Diz a
meteorologia que, na segunda-feira, vamos ter tempo chuvoso e frio. Entretanto,
fomos presenteados, com um bonito Sábado e Domingo.
Depois, após uma breve passagem por Chãs, fomos até ao
Orgal, com uma curta paragem junto à ponte do Rio Côa para contemplar o
rio florido e, de seguida, irmos ao encontro dos pais do Gualdim
Estava
apenas a sua mãe Inês em casa, o pai António tinha ido limpar umas oliveiras.
Mas desencontramo-nos: sabendo que o filho estava para chegar, antecipou o
regresso a casa. Ele voltou por um caminho e nós atalhámos por outro.
Valeu a pena. Lá fomos, subindo e descendo bonitas colinas cobertas de giestas
e de rosmaninho. Regatos correndo por todos os lados. Fontes de nascentes em
pedra xistosa, que transbordavam de água cristalina, rodeadas de hortas e de
plantas aromáticas. Na vinha, as videiras, ainda pareciam chorar os cortes da
poda, ainda muito atrasadas, contrariamente às amendoeiras, que já vão surgindo
com algumas manchas floridas.
Depois da ceia, confecionada pela Inês - com uns excelentes grelos das
nabiças e batatas assadas, regadas com o inigualável azeite destas
terras xistosas, a fazer-me lembrar a comida feita por minha saudosa mãe nas
velhas panelas de ferro à fogueira do chupão e à luz da candeia - sim,
o Gualdim e o pai tiveram ainda a amabilidade de me levar às Chãs, onde os
convidei a tomar um cafezinho do Café do José Clara. Como não tinha dormido na
noite anterior, não pude aproveitar a magnífica noite de lua-cheia para ir até ao Pinhal da Raposa, Quebradas e Lapas.
Numa das
encostas, lá encontramos o pastor Mário, com o seu rebanho de noventa ovelhas e
os seus belos cães. Há vinte e tal anos nesta vida. Apesar das canseiras, não a
troca por outra “Ao menos assim não somos mandados por ninguém.” Queixa-se de
que nunca teve tão pouco leite como este ano: tudo por causa da chuva e do
frio. O que vale é que a Primavera, embora timidamente, já começou a
dar alguns sinais. Mas, se viessem mais uns dias como o de ontem e de hoje,
então é que os campos ainda se mostrariam mais belos e alegres. Pelos
vistos, a meteorologia, numa espécie de contranatura, é que vai ditando as
suas leis - Pois já basta de frio, de charcos, de enxurradas, de chuva. Mas também muito por culpa das agressões humanas, com que a poluem e turvam.
DOMINGO MARAVILHOSO
Hoje, na tarde de domingo, decidi ir até ao nosso Vale Cardoso. Pelo caminho, quem haveria de encontrar. O Gualdim e o pai António, sogro da minha irmã, que regressavam do Cabeço Douro e da Talisga, onde as amendoeiras ainda estão com a floração um bocado atrasada. Tinham ido às azedas e a dar por lá uma olhada - Havia algumas nuvens no céu mas o dia até estava convidativo.
Para
aproveitar melhor o resto da tarde, pedi-lhe uma boleia até à
"Serra". Tive oportunidade rever um dos terrenos e a velha casa de
pedra solta, que me traz à lembrança muitas recordações da minha adolescência,
que dariam quase um livro. Lá estava a grande mimosa brava, rodeada
de um matagal de rebentos, que eu plantei quando tinha seis anitos. Dormi
ali muita vez com os meus país e irmãos. Os machos voltados para a manjedoura.
Nós, deitados ao lado da palha e da lareira. Cobertos por toldos e algumas mantas
das albardas. Adormecíamos com o remoer do próprio gado. Era um regalo ver
nascer o sol, lá longe, para lá das margens do Côa, junto à Serra da Marofa. E,
também, que nostálgico e belo não era aquele panorama, quando íamos
ver o pôr-do-sol, no alto de uns penhascos virados para a Relva, Longróiva e
Meda - Oh quanta memória por estas amáveis lugares que viram nascer!
Grande dor de alma é ver que as gentes envelhecem, a aldeia não se renova e se deprime - Embora à distância até pareça uma pequena cidade, vai-se despovoando e perdendo a vida de outrora
Grande dor de alma é ver que as gentes envelhecem, a aldeia não se renova e se deprime - Embora à distância até pareça uma pequena cidade, vai-se despovoando e perdendo a vida de outrora
EM CRIANÇA, IA MORRENDO AFOGADO NUM POÇO BARRENTO E LARGO - NO VALE CARDOSO
O poço, que nos meus tempos de
criança, ainda não tinha sido emparedado, agora está rodeado de silvas, mas,
naquela altura, eram hortas. Tenho uma má recordação deste poço. Revejo o
episódio ainda com a mesma clareza. Num domingo, quando fomos regar a horta, eu
e a minha irmã, íamos lá morrendo afogados. O picanço, com que ela tirava a
água, rebentou, e, como eu estava uns metros abaixo a desviar o caldeiro de uma
pedra, fui arrastado com ela. Eu tinha nove anos e ela 15. Quem nos salvou foi
o meu irmão mais novo, que encaminhava a água para as valeiras.
Apercebendo-se da falta da água da regueira e dos gritos da Conceição, correu para junto do poço - Ela gritava muito, quando veio à superfície, ao mesmo tempo que tentava gatafunhar na margem barrenta - Eu também gatinhava e chapinhava num sítio menos íngreme mas não conseguia subir e fechava a boca e não pronunciava nem uma palavra para me livrar do afogamento. Vendo-nos aflitos, foi buscar uma cana. Desceu até à pedra onde eu estava e, agarrando-se a um braçado de juncos, estendeu a cana a minha irmã, que, com a sua ajuda, pôde erguer-se gatinhar. Depois foi ela que corajosamente me salvou a mim. Quando nos vimos cá fora, ainda tossindo, a mim até me parecia ter estado mais resignado a morrer de que a viver, pois, como ainda não sabia nadar, creio que já tinha mergulhado umas quantas vezes.
Atualmente, aquele terreno está sem vinha e por cultivar. A velha casa, destelhada. Há por lá umas figueiras, umas oliveiras e amendoeiras, mas não dão para o trabalho. É o que sucede com muitos dos terrenos nesta e noutras aldeias. Têm donos mas estão ao abandono. Todavia, muitas árvores teimam em frutificar mas não se lhe apanha o fruto. E, de facto, é pena ver amendoeiras, que, não obstante o desprezo a que são votadas, teimam em florir: mesmo já velhinhas e sem qualquer tipo de poda ou tratamento, lá vão embelezando a paisagem com as suas imaculadas flores. Lamentável é porém quem receba o subsídio para as cuidar e preservar e nem assim cuide dos amendoais.
A HISTÓRIA DE AMOR DA VACA QUE NÃO QUERIA PERDER O VITELO
De volta, já
junto à estrada, enquanto o Gualdim se entretinha com um estranho besouro
negro, que parecia dançar no asfalto e correr para a sombra, mal se lhe tocava,
pedi ao António que me contasse (para gravar em vídeo) a história da vaca que
não queria perder o seu vitelo.- Por duas vezes, deixou o cabanal e foi do
Orgal a Chãs , descendo e subindo íngremes ladeiras e atravessando o Câa, para
se juntar à sua cria, que havia sido vendida. Ouça o vídeo, pois vai ver
como o amor de uma vaca pela sua vitela ou vitelo, não fica atrás do amor humano:
do amor de uma mãe para com o seu bébé. Deixaram-me junto ao caminho do Cabeço Douro, visto querer
fazer o regresso a pé e descer até ao Vale Cheiroso, mais conhecido por Vale
Cheinho.
SOLAR DAS BRUXAS
Quando entrei no velho solar, estava-se a pôr o sol. Cheguei a casa, já era de noite, pois quis deambular por lá, ainda um bocado. Sim, gosto muito deste velho solar. Contam-se muitas histórias. Depois do pôr-do-sol, quem ali passasse no caminho defronte ao grande portal (e, se calhar, ainda hoje) não se olhava lá para dentro. Pois dizia-se que, de noite, aparecia por lá o homem do garruço vermelho e andavam por lá a dançar as feiticeiras.
E, de facto, havia nessas histórias um certo fundo de verdade: pois era lá que se reunia a velha irmandade das denominadas filhas do "Anjo da Luz", que adoravam a estrela da manhã. Vinham das várias aldeias vizinhas e juntavam-se lá.
Claro que o culto era regido sob o máximo secretismo. A tradição há muito foi extinta. Curiosamente, consta nos roteiros de algum cultos pagãos. Que vão lá, que mais não seja para lembrar a mulher que foi queimada no período negro da inquisição. E também porque a impressão que passa é a de que, além da beleza, o sítio oferece um recolhimento e um misticismo muito especial. Sem dúvida, um bonito passeio, que maravilhou os olhos e avivou muita memória.
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