O mais recente livro de Paulo Castilho, tem
por título, "O Sonho Português". Tem 450 páginas e muitas histórias, que vão de Abril a Novembro, de um certo ano, que até podia ser do ano passado como há mais anos e porventura em próximas décadas, que assumem quase o caráter diarístico e se leem com muito
agrado e sem despegar. Há ironia e humor, enredo, denúncia e mistério – Foi o próprio autor, pessoa que muito
estimo e admiro, que teve a gentileza de mo enviar pelo correio.
Ler os livros do escritor
Paulo Castilho, não é somente o convite à boa leitura: - do ficar a
conhecer mas também a aliciante sugestão, autêntica viagem à arte de saber escrever com sutil ironia e
fina sensibilidade, um apelo à inteligência. – O talento de fazer refletir e sorrir - Isto porque, "quanto mais sérios forem os temas" - diz o escritor - "mais
gosto tenho em abordá-los com humor", embora reconhecendo que "não temos essa tradição"
Sim, é uma leitura que não
maça o leitor e nem o deixa confuso ou tão
pouco visa oferecer-lhe qualquer tipo de mensagem moralista, essa é uma ilação
que fica à interpretação de cada consciência;
comportam, isso sim, um fundo da vida
real – De quem observa com olhos de ver
e de reter e gosta de transformar as suas observações em ficção e de as dar a ler – Mas
não de mundos distantes ou paralelos ao nosso: mas de coisas e realidades bem
terrenas – Muitas das quais bem portuguesas - E um
desses exemplos, é o caso do seu último livro “O Sonho Português” – Que é justamente o assunto que hoje vou
abordar neste meu site – E com
redobrado prazer. Pois, tal como já tive oportunidade de aqui referir, Paulo
Castilho, tem raízes paternas em Vila Nova de Foz Coa, cidade a que pertence a
minha aldeia.
“O meu pai nasceu em
Vila Nova de Foz Coa, tal como o irmão António e a mãe Cândida de Jesus
Margarido, Castilho por casamento. Trata-se de uma família de Foz Coa que
depois, por circunstâncias da vida, acabou por se fixar em outros pontos do
país, nomeadamente Matosinhos e Porto, onde o meu avô, ligado ao Vinho do
Porto, exercia a sua atividade profissional. " (…) embora nascido em Matosinhos, me posso
considerar foscoense honorário."
"O SONHO PORTUGUÊS" - COM "A POLÍTICA APENAS EM MÚSICA DE FUNDO "
O escritor - em entrevista ao JL – confessou que, O Sonho Português,
"não é um livro sobre política, nem propriamente sobre o momento
atual português. Essa temática funciona como uma espécie de música de fundo que
está sempre a tocar e que de vez em quando fica
um pouco mais alta. Na realidade, há várias linhas narrativas, cada uma
delas com a sua história. – No entanto,
a dado passou, sempre foi dizendo que
é o seu “ micro policial” Neste
livro “ há um mistério que só muitas
páginas depois será resolvido. Hoje já não leio tantos policiais, mas quando
era jovem devorava -os. E durante algum tempo achei que seria engraçado
escrever uma história policial. Ai está o meu micro policial.
E então de que fala? – Bom, antes de
passar a palavra ao escritor, eis o que
diz do livro e do autor, o Açoriano Oriental, numa interessante análise:
Com a esposa |
(…) Paulo Castilho é um diplomata experiente e vivido, mas é como
romancista que desde sempre o reconheço, desde que, ainda imigrado, li o seu Fora
de Horas, de fundo americano, e que no ano da sua publicação arrecadaria
alguns dos prémios mais prestigiados no nosso país. Como cidadão sei muito bem
o que penso da minha terra natal, da sua estrutura sócio-económica desde há
séculos inquinada a favor de uns e condenando todos os outros à estafada luta diária,
das suas pretensões de sucesso instantâneo imitando ideologias e
experimentalismos económicos, em que as novas classes que se apoderaram do
Estado simplesmente querem substituir a velha aristocracia a qualquer custo,
como sabemos e sentimos na pele, a nossa História mero detalhe, para eles
desconhecida e irrelevante
Paulo Castilho - (Web) |
É um romance cheio de ironia subtil. O único personagem com
substância humana, com passado, e sobretudo com uma ideia clara das suas
origens e de quem é ou foi e ao que veio na vida, é o velho Leonardo, que na
sua abastada solidão alentejana vive rodeado de algumas mulheres serventes e de
má língua, o mítico padre amigo não perdendo nunca uma refeição à sua mesa, nem
o conselho ou o mexerico seguinte. Creio que estamos aqui ante uma paródia não
só de como um autor vê e entende o seu país nestes dias de corrosão social
absoluta, mas da própria literatura que o antecede – um velho latifundiário
lusitano é tão virtuoso ou condenável como o licenciado ou a licenciada a
sobreviver de esquemas, e necessariamente a redefinir as regras da ética que
orientam a sua existência. Num país que tem um primeiro-ministro atrás de
grades e o povo trabalhador a pagar os roubos de banqueiros riquíssimos, um
romance como este é esse jogo de espelhos, ante o qual melhor seria ninguém
olhar-se.
Sonho Português está escrito como que em forma de
diário, o tempo é o presente, e as entradas estão datadas de 19 de Abril a 16
de Novembro. A família Mendes é constituída por sobrinhos e sobrinhas, e seus
filhos e filhas, os restantes são esposas ou namorados e namoradas destes.
Residem quase todos na Vivenda Pérola, uma vez mais, numa zona chique e
satélite da capital, todos numa existência, no entanto, da mão para a boca,
aposentados e a contar o pouco que lhes resta na carteira, mas sempre com a
noção de aristocracia anónima e irreconhecida. Tem vários narradores, que nos
falam em discurso direto e indireto – são as histórias de amores e desamores, a
procura da sobrevivência na capital, e acima de tudo o início da expectativa
que será a morte do tio alentejano, subestimado na sua inteligência e vontades
mais íntimas quanto ao estado das suas riquezas e o destino dos seus putativos
herdeiro"
Adicionar legenda |
(...) O Sonho Português
tem uma estrutura que também se assemelha a um policial, mas não é. Na verdade,
o leitor é cativado nestas páginas por todos os pormenores das vidas
quotidianas destes personagens, pela linguagem limpa dos seus narradores e na
qual a metáfora contida leva-nos a repensar o que já sabíamos ou reconhecemos
da realidade que serve de referencial ao autor,Onde a terra se acaba - Açoriano Oriental
“ONDE A TERRA SE ACABA”
Junho 19 - 2015 Título de outra interessante e
detalhada análise de autoria de Vamberto Freitas, que, com a devida vénia,
aqui reproduzimos um breve excerto:
Paulo Castilho (Web) |
(...) “Sonho Português tem uma estrutura
que também se assemelha a um policial, mas não é. Na verdade, o leitor é
cativado nestas páginas por todos os pormenores das vidas quotidianas destes
personagens, pela linguagem limpa dos seus narradores e na qual a metáfora
contida leva-nos a repensar o que já sabíamos ou reconhecemos da realidade que
serve de referencial ao autor, o desfecho do romance quase de interesse
secundário, mas mesmo assim cheio de surpresas, lógicas mas de todo
inesperadas. Duas outras qualidades que caracterizam a narrativa – o humor
constante, que faz do leitor um cúmplice de certos personagens, alguns
conscientes da sua insignificância e vida sem saída, outros perfeitamente
sabedores da insinceridade das suas acções ou motivações perante a riqueza que
não lhes pertence, ou que lhes pode fugir. A sátira política tem uma longa
tradição na nossa literatura, mas nunca nos cansa o riso nervoso e o conforto
de sabermos que pouco ou nada mudou entre nós, nenhum leitor se safa de olhar o
tal reflexo que preferíamos ser uma ilusão e não o auto-retrato que só a arte
nos devolve – sem acusação ou sentença. É como se Eça estivesse entre nós,
olhando-nos de soslaio e pensando novas páginas do seu imenso livro que era, é,
Portugal. – Excerto de Onde a terra se acaba
O SONHO PORTUGUÊS" - LANÇADO POR ALTURA DA PRIMAVERA
Em Junho passado, e a poucos dias do meu retorno à maravilhosa
Ilha de São Tomé, onde vivi os 12 anos mais verdes da minha vida, tanto pela idade,
como pela verdura da paisagem, deparei no alto da manchete da primeira página e
ao lado da fotografia do escritor Paulo
Castilho” estas palavras: “Novo Romance, entre o sonho e a realidade" – Chamada de atenção para uma entrevista ao autor, por Luis Ricardo Duarte e a critica de Miguel Real” , que, numa apuradíssima análise ao livro "O Sonho Português" diz que "a sua
escrita ostenta um explicito realismo descritivo do quotidiano envolvido
por laivos de subjetividade do narrador ou da personagem que assume
esse estatuto"
Obviamente, que não podia deixar de comprar o jornal – Só que, os dias passados naquela ilha, fizeram-me como que
esquecer a vida lusa - O jornal, esse
ainda o tenho comigo, justamente com o propósito de aqui transcrever algumas
passagens da entrevista, visto a achar igualmente interessantíssima.
Paulo Castilho - Sonhos, heranças e quimeras
(...) Quem sai aos seus não
degenera e Paulo Castilho seguiu a tradição familiar. Filho do diplomata e
ensaísta Guilherme de Castilho, fez das relações internacionais a sua
profissão. Nascido em 1944, licenciou-se em direito e assumiu a carreira
diplomática em Washington, Londres, Suécia e Irlanda, tendo sido ainda diretor
geral das Comunidades Europeias. Como a mãe, a escritora Marta de Lima, cedo
tomou o gosto pela escrita, embora só tenha publicado o primeiro livro, O Outro
Lado do Espelho, em 1984, a que se seguiram Fora de Horas, Sinais Exteriores,
Parte incerta, Por Outras Palavras, Letra e Música e Domínio Público. Uma obra
já distinguida com vários galardões, incluindo o Grande Prémio da Associação
Portuguesa de Escritores, Prémio Pen Clube, Prémio Eça de Queiroz e Prémio
Fernando Namora.
O Sonho Português espelha
bem o seu percurso de vida, já que descreve com precisão os intricados meandros
de uma família bem portuguesa, ao mesmo tempo que revela uma distância que lhe
permite relativizar tudo e brincar com as personagens. Presa nos sonhos, nas
heranças e nas quimeras, a família Mendes vive suspensa da execução
testamentária do patriarca. Ambiciona um futuro risonho, sem estar muito
preocupada com o trabalho que dá conquistá-lo.
Jornal de Letras: De que
é feito o sonho português? Como diz uma das personagens deste romance é muito
diferente do americano?
Paulo Castilho: É mais
difícil de definir, de facto. Para essa personagem, o Joãozinho, o sonho
português é mais "suave e civilizado". Pouco tem a ver com o sucesso
e a prosperidade através do trabalho como o american dream. Serão os
apartamentos de bom nível, os condomínios fechados, férias no Índico, na
Táílândía, Carnaval no Rio, Jeep tração às quatro rodas, time-share no Algarve,
lagosta todos os dias, jantar no Avilez, plasma 46 polegadas, iPad ou iPhone,
como ele diz? A personagem em causa é bastante séria, não sei se se pode
confiar nela.
Paulo Castilho - Para a
família Mendes, o sonho português parece ser uma herança.
Pois, o contrário do
sonho americano, outra vez. Something for nothing, como dizem os ingleses,
alguma coisa sem termos de pagar por ela. Em qualquer dos casos, talvez se
possa dizer que os portugueses são um povo bastante festivo. Basta ver como
mesmo no auge da crise a noite de Lisboa é, para muitos, motivo de orgulho.
Paulo Castilho - Quanto
mais sérios forem os temas, mais gosto tenho em abordá-los com humor. Sei que
não temos essa tradição, mas se estiver atento à realidade anglo-saxónica,
valoriza-se muito o facto de um livro ser funny. E funny não quer dizer que é
para rir, ligeiro ou anedótico. Significa que o tema é abordado a partir de uma
determinada perspetiva, que o autor assume uma certa distância, que chega
inclusivamente a brincar com a sua história e personagens. É uma atitude
irónica que também eu procuro. Trabalhar pouco e festejar muito. Seria um bom
retrato dos portugueses? Eu poria a questão de outra forma: tendo vivido muitos
anos no estrangeiro, em particular em países anglo-saxónicos ou escandinavos, é
difícil não ver a diferença. Na Suécia, por exemplo, a forte presença do
protestantismo faz com que a atitude perante a vida seja completamente
distinta. Para um sueco, a sua missão na vida é trabalhar. O resto é acessório,
algo que se conquista trabalhando e cumprindo o seu dever. A nossa postura
pouco tem a ver com esta: achamos que devemos aproveitar a vida o mais
possível. Sabemos que temos de trabalhar e de nos sustentar, mas tudo parece
virado ao contrário.
Paulo Castilho - Não sei. Escrevemos sempre
sobre o que conhecemos melhor. Nunca me passaria pela cabeça lançar-me num
romance com personagens suecas ou inglesas, que são as realidades que eu
conheço melhor. Apesar de tudo, é mais fácil metermo-nos na cabeça da gente da nossa cultura. Além disso, o que
falamos também está relacionado com os nossos interesses e gostos pessoais. E
nestes meus últimos livros tenho abordado multo a sociedade portuguesa e o
momento que estamos a viver.
Jornal de Letras - Dentro
desse Interesse, como se impôs. Ideia do sonho português?
Paulo Castilho - Com a
crise que atravessamos. Vivemos numa
época de grande falta de esperança e expectavas. Estamos num momento difícil,
tanto por tudo aquilo que se vê, como por tudo o que nos escapa no horizonte.
Tem sido anos de dificuldades económicas que agravam a situação que já não era
extraordinária. Um país que não era rico foi atirado para uma situação ainda mais difícil e
problemática. O livro pretende repetir os efeitos deste contexto. em particular
a desagregação da sociedade
Paulo Castilho - As
pessoas sentem que não há um rumo, o que faz com que a sociedade, no seu todo.
esteja a perder coesão. A ideia de que é preciso defender Portugal foi abalada.
Este governo também Jogou muito com as divisões entre os portugueses: jovens
contra velhos. Pensionistas contra trabalhadores, sindicalistas contra utentes.
Se juntarmos a estes fatores a desagregação da classe média está encontrada a
justificação para a fragmentação.
Jornal de Letras - A
zanga que sente uma personagem é também
a sua?
Paulo Castilho - A
amargura e o exagero são dele. Já vêm de outros
livros mas neste constantemente a ser contrariado pelos interlocutores
mais jovem, que acham que não é bem assim, que está a exagerar. E este não é, porém, um livro sobre política, nem
propriamente sobre o momento atual português. Essa temática funciona como uma
espécie de música de fundo que está sempre a tocar e quede vez em quando
fica um pouco mais alta. Na realidade,
há várias linhas narrativas, cada uma delas com a sua história.
Jornal de Letras - Linhas que se cruzam, como
no livro anterior, em torno de unia família.
Paulo Castilho - Sim,
nesse sentido os livros são muito semelhantes entre si. Aliás, apercebi-me há
pouco tempo que os meus últimos quatro têm uma marca diferente. Até Parte
Incerta são mais do foro interior das personagens, psicológicos, enquanto a
partir de Por Outras Palavras são mais virados para o social, o estado do país.
Jornal de Letras - Por
outras Palavras é de 2000,
Irmãos Castilho |
Jornal de Letras - Porquê?
Paulo Castilho - Foi quando regressei
definitivamente a Portugal. No
estrangeiro estamos um pouco escudados, sobretudo sen- A sendo-se diplomata.
Vivemos integrados num no pais em que trabalhamos, ligados à comunidade
portuguesa mas a viver os problemas locais. E isso desloca- nos da nossa
realidade.
Jornal de Letras - Sendo
um escritor estrangeirado. Estranhou o país quando voltou?
Paulo Castilho - É quase
inevitável. Não se vive no estrangeiro em vão. Contactamos com outras
qualidades, outros defeitos. E quando se regressa tem-se uma atitude mais
crítica. Às vezes sabe-se de antemão que algumas ideias 'não vão resultar e no
entanto vemos que elas avançam. Mas mesmo quando trabalhei em Portugal, nos
anos 80, estava sempre entre Lisboa e Bruxelas. Foram anos muito absorventes e
nem sei como consegui escrever os livros que escrevi, de facto mais virados
para dentro. Em Fora de Horas convoquei as experiências do passado, da América
que conheci bastante bem na minha juventude, Agora, o processo e outro. Vivo
este momento, que é uma realidade extremamente interessante. Passam-se coisas
importantíssimas e as situações extremas são apelativas para quem escreve
ficção. Hoje, para mim, isso é muito mais estimulante do que discorrer sobre o
que se passa na ninha cabeça.
Jornal de Letras - No
centro de O Sonho Português está tuna casa. E o elemento estável numa família
com tantas mutações?
Paulo Castilho - A sua importância tem mudado muito, em
comparação com outros tempos. Os edifícios modernos ou têm um grande
despojamento ou são menos definitivos. As casas são decoradas com móveis do
Ikea, que duram meia dúzia de anos e depois deita-se tudo fora. Para a minha
geração, a casa era qualquer coisa de extremamente importante, o espaço onde
tudo se passava. É o que acontece também nesta narrativa.
Jornal de Letras - É o
elemento que une todas as personagens?
Paulo Castilho - Por um
motivo de necessidade. Como não têm fortuna ou outro sustento, estão ali.
Também nesse aspeto a sociedade mudou muito, as coisas já não se passam tanto
assim. Durante algum tempo era frequente encontrar famílias que tinham tido
grandes fortunas mas que, com o tempo, as foram perdendo. Em alguns casos, nada
mais restava do que o casarão onde todos podiam viver com um certo estilo,
embora decadente. Não havia dinheiro mas havia salões grandes e paredes
majestosas. Foi um fenómeno que encontrei várias vezes na minha vida, que
também corresponde a uma certa noção de família. Ao contrário de muitos países
europeus, em Portugal os jovens saiam muito tarde de casa.
Na exposição do centenário nascimento de Guilherme Castilho |
Paulo Castilho - De facto,
é verdade: somos um país em que as aparências são muito importantes. Até há
expressões que dão conta dessa tendência: "para inglês ver", por
exemplo. Os estrangeiros têm muita dificuldade em perceber Portugal em parte
por causa das aparências, que contrastam com outra inclinação nossa: sermos
modestos e não ostentarmos riqueza.
Jornal de Letras - O
romance abre com um corpo no meio do lago. Que aviso quis dar ao leitor?
Paulo Castilho - Nenhum
em Particular: apenas que há um mistério que só muitas páginas depois será
resolvido. Hoje já não leio tantos policiais, mas quando era jovem devorava
-os. E durante algum tempo achei que seria engraçado escrever uma história
policial. Ai está o meu micro policial.
Jornal de Letras - Nunca
tentou escrever um?
Paulo Castilho - Não.
Acho que o mais próximo que terei é este capítulo introdutório, um mistério que
não chega a ser mistério, apenas é o
pronúncio de uma tragédia. Sinto que não tenho outra vocação.
Jornal de Letras - A sua
vocação está no retrato mais realista?
Paulo Castilho - Desde o
romance de estreia. E como me sinto mais à vontade. Quando comecei a escrever
pareceu-me a abordagem mais honesta: assumir o ponto de vista de uma pessoa,
que não sabe tudo. E como escrevo na primeira pessoa de várias personagens,
obriga-me a um esforço de linguagem e de diferenciação. Neste livro tentei que
cada personagem tivesse a sua linguagem própria. Há uma que tem frases muito
compridas, com expressões pitorescas, outra que é mais ácida, maldisposta e
negativa, que se expressa em frases muito curtas, quase sempre com observações
desprimorosas sobre o que está à sua volta.
Jornal de Letras - Isso é
pensado desde o início?
Paulo Castilho - Vem com
a escrita. Normalmente crio um ponto de partida e depois as personagens vão
surgindo. Tenho uma ideia do que quero fazer e onde quero chegar e até um
esboço na minha cabeça. Às vezes, acontece-me introduzir uma nova personagem
depois de ter começado o livro, mas as principias estão no arranque. O
engraçado é que quando começamos a escrever e a delinear a personagem a
liberdade é total, ela pode ser aquilo que quisermos." - JL - 10 a 23 de Junho 2015
DO LIVRO - Excertos
III - O Sonho Português
Paulo Castilho - Na inauguração da exposição de seu pai |
Donde vem esta gente? O
projecto inicial era só aceitarmos casas especiais. Para pessoas especiais,
como é evidente. Mas agora com a crise qualquer galinheiro serve e muito gratos
se alguém lhe pegar. O Oliveira marido era um criaturo alto, magro, pouco
cabelo, não teria mais de 35 anos. A Oliveira mulher puxava para o roliço,
sorria muito e gostava de falar. Apliquei-lhes o teste Bebé Vasconcelos: sabem
quem esteve esmo para vir morar para este prédio? A Bebé Vasconcelos,
conhecem com certeza? Não - respondeu a
mulher – já ouvimos falar. É uma das
respostas típicas. Insisti: claro, toda a gente a conhece. Gosto sempre de
avançar com o teste Bebé Vasconcelos, sobretudo se as pessoas forem, como o
casal Oliveira , do género chateador. O teste é praticamente científico,
permite situar as pessoas, perceber se são ou não dos nossos. Foi Sebastião que
mo ensinou quando entrei para a imobiliária•
Se as pessoas falharem, o
teste serve ainda para as inferiorizar e pôr no sítio. Como é que alguém pode
não conhecer a Bebé Vasconcelos?
Seguiu-se uma volta pela
casa e o paleio do costume: cinco assoalhadas, acabamentos seis estrelas, tudo
impecável, nunca antes habitado, cozinha state of the art, cinco casas de
banho, jacuzzi, sauna, banheira de repuxo tipo Spa, soalho madeiras exóticas,
caixilharias alumínio ionizado, vidros duplos. E olhem-me para esta vista da
ponte Vasco da Gama.
XXIII - Discursos do Salazar
10 de Agosto, sábado. Normalmente a
tradutora mandaria o trabalho por mail, mas havia alguns originais para devolver
e, de qualquer maneira, queria falar comigo para explicar o que tinha feito.
Apareceu ontem no Tombo e sentou-se à minha frente satisfeita, entusiasmada
mesmo, com o seu trabalho. É uma mulher dos seus trinta e cinco anos, magra,
morena, com a expressão arregaça as mangas, mais interessante do que bonita,
feições miudinhas, boca firme, olhos a verem tudo, cabelo escuro muito curto,
deu-me ideia de uma pessoa que vai direita aos assuntos. Começou por dizer que
tinha ficado absolutamente fascinada com a personagem do Artur. Os escritos e
mesmo os emails mostravam uma pessoa que
sabia utilizar a língua alemã com
eficácia e economia. E havia ainda um outro aspeto curioso: a ironia (difícil de traduzir) era o
lado mais evidente da personalidade do autor, pelo menos da personalidade que se revelava naqueles textos, mas, ao
mesmo tempo, notava-se um tom muito afirmativo e determinado quando se tratava
de alcançar os seus objectivos. A tradutora achava que ironia e grande
determinação eram traços de carácter talvez contraditórios, mas que raramente
se encontravam na mesma pessoa. Há ainda
um outro aspecto que dá uma certa dimensão ao Artur, que é o lado neurótico da
sua personalidade e a maneira como exprime as frustrações da vida. Perante as
contrariedades reage de forma extrema, diz com muita facilidade que a vida não
vale a pena, que detesta a sorte que lhe calhou, que vai desistir de tudo e por
aí fora. Reage quase como uma criança, com bastante imaturidade, há um desejo
permanente de gratificação imediata, acompanhado de uma constante revolta
quanto à situação familiar. Diz que o pai é rico, mas não o ama como a um filho
- ao menos um pouco de estima, diz ele a certa altura; noutra passagem deseja
que o pai exprima um sentimento qualquer, mesmo que não seja sincero.