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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Colmeal - Romagem espiritual à silenciada e remota aldeia fantasma do distrito da Guarda, onde terá nascido ou vivido o navegador Pedro Álvares Cabral - Terra do meu bisavô paterno - século IXX - Massacrada e desalojada em 10 de Julho de 1957 – Tal como a povoação do Batepá, Trindade, em S. Tomé, em 3 de Fev. de 1953, quatro anos antes pelo fascismo salazarista,– Dois exemplos da tirania e da opressão, no mesmo pranto de luto e lágrimas resultantes de relações laborais - Distantes no espaço físico mas da mesma época temporal

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador  - Em busca da memória perdida do meu bisavô paterno 

Repressáo Salazarista - Barreiro - Década 40

"Numa manhã de Julho de 1957, Colmeal acorda cercada por uma força fortemente armada de mais de duas dezenas de guardas da GNR. Arrombam as portas e expulsam 15 famílias inteiras, 60 habitantes. «Aquilo não se fazia» recordava em tom revoltado Maria Matilde do lugar vizinho do Bizarril: «Ainda me lembro que se via um guarda com uma metralhadora, além no cimo do monte» . Albino Carvalho que «na altura, tinha pouco mais de trinta anos e a “vida arranjada”» conta como «os habitantes do Colmeal sabiam que “algo de mal” lhes iria acontecer. Mas nunca pensaram numa sentença tão dura».

Desfigurada das suas ruinas

"Em terras de Riba-Côa, escondido na Serra da Marofa, fica o lugar do Colmeal, concelho de Castelo de Figueira Rodrigo, distrito da Guarda. Já foi uma aldeia, hoje é uma Land of Silence. Assim é adjectivado o Colmeal Countryside Hotel que abriu em 2015 com uma arquitectura contemporânea, charme e chef de cuisine incluído. Land of Silence [1] é o naming de um hotel nos confins da Beira Alta, com 15 suites que se prevê duplicarem em três anos.

Esta terra do silêncio era já conhecida como a aldeia fantasma. Porém, na promoção hoteleira, não há uma palavra sobre a verdadeira raiz do abandono da aldeia, décadas atrás. O conceito da Land of Silence silencia afinal aquele que é localmente o episódio mais marcante da história da prepotência dos ricos sobre os pobres. De quem, alicerçado na falta de escrúpulos e no abuso do direito da propriedade, expulsou famílias inteiras das suas ancestrais casas e terras sob a ameaça das armas da GNR. Corria o ano de 1957. Décadas depois permanece um incómodo inultrapassável. E, «como já alguém escreveu, “o silêncio esmaga-nos”»


Ó Deus Maravilhoso livrai-nos da malvadez e da barbárie, seja onde for


 .

O milagre da vida distingue-nos das pedras

"No domínio dos grandes domínios

A morte de uma aldeia teve como consequência imediata uma quinta votada ao abandono. Não por qualquer coincidência, acaba nas mãos do destacado advogado Manuel Vilhena como forma de pagamento. A aldeia e os domínios do Colmeal serão depois vendidos aos latifundiários das grandes quintas das zonas planas que formam o tecido da propriedade da região, intercalada aqui e ali pelos casais ou “sortes” (provenientes da divisão de baldios) de lavradores e arrendatários. A aldeia e sua envolvente entram na posse da família de Jerónimo Leitão que passa a ser dona de cerca de mil hectares. Depois do 25 de Abril vende «400 hectares à Portucel» e arrenda «as partes mais altas da serra à Soporcel» http://www.jornalmapa.pt/2016/04/06/colmeal-a-terra-do-silencio/

"A Aldeia do Colmeal, desabitada até 2015, pertence à União das freguesias do Colmeal e Vilar Torpim, município de Figueira de Castelo Rodrigo. Atualmente tem 3 habitantes permanentes além dos turistas que se alojam no Hotel.

Em 1956, a então proprietária decidiu quebrar os vínculos que tinha com a população que aí residia e decidiu recorrer ao tribunal para expulsar os habitantes. A proprietária acabou por ganhar em tribunal. Os populares não aceitaram e a Guarda Nacional Republicana viu-se obrigada a intervir para expulsar os resistentes no dia 10 de julho de 1957.
Segundo os populares houve casas queimadas e registaram-se mesmo alguns mortos entre os populares da localidade. Foi a primeira vez que tal sucedeu em Portugal, uma população ser expulsa coletivamente de uma localidade inteira. Da localidade restam as casas que se encontram abandonadas. Os habitantes despejados das suas casas tiveram que se deslocar para outras localidades do município de Figueira de Castelo Rodrigo.
O nome de Colmeal provém da riqueza em cera e mel que as suas inúmeras colmeias proporcionam.Aldeia do Colmeal – Wikipédia, a enciclopédia livre

MAIS À FRENTE - OUTRAS IMAGENS E PORMENORES  DO COLMEAL-

IGUAL DESFECHO CONHECEU A MÁRTIR POVOAÇÃO DE BATEPÁ, EM S. TOMÉ  - SE BEM QUE DEPOIS REPOVOADA SOB O ESTIGMA DO LUTO E DE ENORMES SACRIFICIOS, CUJA MEMÓRIA  O TEMPO TÃO CEDO APAGARÁ 

Batepá, hoje uma pequena vila, porém, há 66 nos, era apenas um conjunto de algumas modestas casas de madeira –  Mas foi justamente aí, pelo facto dos santomenses se haverem recusado  a trabalharem à força, como escravos,  nas obras públicas e nas plantações do Cacau e do Café das grandes roças, que começaria uma das páginas mais negras da história da colonização portuguesa neste arquipélago – Mas também, por outro lado, a lembrança de um período que haveria de ser marcado pelas mais nobres e corajosas provas de resistência ao repressivo domínio esclavagista. 



Tudo começara na vila da Trindade, com a população nativa a ser perseguida há meses com rusgas permanentes e arrebanho de pessoas para as obras do Estado. Ao anoitecer do dia 3 de Fevereiro de 1953, o tenente Ferreira e o Zé Mulato, acompanhados de soldados armados de espingarda e baioneta, apareceram num jipe em atitude provocatória. Um homem que passava, descuidadamente, na rua principal abatido pelas costas. A população, aterrada com o tiroteio, corre a refugiar-se no mato. E, no dia seguinte, principiaram as prisões em massa, as rajadas de metralhadora, morte de gente indefesa. Com a desculpa, disparatada, de que os nativos, armados machins, se preparavam para marchar sobre a cidade para matar o Governador. E, por fim, nomeariam como  governantes  personalidades desafetas  ao Governo, como o Engº Graça , os professores Januário e Maria de Jesus, os chefes e mentores da revolta. E também alguns brancos-forros, Vergílio Lima, Carlos Soares, Américo Morais  - In Crónica de uma Guerra Inventada – por Sum Marki

CAMPO DE EXTERMÍNIO DE FERNÃO DIAS

2014
Um local pantanoso, infestado de mosquitos, embora a escassos metros da praia, onde muitos presos, ou  eram imediatamente acorrentados e lançados ao mar ou, ainda sob o peso de fortes grilhetas,  obrigados a carregar pesadas tinas de água ou grandes blocos de pedra, por forma a que o seu extermínio ainda fosse mais doloroso, porque física e psicologicamente mais sórdido e lento, quando não sufocados pelo terreno movediço da lama para onde também eram atirados ou mortos vivos em valas abertas pelos próprios prisioneiros, que eram obrigados a cavar a sepultura, sob as prepotências e as arbitrariedades de um contratado angolano, um tal Zé Mulato, um inqualificável verdugo que  que as autoridades foram buscar à cadeia,  onde  cumpria pena de assassínio, para chefiar o dito campo de morte. 

O QUE DIZEM AS "MEMÓRIAS  DE UM AJUDANTE-DE-CAMPO E COMANDANTE DA POLICIA" . Capitão Salgueiro Rêgo - No tempo de um dos Governadores mais odiados em S. Tomé e Príncipe 

"A forma como o Governador durante o tempo do meu Comando tratava e dirigia a sua obra, "com dinamismo - que o tinha -sob os aspectos de desenvolvimento material e económico era, sendo bem observado, em vários detalhes, como um ditador à maneira da gestapo no tempo de Hitler na Alemanha. Era ele e só ele quem tudo mandava. sentindo que a minha outra função de Administrador do Concelho inerente ao meu comando da Polícia iria ser toda subordinada às suas firmes e despóticas vontades em acionar as suas obras que dia a dia se faziam por toda a parte. Assim, o Governador determinava ao Administrador do Conselho que mandasse apresentar na Repartição das Obras Públicas a quantidade de trabalhadores que desejava para qualquer obra. Mas, como se me tornava impossível por falta de ficheiros e registos de elementos a convocar e a chamar pelos diversos Regedores das Freguesias da Ilha, comunicava isso mesmo - em geral pessoalmente ao Governador - que se admirava da minha ingenuidade nestas coisas já tão sabidas em S. Tomé! ...


Como ir arranjar- trabalhadores?!...Muito  facilmente pá: como já do antecedente: forma que era já do tempo em que ele tinha tomado posse daquela Grande Propriedade que era do Estado mas que .ele governava à sua maneira de conseguir homens para  trabalho, E como era ? Por meio de RUSGAS! Tratando-me por TU, como aliás a toda a gente daquela terra, dizia-me abrindo o mapa, a planta, da Ilha. Tratas de cercar com os teus soldados a zona' tal e tal ... e de manhã vais apertando o cerco e trazes-me para a Cidade essa gente que for saindo de suas casas. Assim se fazia e se entre as mulheres vinha alguma cachopinha bonitinha em isca para o homem grande ... E o resto da caçada era entregue pelos meus soldados sob prisão ao comandante das prisões -miseráveis barracões imundos onde os pobres dormiam pelo chão-um tenente Santos Ferreira que se dizia parente do Ministro do Exército, natural de Viseu" 

A  SOBREVIVENTE - A DOR QUE O TEMPO AINDA NÃO APAGOU - ESPANCADA À CRONHADA DEPOIS DE LHE METEREM A CABEÇA NUM TANQUE DE  ÁGUA - Era menina e estava grávida.






Maria dos Santos, mais conhecida por Mena,  é um  dos rostos debilitados, que ainda hoje espelha o testemunho do incomensurável sofrimento, angústia e lágrimas, por que viveu  -Ainda
  jovem, e  mesmo grávida, não foi poupada à brutalidade facínora das ordens do então Governador Carlos Gorgulho: arrastada à força de sua casa, levada para um calabouço na então Vila de Trindade, espancada barbaramente, Primeiro deu-se o saque às casas: carregaram o que puderam dos modestos teres e haveres, após o que as incendiaram.
Ao voltar a S. Tomé, em 2014, 39 anos depois de ter partido numa canoa solitária, não podia deixar de passar pela martirizada  vila do Batepá, que, embora não tendo crescido muito, no entanto, já tinha mais algumas casas de que no meu  tempo. E foi ali que tive oportunidade de falar com uma antiga sobrevivente, que, juntamente com a filha e netos,  teve a amabilidade de me franquear o portão de sua casa e me mostrar o que restava do carro que ardeu quando atearam o fogo a sua casa - a única loja comercial que ali havia, naquela altura, a qual fora saqueada antes de lhe deitarem o fogo -  Penso que esses objetos deviam ser guardados no museu e que não acabassem  por se desfazer com a ferrugem.

Massacre de Batepá silenciadas na narrativa pública, tanto em Portugal como em São Tomé e Príncipe, mas que emergem nas representações artísticas, sobretudo na literatura -  Poemas de Alda Espírito Santo ou de Olinda Beja, lidos ou cantados, é  um dos vários exemplos.



ROMAGEM À SILENCIADA ALDEIA DO COLMEAL - EM TARDE NOSTÁLGICA DE OUTONO
Estas imagens  - em video e neste post - que vão desfilar perante os seus olhos, foram registadas por mim e por um grande amigo, o Luís Constâncio Pereira, há  uma dúzia de anos, numa brilhante tarde de outono, já as não  poderá contemplar, tal como aqui lhas mostro 



Desabitada, desde que os seus habitantes, foram escorraçados, no regime fascista, sob a ponta das baionetas por uma força repressiva da GNR, em 1957, a aldeia presépio do Colmeal, erguida nas encostas de uma suave colina, que descaía das faldas da Serra, cobertas nos pontos mais altos por alguns mantos verdejantes de pinhais, passou a chamar-se de Aldeia Fantasma do Colmeal, dado o abandono em que ficou – Mas, agora, desde que, em 2015, as ruinas do seu casario chistoso, foram esmagadoramente apagadas e descaracterizadas por um aviltante projeto turístico, que não respeitou, minimamente, a singularidade da sua memória, dir-se-á que já nem aldeia fantasma é, visto praticamente ter desaparecido para dar lugar ao que definharam por uma parceria público-privada subjacente ao Protocolo do desenvolvimento turístico da “Quinta do Colmeal”, que usurpou o nome de aldeia. –

Vai fazer no último domingo de Setembro, 12 anos, que finalmente pude concretizar um velho sonho: o de fazer uma romangem à aldeia onde nasceu o meu bisavô paterno  A  tarde estava soalhenta e as cores outonais, propiciavam o ambiente ideal para invocar a memória e a nostalgia de outros tempos. 

Quinta da Ervamoira - Antiga Quinta Santa Maria

Não conheci o meu bisavô, tal como também não cheguei a conhecer o meu avô, que nasceu na Quinta da Santa Maria, hoje conhecida por Ervamoira. Mas já o meu pai me contava, ele que também ali nasceu, na margem esquerda do Côa, que o nosso bisavô, viera da aldeia do Colmeal para tomar conta da quinta, como rendeiro.
Infelizmente, o que resta do Colmeal, são ruínas. O lugar é edílico, ergue-se nas faldas da Serra da Marofa, a fazer lembrar os presépios, alcandorados no sopé das montanhas.Mas a memória, de como a aldeia foi extinta, transparece, clara e nítida, como um grito de revolta e de afronta, desde o esqueleto da vetusta ermida, ao lajedo carcomido do xisto nas ruas e

Foi graças ao bom amigo  Luís, que teve a gentileza de me  levar na sua viatura, também ele cheio de curiosidade em conhecer a aldeia que fora varrida do mapa pelo fascismo. Houve, porém, um senão:  ao passarmos por Figueira de Castelo Rodrigo, deparámos com a GNR (com o devido respeito para o desempenho da profissão,  em prol da grei e da lei ), a desfeitear-nos a jornada -  Até parece que era o fado do destino a selar  quem ali retornasse às  origens ancestrais. O Luís tinha todos os documentos da viatura, mas esquecera-se da carteira, e vai a multa da ordem. Claro,  não havia nada  a fazer: dura lex sed lex.  Impecáveis no dever; nada da arrogância de outros tempos. Mas, ir para os lados da Excomungada, nem de propósito!... 

Valha-nos ao menos, as boas recordações do roteiro: a breve visita  a  Cidadelhe, onde revi  o  amigo Leonel Marques (meu parente afastado)depois aquelas paisagens agrestes na descida até à  ponte do Côa, por curvas e contra curvas em precipícios inóspitos e vertiginosos de cortar a respiração, de uma força selvagem e telúrica de arrepiar mas plena de um fascínio capaz de nos arrebatar o corpo e alma. - 

Por fim, o autêntico ramalhete inesperado: o agradável convívio, partilhado  com "Os Marofas"  numa quinta sobranceira à dita serra, já quase no desvio para o Colmeal.. Fomos lá a perguntar se estávamos no bom caminho e lá tivemos que nos associar, por alguns momentos, à sua festa com febras e concertinas. Obrigado amigos. Saúde e longos anos de vida -- Mas, sempre que puderem,   poupem as aves que alegram os campos - E, então, os grifos!...Que beleza a planar, quando lá chegámos!

Não conheci o meu bisavô,  tal como também não cheguei a conhecer o meu avô, que nasceu na Quinta da  Santa Maria, baptizada  de  Ervamoira. Mas já o meu pai me contava (ele que também  foi nado e criado na margem esquerda do Côa), que o seu avô, viera da aldeia do Colmeal para tomar conta da quinta, como rendeiro.  Ao que parece, já era tradição dos habitantes da pequena aldeia histórica, serem escravos dos ricos.

Infelizmente, o que resta do Colmeal, são ruínas. O lugar é idílico, ergue-se  nas faldas  da Serra da Marofa, a fazer lembrar os Presépios de Natal, alcandorados no sopé das montanhas verdejantes. Só que, ali, o Natal, foi sempre  madrasto. E a  memória,  de como a aldeia foi extinta, transparece, clara e nítida, como um grito de revolta e de afronta, desde o esqueleto da vetusta ermida, ao lajedo carcomido  do xisto nas ruas e das casas, mais delas desmoronadas. A que não escapa o antigo solar dos pais de Pedro Álvares Cabral, onde também terá crescido (ou até vindo à luz) o destemido navegador. Embora brasonado e erguido quase em jeito de muralha,  entre as humildes habitações, nem assim deixa de ser uma das testemunhas macabras, silenciosas e feridas de morte, que não resistiu ao arbítrio e ao abandono compulsivo, que forçou os  moradores a deixarem  o chão sagrado onde nasceram, mercê da mais absurda e inqualificável decisão judicial,  movida pela proprietária dos terrenos limítrofes, que chamou a si os direitos de toda aldeia, como se fosse sua quinta, o que, historicamente, lhe seria  recusado, se a lei não estivesse ao lado dos poderosos - Como, de resto, ainda hoje acontece. Não é a mesma coisa, mas  para lá caminhamos
.
Fica situada a 15 Km a sudoeste do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo. Até  finais do século  XIX, pertenceu a Pinhel, porém, a sua origem perde-se no tempo, com registos desde 1183, quando D. Fernando II (Rei de Leão) se encontrava em Ciudad Rodrigo, mas  o seu destino  ficou traçado em  8 de Julho de 1957, quando, a GNR, como força policial militarizada do sistema fascista, avançou a ferro e a fogo  sobre  os pacíficos  habitantes, matando e aterrorizando. - Isto,  porque,  em 1956, a proprietária (uma tal Rosa  Quirino Cunha e Silva), decidiu mover uma acção judicial, apoderando-se de toda a encosta,  o que logrou face à  indefesa dos pobres desgraçados,  sob o pretexto de que não pagavam as rendas das terras de cultivo.  Sem vida e à mercê dos incêndios, a devastação e as ruínas saltam aos olhos da cara, como a expressão da mais afrontosa e ignóbil heresia. 

CRONOLOGIA DE UMA ANTIQUISSIMA ALDEIA SUFOCADA PELA REPRESSÃO FASCISTA  - ONDE SE JULGA TER NASCIDO OU VIVIDO PEDRO ÁLVARES CABRAL NO SOLAR ABRASONADO DOS CABRAIS
CABRAL  é  sobrenome português toponímico, referindo-se a um "lugar onde há ou pastam cabras “  E, de facto,  as colinas que ladeiam  as xistosas ruínas da aldeia do colmeal, assim o demonstraml, tal como o expressa o brasão de duas cabras que existe no que é considerado o  antigo solar dos Cabrais  -

Pedro Álvares Cabral fazia parte da tradicional e abastada família portuguesa e o  registro mais antigo conhecido, deste nome é o de Aires Cabral, em tempo do el-rei D.Dinis, no tempo dos primeiros reis de Portugal, ocuparam os Cabraes lugares honrados e a eles permaneceu o senhorio de Belmonte e de outras terras. http://cabral1000.no.comunidades.net/arvore-genealogica-familia-cabral ... http://www.oguiadeitajuba.com.br/BFamilias/BFamilias_C/Cabral.php


Família nobre e antiga que os genealogistas começam em Pedro Anes Cabral, Reposteiro-Mor do Rei D. Afonso III no ano de 1271. Dele descendiam altas figuras dos séculos posteriores como o Bispo da Guarda D. Gil Cabral e Álvaro Gil Cabral, que se recebeu com a filha única e herdeira de Diogo Afonso de Figueiredo e de sua mulher, D.Constança Rodrigues Pereira, esta terceira neta de D. Afonso III. Daquele matrimónio nasceram filhos, continuando na sua linha primogénita o Senhorio de Azurara e a Alcaidaria-Mor de Belmonte, cujos herdeiros vieram a acrescentar a estes Senhorios e cargos os de Senhores da Ota, e Condes de Belmonte.  ... https://www.heraldrysinstitute.com/lang/pt/cognomi/Cabral/Portugal/idc/601600/#!


COLMEAL  - Em 1183 - era propriedade da Ordem de São Julião do Pereiro; século XV - período provável da construção da igreja; nascimento ou residência de Pedro Álvares Cabral, na casa que ostenta as armas dos Cabrais; era filho de Fernão Cabral e de D. Isabel de Gouveia, senhores de Belmonte; D.Isabel de Gouveia, era neta de Vasco Fernandes de Gouveia, Senhor de Almendra, Castelo Melhor, Colmeal, Malpartida; Fernão Cabral era filho de Estevão Soares de Melo, Senhor da Vila de Melo;

1527 - integrava o termo de Pinhel e tinha 15 moradores; eram seus senhores donatários os Condes de Belmonte; século XVII - tinha cerca de 50 habitantes; terá sido destruída durante as Guerras da Restauração. Toponómio relacionado com a abundância de colmeias. Orago: São Miguel Arcanjo. Curato apresentado pelo Vigário de Penha de Águia;
1940 - tinha 12 fogos e 62 habitantes;
1956 - expulsão dos habitantes, por ordem judicial através de processo movido pela então proprietária, herdeira das terras onde se situava a aldeia, sede de freguesia; em poucas horas a GNR, fortemente armada, expulsou 14 famílias de camponeses, obrigadas a abandonar imediatamente o local; posteriormente a proprietária vendeu as terras ao seu advogado;
1968 - pedido de recuperação à DGEMN, por parte do Comissariado do Turismo e do proprietário, Jerónimo Leitão, da casa que pertenceu a Cabral; nessa época a igreja ainda possuía os retábulos dos altares;
1975 - hipótese, colocada pelo proprietário, de adaptação de algumas casas a unidade hoteleira e de abrigo para caçadores;
2013, 28 janeiro - Colmeal passou a pertencer à União das Freguesias de Colmeal e Vilar Torpim, por agregação das mesmas, pela Lei n.º 11-A/2013, DR, 1.ª série, n.º 19. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aldeia_do_Colmeal

Povoada desde o século XII. 

A Tragédia do Colmeal
Em 1183, o Rei de Leão doou esta povoação à Ordem de São Julião do Pereiro. Mas, finda a guerra com Leão e Castela, em 1297, os bens desta Ordem passam para a Ordem de Alcântara e as terras de Riba Côa são integradas na Coroa Portuguesa. Em 1540, D. Afonso V deu-lhe carta de Couto com o nome de Colmenar das Donas e a pertença a um senhorio, João de Gouveia. Por laços familiares, passará aos Álvares Cabral, pais do “descobridor” do Brasil e Condes de Belmonte. Em finais do séc. XIX estes vendem a propriedade aos Quirino, que se esforçam por manter juridicamente esses antigos direitos de foro, delimitando terrenos e com escrituras.

Chegados aos anos 40 do século passado o Colmeal, terra rica em água, hortas e colmeias, permanece conhecida como um dos últimos feudos em Portugal. Uma pequena aldeia dentro de uma grande propriedade. Os proprietários absentistas da família Quirino recebem do arrendatário geral que manda na propriedade e que cobra por sua vez às famílias subarrendatárias habituadas a pagar o foro. Desde 1942 esse feitor é Abílio Fernandes e, desde então, o foro eram rendas disto e daquilo, atingindo «níveis quase impossíveis de suportar» para as quais «os habitantes “mataram-se” a trabalhar», segundo o testemunho em 1997 de Albino Carvalho de 72 anos: «Revoltados com a situação, os habitantes do Colmeal recusaram-se a pagar e, como resultado, tiveram de travar uma longa batalha jurídica que de nada lhes valeu». [5]

Mais do que o endividamento das rendas, entra em jogo a habilidade jurídica dos advogados dos Quirino, José António Pimentel e, com maior mediatismo, Manuel Cardoso de Vilhena. Alargou a acção de despejo do arrendatário geral, que teve início em 1953, a toda a aldeia, passando oficialmente a ser uma quinta (herdade) o que ao longo de séculos foi uma aldeia. De nada vale o recurso de alguns habitantes contra a legalidade da acção judicial, por se considerarem não subarrendatários, mas sim foreiros, reclamando os direitos da secular transmissão das terras e casas. A expulsão ocorrerá depois de uma ordem de despejo não sucedida «por ser público e notório que os detentores dos prédios estavam na disposição de resistir à ordem de despejo” [6] e de um processo de quatro anos no Tribunal.

Numa manhã de Julho de 1957, Colmeal acorda cercada por uma força fortemente armada de mais de duas dezenas de guardas da GNR. Arrombam as portas e expulsam 15 famílias inteiras, 60 habitantes. «Aquilo não se fazia» recordava em tom revoltado Maria Matilde do lugar vizinho do Bizarril: «Ainda me lembro que se via um guarda com uma metralhadora, além no cimo do monte» [7]. Albino Carvalho que «na altura, tinha pouco mais de trinta anos e a “vida arranjada”» conta como «os habitantes do Colmeal sabiam que “algo de mal” lhes iria acontecer. Mas nunca pensaram numa sentença tão dura».

No domínio dos grandes domínios

A morte de uma aldeia teve como consequência imediata uma quinta votada ao abandono. Não por qualquer coincidência, acaba nas mãos do destacado advogado Manuel Vilhena como forma de pagamento. A aldeia e os domínios do Colmeal serão depois vendidos aos latifundiários das grandes quintas das zonas planas que formam o tecido da propriedade da região, intercalada aqui e ali pelos casais ou “sortes” (provenientes da divisão de baldios) de lavradores e arrendatários. A aldeia e sua envolvente entram na posse da família de Jerónimo Leitão que passa a ser dona de cerca de mil hectares. Depois do 25 de Abril vende «400 hectares à Portucel» e arrenda «as partes mais altas da serra à Soporcel» [8].

A delapidação do território do Colmeal aumentara na precisa e exacta medida do abandono das gentes que a povoavam. As amendoeiras e as oliveiras foram arrancadas e a serra da Marofa eucaliptizada de morte. No silêncio que esmaga o vale do Colmeal não irrompera nenhum grito em Abril de 1974. Segundo a jornalista Gabriela Marujo, mas negado por António Vermelho do Corral, o processo chegou a ser reaberto e «as pessoas ouvidas no Tribunal de Figueira, por um desembargador vindo de Coimbra, e ficou decidido que poderiam regressar às suas casas e terras, ficando a parte do Pradinho para a actual quinta» [9]. Ninguém regressa à agora “Quinta dos Leitão”. O peso de outros tempos permanecia. Um conterrâneo que deixara Figueira Castelo Rodrigo e já então por Lisboa no 25 de Abril conta-nos como chegou a ser sondado ao balcão da Brasileira pelo PCP para candidatar-se à Autarquia pois «dava-se bem com padres e era de famílias de latifundiários». Em 1976 será pois o CDS que ganha a câmara. O Governador Civil da Guarda na altura era Manuel Cardoso de Vilhena. Sim esse mesmo: Manuel Vilhena, o advogado dos Quirino. A praça do município de Figueira Castelo Rodrigo ostenta o seu nome.

Um regresso à aldeia?

Apenas em 2013, com o novo mapa das freguesias, o Colmeal deixou de ser caso único no país. Desde 1957 a aldeia fantasma era a sede da freguesia (Bizarril, Luzelos e Milheiro as demais aldeias da freguesia com 4002 hectares). Os censos de 2011 [10] contabilizavam na antiga freguesia do Colmeal apenas 42 residentes, a maioria idosos. Anexada em 2013 a Vilar Torpim, nas últimas legislativas votaram apenas metade dos 255 recenseados, distribuídos pela PàF (59) e PS (42).

Em 2009, Sandra Invêncio do jornal Interior acompanhou Jacinta Carvalho às ruínas do lugar onde 52 anos antes fora expulsa do local onde nascera e vivera até aos 21 anos. Nunca mais aí havia regressado apesar de viver apenas a 13 km: «Não vim cá antes porque tinha medo de me sentir mal», confessava [11]. O jornal noticiava o regresso veraneante dos filhos da aldeia fantasma: «regressam os que ali têm familiares sepultados e os que, de um modo ou outro, guardam recordações da terra. Vêm em família, com os filhos e os netos, de enxadas e paus na mão para evitar as silvas, e com muitas histórias para contar aos mais novos» [12].

Essas histórias haveriam de levar de novo Colmeal à Assembleia Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo e à proposta de criação de um grupo de trabalho, em 2009. Na Assembleia Municipal de 27 de Fevereiro de 2009 são pronunciadas vontades de «reparar este erro histórico que foi aquela sentença de expulsão» nas palavras do então Presidente da Câmara António Edmundo Freire Ribeiro (PSD). Um reconhecido «caso de contornos políticos claros» do qual deviam ser aferidos os direitos e bens particulares usurpados, não restando dúvidas quando aos espaços e bens públicos. Segundo o deputado do PS, o jurista Feliciano Martins, nessa mesma sessão, o Colmeal «é um tema que vale a guerra (…) oportunidade de darmos visibilidade neste município a lutar por uma coisa pública, que em tempos se perdeu» [13].

O Presidente da autarquia declara aos jornais: «estamos a tentar que sejam reconhecidos os bens públicos e as propriedades daqueles que hoje são os filhos e netos dos seus antigos habitantes», mas não sem deixar de manter que «formal e juridicamente tudo é privado, exceptuando a igreja, os caminhos e o cemitério» [14]. Assim, o grupo de trabalho formado serviria essencialmente para averiguar do potencial turístico do Colmeal, um «diamante por lapidar», para, com o «beneplácito do dono da quinta», transformar o Colmeal na «aldeia dos Cabrais», um pólo de atracção turística para ser visitado «por milhares de brasileiros» [15], numa alusão bacoca ao “descobridor” português.

2014_Obras_do_Colmeal_Contryside_HotelEm 2011, António Edmundo aparenta desânimo por os proprietários apenas terem devolvido a Igreja à paróquia. O tal grupo de trabalho «não fez nada praticamente» e esfumava-se a ideia pela qual as «quatro ou cinco famílias vivas» de antigos habitantes teriam «a oportunidade de recuperar a sua casa ou de a transformar para acolher os turistas». Mas o certo é que o investimento municipal tivera início dois anos antes, no arranjo da estrada às ruínas por 89 mil euros (comparticipado em 66 mil pela UE) [16]. Em 2011 não era desânimo o que exortara a família Leitão a fundar a Sociedade de Desenvolvimento do Colmeal, Lda. não dando por desbarato a comparticipação pública. Na verdade uma ideia antiga que aguardava a oportunidade subsidiada. Em 1968 fora dirigido um pedido de recuperação da casa dos Cabrais à Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, por parte do Comissariado do Turismo e de Jerónimo Leitão, o qual em 1975 coloca a hipótese da unidade hoteleira e abrigo para caçadores [17]. Havia que esperar por 18 de maio de 2012 para o reconhecimento de interesse municipal do Empreendimento Hotel Rural e Casas do Campo do Colmeal. A 13 de Setembro de 2013 – já com executivo PS de Paulo Langrouva – é emitido o Alvará de Obras.

Na verdade algo mudara desde 1957: «Aos cinco dias do mês de agosto do ano de dois mil e treze» é declarado «para os devidos e legais efeitos e demais que se julgarem por convenientes, a pedido do Sr. João Miguel Chambel Filipe Lopes Leitão, que tanto a Câmara Municipal como a Junta de Freguesia do Colmeal, consideram Públicos desde tempos imemoriais as ruas, caminhos e largos de acesso” do Colmeal [18]. Não mais que reconhecida a usurpação do espaço público que a expulsão judicial décadas antes impusera. Mas apenas o espaço público da aldeia. Pois na verdade algo não mudara desde 1957. Nenhuma família expulsa se viu ressarcida (nem tão pouco moralmente).

O “pedido” de reconhecimento do domínio público ocorreu simultaneamente à aprovação do projecto do Empreendimento, para que pudesse ser feito através de fundos comunitários. Colmeal é agora posse da Sociedade de Desenvolvimento da Quinta do Colmeal e da Agrocolmeal, Sociedade Agrícola, criada em 2012. À cabeça está João Leitão, neto de Jerónimo Leitão e ex-director da companhia Imperio (Holdings). A Autarquia assina um Protocolo em 2014 [19], em nome dos 10 potenciais postos de trabalho e o desenvolvimento de actividades conexas. Neste investimento total estimado de 4 milhões e 50 mil euros nos próximos 5 anos, o investimento inicial é financiado pelo QREN com uma comparticipação comunitária de 75% no investimento de 2.034.317€ [20]. A Autarquia procede à ligação eléctrica ao Colmeal, num valor de 41.240.00€, e a João Leitão cabe a iluminação pública, saneamento, abastecimento de água potável e recuperar os arruamentos em conformidade com os espaços públicos, consolidando apenas as ruínas da Igreja e cemitério anexo até à sua reconstrução pela Diocese da Guarda [21].

O silêncio que ficou

Do muito que se falou, resultou esta parceria público-privada subjacente ao Protocolo do desenvolvimento turístico da “Quinta do Colmeal”. Da quinta que usurpou o nome de aldeia. Não houve lugar a averiguar o historial predial e matricial ou o imbróglio jurídico na distinção entre foros e rendas. O antigo presidente da Freguesia Teodoro Augusto Farias, zeloso da questão do seu Colmeal, expressava em 2009 a necessidade de «um livro branco sobre este delicado assunto» [22]. O livro mais recente sobre a questão do Colmeal surge em 2015, pela mão de António Vermelho do Corral, elemento do grupo de trabalho proposto e então Secretário da Mesa da Assembleia Municipal, não pretendendo porém discutir «a verdadeira detenção da propriedade» [23]. O autor, que nos anos 50 era um dos funcionários judiciais que acompanhou o processo, assenta na defesa intransigente da lei «independentemente de então governar Salazar»: «Dura lex sed lex”, o que quer dizer que a lei pode ser dura, violenta, mas porque é lei deve ser cumprida e respeitada». Para em seguida atribuir as culpas aos comunistas que se «serviram de gente simples, inculta, analfabeta, para lançarem as sementes das suas orientações políticas». O comunista que «ensimesmou e convenceu os residentes da Quinta do Colmeal de que eram os únicos e verdadeiros senhores da terra que detinham, baseando-se no princípio comunista de que “a terra pertence a quem trabalha”» [24]. O preciosismo é tal que equipara o “despejo” (e não a “expulsão”) aos procedimentos necessários e normais às forças da ordem actuais, como os que ocorrem com as «etnias negras e ciganas quando abusivamente ocuparam prédios devolutos ou inacabados» [25].

Antes das obras 
Mas se o Colmeal Countryside Hotel pretende ser um final feliz para o Colmeal, algo de profundamente incómodo persiste. Subjaz ao Protocolo referido no seu título a “preservação da memória e património histórico da Aldeia do Colmeal através do seu desenvolvimento turístico”. Numa memória com a marca registada de Colmeal, Land of Silence, é o silêncio que se inscreve no inexistente “livro branco”.

Turismo: um lugar sem Terra

Colmeal está em plena rota das aldeias históricas, abarcando zonas de património mundial (Alto Douro Vinhateiro e Gravuras do Vale do Côa) ou propostas de turismo de natureza como a Faia Brava. Não restam dúvidas nem motivos para ser viajante em Figueira de Castelo Rodrigo.

Quanto ao desenvolvimento, e generalizando, as opções em cima da mesa acabaram por ser basicamente duas para a questão do Colmeal: a possibilidade de uma nova partilha do território e da aldeia pelo usufruto comunitário das próprias potencialidades (turísticas entre outras), aferindo a distribuição predial e/ou acordando formas adequadas à reocupação humana efectiva; ou mantendo tudo na mesma, isto é, no foro exclusivo do proprietário, pese a notória alteração de um investimento no espaço público da aldeia. A primeira opção foi desde logo assumida como a mais espinhosa e nem sequer ousada ensaiar por remar contra a norma que favorece a propriedade e o direito privado face ao público. Mais ainda quando o formalismo legal apenas serviu na questão do Colmeal para passar por cima do direito consuetudinário que – para lá do foro ou da renda – resulta inequívoco no sentimento comunal de pertença dessa aldeia secular. De nada valendo aos olhos do tribunal e agora de uma autarquia. Na verdade não interessa tanto a discussão jurídica do pleito da propriedade em causa, fruto de um verdadeiro saque. O verdadeiro saque, que ainda hoje prossegue, é cultural, realizado sobre o território, natural e social. O saque de um território que já foi uma aldeia.

Vulgar, sem deixar de ser verdade, será dizer igualmente que esta é uma história de ricos e pobres. Mas é precisamente nessa equação desigual que se baseia a agenda do desenvolvimento do Colmeal. O Turismo desempenha aqui o instrumento último que transforma o seu território numa oferta consumível por essa nova categoria privilegiada da elite que é o turista, desapossando cada vez mais quem do território pretende viver de outra forma que não puramente exclusiva desse monopólio. Não vamos mais longe num exemplo muito concreto e nas palavras do presidente da Freguesia do Colmeal em 2009, referindo que se «foi despejado o Colmeal em 1957, neste momento, prepara-se outro despejo que é o do Bizarril, o Milheiro e dos Luzelos pela expansão de um couto privado de caça turística» [26].

Dir-se-ia que ser turista no Colmeal hoje é algo distinto do que seria ser viajante no Colmeal. Ser viajante comportará o regresso ao passado recente cujo incómodo ou a revolta que despoleta não são menos importantes na descoberta da região e da aldeia do que os seus atrativos naturais e culturais. Mas ser turista na Colmeal: Land of Silence é ser-se entretido pelo silêncio new age de charme rural. Que ligação possível pode haver entre o naming e imagem deste novo Colmeal silencioso e os usos e costumes das populações sonoras que deram milenar vida a uma aldeia desaparecida? O turismo silencioso do Colmeal, oferta repetida onde o consumidor turista se desliga das suas próprias capacidades de descoberta, é no fim de contas o meio através do qual se quer desligar a memória dos lugares e das pessoas a quem pertenceria de direito o destino do Colmeal. E não apenas o destino das ossadas olvidadas dos seus antepassados.




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