
“Mas quem te disse?!…” - insiste ele. E eu digo-lhe: “Ninguém me disse nada!…..
Mas eu sei que a minha mãe morreu porque eu vi o funeral dela!… Vi tudo como se
estivesse acompanhá-la ao cemitério
Ele mostra-se
surpreendido com o que eu lhe acabo de revelar, pois já trazia consigo um
telegrama onde me ia ser dada a notícia. No entanto, mesmo assim, ainda
procurou contornar o seu conteúdo, tendo acrescentado, ao mesmo tempo que se
aproximava de mim - já pronto para me dar um abraço e me confortar: “Olha,
Jorge: de facto, a tua mãe está muito mal, está muito doente e eu até trago
aqui um telegrama para te informar da gravidade da saúde dela!… Mas eu vi
logo que eram apenas palavras amigas de conforto e retorqui:
Obrigado, Francisco! Obrigado pelo teu cuidado mas esse telegrama só pode dizer que
a minha morreu! - E era verdade. A minha mãe que fazia agora anos no dia de São
Martinho, faleceu aos 50 anos, num Sábado e foi a enterrar, justamente naquele
domingo, para mim tão triste - Mesmo antes de me ser dada a notícia.
Este foi o
primeiro caso que me despertou para os fenómenos da mediunidade. A partir daí
passei a prestar mais atenção aos chamados flagrantes de iluminação e tenho-me
apercebido de outros episódios relevantes - Bom, mas do que hoje aqui venho
falar é sobretudo de algumas das recordações da minha adolescência - Pois
sei que, ao fazê-lo, não estou apenas a singularizar o meu caso mas a dar-lhe
a dimensão de que o pessoal é também, de algum modo, a expressão do
universal, neste caso do microcosmos ou do pequeno mundo da
minha aldeia, que, no fundo, não passa também de um pequeno grão de areia à luz
do sol.
MEMÓRIAS DA
MINHA ADOLESCÊNCIA
Com o meu irmão José |
Se há recordações,
que jamais esquecem, a quem nasceu no meu torrão natal, são os momentos de
solenidade e de alegria da festa religiosa de 15 e 16 de Agosto., num misto de
profano e religioso: digamos, os dias que quebram,
verdadeiramente, a rotina da vida rural da aldeia. O mesmo se passa
na maioria das aldeias do interior, onde a vida não conhece grandes contrates,
senão os ditados pelos ciclos das estações e o curso natural da
Natureza. – Hoje, qualquer festividade, tende mais a ser de carácter
profano de que propriamente de culto ao sagrado – Tanto mais que a dessacralização dos
valores intemporais, é uma das marcas dos tempos que correm, da chamada era do
vazio, de uma globalização desumana e dominada pelos tentáculos perversos do
capitalismo, insaciável, avaro e selvagem, sem rosto e sem
fronteiras. – O que conta são as aparências,
os jogos da hipocrisia, da ganância e do cinismo e não as virtudes .
A prima infância |
Como é sabido, não há como o mês de Agosto – E até as noites de Luar são mais luminosas, serenas e diferentes. Num clima temperado, como é o de Portugal, menos frio que o Norte da Europa, mas, mesmo assim, só no mês de Agosto, se aprecia o verdadeiro gosto do Verão, das férias e da sensação dos dias intermináveis, que têm o brilho do sol escaldante, do azul límpido do céu, o colorido e o sabor dos frutos. Não há outro mês, tão sedutor e apelativo. Daí que, a maior parte das festas populares – de cunho religioso e diversão – decorram ao longo deste mês, e, nomeadamente, no feriado do dia 15 .
Muita coisa já
mudou, mas durante os anos da minha infância e adolescência, a festa de Nª Srª
de Assunção, de 15 e 16 de Agosto, pouco mais mudava de ano para ano
que a origem da banda, do nome do pregador, do fogueteiro ou da lista dos
mordomos - Agora, festa religiosa, sem a componente do espectáculo de variedades, não é festa.
Por isso, se
seguir o itinerário, que aqui vou procurar evocar, nomeadamente naqueles dias,
longos e quentes de Agosto, talvez consiga reconstituir um pouco do ambiente de
desse tempo, dos anos mais verdes da minha vida minha.
Debulhadoras nas eiras, zoando desde o raiar da manhã, até ao crepúsculo. Malhadeiras, debulhando o trigo e o centeio, ante a torreira escaldante do sol, que cega, exalta, deslumbra e sufoca – Dias da minha adolescência, que já lá vão e não voltam mais.
Martins - último ferrador - também já nos deixou |
Tenho oito anos: sou ainda garoto
– É tempo de férias, a escola primária só reabrirá em Outubro. Ao
longo da semana, trabalha-se no campo: a maior parte das ceifas, já foram
feitas e os molhos do centeio, da cevada e do trigo, ficaram nos rolheiros, mas
é tempo das malhas nas eiras, de se transportar o cereal e ali se trilhar ou
malhar – E também é tempo dos meloais, de se comerem as primeiras uvas
maduras e de se começarem apanhar os figos, pêssegos e
maçãs. Não falta trabalho. E, nesse tempo, não há subsídios para
lombeirões, deficientes ou candidatos a indigentes disfarçados
de inválidos.
Debulhadoras nas eiras, zoando desde o raiar da manhã, até ao crepúsculo. Malhadeiras, debulhando o trigo e o centeio, ante a torreira escaldante do sol, que cega, exalta, deslumbra e sufoca – Dias da minha adolescência, que já lá vão e não voltam mais.
A casa onde nasci |
Antigo forno comunitário |
Aos domingos, os
adultos, jogam ao cântaro ou ao ferro. Aos garotos, é vedada
a permanência nas tabernas: - também se vende petróleo para iluminação e
fósforos, mas só ali se vai para entrar e sair. No seu interior,
sobretudo à noite ou à tarde de domingo, o que ali se vê e ouve é a
habitual barulheira dos copos de vinho e as discussões ao trivial jogo de
cartas. Se a curiosidade de um miúdo se prender por mais de que a trivial
compra, recebe logo o raspanete:”Vai-te embora, que o teu pai está-te a
chamar!”
Havia a taberna do Timóteo e do Vale da Terra, no cabeço, ao meio da aldeia, a do Borrego, junto às duas fontes da Figueira, que secavam no Verão); a taberna do Ferrador, na Rua do Cruzeiro
.
Na casa do Sr. Antoninho “Sapateiro”, ou da Srª Teresa “Sapateira”, quando o marido morreu. – Esta a casa, emblemática, que mais tempo se conservou, com as mesmas prateleiras e o balcão. Mistura de mercearia e tasca, mas também de casa do correio e do único telefone, enquanto não foi inaugurado o edifício da estação dos CTT, aí sim, havia alguma contemporização - Quando chegava o carteiro de Foz Côa, eram lidos os nomes dos destinatários nos envelopes e procedia-se à sua distribuição, toda a gente ali ia e podia assistir.
Na casa que herdámos dos meus avós mateternos |
Ainda está como minha mãe a deixou |
Porém, o que mais me fascinava era sobretudo, perder-me pela penedia dos Tambores, escalar os seus rochedos e procurar decifrar os seus mistérios, onde, curiosamente, anos mais tarde, haveria de descobrir os maravilhosos calendários pré-históricos, que batizei de Templos do Sol. Sim, e era no alto de alguns desses penedos, que eu edificava os meus presépios de imagens de barro, que eu próprio moldava. Crente de que, prostrando-me de joelhos e tendo tido a experiência de ajudante de pastor, quando os meus pais eram caseiros, na Quinta do Muro, sobranceira ao Vale dos Areais, Ribeira da Centeeira, também ali poderia experimentar o mesmo fenómeno de aparição, que tiveram os pastorinhos de Fátima.
Treinos na canoa, S. Tomé-Príncipe |
Ideia peregrina esta que me haveria de acompanhar ao longo da vida, num misto de paganismo
e de sacra religiosidade – Quer nas dificílimas escaladas ao Pico
Cão Grande, em S. Tomé, confiante de que, no alto do seu cume, pudesse tocar a
mão de Deus, sentir a sua presença, mais palpável ou mesmo nas várias aventuras
marítimas, perdido por entre a grande solidão e vastidão oceânica, em frágeis
pirogas, sem outros meios de orientação que o instinto, o sol, as
estrelas e a lua – E uma pequena bússola, que me indicava os pontos cardeais,
mas nunca a posição em que me encontrava.
É FESTA DA ALDEIA
Festa na aldeia!... Mais alegre, mais solene e participativa, de que hoje. Tanto na parte religiosa como na diversão. Eram os dias mais esperados do ano. Dias longos, flamejantes e belos! – E, numa altura em que todos os centavos valiam dinheiro, também não contratavam, como agora, artistas como atrações. Eram apenas os sons da banda filarmónica a tocar no adro, a acompanhar a mais linda procissão ou para abrilhantar o desfile do cortejo das oferendas pelas ruas da aldeia. Que saudades desses maravilhosos dias! O arraial, os cânticos, o repicar dos sinos, os acordes, as orações!... Tudo assumia o caráter de uma profunda religiosidade – O profano e o sagrado, coexistiam em perfeita harmonia.
Minha Tia Ana |
Filhos do irmão do meu pai - E da minha geração |
Já todos partiram |
Meio-dia, sol a
pino a devorar o ar e a transparência dos espaços: calor sufocante, de abrasar.
Tocar uma pedra de xisto ou num seixo do Vale do Bar, Vale das Boiças,
Trecadas, Sumagrais, encostas dos Piscos ou pisar o chão descalço pelos
caminhos, é tocar no fogo, quase o mesmo que agarrar uma brasa pelas
mãos – Mesmo assim, nós, a garotada, não nos importamos desses
escaldanços e das tupadelas nos dedos dos pés, o
queríamos era gozar a liberdade plenamente, andarmos livremente e o mais leves,
nas nossas correrias – Bem nos basta o peso e o desconforto dos tamancos
no Inverno.
Vale da Ribeira Centieira ou dos Areais |
A aldeia
estende-se de alto a baixo na quebrada de um vasto
planto, num dos extremos da meseta ibérica, onde acaba o granito e começa
o reino xisto – O limite do horizonte, fica sempre longe. Pela hora mais alta
do dia, o sol aquece e esbraseia, perpassa na atmosfera em lufadas de
ar quente, em torreira de escaldar: - Tudo crepita de luz, ao perto
e em redor: a terra que se pisa, as fragas que se veem pelos cerros e
quebradas, nas colinas, nas canadas e montes – Então para as ladeiras do xisto
do Côa, aí é mesmo de torrar.. Há frescura no
magnifico Vale da Ribeira, que corre de Sul para Norte, mas dista a
4Km e fica ao fundo da margem do planalto e a oeste
TRABALHOS E SACRIFÍCIOS NÃO LHE FALTAVAM...
Dia da primeira comunhão na atual igreja |
Estou a vê-la, a
pegar na rédea do macho e a sair com ele da corte, carregado de palhiço, lenço
preto na cabeça, caminhando meia curvada, por via dos muitos sacrifícios no
campo e nas lides domésticas( ir ao fundo da Ribeira
dos Piscos, a lavar a roupa com o cesto à cabeça ou
proceder da mesma maneira com o cântaro à fonte, envergando roupa muito
simples, , blusa e saias escuras, a que não faltava também o
tradicional avental, peça que não dispensava, e que só não lhe via usar quando
punha o xaile preto, pelos ombros, ia à missa ou noutra cerimónia religiosa,
como numa procissão ou num enterro ou mesmo num casamento e em dia
festivo – Sim, vestida de negro, a cor que os vários
lutos, foram transformando em hábito: de seus irmãos e
pais - dos avós maternos, que eu não cheguei a conhecer, tal como
muitos dos meus tios, ao todo onze, que morreram muito
novos, - Palmilhando caminhos ou atalhos a pé. . Além disso, mesmo
quando se dava a possibilidade da besta ir livre- lembro-me que a
mãe preferia dar a vez ao pai ou a nós, aos filhos, que foram paridos em
casa e criados, também com muito esforço.
Irmã Conceição, com uma das filhas |
Meu primo Joaquim Trabulo |
Mesmo assim, nunca lhe faltando trabalhos e canseiras, de sol a sol, nem por isso deixava de ser uma pessoa bem disposta . Pois a imagem que
retenho é a de um rosto sorridente, tal como na fotografia que lhe tirei com o
pai, no dia do casamento da minha irmã Conceição - Obtida com um caixotezito que me fora emprestado, durante as féria, por um fotógrafo de Santo Tirso, onde, aos 14 anos, fui frequentar a Escola
Agrícola.
Antiga igreja demolida |
Existe, ainda,
numa estante da nossa casa, lá da aldeia, num dos cantos inferiores de uma
estante religiosa, a fotografia de família, em que estamos todos.
Foi tirada no adro da igreja, por um daqueles antigos fotógrafos à lá minute, na festa da Padroeira, no 15 de Agosto e no dia da primeira comunhão da Conceição. É uma pequena imagem, que a todos nos era muito querida – Eu sou o choramingão, boca aberta, agarrado com uma das mãos à saía da minha mãe, que tem o Fernando ao colo –o mais novo. De todos, somos os dois, os únicos vivos, dos seis na foto.
Foi tirada no adro da igreja, por um daqueles antigos fotógrafos à lá minute, na festa da Padroeira, no 15 de Agosto e no dia da primeira comunhão da Conceição. É uma pequena imagem, que a todos nos era muito querida – Eu sou o choramingão, boca aberta, agarrado com uma das mãos à saía da minha mãe, que tem o Fernando ao colo –o mais novo. De todos, somos os dois, os únicos vivos, dos seis na foto.
Havia duas bandas formadas nos anos 90 - Ambas acabaram |
Geração finais anos 80 |
A foto, única
recordação, tão longínqua da minha adolescência e da minha vida, é feita em
pequeno formato, quase não chegando ao tamanho de um postal, mas dá para me dar
a impressão que devia estar contente
As fontes da Figueira |
Meus pais |
A mãe, esboçando
aquele sorriso, com que a vi sorrir muitas vezes, e cuja imagem penso que
guardarei para sempre. - Ou seja, aquela
graça, àquele jeito, àquela pontinha de bonomia e de otimismo, que fazia com
que esquecesse as vicissitudes e os sofrimentos, humor que parecia ter herdado do lado
paterno, de seu pai, o Joaquim Trabulo, ou Joaquim Perdido, tal a
alcunha que lhe puseram no povo - Disse a mãe que foi por ele ter-se perdido, devido ao nevoeiro, num dia em que foi à caça.. Penso que a mãe nunca se
esqueceu que ele pertencera à banda filarmónica de Foz Côa e que, devido a esse facto, é que veio a enamorar-se da avó materna, num dia em que a banda veio tocar às Chã - Foi nessa altura que conheceu a avó, sua mãe e
o namoro começou. Veja esta casualidade: se não tivesse ali ido, nem eu nem a mãe, por certo teríamos nascido.
A CAMINHO
DA SERRA - DO NOSSO VALE CARDOSO
Pastor Miguel que morreu com as ovelhas |
Ao centro meu primo José Marques |
Mãe, compreenderá
que foi aí que comecei a acreditar em certos efeitos ou mistérios das pedras, e
creio que mesmo a aprender a gostar delas
O Pastor Júlio ainda vai resistindo |
Como sabe, eu nunca fiquei a saber quando foi essa vez, pois fui para S.Tomé. - Mas recordo-me porém do seguinte:
Sabia que estava
muito mal, que o seu estado se ia agravando, com o alastrar da maldita doença -
aquela doença de que nem gosto de pensar nela, quando mais de a escrever pelo
nome ( Pois não se lembra, de nos benzermos, sempre que se pronunciava tal
palavra, quando alguém da aldeia ali morria vitima dela? - Um
dia recebi uma carta a mandarem-me dizer que a mãe estava muito ansiosa por me
ver - ou seja, para sermos mais claros: não queria morrer sem me ver. Bom, e
como da minha parte as saudades também já eram imensas, decidi apresentar um
pedido no Quartel para me autorizarem ir à Metrópole, alegando exatamente o
estado em que a mãe se encontrava. Debalde. Eu era na altura Furriel Miliciano,
monitor de uma recruta, e responderam que enquanto durasse a fase da instrução
,não podia gozar qualquer tipo de dispensa.
Em Lisboa - anos 80 |
Olhe, mãe, se há
coisas que não me esquecem, aquele momento é um deles: "Adeus meu filho
que nunca mais te volto a ver!" - Foi exatamente assim - naquela sua
voz repassada Já de dor e de saudade, e ainda estava a abalar: ainda mal dava
os passos do adeus.
Vi-a, depois, limpar as lágrimas ao avental, mas, claro ,longe de acreditar no que te ouvia. Simplesmente lágrimas, sofrimento, dor de mãe, pensava eu. Como foi possível que adivinhasse?
Será que às mães é
dado esse dom - esse terrível dom de poderem futurar dolorosas separações? De
pressagiarem os maus destinos, entrar nos desígnios da morte e da vida, antever
a de vínculos que as possam desligar das coisas que mais queridas
lhes são - os filhos?
A Casa e o Poço do Vale Cardoso - já emparedado |
A Bisavó Amélia e o seu neto Tiago |
Tudo em família num dia de Festa |
Chanenses numa excursão a Lisboa, anos 80 |
O último albardeiro |
Era uma festa,
vindimar a “nossa serra" , não achas?'
A nossa casa - desde os seis anos |
E aquele
magnífico nascer do sol! O sol, resplandecente, que ali víamos
nascer, mal assomava, lá longe, para lá do Côa, entre Almendra e a Serra da
Marofa, sem quaisquer obstáculos a oporem-se aos seus radiosos raios'
Também já todos partiram |
Não achas
que, depois de ali passarmos a noite, apenas assentes com o corpo sobre uns bocados
de palha a atenuar a dureza do châo ,com um toldo por baixo e mais uns dois por
cima a servirem-nos de cobertores, que não era reconfortante, abrirmos a porta,
aspirarmos aquele orvalho doirado da manhã, com todos aqueles
cheiros a campo, a silvas, a giestas, sei lá a que flores, a que frutos, e a
que infinita gama de fragâncias silvestres, e também, nesse preciso instante,
1ogo se ouvir o chilrear dos passarinhos e, ainda por cima, podermos deparar
com aquele tão bonito nascer do sol!...
Meus primos António e José Pacheco , ao lado do Fausto |
Repórter da Rádio Comercial-RDP |
Mas, como deves
saber, há momentos que são eternos. Por isso mesmo, ao
menos guardes no silêncio tumular do teu perpétuo descanso, a memória
desses fugazes momentos
Jorge Trabulo Marques
Jorge Trabulo Marques
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