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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Fim-de-semana em Chãs e no Orgal – O Douro e o Côa engrinaldam-se de amendoeiras em flor. Águas correm por todos os ribeiros e regatos com verdes mimosos e floridos a darem o ar de sua graça – Pelo Vale-cheiroso, lá continua o solar das bruxas com o seu ar vetusto e misterioso







Diz a meteorologia que, na segunda-feira, vamos ter tempo chuvoso e frio. Entretanto, fomos presenteados, com um bonito Sábado e Domingo.  


 Aproveitando uma boleia do meu sobrinho, fui da cidade até à minha aldeia, em Chãs, e desta até ao Orgal. De  facto, mesmo que o tempo nos volte a fazer negaças, já  me dou por feliz.  Saí de Lisboa, por volta das dez da manhã, de Sábado: almocei em  Meda, bem e barato .Há muito que não comia frango do campo, muito saboroso e bem servido. Com bebida e sobremesa, tudo por 5.50 euros e  muita simpatia


Depois, após uma breve passagem por Chãs,  fomos até ao Orgal,  com uma curta paragem junto à ponte do Rio Côa para contemplar o rio florido e, de seguida, irmos ao encontro dos pais do Gualdim 

Estava apenas a sua mãe Inês em casa, o pai António tinha ido limpar umas oliveiras. Mas desencontramo-nos: sabendo que o filho estava para chegar, antecipou o regresso a casa. Ele voltou por um caminho e nós  atalhámos por outro. Valeu a pena. Lá fomos, subindo e descendo bonitas colinas cobertas de giestas e de rosmaninho. Regatos correndo por todos os lados. Fontes de nascentes em pedra xistosa, que transbordavam de água cristalina, rodeadas de hortas e de plantas aromáticas. Na vinha, as videiras, ainda pareciam chorar os cortes da poda, ainda muito atrasadas, contrariamente às amendoeiras, que já vão surgindo com algumas manchas floridas. 


Depois da ceia, confecionada pela Inês  - com uns excelentes  grelos das nabiças e  batatas assadas, regadas com o inigualável azeite destas terras xistosas, a fazer-me lembrar a comida feita por minha saudosa mãe nas velhas panelas de ferro à  fogueira do chupão e à luz da candeia - sim, o Gualdim e o pai tiveram ainda a amabilidade de me levar às Chãs, onde os convidei a tomar um cafezinho do Café do José Clara. Como não tinha dormido na noite anterior, não pude aproveitar a magnífica noite de lua-cheia para ir  até ao Pinhal da Raposa, Quebradas e Lapas.






Numa das encostas, lá encontramos o pastor Mário, com o seu rebanho de noventa ovelhas e os seus belos cães. Há vinte e tal anos nesta vida. Apesar das canseiras, não a troca por outra “Ao menos assim não somos mandados por ninguém.” Queixa-se de que nunca teve tão pouco leite como este ano: tudo por causa da chuva e do frio. O que vale é que a Primavera, embora timidamente, já  começou a dar alguns sinais. Mas, se viessem mais uns dias como o de ontem e de hoje, então é que os campos ainda se mostrariam mais belos e alegres. Pelos vistos, a meteorologia, numa espécie de contranatura,  é que vai ditando as suas leis - Pois já basta de frio, de charcos, de enxurradas, de chuva.  Mas também muito por culpa das agressões humanas, com que a poluem e turvam.







DOMINGO MARAVILHOSO

 
Hoje, na tarde de domingo, decidi ir até ao nosso Vale Cardoso. Pelo caminho, quem haveria de encontrar. O Gualdim e o pai  António, sogro da minha irmã,  que regressavam do Cabeço Douro e da Talisga, onde as amendoeiras ainda estão com a floração um bocado atrasada. Tinham ido às azedas e a dar por lá uma olhada - Havia algumas nuvens no céu mas o dia até estava convidativo.


Para aproveitar melhor o resto da tarde, pedi-lhe uma boleia até à "Serra". Tive oportunidade rever um dos terrenos e a velha casa de pedra solta, que me traz à lembrança muitas recordações da minha adolescência, que dariam quase um livro. Lá estava  a grande mimosa brava, rodeada de um matagal de rebentos, que eu plantei quando tinha seis anitos. Dormi ali muita vez com os meus país e irmãos. Os machos voltados para a manjedoura. Nós, deitados ao lado da palha e da lareira. Cobertos por toldos e algumas mantas das albardas. Adormecíamos com o remoer do próprio gado. Era um regalo ver nascer o sol, lá longe, para lá das margens do Côa, junto à Serra da Marofa. E, também, que nostálgico e belo não era aquele panorama, quando  íamos ver o pôr-do-sol, no alto de uns penhascos virados para a Relva, Longróiva e Meda - Oh quanta memória por estas amáveis lugares que viram nascer! 


Grande dor de alma é ver que as gentes envelhecem, a aldeia não se renova e se deprime -  Embora à distância até pareça uma pequena cidade, vai-se despovoando e perdendo a vida de outrora

EM CRIANÇA, IA MORRENDO AFOGADO NUM POÇO BARRENTO E LARGO - NO VALE CARDOSO


O poço, que nos meus tempos de criança, ainda não tinha sido emparedado, agora está rodeado de silvas, mas, naquela altura, eram hortas. Tenho uma má recordação deste poço. Revejo o episódio ainda com a mesma clareza. Num domingo, quando fomos regar a horta, eu e a minha irmã, íamos lá morrendo afogados. O picanço, com que ela tirava a água, rebentou, e, como eu estava uns metros abaixo a desviar o caldeiro de uma pedra, fui arrastado com ela. Eu tinha nove anos e ela 15. Quem nos salvou foi o meu irmão mais novo, que encaminhava a água para as valeiras.

Apercebendo-se da falta da água da regueira e dos gritos da Conceição, correu para junto do poço - Ela  gritava muito,  quando veio à superfície, ao mesmo tempo que tentava  gatafunhar na margem barrenta - Eu também gatinhava e chapinhava num sítio menos íngreme mas não conseguia subir  e fechava a boca e não  pronunciava nem uma palavra para me livrar do afogamento. Vendo-nos aflitos, foi buscar uma cana. Desceu até à pedra onde eu estava e, agarrando-se a um braçado de juncos, estendeu a cana a minha irmã, que, com a sua ajuda, pôde erguer-se gatinhar. Depois foi ela que corajosamente me salvou a mim. Quando nos vimos cá fora, ainda tossindo,  a mim até me parecia ter estado  mais resignado a morrer de que a viver, pois, como ainda não sabia nadar, creio que já tinha  mergulhado umas quantas vezes.

Atualmente, aquele terreno está sem vinha e por cultivar. A velha casa, destelhada. Há por lá umas figueiras, umas oliveiras e amendoeiras, mas não dão para o trabalho. É o que sucede com muitos dos terrenos nesta e noutras aldeias. Têm donos mas estão ao abandono. Todavia, muitas  árvores teimam em frutificar mas não se lhe apanha o fruto. E, de facto, é pena ver amendoeiras, que, não obstante o desprezo a que são votadas, teimam em florir: mesmo já velhinhas e sem qualquer tipo de poda ou tratamento, lá vão embelezando a paisagem com as suas imaculadas flores. Lamentável é porém quem receba o subsídio para as cuidar e preservar e nem assim cuide dos amendoais. 

A HISTÓRIA DE AMOR DA  VACA QUE NÃO QUERIA PERDER O VITELO


De volta, já junto à estrada, enquanto o Gualdim se entretinha com um estranho besouro negro, que parecia dançar no asfalto e correr para a sombra, mal se lhe tocava, pedi ao António que me contasse (para gravar em vídeo) a história da vaca que não queria perder o seu vitelo.- Por duas vezes, deixou o cabanal e foi do Orgal a Chãs , descendo e subindo íngremes ladeiras e atravessando o Câa, para se juntar à sua cria, que havia sido vendida.   Ouça o vídeo, pois vai ver como o amor de uma vaca pela sua vitela ou vitelo, não fica atrás do amor humano: do amor de uma mãe para com o  seu bébé. Deixaram-me junto ao caminho do Cabeço Douro, visto querer fazer o regresso a pé e descer até ao Vale Cheiroso, mais conhecido por Vale Cheinho.










SOLAR DAS BRUXAS

Quando entrei no velho solar, estava-se a pôr o sol. Cheguei a casa, já era de noite, pois quis deambular por lá, ainda um bocado. Sim, gosto muito deste velho solar. Contam-se muitas histórias. Depois do pôr-do-sol, quem ali passasse no caminho defronte ao grande portal (e, se calhar, ainda hoje) não se olhava lá para dentro. Pois dizia-se que, de noite, aparecia por lá o homem do garruço vermelho e andavam por lá a dançar as feiticeiras. 

E, de facto, havia nessas histórias um certo fundo de verdade: pois  era lá que se reunia a velha irmandade das denominadas filhas do "Anjo da Luz", que adoravam a estrela da manhã. Vinham das várias aldeias vizinhas e juntavam-se lá. 


Mal a "Vénus" assomava, no altinho, por cima das carrasqueiras, começava imediatamente a dança no centro do terreiro em volta do seu ídolo. Umas quantas voltas para a frente e umas quantas voltas para trás. Até que cada participante, ficava a   girar isoladamente em rodopio, até entrar quase em voo. Cada uma levava o seu garoto para que a diversão fosse mais completa.

Claro  que o culto era regido sob o máximo secretismo.  A tradição há muito foi extinta. Curiosamente, consta nos roteiros de algum cultos pagãos. Que vão lá, que mais não seja para lembrar a mulher que foi queimada no período negro da inquisição.  E também porque a impressão que passa é a de que, além da beleza, o sítio oferece um recolhimento e um misticismo  muito especial. Sem dúvida, um bonito passeio, que maravilhou os olhos e avivou muita memória.


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