Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador - Em busca da memória perdida do meu bisavô paterno
Repressáo Salazarista - Barreiro - Década 40
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"Numa manhã de Julho de 1957, Colmeal acorda cercada por uma força fortemente armada de mais de duas dezenas de guardas da GNR. Arrombam as portas e expulsam 15 famílias inteiras, 60 habitantes. «Aquilo não se fazia» recordava em tom revoltado Maria Matilde do lugar vizinho do Bizarril: «Ainda me lembro que se via um guarda com uma metralhadora, além no cimo do monte» . Albino Carvalho que «na altura, tinha pouco mais de trinta anos e a “vida arranjada”» conta como «os habitantes do Colmeal sabiam que “algo de mal” lhes iria acontecer. Mas nunca pensaram numa sentença tão dura».
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Desfigurada das suas ruinas
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"Em terras de Riba-Côa, escondido na Serra da Marofa, fica o lugar do Colmeal, concelho de Castelo de Figueira Rodrigo, distrito da Guarda. Já foi uma aldeia, hoje é uma Land of Silence. Assim é adjectivado o Colmeal Countryside Hotel que abriu em 2015 com uma arquitectura contemporânea, charme e chef de cuisine incluído. Land of Silence [1] é o naming de um hotel nos confins da Beira Alta, com 15 suites que se prevê duplicarem em três anos.
Ó Deus Maravilhoso livrai-nos da malvadez e da barbárie, seja onde for
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O milagre da vida distingue-nos das pedras
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A morte de uma aldeia teve como consequência imediata uma quinta votada ao abandono. Não por qualquer coincidência, acaba nas mãos do destacado advogado Manuel Vilhena como forma de pagamento. A aldeia e os domínios do Colmeal serão depois vendidos aos latifundiários das grandes quintas das zonas planas que formam o tecido da propriedade da região, intercalada aqui e ali pelos casais ou “sortes” (provenientes da divisão de baldios) de lavradores e arrendatários. A aldeia e sua envolvente entram na posse da família de Jerónimo Leitão que passa a ser dona de cerca de mil hectares. Depois do 25 de Abril vende «400 hectares à Portucel» e arrenda «as partes mais altas da serra à Soporcel» http://www.jornalmapa.pt/2016/04/06/colmeal-a-terra-do-silencio/
"A Aldeia do Colmeal, desabitada até 2015, pertence à União das freguesias do Colmeal e Vilar Torpim, município de Figueira de Castelo Rodrigo. Atualmente tem 3 habitantes permanentes além dos turistas que se alojam no Hotel.
O nome de Colmeal provém da riqueza em cera e mel que as suas inúmeras colmeias proporcionam.Aldeia do Colmeal – Wikipédia, a enciclopédia livre
MAIS À FRENTE - OUTRAS IMAGENS E PORMENORES DO COLMEAL-
IGUAL DESFECHO CONHECEU A MÁRTIR POVOAÇÃO DE BATEPÁ, EM S. TOMÉ - SE BEM QUE DEPOIS REPOVOADA SOB O ESTIGMA DO LUTO E DE ENORMES SACRIFICIOS, CUJA MEMÓRIA O TEMPO TÃO CEDO APAGARÁ
Tudo começara na vila da Trindade, com a população nativa a ser perseguida há meses com rusgas permanentes e arrebanho de pessoas para as obras do Estado. Ao anoitecer do dia 3 de Fevereiro de 1953, o tenente Ferreira e o Zé Mulato, acompanhados de soldados armados de espingarda e baioneta, apareceram num jipe em atitude provocatória. Um homem que passava, descuidadamente, na rua principal abatido pelas costas. A população, aterrada com o tiroteio, corre a refugiar-se no mato. E, no dia seguinte, principiaram as prisões em massa, as rajadas de metralhadora, morte de gente indefesa. Com a desculpa, disparatada, de que os nativos, armados machins, se preparavam para marchar sobre a cidade para matar o Governador. E, por fim, nomeariam como governantes personalidades desafetas ao Governo, como o Engº Graça , os professores Januário e Maria de Jesus, os chefes e mentores da revolta. E também alguns brancos-forros, Vergílio Lima, Carlos Soares, Américo Morais - In Crónica de uma Guerra Inventada – por Sum Marki
CAMPO DE EXTERMÍNIO DE FERNÃO DIAS
2014
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O QUE DIZEM AS "MEMÓRIAS DE UM AJUDANTE-DE-CAMPO E COMANDANTE DA POLICIA" . Capitão Salgueiro Rêgo - No tempo de um dos Governadores mais odiados em S. Tomé e Príncipe



A SOBREVIVENTE - A DOR QUE O TEMPO AINDA NÃO APAGOU - ESPANCADA À CRONHADA DEPOIS DE LHE METEREM A CABEÇA NUM TANQUE DE ÁGUA - Era menina e estava grávida.
Maria dos Santos, mais conhecida por Mena, é um dos rostos debilitados, que ainda hoje espelha o testemunho do incomensurável sofrimento, angústia e lágrimas, por que viveu -Ainda jovem, e mesmo grávida, não foi poupada à brutalidade facínora das ordens do então Governador Carlos Gorgulho: arrastada à força de sua casa, levada para um calabouço na então Vila de Trindade, espancada barbaramente, Primeiro deu-se o saque às casas: carregaram o que puderam dos modestos teres e haveres, após o que as incendiaram.
Ao voltar a S. Tomé, em 2014, 39 anos depois de ter partido numa canoa solitária, não podia deixar de passar pela martirizada vila do Batepá, que, embora não tendo crescido muito, no entanto, já tinha mais algumas casas de que no meu tempo. E foi ali que tive oportunidade de falar com uma antiga sobrevivente, que, juntamente com a filha e netos, teve a amabilidade de me franquear o portão de sua casa e me mostrar o que restava do carro que ardeu quando atearam o fogo a sua casa - a única loja comercial que ali havia, naquela altura, a qual fora saqueada antes de lhe deitarem o fogo - Penso que esses objetos deviam ser guardados no museu e que não acabassem por se desfazer com a ferrugem.
Massacre de Batepá silenciadas na narrativa pública, tanto em Portugal como em São Tomé e Príncipe, mas que emergem nas representações artísticas, sobretudo na literatura - Poemas de Alda Espírito Santo ou de Olinda Beja, lidos ou cantados, é um dos vários exemplos.
ROMAGEM À SILENCIADA ALDEIA DO COLMEAL - EM TARDE NOSTÁLGICA DE OUTONO
Estas imagens - em video e neste post - que vão desfilar perante os seus olhos, foram registadas por mim e por um grande amigo, o Luís Constâncio Pereira, há uma dúzia de anos, numa brilhante tarde de outono, já as não poderá contemplar, tal como aqui lhas mostro

Quinta da Ervamoira - Antiga Quinta Santa Maria
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Não conheci o meu bisavô, tal como também não cheguei a conhecer o meu avô, que nasceu na Quinta da Santa Maria, hoje conhecida por Ervamoira. Mas já o meu pai me contava, ele que também ali nasceu, na margem esquerda do Côa, que o nosso bisavô, viera da aldeia do Colmeal para tomar conta da quinta, como rendeiro.
Infelizmente, o que resta do Colmeal, são ruínas. O lugar é edílico, ergue-se nas faldas da Serra da Marofa, a fazer lembrar os presépios, alcandorados no sopé das montanhas.Mas a memória, de como a aldeia foi extinta, transparece, clara e nítida, como um grito de revolta e de afronta, desde o esqueleto da vetusta ermida, ao lajedo carcomido do xisto nas ruas e
Valha-nos ao menos, as boas recordações do roteiro: a breve visita a Cidadelhe, onde revi o amigo Leonel Marques (meu parente afastado), depois aquelas paisagens agrestes na descida até à ponte do Côa, por curvas e contra curvas em precipícios inóspitos e vertiginosos de cortar a respiração, de uma força selvagem e telúrica de arrepiar mas plena de um fascínio capaz de nos arrebatar o corpo e alma. -
Não conheci o meu bisavô, tal como também não cheguei a conhecer o meu avô, que nasceu na Quinta da Santa Maria, baptizada de Ervamoira. Mas já o meu pai me contava (ele que também foi nado e criado na margem esquerda do Côa), que o seu avô, viera da aldeia do Colmeal para tomar conta da quinta, como rendeiro. Ao que parece, já era tradição dos habitantes da pequena aldeia histórica, serem escravos dos ricos.
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CRONOLOGIA DE UMA ANTIQUISSIMA ALDEIA SUFOCADA PELA REPRESSÃO FASCISTA - ONDE SE JULGA TER NASCIDO OU VIVIDO PEDRO ÁLVARES CABRAL NO SOLAR ABRASONADO DOS CABRAIS
“CABRAL é sobrenome português toponímico, referindo-se a um "lugar onde há ou pastam cabras “ E, de facto, as colinas que ladeiam as xistosas ruínas da aldeia do colmeal, assim o demonstraml, tal como o expressa o brasão de duas cabras que existe no que é considerado o antigo solar dos Cabrais -

COLMEAL - Em 1183 - era propriedade da Ordem de São Julião do Pereiro; século XV - período provável da construção da igreja; nascimento ou residência de Pedro Álvares Cabral, na casa que ostenta as armas dos Cabrais; era filho de Fernão Cabral e de D. Isabel de Gouveia, senhores de Belmonte; D.Isabel de Gouveia, era neta de Vasco Fernandes de Gouveia, Senhor de Almendra, Castelo Melhor, Colmeal, Malpartida; Fernão Cabral era filho de Estevão Soares de Melo, Senhor da Vila de Melo;
1940 - tinha 12 fogos e 62 habitantes;
1956 - expulsão dos habitantes, por ordem judicial através de processo movido pela então proprietária, herdeira das terras onde se situava a aldeia, sede de freguesia; em poucas horas a GNR, fortemente armada, expulsou 14 famílias de camponeses, obrigadas a abandonar imediatamente o local; posteriormente a proprietária vendeu as terras ao seu advogado;
1968 - pedido de recuperação à DGEMN, por parte do Comissariado do Turismo e do proprietário, Jerónimo Leitão, da casa que pertenceu a Cabral; nessa época a igreja ainda possuía os retábulos dos altares;
1975 - hipótese, colocada pelo proprietário, de adaptação de algumas casas a unidade hoteleira e de abrigo para caçadores;
2013, 28 janeiro - Colmeal passou a pertencer à União das Freguesias de Colmeal e Vilar Torpim, por agregação das mesmas, pela Lei n.º 11-A/2013, DR, 1.ª série, n.º 19. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aldeia_do_Colmeal
Povoada desde o século XII.
Em 1183, o Rei de Leão doou esta povoação à Ordem de São Julião do Pereiro. Mas, finda a guerra com Leão e Castela, em 1297, os bens desta Ordem passam para a Ordem de Alcântara e as terras de Riba Côa são integradas na Coroa Portuguesa. Em 1540, D. Afonso V deu-lhe carta de Couto com o nome de Colmenar das Donas e a pertença a um senhorio, João de Gouveia. Por laços familiares, passará aos Álvares Cabral, pais do “descobridor” do Brasil e Condes de Belmonte. Em finais do séc. XIX estes vendem a propriedade aos Quirino, que se esforçam por manter juridicamente esses antigos direitos de foro, delimitando terrenos e com escrituras.
Chegados aos anos 40 do século passado o Colmeal, terra rica em água, hortas e colmeias, permanece conhecida como um dos últimos feudos em Portugal. Uma pequena aldeia dentro de uma grande propriedade. Os proprietários absentistas da família Quirino recebem do arrendatário geral que manda na propriedade e que cobra por sua vez às famílias subarrendatárias habituadas a pagar o foro. Desde 1942 esse feitor é Abílio Fernandes e, desde então, o foro eram rendas disto e daquilo, atingindo «níveis quase impossíveis de suportar» para as quais «os habitantes “mataram-se” a trabalhar», segundo o testemunho em 1997 de Albino Carvalho de 72 anos: «Revoltados com a situação, os habitantes do Colmeal recusaram-se a pagar e, como resultado, tiveram de travar uma longa batalha jurídica que de nada lhes valeu». [5]
No domínio dos grandes domínios
Um regresso à aldeia?
Apenas em 2013, com o novo mapa das freguesias, o Colmeal deixou de ser caso único no país. Desde 1957 a aldeia fantasma era a sede da freguesia (Bizarril, Luzelos e Milheiro as demais aldeias da freguesia com 4002 hectares). Os censos de 2011 [10] contabilizavam na antiga freguesia do Colmeal apenas 42 residentes, a maioria idosos. Anexada em 2013 a Vilar Torpim, nas últimas legislativas votaram apenas metade dos 255 recenseados, distribuídos pela PàF (59) e PS (42).
Essas histórias haveriam de levar de novo Colmeal à Assembleia Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo e à proposta de criação de um grupo de trabalho, em 2009. Na Assembleia Municipal de 27 de Fevereiro de 2009 são pronunciadas vontades de «reparar este erro histórico que foi aquela sentença de expulsão» nas palavras do então Presidente da Câmara António Edmundo Freire Ribeiro (PSD). Um reconhecido «caso de contornos políticos claros» do qual deviam ser aferidos os direitos e bens particulares usurpados, não restando dúvidas quando aos espaços e bens públicos. Segundo o deputado do PS, o jurista Feliciano Martins, nessa mesma sessão, o Colmeal «é um tema que vale a guerra (…) oportunidade de darmos visibilidade neste município a lutar por uma coisa pública, que em tempos se perdeu» [13].
Na verdade algo mudara desde 1957: «Aos cinco dias do mês de agosto do ano de dois mil e treze» é declarado «para os devidos e legais efeitos e demais que se julgarem por convenientes, a pedido do Sr. João Miguel Chambel Filipe Lopes Leitão, que tanto a Câmara Municipal como a Junta de Freguesia do Colmeal, consideram Públicos desde tempos imemoriais as ruas, caminhos e largos de acesso” do Colmeal [18]. Não mais que reconhecida a usurpação do espaço público que a expulsão judicial décadas antes impusera. Mas apenas o espaço público da aldeia. Pois na verdade algo não mudara desde 1957. Nenhuma família expulsa se viu ressarcida (nem tão pouco moralmente).
O silêncio que ficou
Antes das obras
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Mas se o Colmeal Countryside Hotel pretende ser um final feliz para o Colmeal, algo de profundamente incómodo persiste. Subjaz ao Protocolo referido no seu título a “preservação da memória e património histórico da Aldeia do Colmeal através do seu desenvolvimento turístico”. Numa memória com a marca registada de Colmeal, Land of Silence, é o silêncio que se inscreve no inexistente “livro branco”.
Turismo: um lugar sem Terra
Quanto ao desenvolvimento, e generalizando, as opções em cima da mesa acabaram por ser basicamente duas para a questão do Colmeal: a possibilidade de uma nova partilha do território e da aldeia pelo usufruto comunitário das próprias potencialidades (turísticas entre outras), aferindo a distribuição predial e/ou acordando formas adequadas à reocupação humana efectiva; ou mantendo tudo na mesma, isto é, no foro exclusivo do proprietário, pese a notória alteração de um investimento no espaço público da aldeia. A primeira opção foi desde logo assumida como a mais espinhosa e nem sequer ousada ensaiar por remar contra a norma que favorece a propriedade e o direito privado face ao público. Mais ainda quando o formalismo legal apenas serviu na questão do Colmeal para passar por cima do direito consuetudinário que – para lá do foro ou da renda – resulta inequívoco no sentimento comunal de pertença dessa aldeia secular. De nada valendo aos olhos do tribunal e agora de uma autarquia. Na verdade não interessa tanto a discussão jurídica do pleito da propriedade em causa, fruto de um verdadeiro saque. O verdadeiro saque, que ainda hoje prossegue, é cultural, realizado sobre o território, natural e social. O saque de um território que já foi uma aldeia.


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