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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Carta a Mário Soares – Sobre as suas reincarnações - Carta iniciada em 2001 - A Vida para além da Vida - Nasceu a 7 de dezembro de 1924 · - Faleceu no dia 7 de Janeiro de 2017 -Uma das cartas enviadas a várias personalidades,

Luis de Raziel - Um dos heterónimos de Jorge Trabulo Marques - Excertos de um Post publicado Integralmente em 2008 https://templosdosol-chas-fozcoa.blogspot.com/2008/12/mario-soares-e-as-suas-reencarnacoes.html



Durante alguns anos escrevi várias cartas a diversas personalidades da vida portuguesa, e até à Irmã Lúcia, exceptuando a esta figura, todas elas foram redigidas sob o pseudónimo místico de Luís de Raziell -

Nuns casos enviei, noutros, simplesmente, acabaram por figurar no arquivo das minhas elucubrações do foro mediúnico e espírita.- Alguns excertos foram editados neste site, mas remetidos para  arquivo, sem visibilidade pública, aguardando oportunidade de serem trazidos à luz, com a data que foram editas, quando se achar oportuno. - E assim tem sido

De algum modo inspirado num livro da poetiza e escritora, Fernanda de Castro,, que tive a honra e o trazer de entrevistar em sua casa - O seu Livro era com figuras famosas falecidas, eu preferi no entanto as que ainda viviam e traçar-lhe o percurso das suas vidas passadas -

 Era uma forma epistolar mais de reflexão e de introspecção de ordem espiritual de que propriamente com carácter temporário e politico. - Mário Soares,  foi uma dessas figuras - Umas cartas foram-lhe enviadas, outras, por tão extensas, ficaram inacabadas e por enviar - É o caso do texto  que a seguir aqui apresento, acerca das suas reencarnações, que comecei a escrever em Dezembro de 2002. 

Mas há outros textos anteriores a esta data. Porém, pelo facto de se terem tornado demasiado extensos, acabaram por figurar no rol das cartas inacabadas. Pois, sempre que, as retomava, surgiam-me novos pensamentos ou dissertações, e acrescentava-lhes sempre algo mais

Também lhe enviei por e-mail outras cartas, sobre as mais diversas questões, incluindo as minhas previsões para o Ano 2001, com o título Ano 2001. O Ano de Todas as Odisseias", como que antevendo o 11 de Setembro, Algumas das quais igualmente editadas, neste site, sob o título de Mário Soares - Um Predestinado - E "Mário Soares - Mar  - A Simbologia de Um Império" , mantendo-se na pasta de arquivo, mas só serão reveladas, tal como esta e com a mesma data,  quando se achar oportuno. 

(...............)

Decerto, meu Caro e Distinto Cidadão de Portugal e do Mundo, já ouviu falar da chamada escrita automática, daquelas fulgurantes tiradas de que são privilegiados certos poetas e iluminados... Admito que sim. Até porque, sobre este tipo de ascese-vidência, já se dissertou muito. E também porque, qualquer intelectual, particularmente dotado, em plena febre da sua inspiração, e em momentos ou circunstâncias especiais da sua vida, ter-se-á dado conta dessa reconfortante sensação, dessa extrema lucidez! De quão agradável como inesgotável é essa fonte de saber! Não tenho a menor dúvida de que, um espírito da sua craveira, já passou por alguns desses níveis de inspiração ou de iluminação!...

Com a devida modéstia, direi que tais experiências, de carácter mediúnico, também já me ocorreram. Não para rasgadas e surpreendentes laudas de escritor ou de poeta, que não sou nem tenho pretensões a ser, mas para dar vazão às imagens que, em certas circunstâncias, me afluem à mente com a sequência e a nitidez de uma tela de cinema. Em muitos aspectos tem algo de verosimilhante; correm em caleidoscópio mas são muito diferentes das cinematográficas.... Ou têm como origem a memória oculta do fundo dos tempos - De um mundo que não é visível ao olhar comum , mas que a percepção dos meus sentidos vai buscar e recuperar. Fenómeno que poderia apelidar de uma espécie de terceira visão, ou, por outras palavras, como factos que espontaneamente irrompem, tal como se os visse surgir de um futuro ainda ignorado, longínquo, mas claramente já programado, predestinado!


 No entanto, no que julgo estar em condições do que a seguir lhe vou revelar, não deverá ser tomado como fiel reprodução de escrita automática, momentânea, mas consequência de uma visão anterior, que eu tive, há um tempo, sobre encarnações vividas por V.Exa, e que eu, como médium vidente, pude captar e visionar... - Por uma razão simples: é que V.Exa. não é um espírito vulgar... E, por isso, acaba por ser atraído para estas amáveis intromissões

.“O Homem do Século; a Figura mais Notável de Portugal nos últimos cem anos” - dizia-me, num destes dias, um seu amigo, no café da Brasileira, entre uma bica e dois dedos de conversa. Pessoa que tem de V.Exa, não apenas simpatia e admiração, mas autêntica veneração! - E, frise-se, com absoluto fundamento! É que o acompanhou, de muito perto, durante 10 anos, tendo do Dr. Mário Soares, uma amizade e um carinho, verdadeiramente indestrutíveis à prova de fogo!...


Pois bem, o que ouvi de viva voz a esse seu muito amigo, vem confirmar alguns aspectos das minhas interpretações mediúnicas que fiz sobre várias encarnações pelas quais passou o espírito de V.Exa.

Na realidade, anteriores percursos existenciais, qualificam-no, inquestionavelmente, como um espírito de rara lucidez e clarividência! De um espírito que sempre se caracterizou por uma longa e espantosa via de ascensões!.. Incorporando níveis de sensibilidade e de inteligência particularmente avançados para o seu tempo! – Destacando-se em cada migração terrena por que passou!....
De esclarecer que, nem sempre, o tipo de profissão, o estatuto social ou até a natureza da encarnação tem a ver com o grau de espiritualidade - Pode ser um indicador, mas não é uma referência conclusiva.

A seu respeito só me é possível recuar a algumas das suas encarnações, mas, em todo o caso, garanto-lhe que foi um dos distintos Reis de Portugal, tendo sido a cidade de Coimbra, a sua maior paixão...Antes disso, foi cavaleiro árabe, tendo “morrido” muito novo em pelejas com os cristãos.. .

Na encarnação seguinte, à de valoroso Rei Portugal (...), foi capitão-mor de uma nau na carreira das Índias, porém, o dito navio (...)em que navegava, naufragou, noite alta e cerrada, devido a uma inesperada tempestade que rebentou junto ao cabo da Boa Esperança....Em verdadeiro mar aberto!.. Panorama medonho!...Num mundo de agitação e de trevas!....Horas antes, já um pôr do sol flamejante, a que se seguiu um rápido crepúsculo raiado a vermelho e a ouro, tingido por uma luz violácea, deixava antever maus presságios.

Ao mesmo tempo, seduz-me e apavora-me a tragédia!... Por isso, vou concentrar-me de modo muito particular na visão que já tive. Vou deixar que a minha mente flua livremente e o meu sexto sentido me transporte de novo aos escaninhos mais recuados desse ancestral guardador de tesouros, de naufrágios, de vidas e despojos...

Confesso, no entanto, que tenho algum receio de lhe vir falar destas coisas que já pertencem ao passado...E a razão é simples... É porque tudo isto me soa a um mistério que já não é de agora.. Voltar a falar dele, não só me perturba como se me afigura um exercício inútil.......E, de certo modo, até me entristece... Pertence ao passado... Já foi!... E, como compreenderá, cada realidade e cada mistério têm o seu tempo próprio de existência... Direi que retomar o fio condutor destas coisas assume quase o mesmo desencanto da criança que vê quebrar-se à frente dos olhos maravilhados, sua linda bola de sabão, que um simples sopro projecta e quebra! Enquanto se ergue no espaço, toda sua leveza e brilho a fascinam, após o que se desfaz, todo o seu sorriso esmorece...

 Nós humanos, ainda estamos longe do tempo em que todos os mistérios se hão-de de quebrar como bola de sabão... Muitos deles já se desfizeram e passaram ao domínio da percepção. Mas também muitos ainda há que a mente humana não decifrou. E talvez o maior de todos seja mesmo aquele que reside dentro de nós. E não tanto os mistérios que estão para lá das grandes manchas de estrelas ou nebulosas. Mas lá chegaremos!...

Bom, mas tenho que recuar no tempo... Certo que é mais aliciante quando o pensamento nos transporta para o futuro, de que quando intentamos recuar ao passado. Em todo o caso, seduz-me essa incursão... Até porque, vista a narrativa numa perspectiva histórica, há que reconhecer que se trata de uma situação verdadeiramente épica!... Um dos episódios mais sublimes e corajosos na vida de um grande marinheiro!...

Que eu saiba, o drama não foi descrito. Pois não houve sobreviventes que o pudessem contar!... Jaz no fundo dos abismos e pertence ao imenso rol das grandes provas de coragem que foram sepultadas no fundo dos mares e que ficaram para sempre ignoradas e esquecidas no mundo dos vivos.

Vou pois dirigir a minha mente a um plano para o qual não existem nem noites nem dias, mas apenas séculos, anos e datas para que, através desse obscuro e mágico calendário, possa transformar a visão dos meus olhos numa espécie de voo de ave nocturna, que vai a toda a parte, não encontra barreiras e não se assusta nem a impede, coisa alguma!
E, já agora, a propósito de naufrágios, dir-lhe-ei que, nesta minha actual encarnação, também já fui um miserável náufrago, já conheci, no meu corpo e na minha alma, todo o peso e o drama que esta palavra encerra, durante longos dias e longas noites sucessivas, perdido entre o céu e o mar, desprovido de mantimentos e de água potável. Felizmente tive a sorte de aportar a uma bela ilha – Um verdadeiro paraíso tropical esquecido... Pena o ter encontrado nas mãos do diabo! – De um sanguinário ditador! Que, uns anos depois, haveria ser deposto pelo sobrinho, através de um golpe de sangue! – Então, Comandante das Polícias e das Forças Armadas, que me recebeu de pernas cruzadas sobre a secretária de vime do seu gabinete. Bom, mas isto são pormenores para outras narrativas.

Sorte bem diversa, teve, porém, a sua existência, na dita encarnação, igualmente num mar antigo, numa dada fase da sua vida, aí pela casa dos quarenta, em que empreendeu uma viagem, bem ousada, mas sem regresso... É esta, pois, a odisseia, vivida nesse tormentoso mar, que eu agora aqui lhe quero recordar...

Como compreenderá, viajar com a mente para tão longe no tempo e no espaço através de tão complexa incursão, além de exigir um profundo silêncio, requer uma introspecção muito profunda! Pede-me a mente que os meus pensamentos se libertem e voem soltos – voem livremente! Tal como gaivotas quando levadas pelos ventos da maresia... Mas eu penso que, neste preciso momento, encontro o ambiente propício e estão reunidas as condições exigidas.

A noite, lá fora, é de chuva e vento... É uma noite de invernia, típica das noites de Dezembro e da soturnidade característica do Natal que se avizinha. Deveria ser um tempo para alguma reflexão mas só se for à hora em que as pessoas recolhem ao seu leito. Ao longo do dia a maior parte das mentes é talvez arrastada pela onda do consumismo desenfreado. E à hora do almoço e do jantar não despregam os olhos das televisões. E não encontra sequer um instante de desprendimento e de interiorização. Eu não vou ao cinema, vejo pouco televisão e adoro a noite – Não a noite da cidade, da confusão e bulício dos centros de diversão, mas “a noite magnética e abundante!” Sob o tranquilo recolhimento de minha casa ou deambulando ao luar ou mesmo pelas noites estreladas, lá pelas fragas e graníticos ermos nos arredores da minha aldeia, onde vou em peregrinação todos os meses.

A noite da cidade fere a minha sensibilidade e atordoa-me os sentidos. Já houve um tempo em que andei por aí à deriva, tal como ainda hoje vagueia por aí certa fauna. Também me atordoei nalguns desses locais de diversão nocturna – Hoje não faço isso – Não penso que seja pela idade, mas pela exigência e pela necessidade. São locais demasiados ruidosos e poluídos para a minha mente. Confesso que foi um tempo de vazio e um tempo perdido. De inútil atordoamento. Ainda bem que despertei a tempo e dei outra orientação e sentido à minha vida. E, por isso, é com alguma pena e que vejo tanta juventude a desperdiçar, de forma tão perdulária, o seu tempo de lazer e não consegue dar-lhe outra orientação mais proveitosa, no sentido de se distrair e até na obtenção de um prazer mais consistente e duradouro. Atordoam-se nos copos e na fumaça! Não sei bem o que quererão do futuro!...Em todo o caso, convivem e aliviam algum do stress que também já os apoquenta. Muito mais que quando eu tinha a sua idade.

Mas o pior, da noite, nos grandes centros urbanos, é sobretudo a situação dos que dormem ao relento, os sem-abrigo... Gostaria de um dia saber que vidas anteriores essas pessoas já tiveram para continuarem ainda com este enorme calvário! Era talvez interessante uma destas noites concentrar-me na pobre imagem de um desses desgraçados que não têm paradeiro certo e que todas as noites divagam, quase como sonâmbulos, pelos cantos mais esconsos a procurarem uns pedaços de cartão, ou mesmo ousando meter as mãos no interior dos caixotes do lixo para recuperarem alguma bucha ou alguns dos desperdícios e com eles se cobrirem e aconchegarem debaixo de alguma arcada, vão de escada ou soleira de porta. Não ter um lar é talvez das coisas mais sofridas para o homem, depois da doença..É a perda da sua identidade e do seu amor próprio. No entanto, embora embutidos pela descrença, de vencidos da vida, são todavia seres humanos! E, como tal, expostos que são a tão triste fatalidade, deverão sofrer horrivelmente

 Porém, na paz do meu desvão de águas furtadas, a noite a mim tranquiliza-me e transmite-me um forte sentimento introspectivo, de profunda serenidade e de aliciante divagação espiritual! A bem dizer, eu amo a misteriosa noite! Sinto que o meu coração se lhe entrega com toda a fidelidade e que faz dela a sua mais confidente e secreta mensageira.

E, é por isso, que nestas horas de silêncio, como esta hora da madrugada em que agora discorro, mesmo sem fazer qualquer esforço, lá estou eu a divagar ou aprofundar os meus pensamentos. Um dos quais é precisamente aquele que faz com que seja tentado, como que a debruçar-me através de uma das janelas voltadas para o passado; para a decifração de histórias antigas e de alguns dos seus enigmas para os quais me sinto inclinado, viajando como nos sonhos, sem esforço e sem cansaço... Vejo-os avançar livremente ao meu encontro. Vindos de um passado distante povoado de mar!....

Oh! mas o que é passado?...O que é que ele, no fundo, representa?..... É ou não apenas o último despojo, pedaço de ruína ou vulgar destroço de tudo o que a erosão do tempo não consegue desgastar ou destruir e que a memória regista e faz perdurar nos seus mais discretos escaninhos?!...É ou não o que agora acabo de pensar?... Do que pensei há instantes e mesmo que o volte agora a pensar, será sempre pensado noutro instante ou noutro plano diferente!...

Acaso haverá alguma fronteira a separar-nos do passado?... Senão vazio e memória?!....Lembrança que se esfuma, que se diluiu, não somente ao longo de uma vida, mas através das sucessivas vidas em que encarnamos.... . Esquecemo-nos; somos humanos... Todavia, memória é também espírito, é um lastro que se perpetua e não desaparece completamente... Instala-se e repousa nos domínios do sonho..

Ora, o sonho não se apaga.... Esvoaça com a voragem do próprio tempo... Porém, tendo vida própria, caminho separado, pode viajar pela eternidade sem contudo se desintegrar ... Sim, olhando agora, e uma vez mais a ondulante superfície daquelas escuras águas, em que, há uns momentos atrás, o via a navegar sobre o dorso sombrio, viscoso e escorregadio de alterosas vagas, quer parecer-me que, em boa parte, até já nem sou propriamente o pensador que se detém a olhar por uma janela voltada ao passado, mas mais no lugar do pescador que, tendo à frente dos seus olhos uma vastíssima e turbulenta paisagem, no que pensa é somente em rodar o carreto da sua cana e lançar ali o chumbo e o anzol da sua linha e apanhar algum peixe.

Porém, para seu e meu desencanto, o que se nos depara não são peixes em profusão mas o mar enfurecido e a tragédia a pairar por tudo quanto é mar e solidão!

Oh, que pavoroso cenário! É o mar de antanho que se alteia e expande sobre uma superfície negra e vastíssima !.. É o mar antigo e longínquo!... Perturbadora e marulhenta visão! Apesar de coberto por uma densa e tempestuosa noite, descubro-lhe os contornos, lívidos e esfumados, do imenso círculo em que tumultua e alastra...

Há em tudo o que distingo um misto de memórias ancestrais e de tragédia... O céu cobre-se de um veludo negro! Tem a cor do luto e da morte...O ambiente é confuso, lúgubre!. Ronda por toda a parte o presságio do agouro, o pesadelo da incerteza e de ameaça!...

Oh, sim, revejo o crucial momento!...Revejo como tudo outrora se passou....É algo atraente e ao mesmo tempo aterrador!.. A nau navega!...Navega à superfície de um mar negro e encapelado!...

Eu estou de lado de cá, junto ao parapeito de uma janela, ampla e tranquila, não posso sentir medo. Mas, na verdade, impressiona-me olhar para o lado de lá! Para a paisagem marítima que desfila aos meus olhos, com tanto realismo, como se à minha frente se escancarasse, subitamente, uma enorme tela e através dela estivesse assistir à rodagem de um pavoroso filme!.. É um ambiente de tempestade que me fascina e assombra, simultaneamente!

Vejo névoas disformes, vultos fluindo, alguns dos quais tomando formas caprichosas, corpóreas, humanas, e até reconhecíveis..... E, por sinal, quem distingo, e nitidamente, por entre a amálgama de sombras e de lívidas névoas, que pairam e rodopiam em torvelinho?!.. Sim, quem distingo a navegar à superfície de uma massa disforme que se eleva ou se afunda em rodopiante efervescência e convulsão?!... Quem descubro, além do vulto da nau, é justamente a imagem do capitão-mor!!...E, por cima do marulho das águas, o som da sua voz , quase a sumir-se por entre o ruidoso escarcéu, a dar ordens aos seus homens!..A encorajá-los no quase seu desespero e grande aflição!...

O mar não pára de crescer!... As velas vão retesadas, mas é duvidoso que o rumo se possa aguentar por muito mais tempo.... Pede calma!...Manda reforçar o mastro e o cordame que já vibra sob acção demolidora das constantes rajadas do vento e das vagas!... Segura-se a um dos ovéns do mastro... Robusta e imponente figura!... Parece impassível!!... Olha apreensivo a ondulante escuridão, que os constantes relâmpagos vão iluminando, tal como o seu rosto e a sua vestimenta, que vão escorrendo ensopados em água e que mais parece a imagem nítida e fantasmagórica de algum super-herói, que não se intimida, mesmo quando aqueles sinistros raios rasgam e fulguram os escuros céus, o horizonte e toda a ondulante vastidão!!..


Enormes turbilhões galgam agora a nau!.. Fazem-na subir e descer num louco e imenso carrossel!!.. Há circunstâncias em que todas as palavras se tornam inúteis!... Por isso, talvez fosse preferível ficar por aqui e optar pelo mais profundo silêncio e não acrescentar sequer mais uma palavra!..... Mas eu vou continuar a minha narrativa...Não posso desperdiçar a oportunidade de ser a única testemunha a presenciar de tão perto a visão de tão horrível mar e a não ser engolido pela sua cólera e extrema violência!... Os meus sentidos estão apuradíssimos e não deixam que nada escape à minha atenta observação....
.
No entanto, admiravelmente, uma vez mais uma voz ecoa e se destaca, no meio da ruidosa solidão... É a voz do comandante!... Que não quer resignar-se à eminência da fatalidade que se estende por toda a parte e se mostra estampada perante o seu atónito olhar

Grita ao homem do leme e dá ordens ao piloto para corrigirem a rota e mudarem a nau de direcção...E até já o vejo a largar a ponte e a tentar dirigir-se, como alguém que balança na corda de um trapézio, para junto do timoneiro e dos restantes marinheiros para os encorajar ainda mais, juntando às mãos deles as suas firmes mãos, auxiliando-os no titânico esforço!!... – Partilhando, lado a lado, no sobre-humano sacrifício a que tempestade, impiedosamente, os está forçando até à exaustão!...

Mas é tarde demais!... Lá fora o vento vibra, sibila numa sinfonia infernal!... O mar galga e sacode a cada instante a já desgovernada nau! Á confusão do mar, juntam-se agora os gritos aflitos e o desespero humano!...Ás suas vozes aflitas, vêm reunir-se confundir-se todos os marulhos e ruídos que desabam dos negros céus, que emergem do fundo do mar e de toda a parte, que se elevam, entrechocam e perdem no mesmo aturdimento e convulsão!... Desarmaram-se escaleres e improvisam-se jangadas...Todos já se aperceberam que sorte ou destino os espera!....
Rangem os mastros, uma parte das velas já se rasgou!... A ventania não cessa de uivar Cresce um clamor surdo de vozes e de gritos!... que se mistura à violência e ao fragor das vagas!....Que avançam de todos os pontos do negro horizonte, em sucessivos cachões, deixando nos curtos intervalos, a arrepiante sensação de um vazio de morte, a vertiginosa imagem de um sufoco de afronta e destruição!!...
  
Visão aterradora!...O que eu vejo não é o mar que tanto gosto de contemplar à beira de uma praia tranquila e banhada por um sereno e luminoso luar... É um mar de agouros!... Um imenso palco de agitação e de abandono!... Pelo qual já desfilam imagens de assombro e de tragédia!... Não se descobre uma estrela!!...O céu é um fugidio manto de azeviche!... E sob o mesmo tecto ondula e corre uma não menos imensa e desoladora negridão!...

Meu Deus! Vai solitária a nau!!...Não navega!!....Vai perdida!!... Não tarda afundar-se. Perante tão devastador cenário, que irá na mente do corajoso capitão?!... Que dirão os valentes marinheiros ?!... Haverá alguém que queira render-se à morte?!... Não creio!... Não vejo que alguém queira cruzar os braços e dar-se por vencido?!... Não vejo que alguém queira aceitar um destino que não programou!... 

Já lá vão algumas horas desde os primeiros sustos!...Mas no seus corações deve já ter-se instalado a noite mais longa das suas vidas!... - Uma noite eterna, medonha e sem fim!!...




Fecham-se ainda mais as escotilhas! Aferram-se cabos! Reforçam-se os mastros e mastaréus! Enrolam-se velas! soltam-se ou esticam adriças, brandais e enxárcias! As bombas e os garrotes nem por um instante deixam de cumprir a sua função! A água invade, alastra os porões!... Urge escoá-la!... Mas é assustador!... O mar continua a não dar a menor trégua!... É a desolação, o desamor!!..

Mesmo assim , a coragem ainda grita alto!!.. Grita ao vento e à fúria do mar!!.... Ninguém desiste de lutar!!...Num derradeiro esforço, comandante e alguns dos seus homens, firmam-se com incrível valentia à cana do leme!...”A orçar!... a orçar!... Força! ao leme!!. Azeite à água!!”- ouve-se uma voz solitária! Apela-se à última resistência para aproar a nau ao vento e espalham-se óleos para tentar quebrar a rebentação.

Mas de pouco lhes valerá! As águas estão enfurecidas e o leme já não responde... As velas, umas, já foram enroladas; outras, não resistiram!... estão esfarrapadas!... A nau, balouça! Balouça de través!... Vai desgovernada, em árvore seca para destino incerto......Vai até que um próximo vagalhão a mergulhe para sempre num dos sorvedouro abissais!!...

Trágica Hora!...Momentos de infinita desolação!. Já quase toda a guarnição saltou ao mar!... Uns, agarrados a tábuas, a toras e a barris de madeira; outros, os que se conseguiram meter em salva-vidas( pequenos batéis e jangadas) vogam já por entre a desenfreada agitação das águas, no meio da avassaladora escuridão!... Só o bravo capitão e mais um punhado dos seus homens mais fiéis, é que ainda se mantêm na desgovernada nau!... dobrados à cana do leme!... Impotentes à tragédia em que já mergulha o seu aturdido olhar!... Serão engolidos pela mesma avalanche e pelo mesmo rodopiante movimento, quando a próxima ondulação se elevar! ...Será que vão assim aceitar, estoicamente, a morte?!... Ou vai ser esta que, de tão visível, tão próxima, os surpreenderá e imobilizará para sempre?!.

... Mundo de trevas! Mundo de convulsa solidão!.. 




A nau corre solta e desgovernada... Vai dar de bordo!... Vejo que vai rodopiar sobre o seu eixo, sob um céu negro, pesado e baixo, que mais parece querer pousar sobre os seus inclinados mastros e afundá-la, de uma só vez , desde a ré à proa!... Sim, vejo que é mesmo aquele enorme vagalhão, que agora sobe e envolve o seu costado, que subitamente se arremessa contra o seu cavername, com inaudita violência, que a vai mergulhar para sempre nas profundezas!...Perdendo-se no meio de fundos vales e negras montanhas de agitação, de efervescente água e novelos de espuma!.... 

A nau corre solta e desgovernada... Vai dar de bordo!... Vejo que vai rodopiar sobre o seu eixo, sob um céu negro, pesado e baixo, que mais parece querer pousar sobre os seus inclinados mastros e afundá-la, de uma só vez , desde a ré à proa!... Sim, vejo que é mesmo aquele enorme vagalhão, que agora sobe e envolve o seu costado, que subitamente se arremessa contra o seu cavername, com inaudita violência, que a vai mergulhar para sempre nas profundezas!...Perdendo-se no meio de fundos vales e negras montanhas de agitação, de efervescente água e novelos de espuma!.... 


Todavia, é impressionante! ... É impressionante! Como há vidas que, mesmo com a morte à frente dos olhos, nem por isso se lhe rendem a sua afronta e vão até onde lhes permite o último folgo ou respiração! – É justamente o que agora ocorre com a atitude do corajoso capitão!...Robusta e temária figura!!... Preferiu morrer abraçado a um dos mastros do seu barco, lutando até ao último instante, mantendo-se heroicamente no seu posto do que a procurar um escaler e zelar pela sobrevivência pessoal!..

Eis, pois, Meu Caro e Ilustre Cidadão, Meu Bom Português, e Distinto Cidadão do Mundo, como acabo de rever e lhe recordar a odisseia pela qual passou, numa das suas anteriores encarnações, ao comando de uma das frágeis caravelas da Coroa de Portugal, quando, em noite alta, foi surpreendido por uma violenta tempestade nos mares do sul,!... Porém, tanto quando me é possível percepcionar, através da janela que me permitiu empreender uma viagem ao fundo da memória do tempo, outras encarnações teve, igualmente valorosas, cuja descrição de seguida vou procurar fazer-lhe.

Excerto da carta começada a escrever em Dezembro de 2002

Luís de Raziel




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