Eu penso que tive a felicidade de ter
nascido numa aldeia que tem à sua volta pedras muito bonitas e caprichosas,
pedras com formas muito estranhas, bizarras, misteriosas,
pedras que, desde a minha infância e adolescência, aprendi a admirar - E,
mais tarde, já em adulto, a idolatrar e a venerar - Este é o local sagrado do
meu recolhimento, para onde peregrino, sempre que posso, em qualquer altura do
ano, do dia e até da hora - Sim, é o meu retiro sagrado - E também cenário da minha expressão artística. E de pendor místico - Acho que estas buscas
não se encontram apenas sob o teto de um templo mas também sob a abóbada imensa dos céu
Mas hoje vou
aqui, uma vez mais, citar Virgílio Ferreira, o escritor que várias vezes me
recebeu em sua casa - Ele que, nos seus pensamentos, tantas interrogações fez à
volta do sentido da vida e do sagrado. Mesmo quando ele diz - .Dar
sentido à vida. Para lho darem aos domingos, quando não trabalham, os campónios
da aldeia embebedam-se e dão-se facadas. A arte do nosso tempo sabe-o e faz o
mesmo - Pois, essa é outra arte, a do culto das aparências - E não é aquela a
que o autor do "Espaço Invisível" ou do Apelo da Noite, entre tantos
outros títulos, se quis referir.
“Nós
servimo-nos do mistério para a comunicação, porque todo o olhar é misterioso.
Que admira que muitas vezes se utilize com o desconhecido, sobreposto ao
mistério que tem? (…) Há no fundo da linguagem um silêncio primordial. Os mudos
sabem-no . A arte também. Nós levamos muitas vezes uma vida para aprendê-lo e
só na velhice temos as primeiras noções. – Vergílio Ferreira
"Há um
mistério em tudo, que nos faz sinais, e que todavia não existe. Sentimos-lhe a
presença que nos transporta de arrepio e plenitude. E que não há. Atrás se
comparou isso a um quadro, que é só tela e tintas, e pelo qual, no entanto, se
pagam milhões em razão da outra coisa que aí está e que não existe. Mas o maior
mistério está em nós. Agimos, pensamos,
emocionamo-nos, mas há o insondável de nós onde tudo tem a sua origem. Não o
sabemos. E mesmo que se se desdobrasse perante a nossa atenção, ele
furtar-se-ia, logo que nele pousássemos o olhar. Porque o insondável é a razão
do nosso ser e conhecê-lo seria destruí-lo. Somos movidos pelo ininteligível
que está atrás do nosso ser e que é o próprio estar vivo para haver agir e
pensar e o mais. Que é que está nesse estar vivo, para ser o que é em acção e
pensamento e o resto? Jamais o saberemos. Todo o homem tem em si um segredo
inviolável. O próprio Deus o desconhece porque é já esse segredo uma criação.
Morreremos sem o conhecer. Mas não seria horrível"
"Sim, o retorno do sagrado. Fala-se tanto nele,
como, aliás, estava previsto. Mas não no que dele mais importa e não passa
pelos deuses e muito menos pelas sacristias. O retorno do sagrado deve ter que
ver fundamentalmente com a recuperação da sacralidade do homem, da vida, da
palavra, do mundo. A sacralidade está no que suspeitamos de mistério nas
coisas, a força original de tudo, o que espera o nosso olhar limpo, a nossa
atenção humilde, a divindade que está em nós. O grande acontecimento do nosso
tempo, que é o sinal do nosso desastre, é a profanação de tudo, a
dessacralização do que abusivamente foi invadido pelos deuses. Os deuses
morreram e quiseram arrastar consigo a morte . do que era divino sem eles.
Penso em tudo o que nos rodeia, mas penso agora sobretudo na profanação da
palavra. Não se trata apenas de redimi-la da «tribo», como um poeta queria para
os poetas, trata-se de lhe recuperar a sacralização que lhe reponha o mistério,
o intangível, o poder criacional que lhe roubaram. Mais divina que os deuses,
foi a ela que Deus recorreu para criar o mundo. Não veio dele a divindade para a palavra, mas se
veio, nela ainda permanece, nela ficou depois que Deus desistiu de existir. A
sacralidade. Na vida, na palavra, no homem; No seu sentir, nas suas relações,
no seu corpo, que tem a divindade de todos os deuses de todas as mitologias. É
o que brutalmente se tenta em tudo destruir. A sacralidade. E o que devemos
salvar para salvarmos o pouco da grandeza que nos coube. A. arte está morta ~
ouve-se já dizer. É uma forma de se afirmar que o sagrado não morreu. Não
morreu. Como não morreu a arte, sua morada mais visível, E para o sabermos, que
outra razão mais radical do que a de que o homem continua?"
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