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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Poeta António Ramos Rosa - "Estou Vivo e Escrevo Sol" - Mas partiu para “A imobilidade Fulminante” há precisamente 6 anos


         Jorge Trabulo Marques - Jornalista, investigador e foto-jornalista 
ANTÓNIO RAMOS ROSA  EM MEMÓRIA DE UM GRANDE POETA DA LÍNGUA PORTUGUESA - Faleceu há seis anos - Deu-me a  honra e o prazer de ser seu amigo e de me receber várias vezes em sua casa- E até na residência onde se recolheu por razões de saúde - - 17 de Novembro de 1924 – 23 de Setembro de 2013




Tinha 88 anos, e uma vasta obra na poesia, ensaio e tradução. Nos últimos anos desenhou rostos de mulheres. António Ramos Rosa, algarvio  - O poeta e ensaísta António Ramos Rosa, de 88 anos, morreu no dia 23 de Setembro, de 2013, cerca das 14h de hoje, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, onde estava internado desde quinta-feira com uma pneumonia, disse ao Expresso uma sobrinha do escritor. https://expresso.pt/cultura/morreu-antonio-ramos-rosa=f831965




O teu fulgor soa alto sobre o pulso do silêncio
És uma palavra, uma única palavra
ardentíssima no centro do espaço.
É por ti que não cedo sobre as sombras
e cresço para devolver a água do bosque
do teu nome de fogo e de veludo.
Fora do íman da névoa, em grandes blocos de ar,
estendes a tua dança incandescente
e as tuas veias vibram entreabrindo a noite.
Leve e musical no teu barco redondo,
crias a ordem livre das constelações
e, gracioso veleiro, adormeces nas ondas
do teu peito de estrelas cintilantes.

António Ramos Rosa
In DEZASSETE POEMAS 1992



Aqui é um lugar neutro o lugar nu. O lugar livre
O lugar incandescente pobre e nulo
Porque não se pode começar no princípio
Aqui nada se disse e por isso está tudo por dizer
E por isso nada se dirá e por isso tudo se dirá" 

 - António Ramos Rosa


INSITUÁVEL LUGAR
Um oblíquo solo
adormecido iluminado

Confiança na lentidão para um desvio
e uma aliança no intacto
Canais inextricáveis
em todos os sentidos Nenhum
centro mas
estigmas eflúvios sussurros
sombras de animais furtivos
o bafo germinal o negro
do interdito corpo

Insituável lugar cintilações
de um jogo Como
iniciar a espiral para além do magma?
Desenrola-se sobre os resíduos sob o vento
uma espécie de
animal ou fábula ou deus pequeno
Sombras resvalam o Amarelo
Contém o negro As veias traçam
o contorno de uma palavras de pedra
Nenhuma semelhança a folhagem opaca
Um caminho nocturno principia
para a presença talvez de uma figura
Conivência de sangue com o ar
quando nasce uma folha um sol
quando o deslumbramento da ferida
fogos minúsculos no mármore ascendem
tenazes ténues moléculas
ao longo de uma língua de sombra e verde
um clamor se eleva  no limiar
de uma profunda câmara
de frescura
a linguagem confunde-se com a nascente
e clara boca abre-se ao esquecimento

 ANTÓNIO RAMOS ROSA – IN DINÂMICA SUBTIL - 1984


Recebeu-me, muitas vezes, em sua casa, a título pessoal ou por razões profissionais para a Rádio Comercial - Proporcionou-me agradáveis e inesquecíveis  momentos  de convívio  e até no café onde costumava ir. Tornámo-nos  amigos e visita praticamente familiar. Datilografei-lhes e passei-lhes alguns dos seus poemas para o meu  computador - ele não o usava, nem gostava dessa palavra mas havia outras que, ouvindo-as pronunciar, podiam ser o ponto de partida para um lindo poema -  sim, confiou-me alguns manuscritos (com uma letra quase indecifrável) para os transcrever, numa altura em que, por razões de saúde, ele tinha alguma dificuldade em escrever ou em batê-los à máquina - Outros vertidos directamente para o papel, que ía escrevendo, à medida que  brotando da sua mente










Escreveu expressamente meia dúzia de poemas para um livro com fotografias de nossa autoria, com textos de Lídia Jorge, Oliveira Marques e José Andrade - A editora, a quem entregamos o espólio não tendo cumprido com os prazos, foi-lhe retirado, pelo que o livro não chegou ainda a ser editado. Ofereceu-nos vários dos seus lindos desenhos, um dos quais com a nossa imagem. Dedicou-nos um lindo poema a uma das nossas fotografias, que registamos no Monte dos Tambores e outro também às aventuras que fizemos pelos Mares do Golfo da Guine, tal como também a sua grande amiga e companheira de todos os momentos, Agripina Costa Marques, a quem expressamos o nosso sincero pesar  

Já o homenageámos, nalgumas das tradicionais celebrações nos Templos do Sol,  o genial poeta - Simples, destituído de vaidade, como, aliás, são assim os grandes génios - Também ele o era na mais bela e original expressão poética - Sem dúvida, um dos maiores do nosso tempo. Por isso mesmo, a sua morte será apenas corporal, já que as suas palavras continuarão  intemporais, como um dos mais belos Templos do Sol da Poesia Portuguesa





A Festa do Silêncio
Escuto na palavra a festa do silêncio. 
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. 
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. 
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. 
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma. 

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, 
o ar prolonga. A brancura é o caminho. 
Surpresa e não surpresa: a simples respiração. 
Relações, variações, nada mais. Nada se cria. 
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça. 

Nada é inacessível no silêncio ou no poema. 
É aqui a abóbada transparente, o vento principia. 
No centro do dia há uma fonte de água clara. 
Se digo árvore a árvore em mim respira. 
Vivo na delícia nua da inocência aberta. 

António Ramos Rosa, in "Volante Verde


 TRANSCENDENTAL COINCIDÊNCIA  - Prestámos-lhe singular homenagem nos tempos do Sol, na celebração do Equinócio do Outono de 22 de Setembro, véspera de sua morte , 



OUTRAS POSTAGENS DEDICADAS AO POETA NESTE SITE 
23 DE SETEBRO – 2013  - MORREU O POETA DA FESTA DO SILÊNCIO QUE SE FEZ FELICIDADE DO AR E DA LUZ  
22 de Setembro 2013 - Festa do Silêncio" e Escrevo-te com o fogo e a água" de  António Ramos Rosa - A singela homenagem a um grande poeta  http://www.vida-e-tempos.com/2013/09/equinocio-do-outono-2013-festejado-hoje.html
17 de  2013 Outubro - António Ramos Rosa - Hoje 89 anos, se fosse vivo - Mas "há momentos em que a consideração da morte se impõe como a consumação prévia da finitude" António Ramos Rosa - Hoje 89 anos, se fosse vivo -
22 de Outubro de 2011 – ANTÓNIO RAMOS ROSA "TU PENSAS QUE OS CARDEAIS NÃO SE MASTURBAM, QUE NÃO VÊM AS TELENOVELAS  Tu Pensas que os Cardeais - Poema de António Ramos Rosa
17 DE Outubro de 2010  -ANTÓNIO RAMOS ROSA, POETA DO SOL E DA FACILIDADE DO AR, PARABÉNS ! 86 JÁ CANTAM! VENHA O SÉCULO E MAIS VERSOS antónio ramos rosa, poeta do sol e da facilidade do ar, parabéns



ANTÓNIO RAMOS ROSA  - Destacado poeta e crítico português nascido em Faro em 1924. Foi militante do MUD (Movimento de União Democrática) e conheceu a prisão política. Trabalhou como tradutor e professor, tendo sido um dos directores de revistas literárias como Árvore e Cassiopeia. O seu primeiro livro de poesia, O Grito Claro, foi publicado em 1958. A sua obra poética ultrapassa os cinquenta títulos. É ainda autor de ensaios, entre os quais se salienta A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979-1980). Em 1988 foi distinguido com o Prémio Pessoa. Faleceu em setembro de 2013. https://www.wook.pt/autor/antonio-ramos-rosa/4108

António Ramos Rosa estudou em Faro, não tendo acabado o ensino secundário por questões de saúde[1]. Em 1958 publica no jornal «A Voz de Loulé» o poema "Os dias, sem matéria". No mesmo ano sai o seu primeiro livro «O Grito Claro», n.º 1 da colecção de poesia «A Palavra», editada em Faro e dirigida pelo seu amigo e também poeta Casimiro de Brito. Ainda nesse ano inicia a publicação da revista «Cadernos do Meio-Dia», que em 1960 encerra a edição por ordem da polícia política. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Ramos_Rosa




Celebrado o Equinócio do Outono, 23-09- 2019 – “A Vida é o Dia de Hoje” – Ecoou hoje num dos Templos do Sol, aldeia de Chãs, de V.N de Foz Côa, com poemas lidos e cantados de João de Deus - Com as honrosas presenças do seu bisneto – António Ponces de Carvalho, sua esposa Filomena e o trineto, Salvador - E ainda a leitura de poemas de Manuel Daniel, numa manhã que despertou fresca mas rapidamente banhada de esplendoroso sol


 EQUINÓCIO DO OUTONO CELEBRADO JUNTO A UM CALENDÁRIO E CÂMARA DE RESSONÂNCIA DA PRÉ-HISTÓRIA, COM POEMAS DE JOÃO DE DEUS, LIDOS POR FAMILIARES

Jorge Trabulo Marques - Coordenador  - Videos musicados com algumas das canções cantadas na Igreja de Santo António, no passado dia 13 de Junho 





O primeiro dia do Outono 2019, no Hemisfério Norte, entrou oficialmente esta manhã, dia 23 de Setembro, exatamente às 08:50, tendo sido  celebrado, momentos antes, no monte dos Tambores, aldeia de Chãs, Vila Nova de Foz Côa,  junto ao altar sacrificial do Santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nª Srª, com os raios solares a atravessarem a sua  graciosa gruta, em forma de semi-arco, com a leitura de belos momentos de poesia de João de Deus e de Manuel Daniel  


Poemas de João de Deus, cantados pela esposa de António Ponces de Carvalho, que também teve a amabilidade de  calorosamente nos surpreender com  poemas directamente lidos do magnifico livro, Campo de Flores, que, no final da cerimónia, gentilmente nos ofereceu.





A saudação à chegada do primeiro dia do Outono, que começou por ser assinalado frente ao frontispício   do monumental  megalítico, localizado próximo a uma zona castreja,  integrada nas já tradicionais festividades dos ciclos das estações do ano,  acabou por decorrer também na face voltada a nascente e na  Pedra da Audição,   uma câmara de ressonância em forma de ouvido, visto ali os sons, além de lhe vibrarem intensamente no peito e na alma, a quem ali se recolhe sentado, parecem até expandir-se por todo o Universo 




 



Poeta Manuel Daniel -  Em o “Anjo do Esquecimento” – Na Celebração do Equinócio do Outono 2019

MANUEL DANIEL –  UMA VIDA INTENSA E MULTIFACETADA – ADVOGADO, POETA, ESCRITOR, DRAMATURGO E O HOMEM AO SERVIÇO DA CAUSA PÚBLICA

Tal como havíamos previsto, também aproveitámos para, neste festival poético, lermos poemas do nosso estimado amigo e colaborador, Dr Manuel Daniel, atualmente invisual,  que só não esteve presente por via da sua incapacidade física.
  O abraço amigo de profunda gratidão por tão reconfortantes e belas poéticas palavras, em  o  Anjo do Esquecimento - Com encarecidos votos a Deus que lhe devolva a luz aos seus olhos, que tanto carece,  para poder  contemplar as maravilhas da sua criação e as poder sublimar  na sua calorosa verve  e sensibilidade religiosa e poética.




  -
A manhã irrompeu fresca, com algumas névoas  a toldar o  céu,  quase a fazer-nos lembrar a instabilidade do último  Sábado e Domingo, todavia, à medida que o astro-rei subia a nascente, os seus luminosos raios,  mais se espelhavam esplendorosos,  como que a abençoar os  frutos e as colheitas, especialmente as vindimas, que é justamente o tempo em que decorrem por estas bandas do Douro e beira-transmontana, embora com muito suor e esforço, mas em jeito de festa, em que se recolhem os bagos das uvas para produzir o vinho generoso, o mundialmente tão conhecido e precioso néctar do vinho do Porto.

Repetiu-se, pois, uma vez mais, de forma singela e desprendida, a tradição que pretende recuperar antiquíssimos rituais, esquecidos no tempo, dos homens, que viviam e se abrigavam nas cavernas dos penhascos de granito, que por aqui  se erguem como inexpugnáveis  e cinzentas muralhas encasteladas, cujas vidas dependiam exclusivamente dos ciclos da Natureza, que cultuavam e celebravam, nos seus observatórios astronómicos e locais de culto – Eram os adoradores do Sol, o Deus Mais Antigo da Terra, fonte da vida de todas as formas existentes nos mares e à superfície  do nosso planeta.


A estação do Outono é o inicio da despedida do Verão, com os dias em geral ainda  amenos, mas trazendo consigo mais frio e chuva, e o cair das folhas amarelas. Em Portugal, o outono termina 22 de dezembro, às 4h19, dando início ao inverno. dando lugar ao Solstício de Inverno.

Os equinócios ocorrem duas vezes por ano, na primavera e no outono, nas datas em que o dia e a noite têm igual duração. A partir daqui até ao início do outono, o comprimento do dia começa a ser cada vez maior e as noites mais curtas, devido ao Sol percorrer um arco mais longo e mais alto no céu todos os dias, atingindo uma altura máxima no início do Solstício de Verão. É exatamente o oposto no Hemisfério Sul, onde o dia 20 de março marca o início do Equinócio de Outono. http://oal.ul.pt/equinocio-da-primavera-2019/

 O enorme penedo,  visto de leste para oeste, prefigura um enorme crânio, como que pronto a ser decepado - daí  ser classificado, pelo arqueólogo e etnógrafo, Porf Adriano Vasco Rodrigues, como um local de culto ou de sacrifício, possui uma gruta em forma de semi-arco, com cerca da 4,5 metros de comprimento, que é iluminada no seu eixo no momento em que o Sol se ergue no horizonte, proporcionando uma imagem invulgar, tal como hoje voltou a ser testemunhada,  na  face que se abre em forma de radioso leque para quem se posicione no alinhamento sagrado, de costas a poente, que passa perpendicularmente ao muro e  às pedras que o balizam, como verdadeiro calendário astronómico.

POETA JOÃO DE DEUS – EVOCADO COM DUAS DAS SUAS MAIS RECENTES GERAÇÕES: COM A PRESENÇA DO BISNETO ANTÓNIO PONCES DE CARVALHO E A SUA ESPOSA, E O TRINETO DE 4 ANOS 

A celebração foi anunciada, na missa dominical, graças à gentileza do parco da freguesia, mesmo assim, com a aldeia envolvida nas vindimas,  numa terra igualmente marcada pela desertificação, não era fácil congregarmos os mesmos participantes da celebração do solstício do passado mês de Junho, que decorre do fim  da tarde ao pôr-do-sol, enquanto esta decorre  com  o astro-solar a levantar-se a oriente, no entanto, damo-nos por satisfeito por termos podido contar com um  caloroso grupo de amigos, que saudaram  o inicio da Estação dos frutos e das colheitas,, dir-se-ia de coração em festa, deslumbrados pelo fabuloso fenómeno solar, a que puderem assistir e  também pelos  belos momentos poéticos, vividos no interior do recinto  amuralhado.

Momentos de recolhimento, ao lado,  na Pedra da Audição ou das Orações
A bem dizer, tantas foram as emoções, que não é fácil  como descrever a celebração que dedicamos a este primeiro dia,  em que a luz e as trevas se repartem, em que o dia é igual à noite, não apenas pelo prazer renovado de poder contemplar uma das maravilhas, que nos legaram os homens da pré-história, mas também pelo caloroso convívio amistoso e poético proporcionado pelo pequeno grupo de participantes..

Sim, além dos habituais amigos, que vêm colaborando nas tradicionais festividades, que vimos organizando desde há cerca de 20 ANOS,  nomeadamente de António Lourenço, José Lebreiro,  Agostinho Soares, Hermínio Lemos, assim, como das reportagens fotográficas de Pedro Daniel e Adriano Ferreira,  quem haveria de imaginar, se bem que já constitua uma tradição a leitura de poemas e a evocação de poetas,  que, a nossa singela celebração de hoje, ia contar com a honrosa e amável presença de duas gerações do poeta João de Deus: do seu bisneto, Prof Doutor António Ponces de Carvalho, sua esposa e filho, o trineto –  associaram-se à leitura dos poemas de João de Deus,   um dos quais cantado pela Filomena

CELEBRAMOS A BELA POESIA DE JOÃO DE DEUS - Com poemas extraídos do livro CAMPO DE FLORES,  que a sua neta, amavelmente  nos  autografou e ofereceu   -  E, agora, também diretamente da mesma obra, magnificamente ilustrada e editada pela Associação  de Jardins-Escola João de Deus, que o seu Presidente,  Prof Doutor António Ponces de Carvalho, teve a gentileza de nos ofertar.


Associação de Jardins-Escolas João de Deus, com sede em Lisboa e  fundada em 1882, sob o nome Associação de Escolas Móveis pelo Método João de Deus,  é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) dedicada à educação e à cultura cuja atividade se reparte pela ESE João de Deus e por 37 Jardins-Escolas distribuídos pelo país.
De recordar que, há dois anos e no âmbito da comemoração dos 100 anos do Museu João de Deus, a Associação de Jardins-Escola João de Deus foi distinguida pelo  Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa com a Ordem Honorífica de Instrução Pública.


João de Deus de Nogueira Ramos nasceu em São Bartolomeu de Messines, Algarve, no dia 8 de março de 1830 e faleceu em Lisboa no dia 11 de Janeiro de 1896. Frequentou o curso de Direito na Universidade de Coimbra e, acabado o curso, dedicou-se ao jornalismo e à advocacia em Coimbra, Beja, Évora e Lisboa. Ligado inicialmente ao ultra-romantismo, depressa o abandonou seguindo uma estética muito própria. As suas poesias foram reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Dedicou-se à pedagogia, resultando daí a Cartilha Maternal, publicada em 1876 e tendo como fim o ensino da leitura às crianças. Foi um dos grandes amigos e admiradores de Antero de Quental. MAIS PORMENORES EM https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_de_Deus_de_Nogueira_Ramos




A VIDA

A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!

João de Deus 



VENTURA

O Sol na marcha luminosa voa
Lançando à terra majestoso olhar;
 Passa cantando quem o ar povoa,
E a praia abraça venturoso o mar.

No bosque o vento doce canto entoa,
Ouvem-se em coro as multidões cantar:
Que a um só triste o coração lhe doa,
 Que eu seja o único a sofrer, penar!

Por ti, saudade... de quem vai tão perto·
E a quem dos olhos e das mãos perdi
Neste tão ermo, lúgubre deserto!

Por ti, ventura ... que uma vez senti;
Por ti que às vezes a meu peito aperto
 E ... o peito aperto sem te ver a ti!

João de Deus – Do livro Campo de Flores

 

 


 MARIA DA LUZ PONCES DE CARVALHO - QUE TIVE O PRAZER DE CONHECER  - TAMBÉM RECORDÁMOS O SEU NOME

Neta de João de Deus, o autor da Cartilha Maternal (1876), e filha do pedagogo João de Deus Ramos, foi inscrita na toponímia de Lisboa a também educadora Maria da Luz Ponces de Carvalho, pelo Edital de 03/07/2008, no eixo pedonal entre as Malhas 19 e 20.1 do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar que passou a ser um Jardim, com uma área de 0,37 ha, na então Freguesia da Charneca e hoje, de Santa Clara.
Maria da Luz de Deus Ramos Ponces de Carvalho (Lisboa/27.06.1918 – 08.12.1999/Lisboa), nascida alfacinha na freguesia de São Sebastião da Pedreira,  foi a principal continuadora da obra de seu avô e de seu pai, exercendo a partir de 1943 trabalho educativo nos Jardins-Escolas João de Deus e leccionando em simultâneo a disciplina de Educação Sensorial no Curso de Educadoras de Infância pelo Método João de Deus..https://toponimialisboa.wordpress.com/2015/10/12/o-jardim-da-neta-de-joao-de-deus/
POETA  MANUEL J. PIRES DANIEL   Nasceu em Vila de Meda (hoje cidade) em 18 de Novembro de 1934. Sem dúvida, um admirável exemplo de labor e de tenacidade, de apaixonado pelas letras e de sentido e dedicação ao bem comum – Nos seus livros, perpassam prefácios elogiosos, tanto pelo Presidente da Câmara de Meda, a sua terra, como de Vila Nova de Foz Côa, onde foi Presidente da Assembleia Geral, entre outras altas funções.

HOJE SEUS OLHOS JÁ NÃO PODEM CONTEMPLAR A LUZ DO DIA  - ESTÁ COMPLETAMENTE CEGO  -  Os seus belos versos fazem parte das tradicionais celebrações evocativas nos Templos do Sol   - São indispensáveis.


MANUEL DANIEL –  UMA VIDA INTENSA E MULTIFACETADA – ADVOGADO, POETA, ESCRITOR, DRAMATURGO E O HOMEM AO SERVIÇO DA CAUSA PÚBLICA

 A sua vida tem sido pautada pela dedicação mas também pela descrição. Atualmente, debatendo-se com extremas limitaçoes da sua vista, por via de ter ficado completamente cego, no entanto, pese tão dura limitação, nem por isso a verbe do poeta se esgota  e, dentro do que lhe é possível, com apoio amigo da família, lá vai compondo os seus versos e editando livros.  Em cujos poemas  perpassa o que de melhor têm a poesia portuguesa -  Domina com mestria os mais diversos géneros poéticos e neles se expressa, a par de um  profundo sentimento de religiosidade, o amor à terra, à natureza, aos espaços que lhe são queridos,  suas inquietações e interrogações, sobre a efemeridade da vida  e o destino do Homem - Em Manuel Pires Daniel, não há jogo de palavras mas palavas que vêm  do coração, que brotam  naturalmente, como água da  melhor fonte, que corre das entranhas  do xisto ou do granito da nossa terra

Anjo do Esquecimento
Ao Jorge Trabulo Marques

Não é a brisa, não. Muito menos o vento.
É o Anjo de Letes, Anjo do Esquecimento.

Um Ser predestinado p’ra ajudar na viagem
para a Eternidade, que está na outra margem.

Veio já uma vez, sem se ter feito nada.
Com a alma confusa, a vez foi adiada.

Não tem critério a vez, nem ninguém a conhece.
A viagem sucede quando o Anjo aparece.

Segue-se na visita o usual programa.
É uma rotina, certa, quando o anjo nos chama.

Ninguém pode levar riquezas ou dinheiro.
Só leva uma moeda p ́ra pagar ao barqueiro.

Já a meio do rio, sabe nesse momento
que perde para sempre o seu conhecimento.

E ante a Suprema Luz, após sentença breve,
dá-se a retribuição conforme a vida teve.

A segunda visita veio sem ser marcada.
Está distraída a alma, e mais, muito ocupada.

O Anjo, renitente, não pára de insistir:
-"Não foi da outra vez, agora temos de ir." –

Há um abismo em mim, por falta de vontade.
Não me sinto capaz nesta oportunidade.

Nem uma despedida eu já tentara ainda.
Como posso partir, se esta vida é tão linda!

O mundo está perdido; há mal em todo o lado,
mas não conheço espaço que dê maior agrado.

Como posso perder as cores do arrebol,
a tarde extraterrestre de um lindo pôr do Sol!

Deixar de ver as cores de belas mariposas,
volteando em canteiros de lírios e de rosas.

Deixar de ouvir crianças de risos cristalinos!
E em capelinhas brancas a doce voz dos sinos!

Como posso deixar um mundo tão bonito
por um sonho ignorado tirado ao infinito.

Só Deus e o homem podem viver uma afeição.
Os anjos não possuem tão grande coração.

Eu não posso deixar nenhum dos meus recantos;
estão cheios de saudades, estão neles os meus encantos.

Não tem preço a beleza que vai do vale à serra.
Eu não posso deixar-te, gente da minha terra!

Anjo, não tenho força. Falece-me a coragem.
Como posso deixar de fazer a viagem?

Nem Deus me perdoava se eu fosse embora assim!
Anjo do Esquecimento, Esquece-te de mim!